• Nenhum resultado encontrado

FORMAÇÃO, EDUCAÇÃO E EMOÇÕES O PROCESSO DE CIVILIZAÇÃO. Carlos da Fonseca Brandão UNESP Assis

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "FORMAÇÃO, EDUCAÇÃO E EMOÇÕES O PROCESSO DE CIVILIZAÇÃO. Carlos da Fonseca Brandão UNESP Assis"

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

FORMAÇÃO, EDUCAÇÃO E EMOÇÕES O PROCESSO DE CIVILIZAÇÃO. Carlos da Fonseca Brandão

UNESP – Assis cbrandao@assis.unesp.br Introdução

Estudar o pensamento e a obra de Norbert Elias, apenas pelo prazer de conhecer a produção intelectual e acadêmica de um dos maiores sociólogos do século XX, já seria um trabalho muito interessante. Tentar relacionar a sua contribuição teórica ao campo da Educação, coloca-se não só como um exercício acadêmico e didático, mas, principalmente, como um desafio. Esse desafio não diz respeito somente ao fato de Elias ter nos deixado uma grande e densa produção intelectual. Esse desafio torna-se maior por Elias não ter tido a preocupação direta de relacionar as suas teorias com os problemas e perspectivas da educação moderna. Seus principais textos, dos quais destacamos O processo civilizador, fazem sim referências à educação. Elias porém, nunca se preocupou em se aprofundar nas discussões entre, por exemplo, a sua teoria dos processos de civilização e as teorias educacionais.

Esse será o nosso trabalho, ou seja, nosso objetivo principal é o de realizar uma discussão que procure mostrar o quanto as teorias desenvolvidas por Elias podem se constituir em mais um instrumental teórico que nos ajudará a entender algumas especificidades da área da Educação. Entre essas especificidades está a questão da disciplina e do controle das emoções. Entendemos que, no caso do controle das emoções, a contribuição dos estudos de Elias é muito bem vinda. Faremos uma tentativa de entender a teoria do controle das emoções (impulsos e paixões) desenvolvida por Elias em seus trabalhos, como um conjunto explicativo de comportamentos sociais e psicossociais, a qual, acreditamos, também poderá nos ajudar a compreender a educação e as pedagogias modernas. Sua teoria do controle das emoções se constitui em um dos elementos essenciais de uma outra teoria de Elias, a teoria dos processos de civilização.

Ao colocarmos no centro de nossa discussão a teoria do controle dos impulsos e das paixões proposta por Elias, queremos descobrir outras possibilidades para essa teoria. Queremos saber se essa teoria está presente na concepção de educação moderna - formação integral do indivíduo -, e nos fundamentos das pedagogias modernas - teorias pedagógicas que visam uma prática educativa escolar. Se ela estiver presente, queremos saber como se manifesta.

(2)

Ao pretendermos discutir as relações existentes entre a teoria dos processos de civilização de Elias e a Educação, passando pela questão do controle das emoções e as práticas pedagógicas modernas, acreditamos que podemos vir a contribuir para a ampliação do debate sobre a Educação, sobre os conceitos e as idéias desenvolvidas Elias, assim como contribuir para uma melhor divulgação dos seus trabalhos no Brasil.

A teoria dos processos de civilização.

Elias começa a delinear o conceito de processo de civilização logo no prefácio d’O

processo civilizador, no qual afirma que “grande número de estudos contemporâneos sugere

convincentemente que a estrutura do comportamento civilizado está estreitamente inter-relacionada com a organização das sociedades ocidentais sob a forma de Estados” (Elias, 1994:16). Nessa direção, e para fundamentar a teoria dos processos de civilização das sociedades ocidentais, Elias afirma ainda que a civilização pode ser entendida como uma mudança no controle das emoções, a qual “guarda estreita relação com o entrelaçamento e interdependência crescente das pessoas” (Elias, 1993b:54).

Ao afirmar a inter-relação - ou a correspondência - entre “estrutura do comportamento civilizado” e “organização das sociedades ocidentais sob a forma de Estados”, inter-relação essa que também é resultado do “entrelaçamento e interdependência crescente das pessoas”, torna-se claro que o estudo dos processos de civilização e do controle das emoções constitui tão somente uma única teoria global que abrange esses dois temas.

Para comprovar a sua tese, Elias irá ter como referência dois aspectos, classificados por ele como empíricos, presentes nas relações sociais, a história dos costumes dos homens na vida cotidiana e a formação dos chamados Estados nacionais, sendo que tais aspectos não podem ser entendidos como independentes, muito pelo contrário, devem ser entendidos como interdependentes. Elias complementa a definição de civilização afirmando que ela deve ser entendida como um processo contínuo, não acabado e sem a possibilidade de definirmos uma causa única, algum tipo de ponto inicial (“ponto zero” da civilização) ou qualquer tipo de relação causal.

Na teoria dos processos de civilização proposta por Elias, constitui um erro querer separar as transformações gerais sofridas pelas sociedades e as alterações ocorridas nas estruturas de personalidade dos indivíduos que a formam, visto que a relação entre esses dois tipos de alterações é uma relação de correspondência mútua. Um dos pontos essenciais da teoria de Elias é mostrar a impossibilidade de pensarmos os conceitos de indivíduo e de

(3)

sociedade como duas categorias separadas e/ou antagônicas. Para Elias, as “estruturas de personalidade e da sociedade evoluem em uma inter-relação indissolúvel”, sendo que as mudanças “nas estruturas de personalidade é um aspecto específico do desenvolvimento de estruturas sociais” (Elias, 1994:221).

Enquanto processo de desenvolvimento do indivíduo, Elias entende que o processo de civilização “constitui uma mudança na conduta e sentimentos humanos rumo a uma direção muito específica”. Tais mudanças, apesar de não terem sido intencionais ou planejadas, não implicam uma “mera seqüência de mudanças caóticas”. O que Elias quer dizer é que quando analisamos o conjunto histórico não podemos dizer que as mudanças ocorridas, seja no âmbito individual ou social, em direção à uma nova figuração, foram racionalmente planejadas, mas também não podemos reduzir essas mudanças “ao aparecimento e desaparecimento aleatórios de modelos desordenados” (Elias, 1993b:193-4).

O caminho que Elias irá percorrer para descrever a sua teoria dos processos de civilização começa na dissecação das relações sociais existentes na sociedade guerreira, passa pela sociedade feudal e pela sociedade de corte absolutista e termina no advento da sociedade burguesa. Esse caminho, logicamente, não ocorreu de maneira homogênea como se o processo histórico fosse uma linha reta, ou não fosse constituído por numerosas flutuações e também por freqüentes avanços e retrocessos (cf. Id.:185-6). As passagens de um tipo de figuração social para outro devem ser entendidas como transições, as quais não “podem ser determinadas com absoluta exatidão” (Id.:114).

Entre os muitos objetivos de Elias também está o de explicitar quais os mecanismos sociais, históricos, políticos e econômicos, que possibilitaram a existência de tais sociedades, bem como as forças de coesão e/ou as forças de distensão, as quais ele irá chamar de forças centrífugas, que possibilitaram a sucessão, naquela seqüência, desses diferentes tipos de sociedades ou figurações sociais.

Assim, para Elias, o processo de civilização, que perpassa diferentes sociedades, comporta diferentes relações de interdependência, as quais produzem as mais diversas figurações sociais, cujas alterações são resultado de outras relações de interdependência existentes em seu interior, fazendo com que o processo de civilização não se realize de forma homogênea e retilínea.

Esse mesmo processo de civilização possui uma direção específica, porém essa direção não é perceptível para os próprios indivíduos que participam desse processo. Tal direção só se torna perceptível a posteriori, como resultado da utilização de um método de análise histórica e sociológica, no qual a observação dos dados empíricos de uma dada

(4)

figuração social são vistos - e analisados - tomando-se como referência um grande espaço temporal, ou seja, dentro de uma perspectiva de longa duração.

Quando olhamos os processos de civilização, utilizando-se dessa perspectiva de longa duração, percebemos que as mudanças nos níveis de controle das emoções são, por um lado, resultados desses processos, mas, por outro lado, também se constituem em elementos propulsores dos mesmos.

O controle das emoções e a Pedagogia Tradicional.

A Pedagogia Tradicional possui como paradigma o pensamento do filósofo alemão Johann Friedrich Herbart (1776-1841), o qual propõe uma teoria da aprendizagem pautada em cinco passos formais de instrução, partindo do princípio de que os termos educação e instrução são indissolúveis (cf. Ghiraldelli Jr., 1990:21). Os princípios herbartianos “priorizavam a apreensão de conteúdos científicos, literários e filosóficos na formação dos educandos”, a partir dos cinco passos, quer sejam, preparação, apresentação, associação, generalização e aplicação, fazendo com que, de certa maneira, o processo de aprendizagem tornasse um processo de fácil condução.

Uma aula pautada pelos princípios da Pedagogia Tradicional deveria começar pela recordação dos tópicos anteriormente abordados (preparação); em seguida o professor apresentava o novo conteúdo a ser apreendido (apresentação); o terceiro passo era a comparação entre os conteúdos novos e velhos (associação); o penúltimo passo consistia na “formação de conceitos abstratos e gerais” (generalização) e o processo de aprendizagem era finalizado com o professor propondo exercícios que tinham a função de verificar a aprendizagem e treinar os alunos nesse conteúdo (aplicação). Um ponto importante, senão o mais importante, a ser ressaltado é que o ambiente em que se dava essa aula era pautado por um extremo rigor disciplinar. A didática da Pedagogia Tradicional centra-se na figura do professor, privilegiando-se os resultados “da aprendizagem enquanto apreensão de conhecimentos estabelecidos” (Ghiraldelli Jr., 1996:29).

Tomando-se como referência essas características da Pedagogia Tradicional, podemos afirmar que o controle das emoções imposto pelos professores era nítido, visto ser ele o centro do processo de ensino e aprendizagem, a pessoa que detinha os conhecimentos e, de certa maneira, dono da verdade. O poder que o professor dispunha fazia com que ele pudesse impor uma rigorosa disciplina, controlando, dessa maneira, o grupo de educandos. Estes, por sua

(5)

vez, eram obrigados a desenvolver um também rigoroso autocontrole, pelo menos em situação de aula.

Em função de visualizarmos na Pedagogia Tradicional um controle explícito e direto das emoções, exercido pelos professores sobre seus alunos, fazendo com que estes internalizassem um constante autocontrole, passaremos a discutir se é possível enxergar na Pedagogia Nova algum tipo ou manifestação de controle dos impulsos e paixões (emoções), e caso a resposta a essa questão seja positiva, indicar como o mesmo se manifesta, utilizando para isso, além dos autores já citados, os escritos de seus fundadores e divulgadores.

O controle das emoções e a Pedagogia ova

Assim como a didática da Pedagogia Tradicional era composta por cinco passos de ensino, a proposta da Pedagogia Nova, criada pelo filósofo americano John Dewey (1859-1952), também propunha cinco passos, porém não mais de ensino e sim para o “funcionamento do raciocínio indutivo”, na seguinte seqüência: tomada de conhecimento do problema, análise dos elementos e coleta de informações, sugestões para a solução do problema (hipóteses), desenvolvimento e experimentação das sugestões apresentadas e, por último, recusa ou aceitação das soluções. (cf. Ghiraldelli Jr., 1990:24-5, itálicos no original).

A proposta pedagógica de Dewey entende que a “criança é o ponto de partida, o centro e o fim” da escola, sendo objetivo desta proporcionar o desenvolvimento e crescimento da criança. É a partir do julgamento desses dois aspectos (desenvolvimento e crescimento) que podemos avaliar a qualidade da educação realizada. Segundo ele, o “ideal não é acumulação de conhecimentos, mas o desenvolvimento de capacidades”. Para que isso ocorra de forma plena, Dewey condena a imposição de assuntos, como conhecimentos a serem transmitidos à criança. É a criança que deve determinar a quantidade e a qualidade do ensino “e não a disciplina a estudar”, porque aprender “envolve um processo ativo de assimilação orgânica, iniciado internamente”. O método deweyano parte do princípio de que é o espírito da criança que indica o que deve ser apreendido, e o espírito é basicamente dirigido pelos interesses da criança. Dewey considera também que os processos educativos existentes nas escolas americanas, até o surgimento de sua proposta, erraram ao subordinar a vida e a experiência da criança ao programa escolar.

Ao valorizar a liberdade e os interesses da criança, em momento algum Dewey desconsidera a importância dos programas escolares, nem mesmo situa os conceitos de liberdade e individualidade infantil em oposição a obrigatoriedade das “escolas novas”

(6)

seguirem um (novo) programa escolar (cf. Cunha, 1996:7-8). Dewey afirma que um dos erros que a “nova educação” não pode cometer “está em considerar as forças e interesses presentes da criança como coisas de significação definitiva” (Dewey, 1973:50).

Segundo Dewey, a diferença fundamental entre sua proposta pedagógica e a Pedagogia Tradicional é que nesta “toda a importância está no preparo adequado e na competência dos mestres”, ao passo que na Pedagogia Nova “a maior necessidade é simpatia para com as crianças e conhecimentos dos seus instintos e tendências naturais”. Para Dewey, não existe diferença ou oposição qualitativa “entre a experiência infantil e as várias matérias de que se constrói o plano de estudos”, visto que a experiência da criança “já contém elementos - fatos e conhecimentos - exatamente da mesma natureza daqueles que compõem a matéria de estudo” (Dewey, 1973:47). O objetivo dessa pedagogia passa a ser a obtenção de “uma reconstrução contínua, que parta da experiência infantil, a cada momento”, em direção à “experiência representada pelos corpos organizados de verdades, a que chamamos ‘matérias de estudo’” (Id.:48, aspas no original).

Conclusões

Diante dos argumentos discutidos, podemos afirmar que as pedagogias modernas (Tradicional e Nova) possuem em seus fundamentos (em maior ou menor grau, explícita ou implicitamente) a idéia de controle das emoções dos indivíduos. O que ainda precisa ser destacado é a diferença na forma como esse controle se realiza. Na Pedagogia Tradicional podemos afirmar que ele ocorre de maneira direta, externa, visível, impositiva. Já na Pedagogia Nova esse controle se efetiva de maneira muito mais sutil, insidiosa, com o objetivo maior de produzir no indivíduo, no caso o aluno, a formação e sedimentação do controle das suas emoções.

Bibliografia

ADORNO, Theodor W. Teoria da semicultura. Educação & Sociedade. Papirus, Campinas, (56):388-411, 1996.

BOLLE, Willi. A idéia de formação na modernidade. In: Infância, escola e modernidade. São Paulo/Curitiba, Cortez/UFPR, 1997, pp. 9-32.

CUNHA, M. V. Dewey e Piaget no Brasil dos anos trinta. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, (97):5-12, 1996.

(7)

DEWEY, J. Vida e educação. São Paulo, Melhoramentos, 1973 (Trad.: Anísio Teixeira). EBY, F. História da educação moderna: teoria, organização e práticas educacionais. Porto Alegre, Globo, 1970 (Trad.: Maria Angela Vinagre de Almeida, Nelly Aleotti Maia e Malvina Cohen Zaide).

ELIAS, N. Introdução à sociologia. Lisboa, Edições 70, 1980 (Trad.: Maria Luísa Ribeiro Ferreira).

_____. El proceso de la civilización: investigaciones sociogenéticas y psicogenéticas. Cidade do México, Fondo de Cultura Económica, 1993a (Trad.: Ramón García Cotarelo).

_____. O processo civilizador: formação do Estado e civilização. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1993b, vol. 2 (Trad.: Ruy Jungmann).

_____. O processo civilizador: uma história dos costumes. 2.ed., Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1994, vol. 1 (Trad.: Ruy Jungmann).

_____. A sociedade de corte. 2.ed., Lisboa, Editorial Estampa, 1995 (Nova História, 19), (Trad.: Ana Maria Alves).

_____. Os alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1997 (Trad.: Álvaro Cabral).

GHIRALDELLI JR., P. História da educação. São Paulo, Cortez, 1990. _____. O que é educação. 3. ed. rev. e atual. São Paulo, Brasiliense, 1996.

_____. A filosofia da educação do pragmatismo americano e o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”: uma crítica a J. M. Azanha e D. Saviani. Filosofia, sociedade e educação, (2):33-45, 1998.

KILPATRICK, W. H. Educação para uma civilização em mudança. 16. ed. São Paulo/Rio de Janeiro, Melhoramentos/Fundação Nacional de Material Escolar, 1978 (Trad.: Noemy S. Rudolfer).

NICOLACI-DA-COSTA, A. M. Sujeito e cotidiano: um estudo da dimensão psicológica do social. Rio de Janeiro, Campus, 1987.

SAVIANI, D. Escola e democracia. 20. ed. São Paulo, Cortez/Autores Associados, 1988. SNYDERS, G. Pedagogia progressista. Coimbra, Almedina, 1974 (Trad.: Manuel Pereira de Carvalho).

Referências

Documentos relacionados

A sociedade local, informada dos acontecimentos relacionados à preservação do seu patrimônio e inteiramente mobilizada, atuou de forma organizada, expondo ao poder local e ao

Nesse mesmo período, foi feito um pedido (Processo do Conjunto da Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro nº 860-T-72) pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil e pelo Clube de

Desta forma, conforme Winnicott (2000), o bebê é sensível a estas projeções inicias através da linguagem não verbal expressa nas condutas de suas mães: a forma de a

Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo realizar testes de tração mecânica e de trilhamento elétrico nos dois polímeros mais utilizados na impressão

Os principais objectivos definidos foram a observação e realização dos procedimentos nas diferentes vertentes de atividade do cirurgião, aplicação correta da terminologia cirúrgica,

Os instrutores tiveram oportunidade de interagir com os vídeos, e a apreciação que recolhemos foi sobretudo sobre a percepção da utilidade que estes atribuem aos vídeos, bem como

psicológicos, sociais e ambientais. Assim podemos observar que é de extrema importância a QV e a PS andarem juntas, pois não adianta ter uma meta de promoção de saúde se

hands of the judiciary, a sort of way to apply effectively regulated justice, not an extension of justice, it is not king acting through its apparatus of justice, the king is