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A possível manipulação dos julgamentos morais

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Academic year: 2021

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A possível manipulação dos julgamentos morais

Artigo: Alexandra Lopes de Oliveira1

Os estudos do cérebro humano proporcionaram novas descobertas sobre como é processado o raciocínio moral dos indivíduos. A partir da análise de exames, radiografias e outros métodos de pesquisa neuropsicológica modernos, ficou entendido que determinadas áreas do cérebro são responsáveis pelas razões que nos levam a fazer escolhas morais: as nossas crenças, desejos, intenções. Estes são fatores importantes que influenciam diretamente no comportamento das pessoas ao julgar moralmente um caso ou situação.

O caso emblemático responsável pelo início dos estudos do cérebro para

entender a moral foi o do operário Phineas Gage.2 No século XIX, em um acidente com

explosivos, Gage teve sua cabeça atravessada por uma barra de ferro que penetrou em sua bochecha esquerda e saiu no topo de sua cabeça, transpassando pelo cérebro. Depois do ocorrido, sua forma de agir moralmente foi profundamente modificada, passando a ter julgamentos morais diferentes de antes do acidente (e.g tornou-se rude, desrespeitoso, arrogante, passou a se apresentar em circos para aproveitar-se financeiramente de suas cicatrizes, etc.). Concluiu-se, a partir deste acidente, que havia uma determinada parte do cérebro que se referia exatamente à personalidade, emoções e, conseqüentemente, às escolhas morais, e que deveria ser estudada mais profundamente.

Partindo desse fenômeno da existência destas áreas cerebrais que influem diretamente nos julgamentos morais, a Professora Liane Young, juntamente com seus

colegas, desenvolveu recentemente uma linha de pesquisa3 que provava ser possível

modificar os juízos morais de um indivíduo por meio de estímulos aos locais no cérebro responsáveis pelos fatores que nos levam às escolhas morais. Sua técnica foi criar “lesões virtuais” no cérebro, especificamente nas áreas subjetivas, mediante a chamada estimulação magnética transcraniana (“transcranial magnetic stimulation”- TMS).

Em sua pesquisa Young percebeu que, normalmente, julgamos o comportamento dos indivíduos pelos seus pensamentos e intenções em determinadas situações de fato. Como exemplo, ela diz que consideramos moralmente proibida a tentativa de um homem causar dano a outrem, e condenamos moralmente a pessoa que tenta causá-lo

1

Estudante do curso de Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e bolsista do projeto Ética e realidade atual: o que podemos saber, o que devemos fazer (www.era.org.br).

2

Phineas Gage’s story - http://www.deakin.edu.au/hmnbs/psychology/gagepage/Pgstory.php acessado em 11.11.2010. Note-se que seus colegas de trabalho passaram a afirmar que “Gage is not Gage”.

3

A pesquisa que trata o presente artigo pode ser encontrada no sítio eletrônico http://www.scienceandreligiontoday.com/2010/04/08/how-easy-is-it-to-manipulate-someones-moral-reasoning-liane-young-answers/

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2 ainda que não o faça efetivamente. Interrompendo as transmissões neurais do cérebro, lesionando a área que nos faz condenar as intenções do indivíduo em causar dano a outras pessoas (sem ter realmente causado), é possível perceber que há uma diminuição da importância do plano das intenções e uma maior importância do papel das ações e dos resultados. Ou seja, a partir dessa intervenção, passamos a entender como mais moralmente permitida a intenção fracassada de uma pessoa em prejudicar outra do que julgaríamos na ausência da lesão virtual.

Estas “lesões virtuais” a que se refere Young são modelos criados para provar que modificações nas áreas específicas do cérebro são capazes de alterar os julgamentos morais (como acima descrito). Importante ressaltar o estudo feito pelos professores Fiery Cushman, Joshua Greene e, também, Liane Young, no texto “Multi-system Moral

Psychology”4

, que mediante a análise de indivíduos com lesões reais no cérebro, percebeu-se que as escolhas morais são diferentes dependendo da área afetada. Eles

relatam uma pesquisa que foi feita com pacientes que possuem Demência

Frontotemporal (FTD), da qual se extraiu que seus comportamentos são falhos no âmbito emocional. Atuam de forma transgressiva, como furtando, atentando à incolumidade física das pessoas ou agindo de forma sexualmente inapropriada. A estes indivíduos foram apresentados os tradicionais casos-dilema da Filosofia, quais sejam, o “Switch Case” e o “Footbridge Case”. Estes casos foram criados primeiramente por Phillipa Foot e depois aperfeiçoados por Judith Thomson.

A primeira situação, denominada “Switch case”, expõe o seguinte problema: um bonde está passando e um indivíudo observa que em uma parte do trilho há cinco pessoas presas, enquanto nos trilhos auxiliares há uma pessoa presa. O bondinho está desgovernado, e, se seguir adiante, atropelará as cinco pessoas. O observador, porém, tem próximo a si uma alavanca, que se acionada mudará a direção do bonde, atingindo apenas a única pessoa que estava presa ao trilho auxiliar. O segundo caso – “Footbridge Case” – segue a mesma lógica. Aproxima-se um bonde desgovernado, e em sua trajetória há cinco pessoas presas aos trilhos. O observador, neste caso, está acima dos trilhos, em uma ponte, junto com um indivíduo com sobrepeso. Caso este observador

empurre esta pessoada ponte para os trilhos, seu corpo certamente irá parar o bondinho,

salvando as cinco pessoas (ressalte-se que o observador não tem peso suficiente para

impedir a passagem do bonde).5 A resposta dos enfermos entrevistados foi de que não

somente puxariam a alavanca no primeiro caso (assim também respondem as pessoas sem FTD), como também empurrariam a pessoa de maior peso próxima para parar o bonde no segundo, (diferentemente do que costuma responder a maioria das pessoas sem essa lesão que participam do experimento, as quais se recusam a empurrar a pessoa

4 CUSHMAN, F., GREENE, J. e YOUNG, L. – The Multi-system Psychology – The Moral Psychology

Handbook - Oxford University Press, USA (July 6, 2010)

5

GREENE, J. - Moral Dilemmas and the “Trolley Problem” http://www.wjh.harvard.edu/~jgreene/ acessado em 26.11.2010.

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de sobrepeso) o que denotava a falta de empatia e afeto destas pessoas (visão

consequencialista em ambos os casos).

Outro caso de lesão real no cérebro apresentado por Young, Cushman e Greene, é o da deterioração emocional por lesão ao Córtex Ventromedial Pré-frontal (VMPC). Estas lesões são de menor impacto do que as anteriormente referidas (FTD). Os pacientes têm em comum com os lesionados por demência frontotemporal a falta de empatia e o afeto reduzido, mas, contrariamente a estes, possuem maior alcance funcional da inteligência. Por esta razão, os pacientes de VMPC são os mais adequados para estudar o papel emocional nos julgamentos morais. Neste caso, Young e colegas fizeram testes em um grupo de seis pacientes, com lesões bilaterais de VMPC, a fim de determinar se o processamento sentimental observado nestes casos é ou não necessário para influir nos julgamentos morais. A estes indivíduos, uma série de situações morais

pessoais e impessoais6 foi mostrada, solicitando que valorassem e decidissem como

agir. O resultado foi de que estes pacientes respondem da mesma forma que a média das pessoas sem lesão alguma às questões impessoais, porém no que tange às questões pessoais morais eles tendem a escolher uma atitude sentimentalmente danosa se isso gera um benefício a um maior número de pessoas (como por exemplo, eles falam que no

caso do “Crying Baby”7, estes indivíduos sufocariam o bebê para salvar a vida de todos

que estão no porão). Ou seja, eles seriam mais consequencialistas, o que seria, a priori, contraditório, pois como diz Cushman, historicamente o consequencialismo é ligado diretamente ao emocional – aspecto subjetivo que falta a estes pacientes com VMPC, enquanto o deontologismo é ligado à razão Kantiana. Nesta tese, porém, Cushman e os colegas mostram que o consequencialismo passou a ter muito mais fundamento racional

enquanto o deontologismo se mostrou embasado nas emoções e sentimentos.8

6

“Pessoal” e “impessoal” são características da natureza de um modo de agir e da situação exposta pelo pesquisador. Por exemplo, o caso do “Switch case” é impessoal, eis que a ação é apenas de mover uma alavanca. Já no “Footbridge case” é relativamente pessoal, pois é necessário empurrar uma pessoa próxima, há uma maior proximidade.

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O “Crying Baby Dilemma” é um exemplo de caso moral difícil a se resolver. A hipótese colocada é a de que uma pessoa teve sua vila devastada por soldados inimigos que têm ordem de executar todos os habitantes remanescentes, mas consegue encontrar refúgio em um porão de uma casa juntamente com sua família. Do lado de fora, esta pessoa começa a ouvir os passos e vozes do soldado dentro da casa e, concomitantemente, o bebê da família começa a chorar histericamente. O dilema moral está na decisão a ser tomada: ou asfixiar o bebê com as mãos em sua boca, causando-lhe a morte conseqüentemente, ou deixar o bebê chorar e atrair a atenção dos soldados, o que levará todos do porão à morte. No caso elencado, estes indivíduos com VMPC escolheram sufocar o bebê até a morte. De qualquer forma, o bebê acaba morrendo em ambas as situações.

8

Para maior esclarecimento a respeito desta relação entre o aspecto emocional e as decisões deontológicas ou consequencialistas, ver a obra já referida de Cushman, Young e Greene.

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4 Retornando à pesquisa de Young, a mesma foi questionada sobre a ética acerca da utilização das lesões virtuais – seria antiético manipular o raciocínio moral das pessoas? Para ela, esta questão traz dois tipos de mal-estar em níveis diferentes; o primeiro seria um mal-estar referente à manipulação da mente, enquanto o segundo é referente à manipulação da moralidade. Muitas pessoas já ouviram dizer de experimentos psicológicos que utilizam pessoas comuns e as transformam em “monstros morais”. Young expõe que, em um famoso experimento do Prof. Stanley

Milgram9, alguns participantes eram instruídos a serem “professores” e darem choques

elétricos nos “alunos” como punição para respostas incorretas. Importante notar que estes choques elétricos não foram dados de fato. Estes “professores” acreditavam estar administrando choques reais enquanto escutavam as reações e reclamações dos “alunos” em uma sala contígua. Na realidade, porém, esses alunos eram atores e as reações tinham sido previamente gravadas e eram reproduzidas automaticamente por um gravador. Ficou demonstrado que a maioria dos participantes continuou a acionar o botão que supostamente dava os choques quando instruídos para tal, até os níveis elétricos mais altos - chegando a atingir níveis de “perigo extremo”.

Nesta pesquisa do Prof. Milgram, os estudos psicológicos demonstraram que normalmente nós fazemos o que nos é dito ou o que os outros estão fazendo. Estes tipos de experimentos demonstram que sob determinadas circunstâncias (sejam mandamentos de autoridades ou do ambiente que se está inserido), pessoas comuns mudam profundamente em diversos sentidos. No entanto, por mais asqueroso que esse tipo de experimento possa parecer (e, como disse Young, há vários desta natureza), nota-se que as pessoas sentem maior repulsa na idéia do controle da moralidade por estímulos magnéticos.

O estudo desenvolvido por Young se focou na análise dos julgamentos em oposição aos comportamentos. A descoberta foi que, numa escala moral que vai de um a sete (estando no primeiro nível os comportamentos completamente reprovados pela moralidade), foram descobertas mudanças no julgamento moral das pessoas de cerca de um ponto, opostamente a mudanças no comportamento e atitude destas. Afirma, então, que parece que a manipulação da mente e da moral acaba nos abalando mais do que as implicações trazidas com a manipulação de comportamentos. Como diz Young, temos a sensação de que independente de quais são nossas ações, somos definidos pelo que pensamos ou como sentimos (e não por como agimos).

Liane afirma que esta definição de sermos o que pensamos é que gera o mal-estar das pessoas frente à possibilidade de alterar os julgamentos morais dos indivíduos. Acredita-se, em geral, que alterar a cognição moral é muito mais perturbador do que alterar qualquer outro tipo de cognição funcional do ser humano. Isso decorre exatamente pela valorização extremada dos nossos pensamentos em detrimentos das

9

O estudo do Prof. Milgram é bem explicitado por um artigo da NIU em http://www3.niu.edu/acad/psych/Millis/History/2003/stanley_milgram.htm acessado em 16.11.2010.

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5 nossas ações – o que pensamos e o que sentimos é o que nos define. Por esta razão, Young afirma que enquanto reconhecemos facilmente que a alteração de determinadas regiões do cérebro pode trazer dificuldades na visão e na fala, temos uma maior dificuldade em entender e aceitar que alterar determinada parte deste órgão irá mudar nossos juízos morais. A moral está no cérebro, mas temos pouca facilidade em entender isso (e, segundo a prof. Liane, ficamos até assustados com esta situação), já que esta afirmativa levaria à conclusão de que mudar a moralidade de alguém é tão fácil quanto mudar o cérebro de alguém.

Portanto, da análise depreendida da pesquisa de Young, pode-se concluir que, apesar de parecer estranho, é possível modificar os julgamentos morais das pessoas quando certas partes do cérebro em que se encontram fatores que determinam a moral são estimuladas. Isso faz com que situações que pareçam perturbadoras moralmente passem a ser mais aceitáveis, acarretando a alteração dos juízos morais prévios feitos comumente pelo indivíduo.

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