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Sistematização do Seminário Internacional. Acesso e Conclusão da Escola Secundária: os desafios e possibilidades do campo

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Academic year: 2021

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Sistematização do Seminário Internacional

Acesso e Conclusão

da Escola Secundária:

os desafios e possibilidades

do campo

(2)

Sistematização do Seminário Internacional

Acesso e Conclusão

da Escola Secundária:

os desafios e possibilidades

do campo

Manaus, de 3 a 5 de dezembro de 2018

“As opiniões, dados e análises que integram a presente obra são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente as opiniões do UNICEF”.

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EXPEDIENTE

APRESENTAÇÃO

A educação é um direito fundamental e uma ferramenta decisiva para o desenvolvimento de pessoas e sociedades. A crescente complexidade do desenvolvimento humano e social da população mundial trouxe impactos educacionais.

As múltiplas ruralidades apresentam inúmeras possibilidades e desafios para quem nelas habitam, produzem, lecionam e estudam. Os sistemas educativos tem de se relacionar diretamente com a vida na comunidade da qual eles se erguem e para o qual eles apresentam uma conexão entre o presente, o passado e o futuro.

A presente publicação tem como objetivo sintetizar as mais importantes discussões e ensinamentos que vieram a luz a partir da realização do Seminário Acesso e conclusão na Escola Secundária: os desafios do campo realizado em Manaus entre os dias 03 e 06 de dezembro de 2018 sob iniciativa do UNICEF em parceria com o CENPEC.

No Seminário tivemos a oportunidade de ouvir atores muito distintos que discutem diariamente a educação escolar nessas ruralidades a partir de visões e lugares de fala extremamente diferentes como: governos, universidade, conselhos, movimentos sociais e sala de aula, discutindo não só o Brasil, senão a realidade latino americana.

Cada criança e adolescente deve estar na escola: vivendo no meio da Floresta Amazônia ou na Patagônia. Cada criança e adolescente tem direito de aprender: no Semiárido Brasileiro ou nos Andes.

Boa Leitura!

Ítalo Dutra

Chefe de Educação do UNICEF no Brasil

Essa publicação e o referente Seminário Internacional “Acesso e Conclusão da Escola Secundária: os desafios e possibilidades do campo” que ela busca sistematizar, foi apoiada e revisada pelo Escritório Latino Americano e Caribenho do UNICEF.

REALIZAÇÃO

FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA

Florence Bauer - Representante do UNICEF no Brasil Paola Babos - Representante Adjunta do UNICEF no Brasil Ítalo Dutra - Chefe de Educação do UNICEF no Brasil

Michael Klaus - Chefe de Comunicação e Parcerias do UNICEF no Brasil

NÚCLEO EDITORIAL

Matheus Rangel, Júlia Ribeiro e Ítalo Dutra (Educação), Elisa Meirelles Reis (Comunicação), Paula Marques e Boris Diechtiareff (dados estatísticos) e CENPEC (Letícia Araújo Moreira da Silva, Márcia Coutinho e Alba Cerdeira).

PRODUÇÃO EDITORIAL

Produção de conteúdo: Matheus Rangel, Júlia Ribeiro, Paula Marques, Monica Prestes, Lívia Anselmo, Beatriz Lomonaco, Silvina Corbetta, Maria Cristina Vargas, Rita Gomes do Nascimento, Olga Zattera, Mariana Martins de Meireles, Maria das Graças Serudo Passos, Emilson Frota de Lima, Elias Prudant, Catarina Malheiros da Silva e Letícia Araújo Moreira da Silva.

Projeto gráfico, capa e diagramação: Vilmar de Oliveira

COORDENAÇÃO TÉCNICA

CENPEC

Diretora Executiva - Mônica Gardelli Franco

Diretora de Tecnologias Educacionais - Maria Amabile Mansutti

Gerente de Tecnologias Educacionais em Ação - Wagner Antônio dos Santos Técnica de Programas e Projetos responsável - Letícia Araújo Moreira da Silva

APOIO TÉCNICO

Luisa Roa

FOTOS

Samara Nunes e Juliana Pesqueiro

www.unicef.org.br

www.facebook.com/unicefbrasil www.twitter.com/unicefbrasil Instagram: @UnicefBrasil

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Índice

SEMINÁRIO

Sistematização do Seminário Internacional

Acesso e Conclusão da Escola Secundária:

os desafios e possibilidades do campo

11

15

22

26

31

36

42

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87

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INTRODUÇÃO PALESTRA DE ABERTURA

A educação secundária no contexto rural dos países do Mercosul.

Silvina Corbetta e Rita Gomes do Nascimento

RODA DE CONVERSA 1

Formação do docente de ensino médio do século XXI.

Mariana Martins de Meireles e Olga Zattera

RODA DE CONVERSA 2

Inovação curricular no contexto rural, as aulas multisseriadas,

os modelos itinerantes e pedagogias de alternância.

Maria Cristina Vargas, Maria das Graças Serudo Passos e Ornella Lotito

RODA DE CONVERSA 3

Qualidade educativa nas escolas secundárias do campo.

Emilson Frota de Lima, Elías Prudant e Catarina Malheiros da Silva.

RODA DE CONVERSA COM ADOLESCENTES

Os desafios e as possibilidades do ensino médio mediado por TICs.

Ensino Médio e territórios rurais: qualidade educativa para

adolescentes e jovens.

Catarina Malheiros da Silva

A obrigatoriedade da educação secundária na modalidade

de educação rural: tendências e desafios na Argentina.

Elias Prudant

Desafios e avanços da educação escolar indígena no Amazonas.

Emilson Frota de Lima e José Mario dos Santos Ferreira

Educação do Campo: a luta dos povos do campo para uma

Educação Emancipatória.

Maria Cristina Vargas

Pedagogia da Alternância no Amazonas.

Maria das Graças Serudo Passos

Ensino Médio, escola rural e trabalho docente no século XXI:

(in)certezas sobre formação de professores no Brasil.

Mariana Martins de Meireles

Condições necessárias para a formação docente rural.

Olga Zattera

Política de Educação do Campo no Brasil.

Rita Gomes do Nascimento

Panorama da Educação Secundária na América Latina (com

ênfase nos povos indígenas e populações afrodescendentes).

Silvina Corbetta

ARTIGOS CIENTÍFICOS

04/12/2018 ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 05/12/2018 ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ FO TO : S A M A R A N U N ES

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ACESSO E CONCLUSÃO DA ESCOLA SECUNDÁRIA:

OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO

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SEMINÁRIO

INTRODUÇÃO

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ACESSO E CONCLUSÃO DA ESCOLA SECUNDÁRIA:

OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO

FO TO : J UL IA N A P E SQ U E IRO

INTRODUÇÃO

N

o meio da floresta amazônica, no sertão da Bahia, no pantanal ou nos pampas argentinos, as escolas do campo têm um grande desafio em comum: a missão de oferecer ensino de qualidade a todas as crianças e todos os adolescentes que vivem no contexto rural. Compartilhando dificuldades de diversos tipos, as escolas do campo reivindicam melhoria na infraestrutura – energia elétrica, água, merenda e acesso à internet; no transporte escolar, seja terrestre ou fluvial; como também uma formação específica de professores dessas comunidades. A importância de valorizar a identidade rural e comunitária no contexto escolar e a promoção da inovação das práticas pedagógicas curriculares, integrando os conhecimentos tradicionais ao currículo das escolas do campo são também temas caros aos atores envolvidos. Esses desafios, quando vencidos, podem transformar a vida de milhares de estudantes ao oferecer possibilidades concretas de conclusão do ensino secundário1 e ingresso no ensino superior.

Todos esses temas foram foco de três dias de imersão nas diversas realidades da educação do campo na América Latina, durante o Seminário Internacional Acesso e Conclusão da Escola Secundária: os desafios e possibilidades do campo que reuniu palestrantes do Brasil e da Argentina, representantes de órgãos gestores, entidades de classe, educadores, pesquisadores, professores e estudantes de escolas do campo, na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), em Manaus, entre os dias 3 e 5 de dezembro de 2018. O seminário foi uma iniciativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) com realização do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC) e teve o objetivo de iniciar a interlocução para a construção de uma agenda regional sobre a educação do campo e propor ações para o desenvolvimento de atividades de pesquisa e produção de evidências para melhorar as ações de governos a nível nacional e regional.

A escolha dos temas das rodas de conversa do seminário aconteceu de forma alinhada entre representantes dos escritórios do UNICEF na Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, que definiram os pontos essenciais para a discussão sobre o ensino secundário no campo.

1. De modo geral, o termo “educação secundária” refere-se à etapa educacional que trabalha com adolescentes, referente à faixa etária dos 10 aos 18 anos de idade, variando de acordo com a realidade de cada país. No Brasil, seria o equivalente aos Anos Finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

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ACESSO E CONCLUSÃO DA ESCOLA SECUNDÁRIA:

OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO

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SEMINÁRIO

INTRODUÇÃO

Segundo o chefe de Educação do UNICEF Brasil, Ítalo Dutra, com a configuração atual das escolas do campo, os professores, “têm um papel ainda mais fundamental nesse processo e precisam receber uma formação que os deixem mais capazes de enfrentar os desafios que a educação do campo exige”. Eles são os agentes responsáveis não só pelo planejamento estratégico, mas também pedagógico e, muitas vezes, o suporte emocional dado aos estudantes é o que garante sua presença em sala de aula. Portanto, a capacidade de se fazer comunicar entre as especificidades curriculares, dos estudantes e da comunidade é essencial.

As novas configurações do ensino, como as classes multisseriadas, a Pedagogia da Alternância e inovações curriculares também foram abordados nas rodas de conversa do evento: “Isso precisa ser ofertado de forma diversificada, haja vista a realidade do campo. Os aspectos de qualidade não são mensuráveis a partir de desempenhos acadêmicos parametrizados. A educação do campo tem um arcabouço teórico que precisa ser considerado. Os parâmetros usados para medir a qualidade educativa precisam ser ampliados para abranger as muitas realidades da educação do campo”, explicou Ítalo.

Por fim, a discussão sobre qualidade educativa destacou a necessidade de um acompanhamento minucioso e específico dos resultados do ensino e a importância da participação dos estudantes na identificação dos desafios e possibilidades da educação do campo.

Júlia Ribeiro, Oficial de Educação do UNICEF no Brasil, destacou a importância da realização do seminário sobretudo no que tange a educação secundária no campo. “A zona rural aqui da Amazônia é diferente da zona rural do Nordeste, que é diferente da zona rural da Argentina, mas elas também têm semelhanças. É muito importante a gente observar no que essas diferentes realidades se aproximam para que possamos pensar em possibilidades, em arranjos que deem conta dessas questões. Nossa perspectiva é promover a troca de experiências e iniciar esse processo de discussão para garantir que esses meninos e meninas tenham assegurado o seu direito à educação”.

Assim, o Seminário foi aberto enfatizando a importância da reflexão sobre as muitas realidades da educação do campo que devem ser consideradas nos processos de formulação e implantação de políticas públicas que buscam vencer os desafios que se impõem à educação do campo de qualidade na América Latina.

O QUE SÃO AS CLASSES MULTISSERIADAS?

As classes multisseriadas são salas com estudantes de diferentes idades e níveis educacionais nas quais estão cerca de 60% dos estudantes do campo. Segundo o Censo Escolar 2017, existem 97,5 mil turmas do Ensino Fundamental nessa situação em todo o País, número que vem permanecendo praticamente inalterado nos últimos dez anos.

A baixa densidade populacional na zona rural, a carência de professores e as dificuldades de locomoção são alguns dos fatores que motivaram a criação das classes multisseriadas. Além desses fatores, existem poucos docentes das séries iniciais do Ensino Fundamental com nível superior.

Fonte: https://www.todospelaeducacao.org.br/ conteudo/

Com relação à infraestrutura das escolas, merecem destaque alguns dados que mostram conquistas, mas também problemas que ainda precisam ser solucionados na educação do campo:

CONHECENDO A REALIDADE LOCAL - VISITAS ÀS ESCOLAS E AO CEMEAM

O encontro começou com um intercâmbio cultural que levou todos os participantes e palestrantes presentes no Seminário para conhecerem a realidade de comunidades ribeirinhas da Amazônia e, com essa vivência, enriquecer os debates sobre os desafios e possibilidades da educação secundária do campo. As visitas aconteceram em duas escolas rurais: na escola municipal Professora Elizabeth Siqueira Ferreira, na comunidade Jatuarana, zona ribeirinha de Manaus, e na escola estadual Vital de Andrade, no município de Careiro da Várzea, interior do Amazonas.

Os visitantes, também envolvidos com a educação do campo em suas áreas de atuação, ainda conheceram o Centro de Mídias Educacionais do Estado do Amazonas (CEMEAM), alternativa encontrada pelo Governo do Amazonas para driblar a falta de professores e os obstáculos geográficos

do estado, que é o maior do Brasil, com 1.559.161,682 km², e ofertar, por meio da educação mediada por tecnologia, o ensino secundário a mais de 40 mil estudantes de comunidades rurais e ribeirinhas do Estado do Amazonas.

O CEMEAM transmite aulas produzidas e gravadas em estúdios para mais de 40 mil estudantes de 2,9 mil comunidades rurais e ribeirinhas do Amazonas que não tinham acesso ao ensino secundário.

FO TO : S A M A R A N U N ES

A EDUCAÇÃO DO CAMPO EM NÚMEROS

Fonte: Censo Escolar Qedu 2018

5.473.588 matrículas na educação básica 57.609 escolas

do campo

30% com água

(via rede pública)

87% com energia

(via rede pública)

5% com esgoto

(via rede pública)

34% têm internet e 21% banda larga 354.334 professores

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ACESSO E CONCLUSÃO DA ESCOLA SECUNDÁRIA:

OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO

FO TO : J U LI A N A P ES Q U EI R O FO TO : S A M A R A N U N ES

Panorama da Educação Secundária na América

Latina (com ênfase nos povos indígenas e populações

afrodescendentes)

Silvina Corbetta iniciou sua fala apontando as semelhanças encontradas pelas escolas do campo brasileiras e as da América Latina, em que são insuficientes as ações promovidas pelo poder público para garantir o acesso à educação, especialmente para os públicos indígenas, afrodescendentes e caboclos. A professora apresentou um panorama da educação secundária na América Latina, elaborado a partir dos resultados do estudo Educación intercultural bilingüe y enfoque de interculturalidad en los sistemas educativos latinoamericanos: avances y desafíos2.

Destaca as diferenças na obrigatoriedade do ensino médio entre os diferentes países, sendo estabelecida a partir de 1999 na Venezuela, seguida por Chile, Peru, Argentina, Equador, Bolívia, Brasil e Uruguai, República Dominicana e Paraguai entre 2003 e

2010, Honduras e Costa Rica em 2011 e México em 2012. Portanto, dos 19 países da América Latina, 6 deles ainda não estabeleceram a obrigatoriedade do ensino médio (Colômbia, Cuba El Salvador, Guatemala, Nicarágua e Panamá).

Apesar de as taxas de escolarização de estudantes de 12 a 14 anos de 18 países analisados da América Latina serem bastante altas e terem evoluído significativamente entre 2005-15 (mais de 94% em sua maioria), o grupo de adolescentes entre 15 e 17 anos é o menos atendido, com taxas que variam entre 53,1% para Guatemala e Honduras e 95,5% no Chile. A situação é ainda mais difícil no que tange os jovens de 21 a 23 anos, menos escolarizados. Para estes, há três cenários (dados de 2017):

2. Disponível em https://www.cepal.org/es/publicaciones/44269-educacion-intercultural-bilingue-enfoque-interculturalidad-sistemas-educativos

SILVINA CORBETTA

Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires FO TO : S A M A R A N U N ES

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SEMINÁRIO

A educação secundária

no contexto rural dos países

do Mercosul

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ACESSO E CONCLUSÃO DA ESCOLA SECUNDÁRIA:

OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO

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SEMINÁRIO

PALESTRA DE ABERTURA

Trajetórias escolares sólidas e extensas. Sistemas educacionais combinam um alto nível de acesso e alta retenção

Grupo 1: Chile, Bolívia e Peru (8 em cada 10 estudantes conseguem finalizar os estudos).

Grupo 2: (apresenta trajetórias escolares extensas, mas com menor nível de graduação, alto grau de renda e menor nível de retenção) Argentina, Venezuela, Equador e Colômbia (7 em cada 10 estudantes concluem os estudos.

Trajetórias escolares enfraquecidas. (Algumas restrições de acesso ou impacto de baixa retenção)

Brasil (acesso generalizado, mas com baixo nível de retenção, há efeitos da repetência adicionados). Tendência inversa do Panamá. (6 em cada 10 são titulados) República Dominicana, Paraguai, Costa Rica, México, El Salvador e Uruguai.

Trajetórias escolares fracas e breves. (Acesso restrito e baixa retenção) Na Nicarágua e em Honduras apenas 3 em cada 10 estudantes finalizam os estudos. Na Guatemala, o dado refere-se a um quarto dos jovens.

Segundo o estudo CEPAL-UNICEF de 2018, do qual a palestrante participou, avanços significativos ocorreram entre 2000-2010, especialmente no que se refere às taxas de analfabetismo que diminuíram em todos os países. Todavia, os dados mostram uma diferença significativa em relação às populações indígenas (superiores a 10% em parte do Mercosul, como Brasil e Venezuela).

Fonte: Corbetta, Bonetti, Bustamante y Vergara Parra (2018) sobre a base de censos de população de 2000 e 2010 in Fabiana Del Popolo (ed.), Los pueblos indígenas en América (Abya Yala): desafíos para la igualdad en la diversidad, (LC/PUB.2017/26), Santiago, Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), 2017.

Gráfico 1 - América Latina (6 países): taxa de analfabetismo da população entre 15 e 24 anos segundo condição étnica, entre 2000 e 2010 (em porcentagem)

Quando há informação disponível nos países da América Latina, observam-se profundas diferenças étnicas e de gênero. As taxas de analfabetismo são mais altas nas áreas rurais e quando a variável étnica é adicionada, essas diferenças são muito mais pronunciadas, em detrimento dos povos indígenas.

Observam-se ainda lacunas de gênero desfavoráveis para mulheres em muitos países da América Latina (Panamá, Equador, Peru, Costa Rica e México sobretudo). No caso da cobertura no atendimento às populações indígenas, em 2010, a faixa etária de 6-11 anos era melhor atendida (variando entre 74 a 92% nos diferentes países) do que os adolescentes de 12 a 17 anos, cerca de 70% deles estavam frequentando as escolas. Observa-se que quanto mais alta a faixa etária e o nível escolar a ser alcançado, a permanência na escola é menor.

Dentre a população afrodescendente em 11 países, constatou-se que estes frequentam menos a escola do que os não afrodescendentes. Meninos apresentam ainda pior situação que meninas.

A pesquisadora enumera 3 obstáculos que fragilizam o direito à educação:

O ensino no idioma dominante. A duração da instrução na língua materna é mais importante do que qualquer outro fator na previsão do sucesso dos estudantes bilíngües. Assim, “ altos índices de exclusão ocorrem entre os estudantes que fazem programas em que suas línguas maternas não recebem nenhum tipo de apoio ou são apenas ensinados como sujeitos” (Nações Unidas, 2005c, citado em Del Pópolo, 2017, página 387).

A não pertinência cultural da educação. As crianças que não recebem uma educação ligada à sua cultura acabam produzindo lacunas de aprendizado e rejeitando o conhecimento, com a consequente perda de autoestima e desvalorização de sua língua e cultura.

A qualidade da infraestrutura educativa em geral. Apenas um em cada cinco estudantes nas áreas rurais da América Latina frequenta uma escola com acesso suficiente a água ou saneamento ou com conexão à rede elétrica e/ou telefônica. Apenas dois em cada cinco estudantes são recebidos por escolas com salas de aula devidamente equipadas e apenas metade deles frequenta estabelecimentos com espaços acadêmicos adequados – Dados do Tercer Estudio Regional Comparativo y Explicativo (TERCE) de 2013, (OREALC/UNESCO, 2017)

Para Corbetta, o principal desafio da educação do campo é promover o diálogo saudável entre o que ela chama de “mundo urbano”, em que estão os docentes, e o “mundo das escolas do campo” e das comunidades, onde vivem os estudantes. Integrar os conhecimentos rurais à educação do campo, valorizando assim a cultura local, e preparar professores, o material pedagógico, a estratégia e o formato

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ACESSO E CONCLUSÃO DA ESCOLA SECUNDÁRIA:

OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO

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SEMINÁRIO

PALESTRA DE ABERTURA

de educação utilizados em acordo com a realidade da comunidade em que a escola está inserida são medidas fundamentais para transformar para melhor o ensino das escolas rurais, aponta Corbetta. “Acredito que é um grande trabalho que temos pela frente, ver de que forma a educação rural pode se anunciar a si mesma em termos de como trabalhar suas próprias particularidades. Saber como se constrói esse mundo da escola rural, como se constrói esse saber. E de que modo aqueles que não são do campo podem aprender isso. Apesar dos avanços em acesso e permanência dos últimos anos, o maior desafio permanece esse: como a educação do campo comunicará ao resto do mundo os saberes que possui e como vai se anunciar ao resto do mundo”.

Panorama da educação do campo no Brasil

Enquanto representante do Ministério da Educação, Rita ressaltou os avanços da política de educação do campo desde os anos 80 e define estas escolas para além de sua localização geográfica. O Brasil tem 60.0047 de escolas do campo assim distribuídas INEP, 2017):

Gráfico 2: Distribuição das escolas do campo no Brasil

Apesar de a grande maioria das escolas do campo funcionarem em prédios próprios, as condições estruturais ainda deixam a desejar, sobretudo as de ensino médio. Das 2.244 escolas do campo com matrícula no ensino médio: 56,7% têm laboratório de informática; 52,5% têm biblioteca; 49,3% têm antena parabólica, por exemplo, equipamentos importantes para estudantes desse segmento de ensino.

Em sua intervenção, a profa. Rita afirmou que, no país, antes da qualidade, há um problema de oferta no ensino médio do campo, muitos estudantes ainda precisam sair para estudar fora de suas comunidades. Muitas vezes, estudam em escolas urbanas que, apesar de serem 90% formadas por estudantes vindos de zonas rurais, não se reconhecem como escolas do campo.

Das 28.558 escolas de educação básica do país que oferecem ensino médio, apenas 10,3% estão na zona rural. O ensino médio corresponde apenas a 4% das escolas rurais, de longe o segmento menos atendido. O respeito às particularidades de cada região e o reconhecimento da identidade dessas escolas são fundamentais para superar os inúmeros desafios e atender todas as categorias de educação nas mais de 55 mil escolas do campo existentes no Brasil.

Para reconhecer essa identidade é preciso, primeiro, entender o contexto em que a escola está inserida. Rita enfatizou a importância de reconhecer e trabalhar com a pluralidade da educação do campo. Dela fazem parte os povos das águas, das florestas, os ribeirinhos, os camponeses, afora os indígenas e quilombolas, que não fazem parte do que a educação brasileira chama de educação do campo porque têm educação própria. As possibilidades e os desafios são comuns tanto nas diversas regiões brasileiras como da América Latina de um modo geral.

Um dos diferenciais da educação do campo dos dias atuais é também uma ferramenta de transformação: o sentido de pertencimento. “A questão de pertencimento é bastante exaltada pelos próprios estudantes e isso é próprio da educação do campo, onde quer que ela aconteça. A educação do campo se enraíza com essa discussão da territorialidade, da identidade do ribeirinho, do camponês, e isso é muito importante”, disse Rita, revelando, também, uma preocupação com a proteção desses territórios para preservar povos, culturas e saberes tradicionais.

Para encerrar as atividades do período da manhã, a aluna Joseane da Silva Gomes, de 17 anos, que cursa o 3º ano do ensino médio na escola estadual Vital de Andrade Brandão, localizada na comunidade ribeirinha São Sebastião, no município de Careiro da Várzea, interior do Amazonas, trouxe seu depoimento. A

RITA GOMES DO NASCIMENTO

Diretoria de Políticas da Educação do Campo, Indígena e para as Relações Étnico-Raciais do Ministério da Educação - Brasil FO TO : S A M A R A N U N ES

“A educação do campo é considerada uma modalidade específica integrante da educação básica no âmbito das políticas educacionais brasileiras. A acepção desta especificidade vem sendo construída desde a década de 1980, a partir das lutas dos movimentos sociais e de suas críticas à precariedade das escolas rurais, bem como à perspectiva desenvolvimentista, assistencialista e fragmentada que caracterizava a educação rural. Educação do campo, portanto, não é o equivalente direto das escolas rurais ou daquelas que tão somente se localizam em áreas rurais, dizendo respeito às políticas de educação específicas para as escolas com projetos pedagógicos adequados às populações do campo. Sendo assim, escolas situadas em ambiente urbano, mas que atendam a estudantes do campo também podem ser consideradas escolas do campo, uma vez que se encontrem identificadas com as demandas políticas e as referências culturais das populações campesinas”.

Rita Gomes do Nascimento - citação da nota 1 do artigo produzido para o Seminário, em anexo

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ACESSO E CONCLUSÃO DA ESCOLA SECUNDÁRIA:

OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO

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SEMINÁRIO

PALESTRA DE ABERTURA

estudante considera-se um exemplo do que fora dito até então, pois vive em uma comunidade formada, em sua maioria, por pescadores e agricultores, muitos semi ou não alfabetizados. “Estudar aqui é muito difícil. Enfrentamos cheia, seca, falta de estrutura, de merenda, de verba... às vezes o professor tira do próprio bolso para bancar o aluno. Muitas vezes o barco do transporte escolar é precário, a merenda escolar não chega. É muito comum os colegas faltarem aula porque o barco quebrou ou desistirem de estudar para poder trabalhar e ajudar em casa. A nossa sala, por exemplo, tinha 30 estudantes no início do ano (2018), mas só 25 chegaram no final”.

Ainda em dúvida entre as carreiras de direito e enfermagem, ela afirma, enfaticamente, já ter ao menos uma certeza na vida: a importância de receber uma educação de qualidade. “Disso (estudar) eu não vou desistir, porque a educação é uma coisa que ninguém pode tirar de mim”, disse a adolescente que, ao longo de todo o seu percurso escolar enfrentou limitações estruturais, tecnológicas e pedagógicas, no meio da floresta amazônica. “E tudo valeu a pena e vai valer muito mais, porque a educação que eu estou recebendo ainda vai me abrir muitas portas. Eu sei que vai”.

Depoimentos de professoras

Educar no campo exige, entre tantas coisas, criatividade. Na região amazônica, é preciso não só ter criatividade em dobro, mas também disposição para transformar as adversidades em obstáculos superáveis e, assim, garantir, mais do que o acesso

dos estudantes à escola, o interesse e o aprendizado dentro da sala de aula. E tudo isso, na maioria das vezes, sem o apoio institucional necessário.

Para conseguir colocar em prática o modelo de educação em que acredita na Escola Estadual Vital de Andrade, localizada na comunidade ribeirinha São Sebastião, no município de Careiro da Várzea, interior do Amazonas, a professora Eva Santos busca o equilíbrio entre ensinar português, matemática e desenvolvimento sustentável por meio de equações e regras gramaticais, mas também da pesca, agricultura e pecuária, temas que fazem parte do dia a dia das famílias. Lá, é preciso arranjar meios de falar em sustentabilidade com recursos limitados. E, mais do que isso, conectar a escola aos estudantes, às famílias deles e às comunidades onde vivem, cercados pela floresta e pelos rios.

Mas, como introduzir esses novos temas nas teorias pedagógicas que os professores aprendem na universidade sem perder o interesse dos 283 estudantes de oito comunidades ribeirinhas diferentes após duas, quatro, até seis horas de viagem de barco diárias? É a pergunta que a equipe de educadores da escola precisa responder todos os dias, sem direito a muitos ensaios: a educação do campo tem particularidades que a formação desses educadores, essencialmente urbana, não contempla.

“Aqui vivemos para descobrir e aprender, na prática, a como integrar a realidade dos nossos estudantes também na sala de aula. Mais do que ensinar português ou matemática, nossa missão é educar, é mostrar que existe um mundo de possibilidades além daqui da comunidade, mas também ensinar a eles que a realidade vivenciada aqui é importante e pode e deve ser mantida”, destaca Eva, que é um exemplo dessa realidade a que se refere. Moradora da comunidade ribeirinha São Sebastião desde a infância, ela foi aluna dessa mesma escola do campo, teve que se afastar de lá para fazer faculdade, mas retornou para atuar como professora na instituição em que cursou todo o ensino regular.

Junto com Eva, a pedagoga Elizabeth Pereira da Silva desenvolve, na escola, o projeto que leva para dentro da sala de aula os conceitos da pesca, agricultura e pecuária, com abordagens práticas e teóricas de temas de importância local a partir de outras disciplinas, como geografia, biologia e matemática. Para tudo isso, não é preciso ir longe: a escola está na beira do rio, o gado fica no terreno ao lado e a horta é a mesma que abastece a merenda escolar. “O que nós fazemos é inserir tudo isso aqui na sala de aula. Existem alguns estudantes que não têm a vivência na pesca, mas que têm na agricultura, outros que são mais da pecuária, e assim vamos formando uma rede de valorização do que cada um faz”, ressalta a pedagoga, destacando que a metodologia vem aproximando os estudantes da escola, em vez de afastá-los, como acontecia antes. A explicação das professoras é simples: em vez de abandonar os estudos para trabalhar na agricultura, pesca ou pecuária, os jovens buscam, na escola, conhecimentos que ajudam a incrementar a produção familiar. FO TO : S A M A R A N U N ES

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ACESSO E CONCLUSÃO DA ESCOLA SECUNDÁRIA:

OS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CAMPO

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SEMINÁRIO

RODA DE CONVERSA 1

Mariana Martins de Meireles apontou que um dos pontos sensíveis dos problemas do ensino médio no campo é a formação específica para professores, um dos pilares para fortalecer essa modalidade de ensino, como também para garantir às crianças e adolescentes seu direito constitucional.

Aponta como principais desafios do país, as metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação relativas a esse tema, que devem ser cumpridas até 2024 (Lei 13.005/2014):

l Garantir formação específica de nível superior, obtida em curso

de licenciatura na área de conhecimento em que atuam.

l Formar em nível de pós-graduação 50% (até o final do PNE) dos

professores da educação básica.

l Garantir a todos os docentes da educação básica formação

continuada em sua área de formação.

Acrescentou ainda que há lacunas para os conteúdos curriculares para esse segmento educativo porque os currículos aparecem vinculados a um padrão de formação que, em grande parte do país, desconsidera a diversidade territorial e as especificidades dos professores: “Há uma incerteza muito grande na formação de docentes, especialmente quando falamos de educação do campo. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é urbana, a reforma do Ensino Médio é urbana... onde estão as diretrizes da educação do campo? ”, questionou.

A pesquisadora apresentou dados sobre o fechamento das escolas do campo: mais de 37 mil escolas do campo foram fechadas nos últimos 15 anos, sobretudo no Norte e Nordeste, regiões de grandes extensões rurais e menor densidade demográfica. Mariana chama a atenção para o que chama de um “retrocesso na oferta” que compromete a busca pela qualidade. “Quando analisamos a oferta de Ensino Médio no Brasil, observamos novamente as discrepâncias entre localização

geográfica (rural/urbano) e as regiões e estados brasileiros. No contexto do campo, o quadro se agrava quando notamos as divergências entre as matrículas nos anos iniciais do Ensino Fundamental, onde geralmente há escolas nas pequenas comunidades e as demais etapas, onde há ausência de escolas, associada às questões sociais, históricas, culturais e econômicas acabam por tornar esta ‘corrida’ um direito de poucos”.

No caso do contexto rural, aproximadamente 1/3 dos estudantes não finalizam a Educação Básica. Isso pode ocorrer devido a problemas relacionados à estrutura da escola, ao currículo, às questões sobre ensino e aprendizagem, desempenho acadêmico, de relacionar conteúdos escolares à vida, deslocamentos geográficos casa-escola, a formação de professores, etc. Além disso, importante destacar a entrada dos jovens no mercado de trabalho, dificultando a permanência na escola, e fatores de ordem social e econômica.

Mariana apresentou ainda uma política pública para o Ensino Médio com Intermediação Tecnológica (EMITec) criada em 2010, que permite que estudantes e professores interajam em tempo real, por meio de chat e do uso do streaming de vídeo. São aulas ao vivo que garantem a democratização do acesso, inclusão, permanência, e a conclusão da Ensino Médio por jovens e adultos.

Mencionou cursos de licenciatura do campo, implementados no país a partir do PRONACAMPO, nas Instituições Públicas de Ensino Superior, voltados especificamente para a formação de professores que atuarão na segunda fase do ensino fundamental e ensino médio, nas escolas do campo. Estas são políticas que atendem as reivindicações dos movimentos sociais.

A profa. da UFRB ainda ressalta que a lógica e a cultura do campo precisam ser respeitadas, assim como investir na formação docente para garantir que a formação seja ancorada na realidade rural.

A crítica de Mariana é reforçada pelos próprios docentes e gestores. Pedagoga do Departamento de Gestão de Interior da Secretaria de Estado de Educação (SEED) de Roraima, Aldevânia Matos, uma das participantes do seminário, acredita que a lacuna entre a realidade do campo e a escola do campo se dá a partir da formação do professor. Aldevânia afirma:

“As nossas universidades nos formam professores urbanos, então quando a gente é inserido no contexto da educação do campo a gente não vai com essa carga de conhecimento para adequação ao campo. O conceito de educação para o campo é muito novo. Em Roraima, por exemplo, o curso em licenciatura em educação do campo tem apenas quatro anos e ainda não dialoga com as outras instituições de forma ampla”, contou Aldevânia.

Outro diferencial em relação às escolas urbanas que é comum às escolas do campo, seja no sertão baiano ou nas comunidades ribeirinhas amazônicas, é a aposta no coletivo como elemento transformador daquela realidade pautada no isolamento. E é o docente o “fio conector” entre o estudante, a escola e a comunidade.

Formação do docente de ensino

médio do século 21

RODA DE CONVERSA 1 MARIANA MARTINS DE MEIRELES Professora no Centro do Formação de Professores (CPF) da UFRB Universidade Federal do Recôncavo da Bahia FO TO : S A M A R A N U N ES

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SEMINÁRIO

RODA DE CONVERSA 1

No caso da formação inicial, entre 2008-2009, foram criadas as “Recomendações para a elaboração de desenhos curriculares” que revisaram a formação desse segmento, com coordenação do Ministério da Educação e ampla participação de todos os setores interessados.

“Sabemos que todas as escolas rurais têm coisas em comum, como a pluralidade, o

isolamento relativo, a necessidade dos professores de virem de mais longe e se relacionarem com os estudantes que vivem no entorno da escola... Então, é sempre muito importante seguir pensando em como capacitar os professores e trabalhar a comunidade para que haja um melhor encontro entre esses atores distintos que chegam à escola do campo, que é muito parecida em todo o mundo, mas que em todo o mundo precisa começar a rever alguns conceitos”, analisou Olga. Desse modo, acrescenta a professora, “ indispensável pensar os modelos de organização específicos para a escola do campo para que ela cumpra o seu papel. Os professores rurais têm muito a aprender, mas é com convicção que digo que eles têm muito a ensinar também.”

CONDIÇÕES NECESSÁRIAS

Formação Inicial Formação em Serviço

l Incluir questões relacionadas aos

espaços rurais como objeto de estudo.

l “Levar o ambiente rural à escola”

por meio de recursos como vídeos, relatos e análises de experiências, estudos de caso, etc.

l Realizar trabalhos de campo e

“micro-aulas”

l Projetos compartilhados entre as

Universidades e as escolas com participação dos professores do campo.

l Analisar a prática cotidiana.

l Avançar na análise dos processos de

aprendizagem.

l Recuperar as experiências pessoais

vividas como estudantes.

l Conteúdo: novas ruralidades,

modelos organizacionais próprios e alternativas didáticas especialmente desenhadas para as classes

multiseriadas.

l Avançar no planejamento

compartilhado. “Existe um coletivo, uma proposta de aprendizagem dentro da escola que

nos impressiona pela ideia que temos daquele espaço, que é de isolamento. Mas, quando chegamos aqui somos surpreendidos, porque eles (estudantes, escola e comunidade) se unem nessa ideia e transformam esse isolamento em acolhimento. Dos professores à direção, passando pela tia da cantina, a escola tem um perfil muito comunitário para garantir essa educação”, analisou a pesquisadora Mariana Meireles. Para ela, aproximar o estudante da comunidade é o caminho para a escola do campo integrar a realidade local ao ensino dentro da sala de aula.

Mas, para facilitar essa caminhada, é fundamental investir, primeiro, na formação desses professores. “Só a formação de professores pode mudar o panorama da educação do campo. Claro, aliada a uma série de políticas e investimentos. Mas, capacitar o professor do campo dentro desse conceito de educação do campo é fundamental”.

Olga Zattera concorda com a opinião de Mariana sobre a importância de uma formação específica para os professores do campo. Durante a roda de conversa, a professora argentina apresentou um panorama da educação do campo na Argentina e falou sobre os desafios e possibilidades para garantir o acesso e a qualidade do ensino aos estudantes das mais de 11 mil escolas rurais do país. Como em muitos países, na Argentina as escolas rurais diminuíram de número devido às mudanças ocorridas no campo, e hoje existem mais de 50% de escolas rurais.

A partir de 2006, uma lei nacional (26.206/06) estabeleceu a obrigatoriedade do nível secundário e também criou a Modalidade de Educação Rural, responsável pela definição de políticas educacionais para a população que vive no campo. Estas condições reconhecem as particularidades da educação do campo e impõem o desafio de criar escolas secundárias para atender todos os estudantes, onde quer que residam.

Os temas ligados à educação do campo são cada vez mais presentes tanto nas pesquisas quanto na definição das políticas públicas.

Em relação à formação docente, entendida como um processo permanente que acompanha todo o desenvolvimento da vida profissional, deve considerar tanto a formação inicial de professores que vão trabalhar em contextos rurais como a formação em serviço, para aqueles que provavelmente não receberam formação específica para atuar nesses contextos.

“ Garantir na escola rural o equilíbrio entre o que ela deve ser, por ser uma escola, e o particular, por ser rural.“

Olga Zattera OLGA ZATTERA Coordenadora nacional de Educação Rural do Ministério da Educação da Argentina, especialista em educação rural e professora do curso de mestrado em Currículo da Universidade Nacional de Lomas de Zamora, na Argentina FO TO : S A M A R A N U N ES

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RODA DE CONVERSA 2

Maria Cristina Vargas abriu a segunda roda de conversa do Seminário Internacional chamando a atenção sobre o sério problema de fechamento das escolas rurais no Brasil. Apesar da demanda crescente por vagas, nos últimos oito anos mais de 37 mil escolas do campo foram fechadas no Brasil, segundo o Ministério da Educação (MEC), estimulando um movimento de saída dos jovens das comunidades para os centros urbanos para estudar. A maioria não retorna para as comunidades de origem, “esvaziando” vilas inteiras com o passar das gerações.

Para ela, o desafio vai além de garantir o acesso à educação: ele está em promover a permanência dessas pessoas no campo, com seus conhecimentos e suas profissões. “Existe uma ideia de que o campo é só lugar de produção e de atraso. Mas, não: é lugar de saberes, de cultura, das várias profissões. Por que não ter médicos, advogados, arquitetos e engenheiros no campo? O campo é lugar de produzir, sim, mas também de viver, e não com atraso, mas com acesso ao desenvolvimento”.

O desenvolvimento do campo passa pelo fortalecimento das escolas do campo, e também pelo adensamento das produções teóricas. A nova escola do campo exige novas propostas pedagógicas e metodologias alternativas de ensino, como as aulas multisseriadas, os modelos itinerantes, a Pedagogia da Alternância e inovações nos currículos escolares.

“As comunidades, rurais, ribeirinhas e camponesas constroem cultura, e isso precisa ser reconhecido pelo processo educativo. Por isso dizemos que a gente não quer uma educação no campo, queremos uma educação que seja do campo, da qual as pessoas e os sujeitos desse território participem da formulação e se sintam representados pelo que ela traduz de seus modos de vida”, explicou.

Inovação curricular no contexto

rural, as classes multisseriadas,

os modelos itinerantes e a

Pedagogia da Alternância

RODA DE CONVERSA 2

MARIA CRISTINA VARGAS

Coordenadora de educação do Movimento Sem Terra (MST) FO TO : S A M A R A N U N ES

Uma das alternativas nesse processo de fortalecimento das escolas do campo é a inovação curricular. Coordenadora de projetos de educação em áreas de reforma agrária no Brasil, Vargas destacou como a incorporação da agroecologia ao currículo escolar vem contribuindo para a construção dessa nova proposta, que incluem e integram os conhecimentos populares nesse processo.

Além de atrair o interesse dos estudantes, a inclusão da agroecologia no currículo escolar promove a interdisciplinaridade, com o estudo de outras áreas do ensino e a articulação de conhecimentos que servirão não só aos membros da comunidade rural, mas também às comunidades urbanas.

“Agroecologia é um articulador de conhecimentos que servem não só ao campo, mas ao urbano também. O seu estudo beneficia toda a comunidade. Não se faz agroecologia sem pesquisa, sem ciência e sem história. A ideia é que a agroecologia seja incluída não só no dia a dia das escolas, mas nos currículos também. É uma de nossas apostas para transformar a educação no campo em áreas de reforma agrária”, revelou Maria Cristina.

Maria das Graças Serudo Passos também defendeu a integração dos conhecimentos do campo aos currículos da educação rural como caminho para aproximar os estudantes das salas de aula, visando o acesso e a conclusão do ensino secundário. Ela cita como exemplo escolas do campo do Amazonas que tiveram a agroecologia e a agricultura familiar incluídas no currículo e que, desde então, não identificaram mais casos de evasão escolar.

Outro modelo que vem sendo adotado nas escolas ribeirinhas do Amazonas e tem obtido bons resultados, aponta Maria das Graças, é a Pedagogia da Alternância, proposta que mescla períodos de permanência na escola em regime de internato com períodos em casa para driblar o obstáculo do deslocamento diário desses estudantes. A Pedagogia da Alternância data da década de 30, a partir de um movimento de camponeses franceses, e chegou ao Brasil

no final da década de 1960, por meio das Escolas Famílias Agrícolas (EFAs). Toda unidade didática que utiliza a Pedagogia da Alternância como proposta pedagógica é conhecida como Centro Familiar de Formação por Alternância – CEFFA´s

Por meio de seus instrumentos pedagógicos, a Pedagogia da Alternância oportuniza ao estudante do campo se apropriar dos conhecimentos científicos ao mesmo tempo em que vivencia a sua realidade local, somando e interagindo com

MARIA DAS GRAÇAS SERUDO PASSOS Coordenadora de políticas de Educação no Campo do Instituto Federal do Amazonas (IFAM) FO TO : S A M A R A N U N ES

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RODA DE CONVERSA 2

exemplo dessas TICs a serviço da educação que podem transformar a realidade do ensino secundário no campo (ver box no início do texto).

De acordo com a diretora do centro, Kátia Mendes3, 21 pedagogos, todos de

Manaus, participam da formulação da grade curricular e 56 professores ministrantes gravam as aulas, que são transmitidas em tempo real, em um dos sete estúdios localizados na sede do CEMEAM, no bairro Japiim, zona Sul de Manaus.

“Cada comunidade recebe uma antena e equipamentos para que o sinal seja transmitido via satélite através do IPTV. Em Manaus, o professor ministrante dá a aula, que é transmitida a dezenas de turmas em diferentes regiões do Estado. Na outra ponta, um professor monitor é responsável por mediar a interação dos professores ministrantes com os estudantes, na sala de aula. Eles interagem por chat, email, aplicativos de mensagem, mensagens de voz...”, explicou Kátia.

Para Ornella Lotito, que estuda o emprego das TICs na educação do campo na Argentina, estas são ferramentas que podem viabilizar a continuidade dos estudos para milhares de adolescentes do campo. Na Argentina, o acesso à educação secundária do campo ainda é uma temática desafiadora, 17% dos adolescentes de 12 a 17 anos que vivem em centros urbanos e 34% dos que vivem no contexto rural estão fora da escola. As províncias do norte da Argentina têm a maior proporção de população rural, maiores índices de pobreza e população de comunidades indígenas, por isso as TICs podem ajudar a mudar esse cenário.

Para a consultora, é inspirador conhecer a realidade de outro país e ver que, nas muitas realidades latinas, há espaço para o uso dessas novas

tecnologias. No entanto, ressalta que é preciso aprimorar as propostas e estratégias, alinhando o emprego das TICs à realidade das comunidades rurais, especialmente no que diz respeito às condições estruturais, tecnológicas e aos conteúdos abordados. “É muito interessante ver uma escola que dá conta da heterogeneidade da sua ruralidade e dos desafios que se apresentam, tanto para a família garantir o acesso à educação dos seus filhos, como aos professores e ao estado, no processo de implementação de políticas que garantam o acesso ao direito de estudar”.

A consultora apresentou o modelo SRTIC de organização pedagógica e institucional do ensino que se adapta às características do contexto rural disperso e os saberes populares que ele possui a partir da vivência que tem na propriedade

rural onde vive.

Além das horas trabalhadas na sala de aula, são desenvolvidas horas de trabalhos práticos, não necessariamente dentro da escola. Para adaptar esse novo modelo de educação à realidade local sem descumprir as exigências legais do MEC, a abordagem cronológica é diferenciada: os dias letivos não significam aulas exclusivas entre as quatro paredes de uma sala.

A Pedagogia da Alternância possui estratégias e instrumentos específicos e colaborativos. Um deles é a pesquisa participativa, de onde são extraídos os chamados “temas geradores”, que vão nortear as ações que serão trabalhadas dentro de um calendário específico. “Esse calendário é contextualizado localmente e trabalhado pelas famílias: dependendo da sazonalidade e da subida e descida das águas se trabalham determinados temas geradores de interesse daquela época.

Outro diferencial é o fato desse período de “imersão” do estudante na comunidade escolar, por meio dos alojamentos, ser complementado por períodos de pesquisa prática, em casa. “O plano de estudo, por exemplo, é uma pesquisa que o estudante começa no centro de formação e, quando ele volta para a comunidade ou para a aldeia, ele leva a tarefa de pesquisar, na prática, aquele aprendizado, usando a base teórica que ele adquiriu na escola. A partir daí ele vai desenvolver o seu projeto, que normalmente é voltado para a produção familiar. E, quando ele retorna para a escola, traz junto esse novo aprendizado e o compartilha com os colegas e professores, que vão contribuir com seus conhecimentos teóricos, promovendo um diálogo de saberes e a ressignificação do aprendizado”, explicou Maria das Graças durante sua apresentação no seminário.

As classes multisseriadas, comuns em todo o Ensino Fundamental no Brasil rural, também vêm apresentando resultados positivos. As classes multisseriadas são constituídas por estudantes de diferentes anos (mais comumente de dois, mas chegam a quatro, em alguns casos) e representam atualmente um grande potencial de inovação nas práticas educativas.

Entre as novas alternativas para a educação secundária do campo abordadas durante a roda de conversa está, também, o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), a exemplo do que já acontece em algumas regiões da Argentina e do Brasil. O Centro de Mídias da Educação do Estado do Amazonas (CEMEAM), da Secretaria Estadual de Educação do Amazonas (SEDUC), é um

As classes multisseriadas são uma forma de organização de ensino na qual o professor trabalha, na mesma sala de aula, com várias séries/anos do Ensino Fundamental simultaneamente, tendo de atender a estudantes com idades e níveis de conhecimento diferentes.

Bastante presentes na zona rural do País, as classes multisseriadas estão, sobretudo, em áreas de difícil acesso, já que algumas escolas têm um número pequeno de matrículas e a mudança para outras escolas nem sempre é possível, por conta da distância.

Fonte: https://www.todospelaeducacao.org.br/ conteudo/perguntas-e-respostas-o-que-sao-as-classes-multisseriadas

3. Kátia Mendes foi diretora do CEMEAM até o final do ano de 2018.

ORNELLA LOTITO Consultora de Educação do UNICEF FO TO : S A M A R A N U N ES

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às particularidades das diferentes províncias que o implementam e imprimem sua marca. O projeto é uma parceria do governo central com os governos provinciais, com cooperação e acompanhamento do UNICEF. Esta foi uma das 5 soluções selecionadas dentre mais de 190 ideias apresentadas na Assembleia Geral das Nações Unidas no contexto da Agenda 2030 para Jovens.

Como funciona?

Oito escolas atendem 82 localidades rurais, 250 professores atendem 1.400 estudantes, dos quais 46% são indígenas. O modelo tem tido alto impacto em sua na escolaridade de meninos e meninas.

Essas alternativas, no entanto, não beneficiaram a estudante indígena Renara Pereira Cândido, de 16 anos, que há dois anos precisou deixar a aldeia em que nasceu, localizada na zona rural do município de Santo Antônio do Içá, para estudar na capital, Manaus. Ela sonha se tornar médica para cuidar da saúde indígena no futuro.

Indígena da etnia kokama, Renara conta que a adaptação dela e da família - que também deixou a aldeia para acompanhar a adolescente na capital - foi bastante difícil, especialmente pelo choque de culturas na escola urbana: ela saiu de um dos municípios com menor densidade populacional do país para morar em um dos bairros mais populosos de Manaus, na periferia da cidade. “Se eu não saísse de lá, eu nunca ia realizar meu sonho de fazer faculdade. Minha família me apoiou e deixou tudo para que eu pudesse estudar, mas temos planos de voltar. Só saí porque tinha que estudar mesmo: quero ser médica e cuidar da saúde indígena lá, porque nunca tem médico para atender a gente.

A região em que a estudante nasceu e cresceu, na zona rural de Santo Antônio do Içá, é atendida pelo Distrito Sanitário Indígena (DSEI) Alto Rio Solimões, um dos maiores do Amazonas e, também, mais desafiadores para o Ministério da Saúde (MS) garantir a assistência médica.

Para Renara, as diferenças entre as escolas urbanas e rurais, especialmente as indígenas, vão muito além da infraestrutura, mas as limitações físicas e de logística acabam fazendo a diferença entre a qualidade de ensino nas escolas urbanas e do campo. “A maior diferença é a infraestrutura, mas tudo é muito diferente: os

professores, os colegas, o conteúdo. Só que com tudo a gente se acostuma aqui na urbana, o difícil mesmo é superar os desafios lá da rural, como a falta de merenda, de professor e de transporte, que ainda hoje fazem muitos estudantes desistirem de estudar”, lamentou a adolescente.

Hoje estudante de uma escola urbana em Manaus e prestes a fazer vestibular em busca de uma vaga na universidade, Renara conta que uma nova forma de ensinar vem mudando a realidade dos ex-colegas dela que não puderam deixar a aldeia, em Santo Antônio do Içá: a educação mediada pelas TICs, que possibilitou a oferta do ensino secundário a comunidades que não eram atendidas.

Dadas as particularidades da educação do campo, é necessário que os processos avaliativos também sejam compatíveis com esta realidade. Os muitos desafios – físicos ou abstratos – que ainda se impõem à educação do campo alertam para a necessidade de se adotarem parâmetros que respeitem a realidade das ruralidades para medir a qualidade educativa nos “rincões” da América Latina.

Acesso e permanência ainda são temas prioritários para as escolas do campo porque ainda não foram solucionados. É fundamental conhecer e discutir práticas educativas que têm contribuído para os enfrentamentos dos desafios que enfrentamos nas escolas do campo.

Na região amazônica, por exemplo, um dos maiores desafios é o regime de subida e descida das águas dos rios, que obriga gestores, professores, estudantes e comunidades a encontrarem, juntos, alternativas para cada um dos obstáculos que se apresentam. Nossos problemas mudam a cada seis meses e tudo aqui precisa ser adaptável”, relata a professora da escola ribeirinha Vital de Andrade, na zona rural de Careiro da Várzea, no Amazonas, Eva Santos.

A rotina que Eva encara para dar aula aos seus estudantes é parecida com o dia a dia do professor Valdo Moreira, que há 20 anos enfrenta, diariamente, horas de viagem em barcos para cruzar os rios Amazonas e Solimões e chegar às escolas do campo onde leciona, na zona rural de Careiro da Várzea, no interior do Amazonas.

“As escolas ribeirinhas da Amazônia dependem de transporte fluvial para tudo: para chegarem mantimentos, merenda escolar, equipamentos e para as crianças e professores que não são da comunidade chegarem à escola. O

Qualidade educativa nas

escolas secundárias do campo

RODA DE CONVERSA 3 Todos, todos os dias na aula SEDE CENTRAL (contexto urbano) l Equipe da direção

l Equipe completa dos docentes

das áreas curriculares

l Referência técnica e pedagógica

CLASSES LOCALIZADAS NA ZONA RURAL

l 2 professores coordenadores

e um auxiliar docente indígena

l Estudantes de diferentes anos

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transporte fluvial é imprescindível para que a educação no campo na Amazônia aconteça. E esse é só um dos nossos desafios estruturais. Os não estruturais são ainda maiores”, alerta.

Apesar dos obstáculos da logística na região e da falência estrutural de muitas escolas, para o prof. Valdo, o maior desafio da educação do campo na Amazônia é a formação e a valorização do professor. E tudo isso, lembra, reflete na qualidade do ensino ofertado nas escolas do campo. “O professor que mora em uma comunidade isolada e passa um mês longe da família tem que ter uma remuneração maior do que aquele que está com sua família, na capital. O currículo precisa conversar com aquela realidade. É preciso valorizar a pessoa do professor em si, não apenas a estrutura educacional. Não basta comprar barco novo e construir quadra: é preciso ver que tem gente debaixo daquela floresta”, ponderou Valdo, que é membro do Comitê Estadual da Educação do Campo do Amazonas.

Professor há 11 anos na Escola Municipal rural Professora Elizabeth Siqueira Ferreira, localizada na comunidade Jatuarana, na margem esquerda do rio Amazonas, zona rural de Manaus, Isnan Carvalho compartilha a mesma opinião de Valdo. Ele acredita que investir na capacitação específica de professores originários do campo para atuarem nas escolas do campo é a aposta mais certeira para melhorar a qualidade do ensino secundário ofertado a estudantes de comunidades rurais, ribeirinhas, indígenas ou quilombolas. Atualmente, os professores se deslocam de Manaus para a comunidade porque não há docentes na região, embora haja interesse nas comunidades.

O investimento na capacitação dos professores das próprias comunidades, na avaliação de Isnan, ainda reflete em um maior nível de comprometimento dos docentes e, consequentemente, em um maior envolvimento dos estudantes, famílias e comunidades no dia a dia escolar.

Para os estudantes, os obstáculos enfrentados para não desistir dos estudos também são muitos e, quase sempre, começam dentro de casa. Não são poucos os que precisam dividir o tempo entre a escola e os trabalhos domésticos, na agricultura ou na pesca para ajudar na renda familiar. E, ainda, enfrentar horas de viagens de barco cansativas debaixo de sol ou chuva para não abandonar a sala de aula.

Estudante do terceiro ano do ensino médio, Letícia da Silva de Souza, de 24 anos, retomou os estudos depois de dois anos parada e, todos os dias, enfrenta seis horas de barco (três para ir e três para voltar) para ir à escola. “Eu parei de estudar por conta de uma gravidez, mas hoje faço de tudo para não faltar. Não são só três horas de viagem, são três horas de desafios, porque o barco quebra, ou pegamos temporal ou é um banco de areia que encalha e a gente tem que superar tudo isso para estudar”, ressaltou.

De segunda a sexta-feira, Letícia e a amiga Luana Silva Pereira, 20, reúnem-se com outras reúnem-seis amigas que, juntas, dividem o custo do transporte entre a comunidade do Curarizinho, na zona rural do município de Careiro da Várzea, interior

do Amazonas, onde moram, e a escola, localizada em outra comunidade.

Até almoçar no horário correto passa a ser um “artigo de luxo” para quem precisa sair de casa antes das 10h e encarar, debaixo de sol ou chuva, uma viagem de 3 horas em uma canoa motorizada, chamada pelos ribeirinhos de “rabeta”, torcendo para que nenhum contratempo ocorra para conseguir chegar à escola às 13h. “São sacrifícios que a gente faz porque acredita que a educação pode nos dar um futuro melhor”, diz a jovem.

Vencidos os desafios para chegar à sala de aula, é a qualidade do ensino que preocupa o adolescente Eric Oliveira, aluno do 7º ano da escola municipal Professora Elizabeth Siqueira Ferreira, na comunidade Jatuarana, margem esquerda do rio Amazonas, zona rural de Manaus.

Filho de agricultores e pescadores e o mais velho entre os seus dois irmãos, Eric é o que os professores chamam de “aluno promissor”. Mas, ele quer mais: quer ser realidade. O objetivo dele é ser advogado e, para isso, vai disputar uma vaga na universidade com estudantes, em sua maioria, de escolas urbanas, com acesso à internet em casa.

Um dentre os participantes da roda de conversa realizada entre estudantes de escolas do campo durante o seminário internacional promovido pelo UNICEF, Eric relatou as dificuldades enfrentadas diariamente para conseguir chegar à escola e, mais do que isso, para concluir o ensino secundário. “E com boas notas, superando todos esses obstáculos e sem perder a vontade, que é o mais difícil. Muitos desistem pelo caminho e deixam a escola”, confessou o adolescente, para quem o papel da escola é “dar forças” para o aluno “vencer na vida”.

Mas, esses desafios que a educação do campo enfrenta não são exclusivos da Amazônia. Guardadas as peculiaridades de cada região, obstáculos estruturais e metodológicos são comuns às escolas do campo em toda a América Latina.

Prudant apresentou um panorama da educação secundária do campo na Argentina, apontando resultados positivos e obstáculos na busca por novos paradigmas para o ensino rural.

Apesar dos avanços em números de matrículas e na oferta do ensino secundário, que atualmente está presente em 64% das escolas rurais argentinas, alguns desafios se impuseram ao fomento dessa modalidade de ensino. Entre eles estão o compartilhamento de espaço por dois segmentos de ensino, uma vez que a solução encontrada para garantir a continuidade dos estudos foi usar as estruturas escolares já existentes nas comunidades e, antes, exclusivas para o primário.

ELÍAS PRUDANT Diretor Nacional de Planejamento Educativo do Ministério da Educação, Ciência, Cultura e Tecnologia da Argentina FO TO : S A M A R A N U N ES

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Outro desafio que exige um amplo debate para se encontrar a melhor alternativa é a capacitação de professores, bem como questões administrativas e burocráticas de suas contratações, apontou Prudant. Por fim, os debates sobre inovação curricular se fazem necessários para encontrar essas soluções.

“A ideia e o formato da escola secundária está sendo discutido não só na zona rural como na urbana. Encontramos limitações que têm a ver com currículo, formação de professores por especialidades e o trabalho dos professores por horas aula. Além disso, como aqui no Brasil, nossas escolas do campo se caracterizam pelo isolamento, dificuldades de acesso e baixa matrícula. Mas, para cada limitação, temos encontrado, também, possibilidades”, disse Prudant.

Antropólogo por formação e responsável por um programa de melhoramento da educação do campo no Ministério de Educação da Argentina, Prudant lembra que as políticas públicas têm a missão de garantir, a todas as crianças, o direito à educação. Ele disse acreditar que uma das alternativas para atingir esse objetivo está vinculada ao modelo atual da escola urbana.

Mas, para ele, é preciso adaptar muita coisa, desde calendário e estrutura física até currículo e formação de professores, passando por políticas públicas e metodologias de avaliação diferenciadas. “Nesse sentido, estamos vendo como se pode adequar um formato, a partir do modelo da escola urbana que temos hoje, para atender as necessidades das escolas rurais e das populações que habitam essas comunidades rurais”.

O desafio, destacou Prudant, é promover essa transição respeitando as particularidades de cada região, ou seja, de cada escola. “Todas as escolas rurais têm coisas em comuns, muitas têm particularidades e precisamos ter cuidado para não perdermos essas raízes culturais. Se não podemos simplesmente levar a escola urbana à escola rural, podemos fazer uma ponte entre elas e estimular essa construção de saberes”, disse o antropólogo argentino.

Para a pesquisadora do Grupo de Pesquisa e Gerações Juventude da Universidade de Brasília, Catarina Malheiros da Silva, a construção dessa nova escola do campo passa por pensar a juventude em sua diversidade, levando em conta a forma como o jovem se identifica e a realidade do local aonde vive. Compreender como os jovens se veem permite ampliar as referências do que se entende por juventude no contexto das ruralidades. “Espaço, tempo e sociabilidade são dimensões da condição juvenil. E são

fundamentais para essa questão de pertencimento, que é um diferencial do aluno do campo”, explicou Catarina.

A pesquisadora, que estuda a juventude rural na América Latina, lembrou ainda de outras particularidades da educação do campo, como os percursos migratórios, sejam de estudantes de comunidades para zonas urbanas ou de comunidades mais distantes para outras, pólos, mas ainda rurais; e do conceito de invisibilidade, muito presente nos interiores do continente.

“No campo, os acessos, permanências e terminalidades passam a ser reconfigurados a partir da dimensão de espaço e de tempo, que são muito específicos de acordo com a realidade daquele estudante que, por sua vez, tem suas particularidades. A compreensão do jovem como sujeito integral vai demandar o redimensionamento do olhar da escola sobre ele e com ele.”

Presidente do Conselho de Educação Escolar Indígena do Estado do Amazonas, Emilson Frota de Lima acredita que a alternativa para melhorar a qualidade da educação do campo pode ser a mesma que os povos indígenas do Amazonas vislumbram para as escolas indígenas: a criação de políticas específicas voltadas ao ensino superior para a educação indígena.

“A criação dessas políticas específicas, como uma secretaria específica para reunir recursos que são pulverizados e o sonho da universidade indígena, é uma forma de ampliar a oferta de formação e a capacitação de professores indígenas para atuar nas comunidades, onde faltam professores e os da zona urbana não querem ficar”, ponderou Emilson.

Emilson, que é da etnia munduruku, apontou os principais avanços, entraves, perspectivas e retrocessos da educação indígena no Amazonas. Entre os avanços estão a construção de escolas, formação de professores indígenas por meio da criação do magistério indígena, produção de material didático e pedagógico específicos, criação de ferramentas de gestão – como gerências e conselhos - e a implantação do ensino médio nas escolas.

Porém, o desenvolvimento educacional indígena ainda esbarra na falta de recursos (condições das escolas e transporte escolar), na formação insuficiente de professores e técnicos e no descumprimento de leis que deveriam proteger esses povos tradicionais.

“Se a lei diz que devem ser respeitadas as diferenças, isso deve ser cumprido. Mas nem sempre é o que acontece: alguns municípios não respeitam essas diferenças

CATARINA MALHEIROS DA SILVA

Pesquisadora do GERAJU (Grupo de Pesquisa Gerações e Juventude) da UNB FO TO : S A M A R A N U N ES

EMILSON FROTA DE LIMA

Presidente do Conselho de Educação Escolar Indígena do Estado do Amazonas FO TO : S A M A R A N U N ES

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