Introdução à Medicina 2004/2005
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Regente: Prof. Doutor Altamiro da Costa Pereira
Orientador: Dr. Luís Azevedo
Diana Gonçalves; Filipa Fernandes; Hugo Oliveira; Hélder Martins; Ilídia Carmesim;
Inês Almeida; Inês Esteves; Inês Marques; Inês Santiago; Irina Carvalho; Isabel Pinto;
Ivo Cruz; Jacinta Fonseca; Liliana Teixeira
Contacto a utilizar para mais informação:
m04147@med.up.pt
Eficácia da terapêutica de erradicação
de Helicobacter pylori na prevenção de
lesões pré-neoplásicas e neoplásicas do
Abstract
Enquadramento:
A infecção causada por Helicobacter pylori tem sido frequentemente associada ao
aparecimento de cancro do estômago. Porém, ainda é controversa a eficácia da sua erradicação no
bloqueio da progressão, ou mesmo na regressão das lesões pré-neoplásicas.
Objectivo:
Estudar o efeito da erradicação de Helicobacter pylori na progressão de lesões
pré-neoplásicas e a sua possível relação com a prevenção do cancro do estômago.
Métodos:
O trabalho consistiu numa revisão sistemática de estudos de coorte, de casos e controlos, ou
ensaios clínicos onde se comparam grupos em que foi aplicada a intervenção da terapêutica da
erradicação de Helicobacter pylori com grupos de controlo nos quais esta não foi efectuada, ou nos quais
se compara um grupo de pacientes antes e depois da intervenção terapêutica de erradicação de
Helicobacter pylori, sendo consideradas como variáveis principais a prevenção de lesões neoplásicas e a
progressão de lesões pré-neoplásicas. Para tal, foi efectuada uma pesquisa em bases de dados
bibliográficas, e recorreu-se à consulta de um médico especialista na área. Em função dos critérios
definidos à partida, procedeu-se à selecção dos artigos, com posterior avaliação mais detalhada em termos
metodológicos da validade dos mesmos. A avaliação e a selecção foram executadas por dois revisores.
Não foi possível realizar um estudo de metanálise devido à heterogeneidade das metodologias dos
resultados apresentados.
Resultados:
Em 13 artigos revistos, 6 sugerem que a erradicação de Helicobacter pylori é eficaz na
prevenção de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas enquanto que 4 artigos não o sugerem. A gastrite
crónica é a lesão para a qual a erradicação parece ser mais eficaz, tendo-se verificado o oposto em relação
à metaplasia intestinal. Tanto os ensaios clínicos randomizados como os estudos de coorte denotam que a
melhoria da lesão pré-neoplásica após erradicação de H. pylori se afigura maior no caso desta
corresponder a um estádio mais inicial do percurso de evolução das lesões que conduzem ao cancro.
Conclusão:
Ainda é grande a controvérsia acerca da eficácia da terapêutica de erradicação de
Helicobacter pylori na prevenção de cancro gástrico, uma vez que nem sempre este tratamento se
encontra associado à regressão de lesões pré-neoplásicas.
Introdução
Estima-se que 50% da população mundial se encontra infectada por
Helicobacter pylori.
1,2Em Portugal, esta infecção estende-se a cerca de 80% da
população adulta.
2Diversos autores apontam que a infecção causada por esta bactéria é um factor
importante para o aparecimento de neoplasia gástrica que evolui, gradativamente, de
gastrite crónica para gastrite atrófica, metaplasia intestinal, displasia e, finalmente,
cancro.
3,4Como tal, seria clinicamente importante a descoberta de uma forma de
prevenir a progressão das lesões pré-neoplásicas já que, assim, seria possível diminuir a
incidência de cancro no estômago.
5Deste modo, os objectivos do nosso trabalho são
estudar a evidência existente acerca do tratamento de erradicação de Helicobacter pylori
e o bloqueio da progressão ou mesmo regressão de lesões consideradas pré-neoplásicas
e procurar relacionar a erradicação desta bactéria com a prevenção do cancro do
estômago.
Participantes e Métodos
Após a definição da questão que fundamenta a revisão sistemática que é feita no
presente trabalho – eficácia da erradicação de Helicobacter pylori na prevenção de
lesões pré-neoplásicas e neoplásicas do estômago – foi efectuada, primariamente, uma
pesquisa bibliográfica adequada com o intuito de contextualizar este tema e
compreender os objectivos a atingir.
Seguidamente, foi realizada uma pesquisa na Medline de artigos relevantes
acerca do assunto, sendo que a “query” utilizada de modo a obter-se um equilíbrio
adequado entre a sensibilidade necessária e uma especificidade aceitável foi
(“Helicobacter pylori” [MeSH] OR “Helicobacter Infections [MeSH]) AND (Stomach
Neoplasms” [MeSH] OR “Gastric Mucosa/pathology” [MeSH]) AND eradication,
tendo sido limitada a pesquisa à espécie humana.
Procedeu-se à distribuição dos artigos encontrados pelo grupo e foi efectuada a
leitura dos respectivos títulos e abstracts (quando presentes), de modo a serem
seleccionados aqueles que se enquadravam no objectivo do trabalho. Definiram-se,
portanto, critérios de inclusão e de exclusão:
Critérios de inclusão: estudos que se debruçam sobre a erradicação de Helicobacter
pylori e o seu efeito nas lesões pré-neoplásicas do estômago.
Critérios de exclusão: estudos que abrangem outras lesões que não a gastrite crónica,
gastrite atrófica, metaplasia intestinal e displasia.
Posteriormente, para os artigos seleccionados, foram também definidos critérios
de inclusão e exclusão mais específicos:
Critérios de inclusão: estudos de coorte, de casos e controlos ou ensaios clínicos, nos
quais se compara a intervenção da terapêutica de erradicação de Helicobacter pylori
com a intervenção de controlo na qual esta não tenha sido efectuada ou, então, nos quais
se compara o mesmo grupo de pacientes antes e depois de ser submetido à terapêutica
de erradicação de Helicobacter pylori, sendo que a principal variável de resultado é a
prevenção de lesões neoplásicas e da progressão de lesões pré-neoplásicas.
Critérios de exclusão: estudos que tenham outro tipo de intervenção para além da
erradicação da Helicobacter pylori e/ou que possuem baixa qualidade metodológica;
artigos escritos noutro idioma que não inglês, português ou espanhol.
Cada conjunto de artigos foi lido por duas pessoas para reduzir a subjectividade
da selecção dos mesmos.
Para além da pesquisa realizada na Medline, foi consultado um especialista que
forneceu artigos científicos integrados no âmbito do trabalho.
Foi necessário avaliar os artigos relativamente à sua qualidade metodológica
para se poder inferir quanto à validade dos seus resultados. Assim, foi preenchida uma
tabela, com os seguintes itens, para cada artigo: Estudo nº; Tipo de Estudo; Objectivo
do Estudo; Tamanho da amostra; Características da população alvo; Grupos
comparados; Modo de selecção dos grupos; Características de cada grupo; Intervenção
feita em cada grupo; Tempo de seguimento dos grupos; Tipo de seguimento realizado;
Variáveis de resultado.
De notar que, também nesta etapa, cada artigo foi lido por duas pessoas que,
posteriormente, compararam as conclusões a que chegaram. Sempre que estas
conclusões eram divergentes, um terceiro elemento do grupo era solicitado para tomar a
decisão final.
Finalmente, procedeu-se à análise estatística dos dados obtidos através da
construção de gráficos e tabelas no programa Microsoft Excel.
Resultados
Dos 741 artigos obtidos inicialmente (733 na pesquisa efectuada na Medline e 8
fornecidos por um especialista), foram excluídos, numa primeira fase, 706 uma vez que
os títulos e abstracts não se relacionavam directamente com os objectivos previamente
definidos. Dos 35 artigos seleccionados, foram excluídos 22 (7 por impossibilidade na
sua obtenção e 15 por não respeitarem os critérios de inclusão/exclusão). Foram, então,
incluídos na revisão sistemática 13 artigos, tal como se pode verificar na Figura 1.
Figura 1. Diagrama representativo da selecção dos artigos incluídos na revisão sistemática.
Na Tabela 1, encontra-se uma síntese dos 13 artigos que foram incluídos na
revisão sistemática (numerados de acordo com as referências).
Estudo nº Tipo de estudo N.º de Participantes / Proveniência Tempo de Seguimento Variáveis de Resultado Resultados 1 Ensaio clínico random izado 22 pacientes * 10 anos Gastrite Atrófica, Metaplasia intestinal
Durante o período de 7,5 anos que antecedeu a terapia de erradicação, não se observaram alterações significativas nos valores médios de atrofia e metaplasia intestinais, nem nos níveis médios de concentração de pepsinogénio I. No entanto, ocorreu um melhoramento significativo nos níveis médios histológicos de inflamação (de 2.2 a 0.5), de atrofia (de 2.2 a 1.2) e metaplasia intestinal (de 1.6 a 1.1) na mucosa do corpo após a erradicação da H. pylori. Por outro lado, o nível médio da concentração de pepsinogénio I aumentou de 16.3 para 25.7 mg/L,( P= 0.0071 , segundo o teste de Wilcoxon), após terapia de erradicação.
3 Coorte 84 pacientes de clínicas de Tucson, Arizona (EUA) e da Comunidade Hispânica de Pima County, Arizona (EUA) 3, 12, 18, 24 e 48 meses após o tratamento metaplasia intestinal
Embora a erradicação da infecção de H. pylori possa levar a um decréscimo na quantidade de metaplasia intestinal gástrica em alguns indivíduos, a lesão pode ser detectada na maioria dos indivíduos após 3 anos de seguimento. Estes dados sugerem que a terapia contra H. pylori pode não eliminar o risco de cancro gástrico uma vez desenvolvida metaplasia intestinal.
4 Coorte 40 pacientes * 6 a 12 meses
Gastrite atrófica. Metaplasia
intestinal
Após a erradicação (entre 6 a 12 meses), verificou-se um desaparecimento de atrofia do corpo em 8 dos 40 pacientes. Nos restantes 32, esta permaneceu substancialmente imutável (2.03 ± 0.12 vs. 1.83 ± 0.15). Nos 8 pacientes referidos com atrofia corporal revertida, a gastrinemia diminui significativamente relativamente aos valores pré-tratamento (265 ± 59.9 pg/mL vs. 51.8 ± 6.04 pg/mL), e basal e estimulada secreção de ácido aumentou substancialmente após cura. Nos restantes 32 pacientes, a gastrinemia apresentou-se similar aos valores iniciais (pré-tratamento) (457 ± 76.04 pg/mL vs. 335.1 ± 58.8 pg/mL). Durante o “follow-up” do estudo (21-25 e 32-70 meses), os 8 pacientes com a atrofia corporal revertida continuaram com gastrinemia normal (35.3 ± 10.1 pg/mL vs. 38.5 ± 8.8 pg/mL), mas os 19 pacientes com atrofia corporal contínua e metaplasia intestinal, os valores mantiveram-se substancialmente iguais.
5 Coorte 116 pacientes * 22 meses Gastrite atrófica, Metaplasia intestinal
Os resultados sugerem que a atrofia da mucosa gástrica pode ser diminuída, pelo menos na região do corpo, após a cura da infecção por H. pylori.
Artigos potencialmente relevantes obtidos através da pesquisa na Medline ( n= 733 )
Artigos excluídos, pois os títulos e abstracts não estavam directamente relacionados com os objectivos da revisão sistemática ( n= 706 )
Artigos seleccionados para serem submetidos a avaliação mais detalhada ( n= 35 )
Artigos excluídos uma vez que não preenchiam os critérios de inclusão ou que possuíam algum dos critérios de exclusão anteriormente
descritos ( n= 15 )
Artigos incluídos na revisão sistemática (n= 13) Artigos fornecidos por
especialista ( n= 8 )
Artigos excluídos por impossibilidade da sua
6 Coorte 12 pacientes que foram sujeitos a uma gastrectomia distal no Hospital Daini
2 anos Lesões das mucosas
A taxa de erradicação foi de 75% e 83,3% entre 1 e 6 meses após a terapia, respectivamente.
O eritema diminui significativamente após a terapia (P = 0,038) de 1,67 +/- 0,65 para 0,92 +/- 0,90 e 0,68 +/- 0,65, respectivamente para 1 e 6 meses de terapia. A inflamação histológica tem tendência para diminuir com o tempo, sendo que era de 1,92 +/- 0,52 antes da terapia e de 1.50 +/- 0,52 e 1,33 +/- 0,49 após 1 e 6 meses de terapia, respectivamente. A actividade histológica era de 2,17 +/- 0,72 antes da terapia de erradicação, mas 1 e 6 meses depois da terapia, diminui significativamente (P = 0,0001) para 0,25 +/- 0,45 e 0,08 +/- 0,65, respectivamente.
7 Coorte 54 pacientes * 5 anos
Gastrite Atrófica, Metaplasia
intestinal
Atrofia gástrica e metaplasia intestinal foram reversíveis em alguns pacientes. A atrofia decresceu em pacientes com terapia da erradicação Helicobacter pylori bem sucedida no corpo do estômago e no antro.
Os níveis da metaplasia intestinal também decresceram no corpo e no antro.
8 Ensaio clínico 163 pacientes de uma clínica de Gastroenterologia em Tóquio 1 ano Atrofia gástrica e metaplasia intestinal
Dos 115 pacientes nos quais se erradicou H. pylori a inflamação e os níveis de actividade dos neutrófilos decresceram no espaço de 1 a 3 meses. A atrofia glandular no corpo e metaplasia intestinal no antro diminuiu no espaço de 12 a 15 meses. 89% dos pacientes que sofriam de atrofia glandular antes do tratamento melhoraram, bem como 61% dos pacientes que sofriam de metaplasia antes do tratamento. Nos 48 pacientes em quem a erradicação não foi bem sucedida não se verificaram alterações histológicas significativas.
9 Coorte 66 pacientes * antes do tratamento, 5 semanas depois e 1 ano depois do tratamento danificação do epitélio do estômago e gastrite
Os valores médios iniciais de actividade, inflamação, atrofia, metaplasia intestinal e os níveis de H. pylori eram maiores no antro do que no corpo ou no fundo. A erradicação de H. pylori resultou num melhoramento do nível inflamatório médio do antro (verificado por biópsia) de 2.23 antes do tratamento para 1.32 e 1.06, respectivamente, 5 semanas, e um ano depois do tratamento. Valores correspondentes para a biópsia de espécimens do fundo foram 1.30, 0.36 e 0.35. Valores de actividade melhoraram de 1.42 antes do tratamento para 0.13 e zero, respectivamente, 5 semanas e um ano depois do tratamento em biópsia ao antro, e de 0.60 antes do tratamento para zero especímenes identificados na biópsia ao fundo. Antes do tratamento, o dano epitelial estava presente em 51% das biópsias do antro, e 23% das do corpo. 5 semanas depois da erradicação da H. pylori, nenhuma das biópsias revelava evidência de dano epitelial. 10 Ensaio clínico 35 pacientes dos Departamentos de Hematologia e de Patologia da Universidade de Parma (Itália) antes do tratamento, 6 meses depois e 12 meses depois do tratamento gastrite atrófica do corpo do estômago e parâmetros morfofunci onais do estômago
Seis meses após o tratamento, 25 dos 32 pacientes estavam curados (78%). A cura da infecção foi associada com o melhoramento de basal (ácido basal com valores médios 0.23 ± 0.14 mmol/h vs. 1.75 ± 0.7 mmol/h, P< 0,005) e da secreção estimulada de ácido (níveis médios dos valores máximos de secreção 3.0 ± 1.06 mmol/h vs. 16.6 ± 4.1 mmol/h, P= 0,0017), assim como uma redução na hipergastrinemia (níveis médios gástricos 444.1 ± 110.7 pg/L vs. 85.3 ± 28 pg/mL, P<0,005). Em contraste, a erradicação não teve algum efeito na atrofia corporal e metaplasia intestinal, nem nos níveis de pepsinogénio I (valor médio 16.6 ± 2.9 ng/mL vs. 14.2 ± 2.1 ng/mL, N.S.). Estes resultados foram confirmados 12 meses após erradicação. Uma correlação estatística inversa foi obtida (r=-0.3635, P<0,005) entre a infiltração crónica corporal e os valores máximos de ácido. Um total de 35% da atrofia corporal de pacientes com gastrite mostrou uma regressão na severidade da alteração do corpo da célula ECL.
11 Coorte 63 pacientes * 4 anos
Gastrite atrófica. Metaplasia
intestinal
Não se verificou uma mudança significativa na metaplasia intestinal ao nível do antro durante os 4 anos de seguimento. A atrofia no antro diminuiu significativamente entre o 1º e o 3º anos de seguimento. Sumariamente, para que a mucosa gástrica volte ao normal após a erradicação da H. pylori, são necessários 3 a 4 anos embora alguns agregados linfáticos persistam após esse período.
12 Coorte 122 pacientes * 18 meses
Gastrite Atrófica, Metaplasia intestinal e Gastrite Crónica
A erradicação de H. pylori atingiu 31% dos pacientes; os níveis correspondentes à gastrite crónica desceram progressivamente após a erradicação de H. pylori; os níveis correspondentes à gastrite crónica activa melhoraram também de forma progressiva após a erradicação. Contudo, não se verificaram mudanças na atrofia e metaplasia intestinal.
13 Ensaio clínico random izado 567 indivíduos provenientes de 11 povoações rurais de Yantai, na província de Shangdong 1 ano Atrofia e metaplasia intestinal
No grupo de indivíduos infectados com H. pylori, a biópsia do antro mostrava uma gastrite aguda mais pronunciada (P=0.01) enquanto que os especímenes do corpo mostravam uma gastrite aguda e crónica aumentada (P <0.001) e um aumento marginal na gastrite atrófica (P=0.052). Diminuição na gastrite aguda e crónica foi mais frequente depois da erradicação de H. pylori (P <0.001) mas mudanças na metaplasia intestinal foram semelhantes. No grupo infectado pela H. pylori, notou-se um aumento de gastrite atrófica no corpo (P= 0.01).
14 Ensaio
clínico 100 pacientes * 1 ano
Gastrite crónica
Durante o tratamento, a actividade inflamatória no grupo que apresentava infecção persistente de H. pylori aumentou no corpo e diminuiu no antro (P=0.032 e P=0.002, respectivamente). Em contraste, o grupo no qual H. pylori foi erradicado, a actividade da inflamação crónica no corpo e no antro diminuiu (P«0.0001). A diminuição da actividade e da inflamação crónica no corpo difere significativamente comparando com o grupo que apresentou persistência de H. pylori. Nos resultados relativos à atrofia, não foram observadas diferenças entre os grupos nos quais a H. pylori foi erradicada ou permaneceu, durante um ano de seguimento. Não foram observadas mudanças no grupo de controlo com H. pylori negativo.
Tabela 1
__________________________________________________________________________________________________________ * Não foi referido no artigo a proveniência dos indivíduos
Uma vez reunidos os resultados dos diversos estudos, foi necessário analisá-los
estatisticamente. Definiram-se, então, duas linhas estratégicas de análise:
1)
Avaliar e comparar o efeito da terapêutica de erradicação de
Helicobacter pylori na evolução dos diferentes tipos de lesões
pré-neoplásicas.
Neste contexto, desenhou-se o gráfico seguinte:
Eficácia da erradicação de Helicobacter pylori em lesões
pré-neoplásicas
0% 20% 40% 60% 80% 100%gastrite crónica
gastrite atrófica
metaplasia
intestinal
Figura 2.
Percentagem de estudos que, referindo uma determinada lesão, consideraram que a
erradicação de H. pylori contribuiu para a sua melhoria. ( n
t= número total de artigos; n
m= número de
artigos em que se verificou melhoria da respectiva lesão )
nm1: Artigos 1, 5, 7, 8, 9 e 11 nt2: Artigos 1, 5, 7, 8, 9 e 11
nt1: Artigos 1, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 14 nm3: Artigos 1, 7, 8 e 9
nm2: Artigos 6, 12, 13 e 14 nt3: Artigos 1, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13
2)
Avaliar e comparar o efeito da terapêutica de erradicação de
Helicobacter pylori
na evolução das lesões pré-neoplásicas tendo em
conta o tipo de estudo analisado – ensaio clínico randomizado, ensaio
clínico e estudo de coorte;
n
m1=6
n
t1=10
n
m2=4
n
t2=4
n
m3=4
n
t3=10
E
fi
cá
ci
a
%
Neste contexto criou-se a seguinte tabela:
Tipo de lesão pré-neoplásica
Gastrite crónica
Gastrite atrófica
Metaplasia intestinal
Melhoria
Não melhoria
Total de
estudos
Melhoria
Não
melhoria
Total de
estudos
Melhoria
Não melhoria
Total de
estudos
Estudo de coorte
2
*10
2
4
*42
*76
2
*94
*126
Ensaio clínico
1
*20
1
1
*52
*83
1
*101
*132
Tipo de
estudo
Ensaio clínico
randomizado
1
*30
1
1
*60
1
1
*111
*142
Tabela 2
*1Artigos 4 e 6
*8Artigos 10 e 14
*2Artigo 14
*9Artigos 7 e 9
*3Artigo 13
*10Artigo 8
*4Artigos 5, 7, 9 e 11
*11Artigo 1
*5Artigo 8
*12Artigos 3, 4, 11 e 12
*6Artigo 1
*13Artigo 10
*7Artigos 4 e 12
*14Artigo 13
A tabela demonstra a distribuição das lesões pelos diversos tipos de estudos analisados e o resultado que a erradicação de H. pylori teve na sua evolução (melhoria ou não
melhoria). Pode verificar-se que os estudos de Coorte se debruçam maioritariamente sobre a gastrite atrófica e metaplasia intestinal enquanto que os Ensaios clínicos e os
Ensaios clínicos randomizados aproximadamente pelos três tipos de lesão.
Em relação aos estudos de Coorte foram analisados 8 artigos num total de 13.
Destes, 4 demonstraram que a erradicação de H. pylori é eficaz na melhoria de qualquer
lesão pré-neoplásica, em 2 a erradicação apenas permitiu um melhoramento da atrofia
gástrica, nos restantes 2 a erradicação da bactéria não teve qualquer efeito no
melhoramento das lesões. Em relação aos Ensaios Clínicos foram analisados 3 artigos,
dos quais 1 demonstra uma eficácia total da erradicação de Helicobacter pylori na
melhoria das lesões e em 2 esta mesma erradicação não teve qualquer efeito. Em relação
aos Ensaios Clínicos randomizados, foram analisados 2 artigos. Destes, em 1 houve
uma eficácia total na erradicação de Helicobacter pylori na melhoria das lesões e no
outro não houve qualquer efeito no melhoramento destas.
Discussão
A análise estatística dos resultados dos 13 artigos incluídos na revisão
sistemática aponta que, no geral, a terapêutica de erradicação de H. pylori é eficaz na
melhoria das lesões pré-neoplásicas.
1,5,6[Do total de artigos, somente quatro (~30%)
demonstraram o insucesso do tratamento na melhoria das lesões.]
Como se verifica no Gráfico 1, a gastrite crónica é a lesão que melhor reagiu à
terapêutica utilizada, tendo-se verificado o oposto com a metaplasia intestinal. Tal facto
adequa-se ao percurso de evolução das lesões pré-neoplásicas já que a gastrite crónica é
o estádio primário enquanto que a metaplasia intestinal é dos mais avançados.
3No
entanto, são apenas em número de quatro os artigos que referem a gastrite crónica.
Porém, como este número é muito baixo, não se pode considerar esta conclusão
demasiado relevante ou conclusiva.
Visto que os artigos analisados apresentam tipos de estudo variados e que esses
estudos possuem uma qualidade metodológica diferente, tornou-se necessário
agrupá-los consoante esta mesma variável.
Sendo o ensaio clínico randomizado o estudo com maior qualidade
metodológica, são relevantes os resultados por estes apresentados. No caso particular da
análise levada a efeito, este tipo de estudo aponta para a eficácia da erradicação de
H. pylori na melhoria de lesão pré-neoplásica, nomeadamente se esta corresponder a um
estádio inicial do percurso para o aparecimento de cancro gástrico (Tabela 2).
Por sua vez, nos artigos que se baseiam num estudo de coorte, estudo este que
possui menor qualidade metodológica, verifica-se que há melhoria da lesão
pré-neoplásica. No entanto, esta melhoria não ocorre na maior parte dos casos de metaplasia
intestinal, o que está de acordo com o resultado encontrado para os ensaios clínicos
randomizados (Tabela 2).
Portanto, a eficácia da erradicação de H. pylori na melhoria da lesão
pré-neoplásica afigura-se maior no caso desta corresponder a um estádio mais inicial do
percurso de evolução das lesões que conduzem ao cancro.
Algumas das falhas da revisão sistemática foram: não se ter procedido à
pesquisa das referências dos artigos incluídos no estudo, uma vez que são uma fonte
potencial de evidência científica; a “query” utilizada não ser sensível o suficiente ao
ponto de terem sido fornecidos por um especialista 8 artigos científicos dos quais 5,
num total de 13, foram incluídos na revisão sistemática; o número total de artigos
incluídos na revisão sistemática é baixo para, a partir da sua análise estatística, se
tirarem conclusões definitivas acerca do tema.
Conclusão
Após esta análise é possível concluir, então, que ainda não existe consenso no
que diz respeito à influência da terapêutica de erradicação de Helicobacter pylori no
tratamento de prevenção do cancro do estômago, uma vez que, se, em certos estudos, a
erradicação da bactéria é favorável pois há melhoria de lesões pré-neoplásicas
7,8,9,
noutros, não existem mudanças significativas nestas lesões após a erradicação.
3,10Como
tal, é necessário continuar a investigar acerca deste tema recorrendo a metodologias
cada vez mais eficazes que assegurarão cada vez maior confiança nos resultados
obtidos.
Referências
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