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CONFLITOS E INTERRELAÇÕES ENTRE DIREITOS HUMANOS, DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E DIREITO INTERNO NO MERCOSUL

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CONFLITOS E INTERRELAÇÕES ENTRE DIREITOS HUMANOS, DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E DIREITO INTERNO NO MERCOSUL

Thauan Santos1, Anna Maria Cárcamo2, Roberta Medina3

Resumo: O Tratado de Assunção do Mercosul inclui, em seu preâmbulo, o ideal de desenvolvimento com justiça social. Dessa forma, se discute a ampliação de sua pauta para incluir os Direitos Humanos. No entanto, os Estados-membros são signatários de outros tratados de Direitos Humanos, não sendo necessária a sua reprodução nos tratados internos regionais. Ainda assim, para que as disposições do Mercosul sejam efetivas e se encontrem em conformidade a esses direitos, entende-se que deve haver uma maior harmonia entre os processos de integração e hierarquia legal dos dispositivos dessa Organização no ordenamento interno de cada Estado participante4.

Palavras-chave: Direitos Humanos; Direito Internacional Público; Mercosul. Introdução

O Tratado de Assunção, concluído em 26 de março de 1991, teve como escopo a instituição de um mercado comum entre os Estados signatários (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai). Importante mencionar o texto de seu preâmbulo, ao entender que a “ampliação das atuais dimensões de seus mercados nacionais, através da integração, constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social” (MAZZUOLI, 2012, p. 658). O conceito de justiça social, por sua vez, dá margem à discussão da inclusão dos Direitos Humanos na agenda do Mercosul. Portanto, abordaremos o Mercosul através dessa ótica e da eficácia do direito emanado por esta Organização Regional.

Desenvolvimento

1 Professor do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio) e do Departamento de Defesa e Gestão Estratégica Internacional da Universidade Federal da Rio de Janeiro (DGEI-UFRJ). Financiamento da CAPES. Contato: santos.thauan@gmail.com.

2 Graduanda do Departamento de Direito da P UC -Rio, com domínio adicional em Política Internacional.

3 Bacharela em Direito pelo Depart amento de Direito da P UC-Rio, cursando domínio adicional em Política Internacional.

4 Ressalta-se que não se inclui nessa pesquisa a Venezuela e a Bolívia, somente os membros signatários do tratado original: Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

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A discussão da inclusão dos Direitos Humanos na agenda do Mercosul, abrange temas para além da pauta econômica (precisamente, a comercial). Tendo em vista a integração entre os Estados, outras questões merecem destaque, como direitos trabalhistas, educação e cultura, meio ambiente, populações vulneráveis (englobando-se aqui mulheres, crianças, negros, refugiados, indígenas), dentre outros.

Deve-se entender que o Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), baseado no Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, é anterior ao Tratado de Assunção, sendo todos os Estados do Mercosul signatários do mesmo e dos principais tratados de Direitos Humanos5. Como consequência

lógica, há uma presunção de que estes Estados respeitarão, portanto, os direitos decorrentes do Pacto, não sendo necessária uma reafirmação destes deveres nos tratados do Mercosul (SABOIA, 2000; PIOVESAN, 2002).

A ascensão do Direito Internacional dos Direitos Humanos como pauta globalizada colocou o ser humano como sujeito de direito sob a proteção do Estado, que poderá ser responsabilizado internacionalmente pela violação de direitos fundamentais garantidores da dignidade da pessoa humana. O cidadão continua sendo o destinatário principal do processo de integração, mas seus sujeitos são os entes estatais (BERGAMASCHINE & JAEGER JÚNIOR, 2015). Aqueles são beneficiados com a possibilidade de livre circulação de pessoas, bens, serviços e capital, no entanto, para que isso seja possível, os Estados devem se integrar de modo a promover uma maior cooperação interestatal. O intercâmbio entre os entes aumenta, consequentemente, o maior bem estar das sociedades.

Destaca-se a importância dos Direitos Humanos no ramo jurídico trabalhista, com a garantia do emprego e boas condições de trabalho, de modo a inserir os indivíduos no sistema socioeconômico capitalista (GODINHO, 2012, p. 82). Uma vez que a integração do Mercosul impulsiona os fluxos migratórios entre os países, ocasionando novas relações de trabalho, e que estes países

5 O art. 1º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CA DH), também conhecido por Pacto de S an José da Costa Rica, dispõe que “os Estados Partes nesta Convenção comprometem -se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita a sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social”.

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são signatários de tratados internacionais de Direitos Humanos, entende-se que os tratados do Mercosul devem ser interpretados à luz destes6.

A relação entre integração regional e Direitos Humanos se torna ainda mais evidente quando da análise da cláusula democrática. Esta foi incorporada pelo art. 1º do Protocolo de Ushuaia, em 19987, determinando que a vigência

de instituições democráticas é condição essencial para o processo de integração dos Estados-membros. O caráter indivisível dos Direitos Humanos implica uma interdependência das esferas políticas, sociais e econômicas, afetando a democracia.

Implementar uma agenda de Direitos Humanos encontra barreiras, como as desigualdades sociais e a assimetria entre os próprios membros, refletida em suas constituições internas. Há, portanto, uma relação em cadeia, em que uma violação de Direitos Humanos viola direitos sociais, que implica na violação de direitos civis e políticos, ocasionando uma debilidade da democracia e, consequentemente, da própria integração regional. O nexo de causalidade entre desenvolvimento econômico e Direitos Humanos tende apenas a crescer, pois a democracia é uma questão de governança que, por sua vez, possui um impacto em todos os aspectos do desenvolvimento (MERON, 2006, p. 476).

Deve-se ressaltar, ainda, o debate entre o princípio da soberania e a integração regional. Falacioso é pensar que há perda de soberania, uma vez que ao se submeter ao processo de integração é dever do Estado-membro tomar as medidas legislativas necessárias para acabar com confrontos normativos e dar cumprimento aos deveres assumidos. Por conseguinte, pode-se dizer que o conceito tradicional de soberania é modificado de modo a reformar a estrutura constitucional interna de cada Estado, com vistas a cumprir os objetivos almejados pela integração (BARZA, 2005).

De modo a analisar melhor o papel do Direito em Processos de Integração Regional, especialistas destacam a necessidade de um ramo de

6 Como garantias trabalhistas, é válido ressaltar que os Estados-membros do Mercosul são membros da Organizaç ão Internacional do Trabalho (OIT), além de poderem ser invocados o art. 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), o Pacto Int ernacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e o art. 6º do Pacto de San José.

7 Art. 1º. “A plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para o desenvolvimento dos processos de integração entre os Estados Partes do presente Protocolo”.

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estudo do Direito direcionado ao Direito Regional, que se diferenciaria do Direito Internacional Público e do Direito Constitucional. Esse seria necessário, uma vez que esses estudos seriam insuficientes, por conta da transferência de soberania por parte dos Estados à Organização Regional, afetando o Direito Constitucional dos mesmos ( KEGEL & AMAL, 2009).

No entanto, há grandes dificuldades em se criar uma teoria de Direito Regional una, uma vez que cada processo de integração regional é muito distinto, especialmente tendo em vista as distinções entre as Organizações Regionais Intergovernamentais e Supranacionais, nas quais a cessão de soberania se dá de forma distinta.

Por exemplo, a União Europeia (UE), de caráter jurídico supranacional, possui um direito comunitário, cuja internalização se dá de forma imediata, com

status acima do direito interno de cada Estado, sem ser s ujeito ao controle

constitucional, sendo os conflitos solucionados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. Ocorre, assim, uma verdadeira e profunda transferência de soberania por parte dos Estados-Membros (Ibid., 2009). Ainda assim, essa não é necessariamente definitiva, como vimos com o caso recente da saída do Reino Unido (UK) da UE (Brexit).

Enquanto isso, o Mercosul trata-se de uma organização intergovernamental, em que os representantes superiores de cada Estado representam seus interesses soberanos. Essa proteção à soberania surge, em grande parte, por conta da recente estabilização democrática no momento da Integração dos Estados do Cone Sul, diferentemente da maturidade existente nos estados europeus (BARZA, 2005).

Enquanto há um esforço político para que as regras dos tratados sejam incorporadas ao ordenamento jurídico interno, não existe uma unificação de normas no Mercosul, constituindo uma barreira jurídica, pois cada Estado-membro adota as suas próprias normas de Direito Internacional (ARAUJO , 2011, p. 416).

Nesse contexto, os Estados devem internalizar as disposições regionais, com processo idêntico ao de qualquer tratado internacional; a hierarquia é

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distinta, de acordo com a constituição de cada Estado-Membro8; e o controle

constitucional existe, de forma concentrada e difusa, de forma idêntica ao de qualquer tratado internacional (KEGEL & AMAL, 2009). Ressalta-se, assim, que as disposições do Mercosul funcionam apenas como Direito Internacional Público, não havendo um Direito Comunitário - como reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal Brasileiro (STF)9.

Dessa forma, ainda que exista um dispositivo de reciprocidade, em que todos os Estados devem avisar ao Mercosul se a norma foi internalizada, e somente depois será implementada, existe uma desarmonia muito grande entre o tratamento e a validade dessa norma entre os Estados. Consequentemente, o Mercosul não possui a eficácia necessária para tomar o papel ao qual se propõe, obtendo o desenvolvimento econômico regional equilibrado e justiça social (KEGEL & AMAL, 2009).

Conclusão

Portanto, para atingir esses objetivos, as constituições dos membros do Mercosul deveriam ser adaptadas, de modo a permitir um papel mais eficaz da Integração Regional, adotando as mesmas regras de internalização e mesmo caráter jurídico hierárquico interno de norma supralegal, tornando efetivos e dando segurança jurídica aos dispositivos emanados por essa Organização10.

8 Na Argentina, o caráter é supralegal, tanto do trat ado c onstituinte quanto das normas derivadas do Mercosul; no Paraguai, o caráter dos tratados constituintes também é supralegal, tendo hierárquica s uperior às normas internas, mas abaixo da constituição, mas as normas derivadas possuem status de norma idêntico ao de normas internas; enquanto no Uruguai e no Brasil, o status é de Lei Ordinária ou Complementar, a variar pelo tema da norma, assim como de qualquer norma interna. Assim, são aplicados os critérios de temporalidade e especificidade, sendo revogadas com base nas normas posteriores, nacionais ou internacionais, enquanto nos países onde as disposições são supranacionais, não podem ser revogadas por disposições internas. Conferindo-se, assim, uma desarmonia de tratamento entre os Estados - Membros. (KEGEL & AMAL, 2009). Ressalta-se, todavia, que os Tratados de Direitos Humanos no Brasil, após a Emenda Constitucional 45/04, passaram a ter caráter de emenda quando aprovados com quórum qualificado de 3/ 5, em cada casa, em dois turnos (art. 5° § 3º CRFB), e c arát er de supralegalidade em todos os demais casos (STF, R. E XT. 466.343-1 SP, Rel, Min. Cezar Peluso, j. em 03.12.2008 e R. EXT. 349.703-1 RS, RS. Min, Gilmar Mendes, j. em 3.12.2008). 9 STF AgRg 8.279/98. Vot o do Relator, Ministro Celso Mello. Acrescenta-se também, que parte da dout rina e da jurisprudência dos Estados do Mercosul nega a possibilidade de haver algum direito comunitário ou regional no bloco. (KEGEL & AMAL, 2009)

10 Para alguns autores, inclusive, a eficácia complet a do Mercosul só será atingida através da Supranacionalidade dessa organização (RODRIGUES, 2013), sendo assim, suas normas superiores até às Constituições dos Estados -Membros, ainda que de forma restrita a determinadas matérias.

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Bibliografia

ARAUJO, Nadia de. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira. 5 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.

BARZA, Eugênia Cristina Nilsen Ribeiro. Integração Regional e Direito Internacional: um estudo sobre as transformações na ordem Interna dos estados-membros de uma associação regional de integração econômica.

Revista Brasileira de Direito Constitucional, n. 6, jul./dez. 2005.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso do Direito do Trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012.

BERGAMASCHINE Jamile ; JAEGER JÚNIOR, Augusto. Por uma teoria jurídica da integração regional: a inter-relação direito interno, direito internacional público e direito da integração . Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 12, n. 2, 2015.

KEGEL, Patrícia Luíza; AMAL, Mohamed. Instituições, Direito e Soberania: a efetividade jurídica nos processos de integração regional nos exemplos da União Européia e do Mercosul. Rev. bras. polít. int. vol.52 no.1 Brasília

Jan./June, 2009. Disponível em:

<http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v52n1/v52n1a03.pdf>. Acesso em outubro, 2016. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Inte rnacional Público. 6 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

MERON, Theodor. The Hague Academy of International Law: The

Humanization of International Law. V. 3. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers,

2006.

PIOVESAN, Flavia. Globalização econômica, integração regional e direitos humanos. Revista Interesse Público nº 13, p. 39, 2002. Disponível em: < http://amdjus.com.br/doutrina/administrativo/105.htm>. Acesso em outubro, 2016

RODRIGUES, Eduarda Maria Duarte. Os Direitos Humanos e a Supranacionalidade: Reflexões Sobre a Interface com o Mercosul Social.

Revista de Estudos Jurídicos UNESP, v. 17, n. 26, 2013. Disponível em:

<http://seer.franca.unesp.br/index.php/estudosjuridicosunesp/article/view/1056/ 1159>. Acesso em outubro, 2016.

SABOIA, Gilberto Vergne. União Européia, Mercosul e a proteção dos Direitos Humanos. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. 54, dez.

2000. Disponível em <

http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/Revista%20PGE%2054. pdf#page=209> Acesso em outubro, 2016.

Referências

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