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Os desafios do Projeto Político Pedagógico e Curricular na Educação do Campo

É possível evidenciarmos alguns elementos que o processo de construção da Educação do Campo já acumulou a partir das reflexões de seus objetivos formativos, no que diz respeito ao Projeto Político Pedagógico e ao currículo das escolas de Educação Básica. Pautada na concepção elaborada a partir da prática dos sujeitos coletivos que compõem o movimento de Educação do Campo, podemos definir que esta compreende a educação como formação humana e para sua emancipação. Conforme síntese de Caldart (2012):

Entender a educação como uma ação intencional de formação humana emancipatória é fundamento de construção das práticas educativas. No pensar a escola, é uma concepção que se contrapõe a reduzir suas finalidades educativas à preparação de seus estudantes para o chamado mercado de trabalho, incluindo o aprendizado de “habilidades socioemocionais” que facilitem sua adequação a relações sociais dadas. Na visão assumida pelos sujeitos da EdoC, a grande finalidade da educação, onde quer que aconteça, é o desenvolvimento mais pleno do ser humano e sua inserção crítica, criativa e transformadora na sociedade em que vive. Educar é humanizar e isso implica confrontar os processos de desumanização (opressão, exploração, discriminação) vividos pelos sujeitos concretos de cada ação educativa. (CALDART, 2012)

Nesse sentido, os processos que socializamos no Seminário Internacional, organizado pela UNICEF, são resultados dessa concepção, a qual entendemos que

tem sido referência para problematizar a educação pública e seus limites ao longo da história da educação brasileira. A mesa da qual participamos nos colocou a pensar as possíveis “inovações” curriculares no contexto do campo e conhecer algumas experiências que estão em curso nas várias realidades que o campo apresenta. O MST, por ser parte da constituição da Educação do Campo, pretendeu trazer a reflexão que permeia a totalidade da Educação do Campo, a partir da ação dos vários sujeitos coletivos que fazem parte dessa história. Embora seja impossível em um curto espaço de tempo o aprofundamento desse processo, buscou-se eleger alguns dos fundamentos que entendemos como centrais para subsidiar o debate proposto.

Primeiro situamos o surgimento da Educação do Campo, quem se faz presente nesse processo e qual a situação educacional que enfrentamos no campo brasileiro, entendendo que com esse percurso já identificamos de que território estamos refletindo. Segundo, socializamos qual a concepção de educaçãoe de campo , elaboradas, a partir das experiências educativas de quem faz parte desse processo.

Para podermos concluir, buscamos refletir alguns fundamentos dessa concepção educativa e sua relação com a construção de projetos políticos pedagógicos, os que inclui a dimensão curricular e não estão alheios a concepção de educação, na direção da educação omnilateral.

Destacamos alguns desses fundamentos componentes da práxis educativa da Educação do Campo: a relação da escola com a realidade (vida social) , a articulação teoria-prática e o trabalho coletivo dos estudantes e educadores.

Além disso, demarcam uma posição e uma concepção de educação no plano da formação humana, não correspondendo à visão instrumentalista da educação do capital. Corresponde a uma educação que leva em conta a cultura, o trabalho e a luta. Frigotto (2012), ao discutir a Educação Omnilateral, no reflete sobre a educação e a formação humana que caminha para esse sentido:

Tal compreensão de ser humano é o oposto da concepção burguesa centrada numa suposta natureza humana sem história, individualista e competitiva, na qual cada um busca o máximo interesse próprio. Pelo contrário, pressupõe o desenvolvimento solidário das condições materiais e sociais e o cuidado coletivo na preservação das bases da vida, ampliando o conhecimento, a ciência e a tecnologia, não como forças destrutivas e formas de dominação e expropriação, mas como patrimônio de todos na dilatação dos sentidos e membros humanos. (FRIGOTTO, 2012, p. 266) Continuando essa reflexão, ele ainda aponta os desafios para os movimentos sociais do campo e da cidade na busca pelo direito de assumirem a educação bem como a educação escolar, com forte relevância pela busca da educação emancipatória:

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ACESSO E CONCLUSÃO DA ESCOLA SECUNDÁRIA:

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ARTIGO

EDUCAÇÃO DO CAMPO: A LUTA DOS POVOS DO CAMPO PARA UMA EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA

Um aspecto central para os movimentos sociais e organizações dos trabalhadores do campo e da cidade é a apreensão da especificidade da escola no domínio dos fundamentos científicos que permitem compreender, ao mesmo tempo, na expressão sintética de Gramsci, como funcionam a sociedade das coisas (ciências da natureza) e a sociedade dos homens (ciências sociais e humanas). (FRIGOTTO , 2012, p. 270)

A escola do campo é um espaço de referência da comunidade camponesa. É um espaço físico e também de sociabilidade da comunidade. Muitas comunidades que perderam suas escolas, devido à política de fechamento em todo país, se depararam com a perda da referência coletiva da comunidade. Além disso, ter uma escola nas comunidades é sinal de resistência. Como pontuamos a relação da escola com a realidade (vida social) é um fundamento da educação do campo A escola, quando assume o seu papel de relação entre educação e vida, rompe com a cultura individualista e combate a meritocracia. Ela luta pelo cultivo de uma pedagogia que defenda a biodiversidade, a Agroecologia, como reconstrução ecológica da agricultura, como forma de produção da existência que envolve distintos aspectos e suas possibilidades de relação com a produção da vida e disseminação do conhecimento.

Neste horizonte de compreensão do papel da instituição escola, cabe combater, em seu interior, todas as formas de competição que estimulam o individualismo, ícone da educação burguesa. Do mesmo modo, se pautados pelo rigor científico que nos mostra uma realidade social e humana produzidas, em todas as esferas da vida, de forma desigual, não faz sentido a ideologia dos dons e nem estimular no processo educativo as avaliações comparativas, ou “premiar os melhores” alunos ou professores, um expediente cada vez mais utilizado pelo ideário neoliberal em nossa realidade. (FRIGOTTO , 2012, p. 270)

A educação é compreendida na totalidade das relações. Nesse sentido, a forma da escola é também uma preocupação no processo educacional e o trabalho coletivo de educadores e estudantes outro fundamento dessa concepção. A participação dos estudantes acontece no cotidiano, com a organização de grupos, com representantes, responsabilidades e ações na organização de toda a escola. Discutem-se quais são os desafios e se pensa coletivamente como enfrentá-los. Há um esforço para não ser uma organização “utilitarista”, somente relacionada às questões de estrutura física da escola, indo além, como dar conta da manutenção e organização do espaço. De forma, que os estudantes participam da organização da escola. As discussões em torno da vida, da comunidade, da educação, dos temas mais abrangentes são parte de pensar os processos da escola. Assim os

desafios desse cotidiano é encarado por toda a escola, junto aos educadores e comunidade.

Por fim, o Brasil é um território muito grande, com vários biomas e diferentes culturas. Essas são ricas características a serem potencializadas em práticas educativas nas escolas e no seu entorno. Sendo assim, pensar o projeto pedagógico e as possibilidades na Educação Básica com a qualidade que toda a população tem direito é, antes de tudo, compreender a concepção de educação e de campo que fundamentam os projetos políticos pedagógicos das escolas, e reconhecer a necessária participação dos sujeitos na formulação dessas propostas: educadores, educandos, comunidade, movimentos sociais, etc. Também persiste o desafio de lutar por políticas públicas que garantam melhores condições para as escolas do campo e reconheçam seus sujeitos coletivos como protagonistas de propostas e processos educativos. Esse é o grande desafio.

Referências bibliográficas

CALDART, Roseli Salete. In: MOLINA, M. C. e MARTINS, M. F. A. (orgs). Belo Horizonte: Autêntica, 2018. “Concepção de Educação do Campo: um guia de estudo”(Coleção Caminhos da Educação do Campo, nº 9), no prelo.

DECRETO Nº 7.352, DE 4 DE NOVEMBRO DE 2010. Disponível em: http://portal. mec.gov.br/docman/marco-2012-pdf/10199-8-decreto-7352-de4-de-novembro- de-2010/file Acesso em: 10 jan. 2019.

FÓRUM NACIONAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO. Carta - Manifesto 20 anos da Educação do Campo e do Pronera. Brasília, junho de 2018.

FRIGOTTO, G. Educação Omnilateral. In: CALDART, R. S., PEREIRA, I. B., ALENTEJANO, P. e FRIGOTTO, G. (orgs). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro/São Paulo: EPSJV/Expressão Popular, 2012.

Por uma Educação do Campo: Declaração 2002. KOLLING, E. J. CERIOLI, P. e CALDART.R.S (orgs) Educação do Campo: Identidade e políticas públicas, 2002. IBGE. Censo Demográfico 2010. 2010. Disponível em: https://ww2.ibge.gov.br/ home/estatistica/populacao/censo2010/. Acesso em: 10 jan. 2019.

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ARTIGO PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA NO AMAZONAS FO TO : J UL IA N A P E SQ U E IRO

Pedagogia da Alternância

no Amazonas

Resumo

O presente artigo é um relato das ações referentes aos cursos de qualificação geral e profissional, em nível de Formação Inicial e Continuada - FIC e o Curso de nível Médio Técnico em Agroecologia, conduzido por meio da Pedagogia da Alternância, na Casa Familiar Rural de Boa Vista do Ramos – Amazonas, mediante cooperação técnica da Associação Regional das CFRs do Amazonas – ARCAFAR-AM e Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Amazonas – IFAM. Neste percurso, apresentamos a Pedagogia da Alternância como metodologia integrativa na práxis da Casa Familiar Rural de Boa Vista do Ramos, bem como, seus complexos instrumentos pedagógicos com seus princípios nos processos de formação e protagonismo de jovens e adultos e suas famílias, mediados pela participação efetiva de monitores e colaboradores.

Palavra Chave: Pedagogia da Alternancia – Protagonismo dos Sujeitos – Educação Contextualizada.

Introdução

A Pedagogia da Alternância tem uma gênese e um itinerário histórico. Nasceu de um movimento de camponeses na década de 30, nos campos da França. Expandiu- se e desenvolveu-se por países da Europa e em diversos continentes.

No Brasil, a Pedagogia da Alternância chegou por meio das Escolas Famílias Agrícolas – EFAs, por volta de 1968, concentrando-se inicialmente no Estado do Espírito Santo e ampliando-se em várias regiões do Brasil, sendo dirigidas pela União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil – UNEFAB. Como Casa Familiar Rural, o movimento iniciou no nordeste brasileiro, envolvendo lideranças do campo, se expandindo para outras regiões do país. Em 1987 o movimento chega à região

1.Pedagoga com Mestrado em Educação Agrícola pela UFRRJ. Coordenadora do Curso Especialização em Educação do Campo do IFAM. Coordenadora do Centro de Formação da Pedagogia da Alternancia da ARCAFAR-AMAZONAS. e-mail: gracapassos@ifam.edu.br

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ARTIGO PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA NO AMAZONAS

Sul no Estado do Paraná, dando inicio a implantação da primeira CFR no Município de Barracão, se expandindo para outras regiões do Brasil. As CFR´s são organizadas pelas Associações Regionais de Casas Familiares Rurais - ARCAFAR2.

Na Região Norte do Brasil, lideranças fundaram em 1995 a Associação Regional das CFR’s do Norte do Brasil – ARCAFAR - Norte, com um Conselho de Administração eleito em assembleia geral, sendo seus membros representantes de diversos Estados da Região Norte. O Estado do Pará foi pioneiro na implantação de CFR’s a partir de 1995. Em 1996 as regiões Norte e Nordeste uniram-se e criaram a ARCAFAR Norte e Nordeste do Brasil. Nesse processo de organização e busca por uma educação contextualizada, lideranças do Estado do Amazonas, criaram em 2002, a ARCAFAR-Amazonas, instituição que vem coordenando e acompanhando as etapas de formação na Pedagogia da Alternancia, de coletivos comunitários, docentes e técnicos de diversas instituições e municípios do estado.

Toda unidade didática que utiliza a Pedagogia da Alternância como proposta pedagógica é conhecida como Centro Familiar de Formação por Alternância - CEFFA3

possuem quatro pilares, tendo como finalidade a formação integral do estudante e o desenvolvimento do meio. Seus meios são a Pedagogia da Alternância e a Associação local. Tem o trabalho como principio educativo.

Figura 1 – Os quatro pilares dos CEFFAs

2. As Associações Regionais de Casas Familiares Rurais - ARCAFAR´s representam um movimento de famílias, pessoas e instituições que se unem para promover o desenvolvimento sustentável e solidário do campo, por meio da formação de jovens e adultos e suas famílias. Devidamente organizados, formam uma associação de agricultores familiares com caráter educativo de ensino aprendizagem, onde a gestão é feita pelas famílias por meio de um conselho de administração eleito em assembleia geral. (ARCAFAR Norte e Nordeste do Brasil, 2008).

3. Os Centros Familiares de Formação por Alternância - CEFFAs, são espaços devidamente organizados com o aval da coletividade, bem como referências de convergências de projetos comunitários. Compõe os CEFFA: as Casas Familiares Rurais (CFRs), a Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), as Escolas Comunitárias Rurais (ECOR), os Centros de Desenvolvimento do Jovem Rural (CDEJOR) e o Programa de Formação de Jovens Empresários Rurais (PROJOVEM).

Fonte: Calvo - 2002. FINALIDADES FORMAÇÃO INTEGRAL PROJETO PESSOAL PROJETO DE VIDA ALTERNÂNCIA EDUCATIVA: UMA METODOLOGIA PEDAGÓGICA ADEQUADA ASSOCIAÇÃO LOCAL: PAIS, FAMÍLIAS, PROFISSIONAIS, INSTITUIÇÕES. DESENVOLVIMENTO DO MEIO SOCIAL, ECONÔMICO, HUMANO, POLÍTICO... MEIOS

Os quatro pilares da Pedagogia da Alternância consiste em promover a escolarização e a formação integral de jovens e adultos que habitam as comunidades rurais do Amazonas, tendo como conteúdo, em seu plano de formação, os modos de vida, os sistemas simbólicos e as manifestações socioculturais do lugar, fazendo a intersecção entre os espaços formativos, ou seja, o espaço da escola e da propriedade rural como lugar de aprendizado constante.

A pedagogia da alternância nas comunidades rurais