• Nenhum resultado encontrado

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ANA CLÁUDIA RUY CARDIA ATCHABAHIAN

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ANA CLÁUDIA RUY CARDIA ATCHABAHIAN"

Copied!
188
0
0

Texto

(1)

ANA CLÁUDIA RUY CARDIA ATCHABAHIAN

A transterritorialidade como mecanismo de responsabilização de empresas por violações aos Direitos Humanos

Doutorado em Direito

São Paulo

(2)

ANA CLÁUDIA RUY CARDIA ATCHABAHIAN

A transterritorialidade como mecanismo de responsabilização de empresas por violações aos Direitos Humanos

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de DOUTORA em Direito, na subárea Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Professor Doutor Carlos Roberto Husek.

São Paulo 2018

(3)

ANA CLÁUDIA RUY CARDIA ATCHABAHIAN

A transterritorialidade como mecanismo de responsabilização de empresas por violações aos Direitos Humanos

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de DOUTORA em Direito, na subárea Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Professor Doutor Carlos Roberto Husek.

Aprovada em: ____/____/____.

Banca Examinadora

Professor Doutor Carlos Roberto Husek (Orientador).

Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

Julgamento_____________________Assinatura_____________________________ Professor (a) Doutor (a) ________________________________________________ Instituição: __________________________________________________________ Julgamento:__________________________________________________________ Assinatura: __________________________________________________________ Professor (a) Doutor (a) ________________________________________________ Instituição: __________________________________________________________ Julgamento:__________________________________________________________ Assinatura: __________________________________________________________ Professor (a) Doutor (a) ________________________________________________ Instituição: __________________________________________________________ Julgamento:__________________________________________________________ Assinatura: __________________________________________________________ Professor (a) Doutor (a) ________________________________________________ Instituição: __________________________________________________________ Julgamento:__________________________________________________________ Assinatura: __________________________________________________________

(4)
(5)

Caminho ao fim de mais um ciclo. Um ciclo que não começou em 2015, mas em 2007, ainda nos bancos da graduação. Chegar ao fim do doutorado é uma vitória e um grande alívio, mas também a certeza de que esse é só o começo. E que começo lindo!

Durante o caminho fui abençoada com a presença de muitos. Todas e todos marcantes à sua maneira, com sua intensidade e especialidade. A lista é infindável e a hierarquia mora apenas no primeiro parágrafo e em minha péssima memória.

A Deus, por mais este passo. Para Papai e Mamãe, minha eterna gratidão e meu infinito amor. Sem vocês essas palavras jamais teriam chegado aos olhos de todos. Este e todos os outros trabalhos são seus. Para Alexi, todo o meu coração. Por todo o sempre. Espero expressar em meus gestos diários a gratidão que tenho por seu apoio e sua paciência nessa fase difícil e muito dolorosa física e psicologicamente. Se não fosse seu conforto, seu amor incondicional, sua parceria e sua compreensão eu jamais teria concluído este ciclo. Para Ana Paula, Francisco e Matheus amados, meu eterno agradecimento por toda a paciência com a irmã, cunhada e tia sempre sem tempo, mas sempre com muito, mas muito amor. Aos meus amados sogros, Rafi e Rose, agradeço de coração todo o apoio, apesar de ele ter custado a nossa presença.

Ao muito querido Professor e mentor, Professor Dr. Carlos Roberto Husek, o meu mais sincero muito obrigada. Hoje, como Professora, sei que uma vez orientador, sempre orientador. Minha eterna gratidão por seus ensinamentos não apenas sobre a pesquisa que ora se apresenta, mas também pelas preciosas dicas sobre a docência, bem como pelos frutíferos diálogos em sala de aula. Ser sua orientanda foi um de meus maiores aprendizados. À equipe do Professor Husek, na figura dos queridos Professores Fabrício Felamingo, Clarisse Laupman, Fernanda Miranda Abreu, Lucas Souza e Paulo Brancher também sou só agradecimentos. Obrigada a esse time maravilhoso por todo o auxílio durante os últimos quatro anos! Agradeço também aos Professores e Professoras da PUC-SP que sempre estiveram ao meu lado durante toda essa fase, em especial à Professora Dra. Flávia Piovesan, e aos Professores Drs. Roberto Dias, Luiz Alberto David Araujo, Vladmir Oliveira da Silveira, Cláudio Finkelstein e Antônio Márcio da Cunha Guimarães. Muito obrigada!

Em minha nova e tão querida casa, a Universidade Presbiteriana Mackenzie, agradeço de coração aqueles e aquelas que sempre me auxiliaram, me auxiliam e me apoiam todos os dias nessa profissão tão linda que é a docência. Professor Dr. Felipe

(6)

Professor Dr. Carlos Eduardo Nicolleti Camillo, Professora Dra. Michelle Asato Junqueira, Professora Dra. Ana Cláudia Pompeu Torezan Andreucci, Professora Patrícia Tuma Martins Bertolin, Professora Dra. Bruna Angotti, Professora Dra. Fernanda Gurgel, Professor Dr. Arthur Roberto Capella Giannattasio, Professor Dr. Guilherme Madeira Dezem, Professor Dr. Flávio Leão Bastos Pereira, Professora Dra. Elizabeth Meirelles, Professor Dr. Pedro Buck, Professor Dr. André Pagani, Professora Dra. Renata Balbino Munhoz, Professora Dra. Carolina Mota Mourão, Professor Dr. Daniel Tavela Luís, Professora Dra. Ana Cláudia Scalquette e Professor Dr. Rodrigo Scalquette, Professor Dr. Ivandick Cruzelles, Professora Dra. Renata Rocha, Professor Dr. Adilson Moreira, Professor Dr. Renato Leite Monteiro, Professor Dr. Luis Eduardo Simardi, dentre tantos outros, que, se os respectivos nomes aqui não estiveram presentes, certamente estiveram pessoalmente ao meu lado nesses anos de doutoramento. Aos sempre muito queridos Arthur, André, Lucas, Gabriel, Márcia, Lu, Seu Miro, Nathália, Ronaldo, Renato, Bruna, Dani, Davi, Carlos, Júlio e todos(as) os(as) funcionários(as) que sempre me auxiliam, muito obrigada por tudo! Ser parte desse time – e eu diria dessa família! – é meu maior motivo de orgulho!

Sou muito grata aos pesquisadores e pesquisadoras do Grupo de Estudos “Mack DH&E”. Muitas conclusões sobre nossas ricas discussões estão expressas neste trabalho. Agradeço também aos pesquisadores e as pesquisadoras do Grupo de Pesquisa “Mulheres invisíveis: panorama internacional e realidade brasileira do tráfico transnacional de mulheres” por todo o aprendizado. Aos meus monitores, monitoras e assistentes, muito obrigada sempre – e com muito orgulho pelo trabalho de vocês!

Agradeço também à querida Professora Dra. Elisaide Trevisam, da Escola Paulista de Direito, pelas oportunidades sempre maravilhosas trazidas para o meu caminho, assim como pelo carinho e pelos ensinamentos. Na Universidade de São Paulo, sou grata aos Professores Doutores Wagner Menezes e André de Carvalho Ramos, bem como aos amigos e às amigas daquela Universidade que caminham comigo nessa relação de muito amor com o Direito Internacional. Na Fundação Getúlio Vargas, encerro este ciclo com o agradecimento especial às Professoras Michelle Ratton Sanchez, Flávia Scabin e Lígia Pinto Sica.

Ao meu querido amigo Humberto Cantú Rivera, da Universidade de Monterrey, México, muchísimas gracias pelas preciosas contribuições ao meu trabalho e por me

(7)

Humanos e Empresas. Obrigada pela parceria!

No iCourts, Centro de Excelência em Cortes Internacionais da Universidade de Copenhague, Dinamarca, agradeço especialmente aos Professores Doutores Gunther Teubner, Cesare Romano e Laurence R. Helfer pelo interesse em minha pesquisa e pelas dicas e recomendações valiosas, assim como à Professora Dra. Caroline Silva por todo o auxílio.

No NYU Stern Center for Business and Human Rights, agradeço ao Professor Dr. Michael Posner e à Professora Dra. Dorothée Baumann-Pauly pelo material indicado para minha tese.

Aos meus médicos e mentores, que me auxiliaram a concluir com sanidade essa parte de minha história, Dr. João, Dra. Fernanda, Dra. Gabriela, Dra. Lídia, Sadae, Ana Paula, Andreza e à equipe iluminada do CEAP, muitíssimo obrigada!

Aos meus queridos amigos e amigas da vida, obrigada. Estar sempre ausente não agrada o meu coração, mas apresento-lhes o resultado de meus infinitos “nãos”.

Por fim, aos meus alunos e alunas, toda a minha gratidão. Dizem que nós somos os mestres, mas hoje não me restam dúvidas de que vocês são nossos maiores Professores. O que aprendi nos últimos três anos e meio não veio dos livros. Veio de vocês.

(8)

E muito pouco lhe importava o disparate, tinha nada de vergonha e sonhava tão grande que cada impedimento era apenas um pequeno atraso, nunca a desistência ou a aceitação da loucura.

Valter Hugo Mãe

MÃE, Valter Hugo. O filho de mil homens. São Paulo: Biblioteca Azul, 2016 p.21.

(9)

A presente tese de doutorado tem por objetivo estabelecer as bases de um novo mecanismo de responsabilização judicial de corporações por violações aos Direitos Humanos: a transterritorialidade. Com base em literatura multidisciplinar, oriunda da Sociologia, das Relações Internacionais, do Direito Internacional, do Direito Internacional dos Direitos Humanos, da Sociologia do Direito e do Direito Constitucional Internacional, será construído um mecanismo – que redunda em possibilidade de teoria – visando consagrar a aplicabilidade das regras de Direito Internacional Privado, de Direito Internacional Público e de Direitos Humanos por parte dos Estados e dos juízes nacionais de maneira heterárquica e transversal, resultando em um verdadeiro diálogo entre as jurisdições nacionais e Cortes Internacionais na punição de empresas que transgredirem os Direitos Humanos. Referido modelo se apresenta como uma alternativa às discussões de um tratado sobre a matéria, em especial se considerada a dificuldade de se atingir um consenso entre os Estados quanto aos dispositivos negociados, além da rigidez própria à estrutura do Direito Internacional, que ainda prioriza os Estados como os principais sujeitos de sua disciplina. Quanto à metodologia e aos métodos de pesquisa empregados, serão utilizados os métodos qualitativo e dedutivo, com base em pesquisa interdisciplinar para o desenvolvimento e a conclusão da análise crítica sobre o tema proposto e a elaboração da tese que se pretende defender; serão, ainda, perquiridas fontes primárias e secundárias atuais a respeito da temática Direitos Humanos e Empresas.

Palavras-chave: Direito Internacional. Direito Internacional Privado. Direito

Internacional Público. Direitos Humanos e Empresas. Transterritorialidade. Extraterritorialidade. Empresas.

(10)

The present PhD thesis aims at establishing the foundations of a new mechanism for corporations’ judicial accountability for human rights violations: the transterritoriality. Based on multidisciplinary literature, deriving from Sociology, International Relations, International Law, International Law of Human Rights, Sociology of Law and from International Constitutional Law, a mechanism shall be built – that may result in theory – with the objective of confirming the applicability of the rules of Private International Law, Public International Law and International Human Rights Law by the States and the national judges in a heterarchical and transversal manner, resulting in a true dialogue between the national jurisdictions and International Courts in the punishment of corporations which violate human rights. Such model presents itself as an alternative to the discussions of a treaty on the subject, especially if one considers the difficulty of attaining consensus between States regarding the negotiated provisions, in addition to the rigidity typical to the International Law structure, which still prioritizes States as the main subjects of its discipline. With connection to the research methods employed, the qualitative and deductive methods shall be utilized, based on interdisciplinary research. For the development and the conclusion of the critical analysis about the proposed theme, as well as the preparation of the thesis herein defended, current primary and secondary sources with respect to the Business and Human Rights theme shall be investigated.

Keywords: International Law. Private International Law. Public International Law.

(11)

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas ATCA Alien Tort Claims Act

ATS Alien Tort Statute

BREXIT Nome dado ao movimento de saída do Reino Unido da União Europeia BIRD Banco Interamericano para Reconstrução e Desenvolvimento

CIJ Corte Internacional de Justiça

CVDT Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos

ECOSOC Economic and Social Council (Conselho Econômico e Social)

FAO Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura FBI Federal Bureau of Investigation

FMI Fundo Monetário Internacional GDPR General Data Protection Regulation

ICC International Chamber of Commerce (Câmara de Comércio

Internacional)

IFC International Finance Corporation

IOE International Organization of Employers

ISO International Organization for Standardization

OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

OEA Organização dos Estados Americanos OIT Organização Internacional do Trabalho OMC Organização Mundial do Comércio ONG Organização Não Governamental ONU Organização das Nações Unidas

PIDESC Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais RCADI Recueil des Cours de l’Académie de Droit International

SAI Social Accountability International

SEC Securities and Exchange Commission

UNCTAD United Nations Conference on Trade and Development (Conferência das

Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento)

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura Outras expressões:

DODD-FRANK ACT

Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act

GRUPO DE TRABALHO

Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos PLANOS NACIONAIS DE AÇÃO

Planos Nacionais de Ação sobre Empresas e Direitos Humanos PRINCÍPIOS ORIENTADORES

(12)

1 INTRODUÇÃO 14 2 INSEGURANÇAS NA SOCIEDADE INTERNACIONAL DE

CONSUMO E A EVOLUÇÃO, NO DIREITO INTERNACIONAL,

DOS DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 20

2.1 Inseguranças em uma sociedade global de consumo 22 2.1.1 Os novos sujeitos e atores da sociedade internacional e as influências

alheias ao conceito clássico de Direito Internacional 23 2.1.2 A atuação das empresas transnacionais neste novo contexto e seu papel

na potencialização de violações aos Direitos Humanos 26 2.2 A concepção da tríade “prevenir, respeitar e reparar” e as negociações

para a elaboração de um tratado sobre Direitos Humanos e empresas 30 3 A VERTENTE DA RESPONSABILIZAÇÃO JUDICIAL DE

EMPRESAS POR VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS 42 3.1 Reparação como a ultima ratio de uma sociedade de consumidores 43 3.2 A responsabilização e a discussão sobre o ativismo judicial versus

o acesso à justiça 44

3.3 A responsabilização judicial de empresas no plano internacional 49 3.3.1 O terceiro pilar dos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas

e Direitos Humanos 49

3.3.2 Considerações sobre a responsabilização judicial de empresas no tratado

em negociação na ONU 53

3.3.3 A responsabilização corporativa sob a ótica da adjudicação internacional

de Direitos Humanos 57

4 MODELOS NACIONAIS DE RESPONSABILIZAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS POR VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS NO

DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADES TRANSNACIONAIS 72

4.1 A responsabilização de empresas sob a ótica dos planos nacionais de ação

sobre empresas e Direitos Humanos 73

4.2 Modelos normativos dos contextos norte-americano, britânico e europeu 86 5 UMA NOVA TEORIA PARA A RESPONSABILIZAÇÃO JUDICIAL

DE EMPRESAS POR VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS: A

TRANSTERRITORIALIDADE 101

5.1 Extraterritorialidade: uma possibilidade de solução? 101 5.2 A insuficiência do conceito de extraterritorialidade para a

responsabilização de empresas por violações aos Direitos Humanos 106 5.3 Concepções sobre o tema e bases metodológicas: fragmentação do Direito

Internacional, constitucionalismo societal, transconstitucionalismo e governança transversal dos direitos fundamentais em uma sociedade

com normas globais 108

5.3.1 Fragmentação do Direito Internacional 108

5.3.2 Constitucionalismo societal 113

(13)

6 DEFINIÇÃO E APLICABILIDADE DA TRANSTERRITORIALIDADE

NOS ESTADOS 123

6.1 A transterritorialidade como potencial apaziguadora da insegurança de

uma sociedade mundial de consumidores 123

6.1.1 O Direito Internacional Privado e o Direito Internacional Público na revisão de normas de jurisdição e na unidade heterárquica das normas

globais para a aplicação da transterritorialidade 131 6.1.1.1 O Direito Internacional Privado e a transterritorialidade 132 6.1.1.2 A transterritorialidade sob a ótica do Direito Internacional Público 138 6.2 O possível desenvolvimento da transterritorialidade nos Estados 141

7 CONCLUSÃO 148

(14)

1 INTRODUÇÃO

Segurança. A humanidade, desde seus primórdios, empregou seus instintos e seus esforços físicos e intelectuais na busca de circunstâncias que a colocasse em segurança. A garantia de conforto, sempre almejada pelos indivíduos, foi o ideal que permitiu o avanço da sociedade internacional de seu princípio até os dias atuais.

Ocorre que a comodidade é subjetiva, acompanhando, portanto, o evoluir dos desafios postos à humanidade. Dessa maneira, as sociedades modernas experimentaram diferentes noções de conforto se comparadas aos sujeitos viventes nas sociedades pós-modernas, com gerações nascidas a partir da segunda metade do século XX.

Neste momento, de reconstrução das economias mundiais após o final das duas Grandes Guerras, bem como do início de um novo confronto de bases ideológicas, a Guerra Fria, a sociedade internacional se depara com o desenvolvimento tecnológico exponencialmente crescente e, por conseguinte, com a promessa de garantir para si maior conforto e segurança por meio da aquisição de bens.

Uma vez disseminadas as bases de uma economia fundamentada no consumo de seus cidadãos, os Estados passaram a ceder parcelas cada vez maiores de sua soberania com o objetivo de atrair para seus territórios o maior número de corporações, estas últimas as principais responsáveis pela produção de bens de consumo e serviços garantidores da pretensa segurança.

Prosperidade econômica, investimentos, consumo de mercadorias e serviços, garantia de conforto e comodidade. Fortuna aparente de uma sociedade que condicionou sua identidade e felicidade à aquisição de produtos, esquecendo-se de avaliar os esforços humanos empregados para a construção desse imaginário.

O resultado da ausência de alteridade é verificado na mesma proporção quantitativa em que as mercadorias são produzidas: violações aos Direitos Humanos e ao meio ambiente, resultando em uma sociedade que sobrevive às mazelas da natureza e aos seus semelhantes, mas continua a acreditar em um aparente conforto trazido pelas empresas e com o apoio e amparo – na maioria das vezes irrestritos – dos Estados.

É neste cenário, de graves infrações aos Direitos Humanos e ao meio ambiente praticadas por corporações, que se situa a presente tese. Diante da conivência estatal para com a atividade corporativa e da estrutura do Direito Internacional que ainda prioriza os Estados como os principais sujeitos de sua disciplina, questiona-se qual a melhor maneira de responsabilizar as empresas por transgressões praticadas no desenvolver de suas atividades.

(15)

A presente tese se limitará à análise das formas judiciais de responsabilização de empresas por violações aos Direitos Humanos, especialmente por considerar que, independentemente do grau de desenvolvimento dos Poderes Judiciários dos mais variados Estados, sua existência em praticamente todas as jurisdições do globo e que contam com a atuação de empresas transnacionais é uma realidade da qual se faz impossível prescindir. Ainda que mudanças nessa seara sejam complexas e demandem tempo para se consolidar tanto doméstica quanto internacionalmente, analisar seus impactos e propor mudanças significativas para os tempos vindouros é medida que se faz de rigor e que deve ser refletida a partir dos tempos atuais.

Assim, serão estudados criticamente os esforços da sociedade internacional pós-moderna (considerada a partir da segunda metade do século XX) na elaboração de regras domésticas e internacionais voltadas à responsabilização de empresas por violações aos Direitos Humanos. Será objeto de estudo o comprometimento especialmente no âmbito Onusiano, não obstante outras iniciativas verificadas no plano global e que deverão ser consideradas para o diálogo que ora se propõe. Os Princípios Orientadores, estabelecidos pela ONU em 2011, serão o marco fundamental em relação à movimentação doméstica e internacional por maior responsabilização corporativa, esta constante do terceiro pilar daquele documento.

A partir de então, serão avaliados os resultados dos Fóruns Anuais sobre Empresas e Direitos Humanos, além dos produtos obtidos pelo Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos em suas visitas aos Estados membros. Será também considerada a postura crítica dos sujeitos e dos atores envolvidos nas discussões de um tratado sobre a matéria e contrários aos Princípios Orientadores, que compõem o chamado Grupo de Trabalho Intergovernamental de Composição Aberta para a elaboração de um tratado sobre Direitos Humanos e Empresas.

No plano doméstico, serão criticamente avaliados os Planos Nacionais de Ação estabelecidos pelos Estados a partir dos Princípios Orientadores, de forma a verificar se a possibilidade de remediação é efetiva nos termos daqueles documentos ou se a participação estatal nesse sentido ainda carece de maior rigor quanto à responsabilização judicial corporativa. Serão também estudadas normas domésticas que expressamente permitem a possibilidade de aplicação da jurisdição extraterritorial para o caso de violações aos direitos humanos praticadas por corporações.

(16)

Quanto às Cortes Internacionais, será objeto de análise a jurisprudência das Cortes Regionais de Direitos Humanos, que, não obstante se constituam como loci específicos de Estados e indivíduos, são capazes de responsabilizar indiretamente corporações.

Diante do estudo crítico das questões propostas, será elaborado um modelo teórico que consagre os respectivos aspectos positivos, culminando em um mecanismo alternativo de responsabilização de empresas por violações aos direitos humanos, a saber, a transterritorialidade. Referido mecanismo será fruto da aplicação conjunta, por Estados e juízes domésticos, de regras existentes de Direito Internacional Público, Direito Internacional Privado e Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a consideração da heterarquia de tais normas, bem como de diálogo e de interpretação transversais de seus predicados.

Sendo assim, a presente tese se dividirá em cinco partes, além da Introdução e da Conclusão da pesquisa. Quanto à metodologia e aos métodos de pesquisa empregados, serão utilizados os métodos dedutivo e indutivo, com pesquisa qualitativa interdisciplinar resultante da utilização contextual de referências oriundas de disciplinas do campo das ciências sociais – como a Sociologia e as Relações Internacionais – para o desenvolvimento e conclusão da análise crítica sobre o tema proposto e elaboração da tese que ora se pretende defender. Ademais, serão utilizadas fontes do Direito Internacional, do Direito Internacional dos Direitos Humanos, da Sociologia do Direito e do Direito Constitucional Internacional para a construção do mecanismo teórico que se pretende propor.

No capítulo 2, logo após a Introdução, serão analisadas as questões que envolveram a modificação do arranjo institucional internacional existente, consequentes do avanço da globalização e o surgimento de novos sujeitos e atores privados que passaram a interferir nas bases estatais até então predominantemente existentes, com o recorte específico na atividade corporativa e na necessidade de proteção aos direitos humanos diante da insegurança provocada nos cidadãos sujeitos a violações por parte daqueles entes. Será também objeto de análise o impacto de tais iniciativas no plano internacional, com o estabelecimento de normas voluntárias e vinculantes relacionadas à temática proposta sob o prisma da proteção, do respeito e da reparação por parte de corporações e Estados aos direitos humanos – com atenção às iniciativas mais recentes, quais sejam, os Princípios Orientadores e as discussões no plano Onusiano para a elaboração de um tratado sobre direitos humanos e empresas.

Em relação aos efeitos do fenômeno da globalização e consequentes inseguranças de uma sociedade pós-moderna de consumo, será conduzida análise crítica de literatura sociológica, psicológica e jurídica sobre o tema (fontes secundárias), tendo como principais

(17)

teorias norteadoras as apresentadas nas obras de Zygmunt Bauman, Byung Chan, Gunther Teubner, Mireille Delmas-Marty, Marcelo Neves e Marcelo Torelly.

Quanto à análise dos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, serão apresentadas as pesquisas sobre os principais documentos constituintes da referida norma (fontes primárias), tais como os relatórios elaborados por John Ruggie entre os anos de 2006 e 2010 e apresentados ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, além das fontes produzidas no âmbito Onusiano e pelo Governo Equatoriano em relação ao tratado sobre direitos humanos e empresas ora em discussão. Serão também analisadas fontes secundárias, como a obra em que John Ruggie expõe as principais questões que nortearam a elaboração dos Princípios Orientadores, assim como literatura crítica relacionada ao tema, formada por obras coletivas, artigos científicos e outras produções acadêmicas relevantes nacional e internacionalmente.

O capítulo 3 formalizará o recorte da reparação das vítimas às violações praticadas por empresas transnacionais, a partir da análise pormenorizada do alcance do terceiro pilar dos Princípios Orientadores, do tratado sob construção e dos mecanismos judiciais internacionais existentes voltados especificamente à proteção aos direitos humanos. Serão, neste ponto, analisados casos contenciosos do sistema adjudicatório internacional, com especial atenção à jurisprudência dos Sistemas Regionais de Proteção aos Direitos Humanos Europeu, Interamericano e Africano.

Em relação aos argumentos referentes à necessidade da reparação como ultima ratio de uma sociedade de consumidores, serão apresentadas pesquisas de fontes secundárias, consubstanciadas em literatura crítica jurídica relacionada especificamente à condenação doméstica de corporações por violações aos direitos humanos, tema este considerado pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que compõem a Agenda 2030 da ONU.

As informações obtidas em relação ao tema da reparação tanto nos Princípios Orientadores, quanto no tratado ora em discussão perante a ONU e situação verificada nos mais diversos organismos internacionais, tais como OCDE, Banco Mundial e ISO, serão obtidas mediante a análise de fontes primárias, com os principais documentos constitutivos das instituições mencionadas, além de literatura jurídica crítica a respeito do tema (fontes secundárias).

Quanto ao item referente à responsabilização corporativa sob a ótica internacional, serão apresentadas as pesquisas de jurisprudência realizadas nos principais sistemas de busca dos sites das Cortes Regionais de Direitos Humanos, a saber, Corte Europeia de Direitos Humanos, Corte Interamericana de Direitos Humanos e Corte Africana de Direitos Humanos

(18)

e dos Povos, além de investigação por referencial teórico e literatura crítica jurídica relacionados ao tema como suporte às pesquisas realizadas.

No capítulo 4, o tema da remediação por violações corporativas aos direitos humanos será visto sob os prismas internacional e estatal, com o estudo crítico das iniciativas domésticas resultantes da aplicação dos Princípios Orientadores pelos Estados, a saber, o estabelecimento de Planos Nacionais de Ação, assim como, no plano doméstico, mediante a escolha de casos contenciosos procedentes dos sistemas judiciais dos Estados Unidos e do Reino Unido, Estados estes que contam, em seu plano normativo doméstico, com regras que podem vir a ser interpretadas e aplicadas para o fim específico de responsabilização de empresas por violações aos direitos humanos e cuja menção expressa foi feita nos respectivos Planos Nacionais de Ação daqueles Estados. Será também feita breve análise sobre a normativa recente estabelecida no plano europeu quanto à proteção de dados, tendo em vista sua natureza e relevância para o Direito Comunitário Europeu e pertinência à presente tese.

Em relação ao item sobre os Planos Nacionais de Ação estabelecidos pelos Estados a partir da recomendação dos Princípios Orientadores, será conduzida busca por fontes primárias (os próprios documentos constitutivos dos Planos Nacionais de Ação) e buscas por fontes secundárias, relacionadas à análise da implementação de referidos documentos, críticas ao texto das regras, bem como relatórios produzidos por organizações do terceiro setor. Serão ainda pesquisados textos acadêmicos com aportes críticos sobre o processo de implementação dos Planos Nacionais de Ação.

No tópico referente aos casos domésticos julgados mediante a aplicação de regras internas explícitas ou implícitas sobre responsabilização de empresas por violações aos direitos humanos, será conduzida pesquisa de fontes primárias em relação às normas dos Estados selecionados ante o recorte metodológico proposto, além de fontes secundárias com análise jurídica crítica sobre os casos então analisados.

No capítulo 5, ante a observância das questões apresentadas nos capítulos anteriores, será introduzido o conceito de extraterritorialidade aplicável ao plano do Direito Internacional Privado para a responsabilização de empresas por violações aos direitos humanos, com a existência de regras de jurisdição suficientemente amplas para eventualmente permitir, em determinado território, o julgamento de demandas ocorridas em Estado distinto. Serão, assim, trazidos a definição e o conceito de extraterritorialidade, seus aspectos positivos e negativos em relação à temática ora proposta, além de suas deficiências para o caso de haver aplicação exclusiva na responsabilização de corporações por violações aos direitos humanos.

(19)

Assim, pretende-se demonstrar que as deficiências da aplicação exclusiva da extraterritorialidade podem ser suprimidas por meio do emprego de mecanismos que a completam. Dessa forma, são estabelecidas as bases da transterritorialidade, teoria que conjuga elementos do Direito Internacional Público e do Direito Internacional Privado e se fundamenta nos conceitos de fragmentação do direito internacional, constitucionalismo societal, transconstitucionalismo e governança transversal dos direitos fundamentais.

Em relação ao desenvolvimento da teoria que constitui a presente tese, a saber, a transterritorialidade, será feita a conjugação das fontes primárias e secundárias apresentadas ao longo do texto, com enfoque, principalmente, nas referências que seguem: Martii Koskenniemi, com Relatório apresentado à Comissão de Direito Internacional da ONU em 2006, além de fontes secundárias relacionadas ao tema da fragmentação do Direito Internacional; Gunther Teubner, com a temática do constitucionalismo societal; Marcelo Neves, com sua tese sobre o transconstitucionalismo e Marcelo Torelly, autor de referencial teórico e prático sobre a governança transversal dos direitos fundamentais.

No capítulo 6, as bases desenvolvidas nos capítulos anteriores darão forma ao mecanismo da transterritorialidade. Estas serão completadas pelo aprendizado mútuo e pela interpretação transcivilizacional realizada pelos representantes dos Poderes Judiciários dos Estados envolvidos e da cooperação jurídica internacional tanto para solucionar os casos quanto para reconhecer e executar as sentenças em distintos foros, o que acaba por instituir uma cultura de proteção que se difunde por todos os sujeitos e atores da sociedade internacional independentemente da instituição de um tratado específico sobre a matéria.

No tópico referente à aplicabilidade da teoria proposta ante o Direito Internacional Privado e o Direito Internacional Público, serão analisadas fontes secundárias específicas àquelas disciplinas, tendo como orientação o pressuposto de um diálogo constante de ambos os ramos com a proteção ao indivíduo e ao Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Trata-se, portanto, de mecanismo – que redunda em possibilidade de teoria – que será construído a partir da verificação dos contextos nacionais e internacionais para a possível aplicação de remédios às vítimas por violações aos direitos humanos, na tentativa de responder aos anseios de uma sociedade pós-moderna de consumo cada vez mais distante de um ideal de alteridade.

(20)

2 INSEGURANÇAS NA SOCIEDADE INTERNACIONAL DE CONSUMO E A EVOLUÇÃO, NO DIREITO INTERNACIONAL, DOS DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS

Dentre as inúmeras transformações vividas pelos indivíduos no decorrer da história da humanidade, o avanço da tecnologia se consagrou como uma das mais relevantes – senão a principal. Foi graças ao progresso tecnológico dos meios de produção, do transporte e das comunicações que o fenômeno da globalização se disseminou e adquiriu proporções mundiais, impactando a sociedade internacional como um todo.

Além da expansão do desenvolvimento das mais variadas tecnologias aplicadas aos meios de transporte e telecomunicações, outras questões como as tendências políticas desregulamentadoras, em especial em relação às intensas trocas comerciais e à realização de investimentos estrangeiros, a intensificação das migrações, dentre outros aspectos, são também marcantes desse período1.

A facilitada transposição de fronteiras de bens, informações e pessoas proporcionada pela tecnologia crescente utilizada no âmbito do processo globalizatório modificou os arranjos institucionais existentes na sociedade internacional, trazendo notáveis impactos ao Direito Internacional, então estabelecido sob as bases de relações genuinamente interestatais2. Neste cenário, verificado em maior intensidade a partir da segunda metade do século XX, as demarcações territoriais deixaram de ser o único critério a ser observado, em especial quando considerados os novos sujeitos com personalidade jurídica internacional, como as Organizações Internacionais, e a evolução da consideração do indivíduo como verdadeiro destinatário da proteção dos Estados3, com a consagração do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Este, por sua vez, passou a receber o amparo e o apoio irrestrito de entidades privadas também formadas por indivíduos, mas sem fins lucrativos, a saber, as

1 BECKERS, Anna. Enforcing corporate social responsibility codes: on global self-regulation and national private law.

Oxford: Hart Publishing, 201, p.9. Ainda, sobre a globalização, ver: BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 1999; FALK, Richard. Globalização predatória: uma crítica. Tradução de Rogério Alves. Rio de Janeiro: Instituto Piaget, 1999; GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. 8.ed. Rio de Janeiro: Record, 2011; GIDDENS, Anthony. The consequences of modernity. Cambridge: Polity Press, 1990; HOBSBAWN, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. Tradução de José Viegas. São Paulo: Companhia das Letras, 2007; SASSEN, Saskia. Expulsões: brutalidade e complexidade na economia global. Tradução de Angélica Freitas. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2016, p.11; STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios. Tradução de Bazán Tecnologia e Linguística. São Paulo: Futura, 2002; STIGLITZ, Joseph E. Globalização: como dar certo. Tradução de Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

2 YASUAKI, Onuma. Direito internacional em perspectiva transcivilizacional: questionamento da estrutura cognitiva

predominante no emergente mundo multipolar e multicivilizacional do século XXI. Tradução de Jardel Gonçalves Anjos Ferreira [et al.]. Belo Horizonte: Arraes, 2016, p.15.

3 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. International law for humankind: towards a new jus gentium. The Hague

(21)

Organizações Não Governamentais. Todos, cada qual com sua influência4, passaram a atuar conjuntamente neste novo acondicionamento social, desafiando muitas vezes a própria autonomia e a deferência dos Estados, então considerados sujeitos clássicos do Direito Internacional e das Relações Internacionais5.

Em especial quanto aos bens de consumo, a produção em grande escala e em menor tempo de bens materiais possibilitada pela tecnologia garantiu a tônica da transformação consumerista e cultural da sociedade. Os trabalhadores, por sua vez, passaram a ter sua remuneração direcionada à sensação de conforto proporcionada por bens antes inexistentes, de cada vez mais fácil alcance, e, no processo de avanço da globalização, amplamente propagado como positivo pelos aperfeiçoados meios de comunicação.

A consequência de uma sociedade erigida sobre tais bases se conferiu historicamente: quando do triunfo do sistema capitalista no pós Guerra Fria, passou-se à consagração de uma nova sociedade, agora pós-moderna e global de consumo, em que os indivíduos não apenas garantiam para si o maior número possível de bens materiais, mas também definiam sua felicidade6 e sua identidade a partir destes.

O estabelecimento de uma relação identitária entre os indivíduos da sociedade internacional e a posse de bens materiais acabou por impactar psicologicamente e culturalmente as relações interpessoais e as relações de consumo – sendo agora manifestamente necessária sua aquisição e acúmulo constante para a garantia de ascensão social7– e as relações com os entes responsáveis por sua produção, quais sejam, as empresas. Seja na posição de consumidores, seja na de assistentes na produção destes bens8, a nova configuração individual e social produzida pela globalização acabou por contar com a influência direta daqueles entes9.

4 LINDBLOM, Anna-Karim. Non-governmental organisations in international law. Reino Unido: Cambridge University

Press, 2005; FIORETOS, Orfeo. Institutions and time in international relations. In: FIORETOS, Orfeo (Ed.). International politics and institutions in time. Reino Unido: Oxford University Press, 2017, p.3.

5 HUSEK, Carlos Roberto. Curso de direito internacional público. 14.ed. São Paulo: LTr., 2017, p.207; TEUBNER,

Gunther. Exogenous self-binding: how social systems externalize their foundational paradoxes in the process of constitutionalization. In: FEBBRAJO, Alberto. CORSI, Giancarlo (Ed.). Sociology of constitutions: a paradoxical perspective. Nova Iorque: Routledge, 2016, p.32.

6 “[...] a busca da felicidade é igual a comprar, e de que a felicidade deve ser buscada e está à espera nas prateleiras das

lojas”. (BAUMAN, Zygmunt. A riqueza de poucos beneficia todos nós? Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2015, p.61-64). Ver também: BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Tradução de Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama. Revisão técnica de Luís Carlos Fridman. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p.26; BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo parasitário: e outros temas contemporâneos. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p.33; BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

7 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p.29. Com posição diversa: KRASNER,

Stephen D. Non-governmental actors: less than you know; more than you thought. (EVRIVIADES, Marios L.; FLOROU, Vasiliki (Ed.). Yearbook of the Institute of International Relations 2003-2004. Atenas: ANT.N. Sakkoulas Publishers, 2005, p.280).

8 BAUMAN, Zygmunt. A ética é possível num mundo de consumidores? Tradução de Alexandre Werneck. Rio de Janeiro:

(22)

Dessa maneira, indivíduos, que antes se identificavam puramente por sua existência em determinado território físico pertencente aos Estados, viram-se libertos das amarras de transporte para outras localizações, passaram a ser diretamente influenciados por entidades de natureza privada, responsáveis pela produção quase ilimitada de bens de consumo, tendo também a proteção aos seus direitos reivindicada por outros indivíduos da sociedade civil e internacionalmente consagrados pela atuação de Organizações Internacionais. Um novo arranjo institucional, normativo e internacional que trouxe consequências individuais, coletivas e globais, e que será analisado no presente capítulo10.

2.1 Inseguranças em uma sociedade global de consumo

O novo arranjo institucional ora descrito trouxe impactos diretos e indiretos aos Estados e aos indivíduos da sociedade internacional. Estes últimos, especialmente, viram-se tomados de sentimento paradoxal: cederam inicialmente parte de sua liberdade em nome de uma segurança anunciada e prometida pelos Estados, e, aos poucos, buscaram na sociedade capitalista retomar parte da liberdade transferida sob o ponto de vista econômico, mas sentiram-se cada vez mais inseguros ante os desmandos cometidos por corporações transnacionais, muitas vezes efetivados sob a conivência estatal11.

O ideal de consumo ilimitado e aprimoramento identitário dos indivíduos da sociedade internacional encontrou obstáculo nos próprios entes que lhe trariam pretensa bonança. Apesar de seus reclames, em especial por meio da atuação das organizações da sociedade civil, a magnitude das violações acabou por exceder os limites toleráveis pelos indivíduos, rompendo com suas expectativas positivas em relação à atividade protetiva dos Estados. As inseguranças pós-modernas, portanto, fazem parte de um novo modelo de sociedade, que será a seguir analisado em duas frentes distintas: a separação dos estratos sociais sob as bases de regimes e o papel das corporações neste novo arranjo institucional e eventualmente atentatório à proteção aos Direitos Humanos.

9 O termo “entes” será utilizado na presente tese em sentido amplo. A divisão entre “sujeitos” e “atores” é defendida pelos

teóricos pertencentes ao ramo das Relações Internacionais, de forma que o Direito Internacional compreende como sujeitos tão apenas os entes com personalidade jurídica perante os órgãos internacionais. Contudo, para fins da presente tese, se considerada a influência das empresas e das organizações não governamentais na estrutura da sociedade internacional, defende-se a ideia de sua elevação à categoria de sujeitos de um Direito Internacional Pós-Moderno, tal qual apresentado em CARDIA, Ana Cláudia Ruy. Empresas, direitos humanos e gênero: desafios e perspectivas na proteção e no empoderamento da mulher pelas empresas transnacionais. Porto Alegre: Buqui, 2015, p.55-60.

10 ZERK, Jennifer A. Extraterritorial jurisdiction: lessons for the business and human rights sphere from six regulatory areas.

Corporate social responsibility initiative working paper n.59. Cambridge, MA: John F. Kennedy School of Government, Harvard University, 2010, p.144-145.

11 BAUMAN, Zygmunt; DESSAL, Gustavo. O retorno do pêndulo: sobre a psicanálise e o futuro do mundo líquido.

(23)

2.1.1 Os novos sujeitos e atores da sociedade internacional e as influências alheias ao conceito clássico de direito internacional

Como visto, o surgimento de novos sujeitos e atores de Direito Internacional, cada qual com sua forma de atuação e sujeitos a regras autônomas e especializadas nos mais diferentes ramos, consagrou uma sociedade também estabelecida sob as bases de regimes.

O termo ‘regimes’ foi inicialmente utilizado pelos teóricos das Relações Internacionais, especialmente Stephen Krasner, que os definiu como o “conjunto de princípios implícitos ou explícitos, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão em que as expectativas dos atores convergem em determinada área das Relações Internacionais”12.

Contudo, referida definição não se adequa inteiramente ao Direito, posto que, como afirma Nasser:

não se preocupa em estabelecer a natureza jurídica dos princípios, normas, regras, procedimentos de tomada de decisão ou organizações, ou presume essa natureza jurídica; tampouco se preocupa com o pertencimento dessas coisas a um sistema jurídico unificado e coerente.13

Aproveitando-se do pressuposto trazido por Krasner e adaptando-o ao Direito Internacional, à Sociologia do Direito e outros ramos jurídicos, autores como Martti Koskenniemi, Margaret Young e Gunther Teubner construíram suas acepções de regime, que serão objeto de análise na presente tese.

No Relatório do Grupo de Estudos da Comissão de Direito Internacional da ONU, elaborado por Martti Koskenniemi em 2006, regimes para o Direito Internacional Público, de modo geral, foram definidos como conjuntos de “regras especializadas autônomas ou complexas, instituições jurídicas ou esferas de prática legal [...] que possuem seus próprios princípios e instituições”14. Margaret Young denomina ‘regime’ como o termo que define a existência de normas especializadas estabelecidas em cada área do Direito, tais como regras referentes ao comércio, às mudanças climáticas, ao direito do mar e aos direitos humanos15, dentre outros.

12 No original: “Regimes can be defined as sets of implicit or explicit principles, norms, rules, and decision-making

procedures around which actors’ expectations converge in a given area of international relations”. (KRASNER, Stephen D. Structural causes and regime consequences: regimes as intervening variables. In: KRASNER, Stephen D. (Ed.). International regimes. London: Cornell University Press, 1983, p.2).

13 NASSER, Salem Hikmat. Direito global em pedaços: fragmentação, regimes e pluralismo. Revista de Direito

Internacional. Brazilian Journal of International Law. v.12. n.2, 2015, p.106-107.

14 INTERNATIONAL LAW COMMISSION. A/CN.4L.682. Fragmentation of international law: difficulties arising from

the diversification and expansion of international law. 2006. Disponível em: <http://legal.un.org/ilc/documentation/english/a_cn4_l682.pdf>. Acesso em: 02 ago. 2018, p.11.

15 YOUNG, Margaret A. Fragmentation, regime interaction and sovereignty. In: CHINKIN, Christine; BAETENS, Freya.

(24)

Teubner afirma que o termo ‘regimes transnacionais’ é o que melhor esclarece o processo de constitucionalização. O autor vai além do conceito proposto por Krasner e se diferencia da definição de Koskenniemi, afirmando que é o meio relevante que deve ser considerado em adição à estrutura interna de organizações, contratos ou mesmo redes16, de forma que não é possível atribuir regras de pertença de tais regimes “quer ao direito nacional, quer ao direito internacional”17. Nasser, contudo, critica expressamente tal posicionamento e a própria utilização do termo ‘regimes’, posto que Teubner e Fischer-Lescano se utilizaram do conceito de fragmentação do Direito Internacional trazido por Koskenniemi para ampliar sua definição além da metodologia e rigidez próprias do Direito Internacional18. Referidos pontos, dada sua complexidade e aplicabilidade na construção do mecanismo a qual se propõe a presente tese, serão estudados com maior detalhe mais adiante.

Neste novo panorama social, apesar de haver um maior número de entidades preocupadas com os direitos dos indivíduos, tais como as organizações da sociedade civil e as Organizações Internacionais, suas novas relações com os Estados passaram a ser objeto de análise. A permeabilidade dos indivíduos pelos mais variados territórios também permitiu a existência de novos exames e inevitáveis comparações entre os povos das diferentes regiões do globo, seja quanto à forma de governo, seja quanto à maneira de conduzir as principais atividades voltadas ao conforto e ao bem-estar individual19.

Os Estados, por sua vez, provedores de toda a sociedade e pouco suscetíveis a questionamentos20, viram-se diante de um novo desafio: conciliar as insatisfações individuais e coletivas – esta última de uma sociedade civil atenta às insatisfações pessoais – com possíveis condenações verbais ou sanções formais provenientes do cenário internacional, representadas tanto por outros Estados quanto por Organizações Internacionais e/ou Cortes Internacionais, confirmando, mais uma vez, a incapacidade dos Estados de garantir a não violação ao Direito Internacional21.

Press, 2015, p.74; YOUNG, Margaret A. (Ed.). Regime Interaction in International Law: facing fragmentation. Reino Unido: Cambridge University Press, 2012, p.11.

16 TEUBNER, Gunther. Constitutional fragments: societal constitutionalism and globalization. New York: Oxford

University Press, 2012, p.58-59.

17 NASSER, Salem Hikmat. Direito global em pedaços: fragmentação, regimes e pluralismo. Revista de Direito

Internacional. Brazilian Journal of International Law. v.12. n.2, 2015, p.105.

18 NASSER, Salem Hikmat. Direito global em pedaços: fragmentação, regimes e pluralismo. Revista de Direito

Internacional. Brazilian Journal of International Law. v.12. n.2, 2015, p.107-108; 123.

19 YASUAKI, Onuma. Direito internacional em perspectiva transcivilizacional: questionamento da estrutura cognitiva

predominante no emergente mundo multipolar e multicivilizacional do século XXI. Tradução de Jardel Gonçalves Anjos Ferreira [et al.]. Belo Horizonte: Arraes, 2016, p.20-21.

20 CARRILLO SALCEDO, Ivan Antonio. Droit international et souveraineté des états: cours general de droit international

public. RCADI, t. 257, 1996, p.35-221.

21 KRASNER, Stephen D. The persistence of state sovereignty. In: (Ed.). International politics and institutions in time.

(25)

Quanto às empresas, estas foram as principais responsáveis pela prosperidade econômica e financeira dos Estados e dos indivíduos. Ao perceberem eventuais oportunidades na necessidade alheia, concentraram investimentos em infraestrutura e proporcionaram a criação de empregos para a produção de seus bens de consumo22. Sua também permeabilidade nos territórios estatais, desta vez desejada e facilitada pela existência de capital e, sobretudo, por sua nova forma de atuação em rede, por meio de cadeias de fornecimento complexas, com a preferência por atividades terceirizadas23, gerou nova presença e influência nos conhecidos sujeitos clássicos de Direito Internacional Público.

Essa constância irrestrita, contudo, modificou as bases de uma autonomia exclusivamente pertencente aos Estados, consagrada pelo exercício de seu poder soberano24. O próprio conceito de soberania passou a ser objeto de questionamentos, posto que as decisões estatais muitas vezes acabaram se confundindo com os interesses econômicos e desenvolvimentistas das corporações, resultando, paradoxalmente, em atos atentatórios não apenas ao território físico estatal, com eventuais transgressões ao meio ambiente, mas também aos indivíduos a ele pertencentes, com a violação aos direitos dos trabalhadores diretamente envolvidos na produção de bens de consumo e aos potenciais consumidores daqueles bens25.

É neste último cenário, a saber, de influência das empresas nos Estados, com a permissão, por estes últimos, de atuação quase irrestrita daqueles entes, resultando em potenciais violações aos direitos humanos dos trabalhadores e consumidores (agora inseguros quanto ao verdadeiro alcance das normas estatais, até então entendidas como algo estabelecido para garantir sua proteção, em um cenário de ansiedade existencial26) em que consistirá o centro de análise do item subsequente.

22 ADDO, Michael K. Human rights and transnational corporations: an introduction. In: ADDO, Michael K. (Ed.). Human

rights standards and the responsibility of transnational corporations. A Haia: Kluwer Law International, 1999, p.7; MCCORQUODALE, Robert. International law beyond the State: essays on sovereignty, non-state actors and human rights. Londres: CMP Publishing, 2011, p.150-151; STIGLITZ, Joseph E. Globalização: como dar certo. Tradução de Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.304.

23 RUGGIE, John Gerard. Quando negócios não são apenas negócios: as corporações multinacionais e direitos humanos.

São Paulo: Planeta Sustentável, Abril, Pacto Global Brasil, 2014, p.56-60; BECKERS, Anna. Enforcing corporate social responsibility codes: on global self-regulation and national private law. Oxford: Hart Publishing Ltd, 2015, p.9.

24 SLAUGHTER, Anne-Marie. A new world order. New Jersey: Princeton University Press, 2004, p.31; FERRAJOLI,

Luigi. A soberania no mundo moderno. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

25 BILCHITZ, David. Introduction – putting flesh on the bone: what should a business and human rights treaty look like? In:

DEVA, Surya; BILCHITZ, David (Ed.). Building a treaty on business and human rights: context and contours. Reino Unido: Cambridge University Press, 2017, p.3.

26 DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. Tradução de Luzia Araujo. São Leopoldo: Unisinos, 2009, p.222;

(26)

2.1.2 A atuação das empresas transnacionais neste novo contexto e seu papel na potencialização de violações aos direitos humanos

A existência das corporações transnacionais no cenário social internacional não é de todo recente. Contudo, o incremento de sua influência nos Estados foi diretamente proporcional ao avanço do processo de globalização, posto que, uma vez inseridas em referido processo, passaram a fundamentar sua atuação na necessária produção de bens de consumo em larga escala e com a garantia de resultados em tempo recorde, o que seria possível tão somente com a automatização resultante dos processos tecnológicos em crescente avanço.

John Ruggie, ao descrever o processo globalizatório, define a década de 1990 como a época de ouro da globalização. Neste momento, houve um crescimento exponencial da atividade empresarial nos Estados, gerando a chamada globalização corporativa 27. Bauman, por sua vez, denomina o movimento globalizatório e a atividade empresarial atentatória à proteção dos direitos humanos como globalização negativa, sendo ela

a globalização seletiva do comércio e do capital, da vigilância e da informação, da violência e das armas, do crime e do terrorismo; todos unânimes em seu desdém pelo princípio da soberania territorial e em sua falta de respeito a qualquer fronteira entre Estados28.

Seu novo modus operandi favorecido pela globalização, somado a uma crescente massa social ávida por bens de consumo – e que passava por um momento de transmutação identitária, com a hipervalorização do acúmulo de produtos – constituiu-se como terreno fértil para a abertura, por parte dos Estados, de seus territórios à atuação daqueles entes.

Dessa forma, para a presente tese, as corporações transnacionais se conceituam como entidades que

(a) se instalam em dois ou mais Estados, independentemente de sua constituição legal e dos campos de atuação; (b) que operam sob um sistema de tomada de decisões, permitindo políticas coerentes e estratégias comuns por meio de um ou mais centros de tomada de decisão; (c) em que as entidades estão ligadas, por propriedade ou outra forma, em que uma ou mais delas são aptas a exercer significativa influência sobre as atividades das demais e, em particular, dividir conhecimento, recursos e responsabilidades29.

27 RUGGIE, John Gerard. Quando negócios não são apenas negócios: as corporações multinacionais e direitos humanos.

São Paulo: Planeta Sustentável, Abril, Pacto Global Brasil, 2014, p.17-18.

28 BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p.13. 29 ORGANIZAÇ ÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Secretariat on the outstanding issues in the draft code of

(27)

Ademais, interessante notar a definição trazida pelas Diretrizes da OCDE para as empresas multinacionais30, em especial no sentido de que, independentemente da existência de uma definição exata, todas as corporações que hoje atuam além das fronteiras territoriais de determinado Estado devem merecer atenção por parte do Direito Internacional.

Assim, a influência empresarial transcendeu os limites físicos dos Estados, estendendo-se também a outros aspectos constituintes da soberania daqueles sujeitos, tais como tomada de decisões políticas, o estabelecimento de normas socioambientais, trabalhistas e tributárias, além da efetiva proteção dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, medidas estas determinadas pela influência corporativa31. A perda de controle dos Estados32, portanto, constituiu a principal marca desse momento, e foi amplamente sentida pelos indivíduos.

O resultado desse movimento pode ser constatado pela existência de uma série de graves violações aos direitos dos indivíduos pertencentes aos Estados, assim como ao meio ambiente físico territorial33, dentre as quais se destacam: (i) violações às leis trabalhistas, tais como as averiguadas no caso emblemático envolvendo a empresa Nike com a utilização de mão de obra infantil e práticas de trabalho forçado em suas fábricas na China, no Vietnã e na Indonésia no final dos anos 199034, o suicídio coletivo de funcionários da empresa chinesa Foxconn35, em 2010, ou mesmo a tragédia ocorrida com os trabalhadores de empresas têxteis terceirizadas que atuavam em um prédio em condições precárias em Rana Plaza36, Bangladesh, em 2013; (ii) graves danos ao meio ambiente, verificados no vazamento de gás em uma usina de pesticidas em Bhopal, Índia37, susbsidiária da empresa norte-americana

30 ORGANIZAÇ ÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. OECD Guidelines for

Multinational Enterprises. OECD Publishing, 2011.

31 ROBÉ, Jean-Philippe. Multinational enterprises: the constitution of a pluralistic legal order. In: TEUBNER, Gunther (Ed.).

Global law without a state. Aldershot: Dartmouth, 1997, p.53; 62; 69.

32 KRASNER, Stephen D. Non-governmental actors: less than you know; more than you thought. In: EVRIVIADES, Marios

L.; FLOROU, Vasiliki (Ed.). Yearbook of the Institute of International Relations 2003-2004. Atenas: ANT.N. Sakkoulas Publishers, 2005, p.262.

33 SKOGLY, Sigrun. Beyond national borders: states’ human rights obligations in international cooperation. Antuérpia:

Intersentia, 2006, p.24-25; 64.

34 MCBARNET, Doreen. Human rights, corporate responsibility and the new accountability. In: CAMPBELL, Tom;

MILLER, Seumas (Ed.). Human rights and the responsibilities of corporate and public sector organisations. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 2004, p.68-69.

35 THE GUARDIAN. Life and death in Apple’s forbidden city. Disponível em:

<https://www.theguardian.com/technology/2017/jun/18/foxconn-life-death-forbidden-city-longhua-suicide-apple-iphone-brian-merchant-one-device-extract>. Acesso em: 23 set. 2018.

36 LABOWITZ, Sarah; BAUMANN-PAULY, Dorothée. Beyond the tip of the iceberg: Bangladesh’s forgotten apparel

workers. Nova Iorque: NYU Stern Center for Business and Human Rights, 2015; BARRET, Paul M; BAUMANN-PAULY, Dorothée; GU, April. Five years after Rana Plaza: the way forward. Nova Iorque: NYU Stern Center for Business and Human Rights, 2018, p.1-3.

37 DEVA, Surya. Regulating corporate human rights violations: humanizing business. Londres: Routledge, 2012; ZERK,

Jennifer A. Extraterritorial jurisdiction: lessons for the business and human rights sphere from six regulatory areas. Corporate social responsibility initiative working paper n.59. Cambridge, MA: John F. Kennedy School of Government, Harvard University, 2010, p.167; NOLAN, Justine. The relationship of human rights to business. In: BAUMANN-PAULY,

(28)

Union Carbide, e o despejo de mais de 62 milhões de metros cúbicos de lama tóxica38 resultante do rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da joint venture Samarco, em Mariana, Minas Gerais, em 2015; e (iii) a permissão de venda de produtos a determinadas sociedades, estes muitas vezes anunciados como benéficos, mas que tão somente escondem estratégias de marketing para alavancar vendas39.

Estas, assim, são apenas algumas das consequências mundialmente conhecidas da interferência da atuação empresarial nos Estados sem a existência de um verdadeiro controle dos sujeitos das atividades então desempenhadas40.

Situações como as mencionadas acabam por demonstrar não apenas o despreparo estatal – intencional ou involuntário – em um verdadeiro domínio dos riscos da atuação empresarial em seus territórios, mas também geram desconcertante sentimento de insegurança nos povos pertencentes a tais sujeitos41, posto que, mesmo que eventualmente seduzidos pelo discurso do acúmulo de bens de consumo, passaram a ser excluídos e a ter seus direitos violados em idêntica medida42.

A intensificação de uma sociedade internacional puramente consumista transmutou a identidade de sujeitos para uma condição semelhante a dos bens materiais, com a violação de suas garantias de integridade da psique e do corpo43 e, adicionalmente, instaurou uma perspectiva de normalidade para estas formas de violação.

Para as empresas, contudo, esta é apenas mais uma das implicações de sua atuação. O risco de sua atividade é medido em relação ao lucro auferido, desconsiderando, em grande parte, os direitos e garantias fundamentais insculpidos nos documentos constituintes dos Estados nos quais estão estabelecidas – ainda mais porque sua instalação nestas jurisdições está condicionada à contrapartida econômica e legal que mais lhes atrai44. Inevitável, assim,

Dorothée; NOLAN, Justine (Ed.). Business and human rights: from principles to practice. Abingdon; New York: Routledge, 2016, p.22-26.

38 CARDIA, Ana Cláudia Ruy. Direitos humanos e empresas no Brasil: como as empresas mineradoras têm afetado a

proteção dos direitos humanos no território brasileiro. Homa Publica. Revista Internacional de Direitos Humanos e Empresas. v.2, n.1, 2018, p.109-137; SALDANHA, Jânia Maria Lopes; BORHZ,Clara Rossatto. Dupla influência e dupla projeção entre global e local: o “caso Mariana” e a dupla (ir)responsabilidade social das empresas de mineração. Homa Publica. Revista Internacional de Direitos Humanos e Empresas. v.2, n.2, 2018, p.190.

39 MULLER, Mike. The baby killer: a war on want investigation into the promotion and sale of powdered baby milks in the

third world. Londres: War on Want, 1974.

40 NOLAN, Justine. The relationship of human rights to business. In: BAUMANN-PAULY, Dorothée; NOLAN, Justine

(Ed.). Business and human rights: from principles to practice. Abingdon; New York: Routledge, 2016, p.27-30.

41 SASSEN, Saskia. Expulsões: brutalidade e complexidade na economia global. Tradução de Angélica Freitas. Rio de

Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2016, p.138; BAUMAN, Zygmnut. Tempos líquidos. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p.13; 16.

42 BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005,

p.22.

43 TEUBNER, Gunther. Constitutional fragments: societal constitutionalism and globalization. New York: Oxford

University Press, 2012, p.144.

44 BAUMAN, Zygmunt. Estranhos à nossa porta. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2017, p.8;

Referências

Documentos relacionados

As perspectivas que têm um pendor mais negativo do fenómeno da morte, nomeadamente como fracasso, como indiferença, como abandono vivido com culpabilidade, como sofrimento e

Além disso, oferece cursos na modalidade EAD de bacharelado em Administração e Ciências Contábeis; cursos superiores de tecnologia em Processos Gerenciais, Gestão Comercial,

Em 17 de setembro, a UHE Santo Antônio do Jari recebeu a Declaração Comercial de Operação (DCO) da ANEEL para iniciar a operação comercial da UG I com capacidade instalada de

Neste item, para consolidar as informações e facilitar o acesso a elas de forma sistematizada, podem ser lidas as referências das 24 pesquisas analisadas

Segundo Metcalf e Eddy (2003), estes ensaios podem ser utilizados para vários tipos de avaliações e abordagens, tais como: avaliar a sustentabilidade das

Objetivo: Garantir estimativas mais realistas e precisas para o projeto, ao considerar nesta estimativa o esforço necessário (em horas ou percentual do projeto) para

Embora Luiz Fernando Carvalho afirme em suas palestras que seu objetivo é fazer uma outra TV, que não é cinema, nem a televisão a que nós estamos acostumados, esta proposta

a) Ao candidato à área básica e especialidade acesso direto, será aplicada uma prova composta por 75 (setenta e cinco) questões objetivas de múltipla escolha, com 04 (quatro)