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VI Encontro Nacional sobre o Ensino de Sociologia na Educação Básica 06 a 08 de julho de 2019

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VI Encontro Nacional sobre o Ensino de Sociologia na Educação Básica

06 a 08 de julho de 2019

Grupo de Trabalho: GT07 - O ensino de sociologia e a educação profissional e

tecnológica

Título do Trabalho: A importância da tríade sociedade, ciência e tecnologia para o

ensino integrado

Suzana Maria Pozzer da Silveira (Instituto Federal Catarinense Campus Santa

Rosa do Sul)

RESUMO

O principal propósito para o surgimento da Rede Federal de Educação Profissional foi propiciar capacitação técnica para melhor inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho. A qualificação profissional tecnicista, positivista, da “técnica pela técnica”, era condizente com a Sociedade Fordista, sendo o trabalhador apenas um apêndice da maquinaria. Com os avanços da tecnologia e seus impactos no mundo do trabalho ocorre a passagem da sociedade Fordista para a Pós-fordista. Nesse novo contexto, a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica tem procurado se adaptar às novas demandas da sociedade e do mundo do trabalho, passando a apostar no ensino integrado. Os desafios para viabilizar a integração dos saberes são significativos, já que se pressupõe considerar a interdependência entre ciência, tecnologia e sociedade. Desse modo, há duas questões chaves a serem respondidas, a fim de equacionar esse dilema: o professor do ensino técnico e tecnológico deve ser apenas um bom repassador de técnicas e conteúdos para suprir a sociedade do consumo? O professor do ensino técnico e tecnológico deve ser um mediador/facilitador na construção e difusão de inovações em prol de uma sociedade sustentável? Em face do exposto, o trabalho problematiza a importância de um posicionamento epistemológico, se possível anterior à discussão sobre integração curricular, assim como o papel chave da Sociologia nesse processo.

PALAVRAS-CHAVE: Ciência e Tecnologia (C&T); Interdisciplinaridade; Transdisciplinaridade; Mundo do trabalho.

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INTRODUÇÃO

Os avanços da tecnologia e os seus respectivos impactos no mundo do trabalho promoveram a passagem da sociedade Fordista para a Pós-fordista. Diferente da primeira, pautada no trabalho manual/material, o Pós-fordismo valoriza a dimensão imaterial, ou seja, o conhecimento, a criatividade e a inovação. Portanto, além de empregar menos trabalhadores, devido à automação, exige dos novos contratados maior conhecimento, proatividade, trabalho em equipe e capacidade de inovar.

Em paralelo às mudanças tecnológicas, aos poucos vai ocorrendo a passagem da sociedade simples, pautada na ideia de controle, previsão, eficiência, progresso, crescimento ilimitado, à sociedade complexa. Isso ocorre porque o almejado desenvolvimento tem sido conquistado à custa de muitas contradições como, por exemplo, o aumento da desigualdade social (crise econômica), a perda da biodiversidade (crise ecológica), a persistência da fome e contaminação dos alimentos (crise alimentar), a precarização do trabalho (crise do trabalho), e a sobreposição da dimensão econômica/utilitarista às demais dimensões (crise ética - cultural).

Nesse novo contexto, a Rede Federal de Educação Profissional tem procurado se adaptar às novas demandas da sociedade e do mundo do trabalho, tendo surgido, em 2008, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia com o propósito de formar um profissional cidadão e contribuir com o desenvolvimento local das regiões em que estão inseridos (PACHECO, 2009). Com base nisso, os Institutos passam a apostar no ensino integrado, valorizando a politecnia, logo, o trabalho tem um princípio educativo, não restrito unicamente à formação técnica para a inserção no mercado de trabalho.

Se por um lado, as novas instituições compreendem que a sociedade complexa do século XXI demanda a interdependência entre os diferentes campos do saber (interdisciplinaridade) e a valorização de outras formas de saberes (transdisciplinaridade), por outro, pouco tem conseguido viabilizar, de fato, tal integração, pois parece não estar clara a importância em considerar a interdependência entre ciência, tecnologia e sociedade. Desse modo, parece haver duas questões chaves a serem respondidas, a fim de equacionar esse dilema: o professor do ensino técnico e tecnológico deve ser um bom repassador de técnicas e conteúdos para suprir as demandas do mercado? O professor do ensino técnico e tecnológico deve ser um mediador/facilitador na construção e difusão de inovações sociotécnicas em prol de uma sociedade mais justa e sustentável?

A resposta a esses questionamentos parece ser fundamental, pois é necessário ter claro o norte a ser seguido, caso contrário, a tendência é prevalecer a “técnica pela técnica”, ou a

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neutralidade científica e tecnológica o que, na sociedade brasileira, dependente, não deixa de ser uma forma de conseguir mais status e reconhecimento (BAZZO, 2017).

Frente aos dilemas postos pela integração curricular, este trabalho procura problematizar o papel dos Institutos Federais (IFs) nesse novo contexto, tendo por referência a atuação docente da autora. Entende ser importante um posicionamento epistemológico anterior às discussões de integração curricular, favorecendo, desta forma, a existência de parâmetros mínimos de onde se quer chegar.

A BASE SOCIAL DO PROGRESSO TECNOLÓGICO

Diferente dos demais animais que se adaptam à natureza, o homem adapta a natureza a si devido a sua capacidade racional de projetar, o que constitui o caráter técnico de toda a ação humana. Cada fase da história irá caracterizar-se por um tipo de técnica, condizente com o progresso humano de cada época. Até a Revolução Industrial as tecnologias eram simples, de fácil acesso a todos, endógenas, sendo a transferência de tecnologia de uma sociedade para outra lenta e de fácil adequação por parte dos receptores, ocasionando pouco impacto na visão de mundo dos homens. Ou seja, no decorrer da história os seres humanos fizeram uso da tecnologia em graus e diversidades variáveis, o que torna redundante a expressão “Era Tecnológica”. Embora a complexidade e o domínio sobre a natureza tenha aumentado, segundo o desenvolvimento das forças produtivas, os homens sempre viveram em uma era tecnológica conforme suas demandas e necessidades (PINTO, 2005).

O primado do contexto atual, ou Pós-Revolução Industrial, como sendo a Era Tecnológica, tem a ver com o fato de que um pequeno grupo de países passa a produzir as novas tecnologias que os demais usarão. Se antes a tecnologia era parte da cultura social, agora passará a ser desenvolvida em pequenos centros especializados, tendo por base o conhecimento científico. Assim, converte-se em um fator exógeno em termos culturais, tendo pouca relação com o conhecimento dos usuários (HERRERA, 1992). A importação de tecnologia leva à dependência de conhecimento científico e, em consequência, à desagregação cultural, pois os demais conhecimentos perdem prestígio para a ciência e tecnologia (C&T). A ideologia da Era Tecnológica, oriunda dos países hegemônicos, é muito forte, cabendo aos demais se incorporarem a esse contexto por meio da simples aplicação do saber e da ciência importada do exterior (PINTO, 2005).

Toda a criação tecnológica é social, tendo sentido apenas no seio de uma coletividade, portanto, a evolução tecnológica das máquinas contribuiu decisivamente para a transformação das relações sociais, tendo as produções mecânicas, hidráulicas, térmicas, cibernéticas revolucionado

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o modo de vida das populações. Porém, é um equívoco crer que esses produtos/artefatos técnicos determinam as relações sociais em um certo contexto histórico. Ao contrário, são as relações sociais que irão, ou não, determinar as suas necessidades, o aperfeiçoamento tecnológico, de acordo com o nível de consciência humana de conhecimento do mundo até então existente. Um exemplo é a bicicleta, a qual tinha apenas um aro grande e um aro pequeno quando foi criada e devido às necessidades dos usuários, incluindo rapidez e segurança, chegou-se ao modelo atual, não sendo uma trajetória natural de aperfeiçoamento, mas uma real demanda social. Desse modo, conclui-se que é o homem que produz e controla a máquina e/ou a tecnologia, e não o contrário. A “capacidade intelectual da máquina” é decorrente de um projeto humano, sendo a evolução da maquinaria dependente da passagem de um grau de conhecimento da realidade para outro, portanto, eminentemente social, resultado da acumulação de conhecimentos e da necessidade de que a sociedade tem de tal invento. Ou seja, todas as tecnologias são sociais, pois são socialmente construídas (THOMAS; BUCH, 2008; PINTO, 2005).

Com a Revolução Industrial, há uma inversão nesse processo, pois se antes era o homem que inventava a técnica/ferramenta, agora é a ferramenta/máquina que inventa o homem. Passa a predominar uma coisificação do ser humano, tendo como consequência o surgimento do trabalho alienado, não devido à técnica em si, mas decorrente das relações sociais existentes na sociedade, ou ainda, do uso social que é feito da técnica. Se por um lado, o avanço da técnica propiciou maior domínio e controle da natureza, da libertação do trabalho muscular, por outro, tornou a grande maioria dos homens apenas uma engrenagem, uma peça da grande maquinaria (PINTO, 2005). Partindo desse pressuposto, entende-se que o problema é o emprego da técnica para o benefício de uma minoria e para corroborar a superioridade técnica/tecnológica dos países com maior poder hegemônico em relação aos demais. Desse modo, as descobertas científicas de outros países são menosprezadas, assim como as técnicas tradicionais de cultivo, de trabalho, sendo esquecido que todo tipo de sociedade dispõe de técnicas condizentes com as condições produtivas existentes.

No contexto atual, da Quarta Revolução Industrial, o conhecimento é o principal valor a ser obtido, sendo fundamental a autonomia no âmbito da geração independente da técnica e da tecnologia para o desenvolvimento dos países, ao invés de limitar-se à importação tecnológica. Para reverter esse processo é fundamental a consciência crítica em demandar condições materiais e imateriais para a inovação tecnológica como um meio que possibilite superar o atraso. Trata-se de valorizar um projeto próprio, a partir da realidade dos países periféricos, no lugar de optar pela transferência de tecnologia de outra realidade social. Isso implica entender que não existe neutralidade técnica/tecnológica, uma vez que ambas estão impregnadas pelo contexto social que

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as demandam, tendo, portanto, um caráter ideológico. Em geral, predomina a ideia de inevitabilidade da dependência tecnológica, por parte dos países pobres, e a superioridade dos países desenvolvidos (DAGNINO; THOMAS, 1998).

Devido à crescente complexidade e ao acúmulo de conhecimento, a especialização passou a ser cada vez mais demandada no Fordismo e também no Pós-fordismo. São os técnicos especializados que passam a compor a tecno-estrutura sendo que, atualmente, trabalham em equipe, de forma colaborativa ou em rede. A nova racionalidade de administração do trabalho fabril é composta pela tecno-estrutura, com níveis máximo de automação e controle cibernético. Além disso, na sociedade do conhecimento, é exigido dos trabalhadores maior proatividade, flexibilidade e capacidade de trabalhar em equipe.

A POLITECNIA COMO REFERÊNCIA PARA O ENSINO TÉCNICO INTEGRADO

Diferente das demais sociedades, a do século XXI tem o conhecimento como a sua principal demanda, assim a escolaridade é exigida em todos os âmbitos. A criatividade, a proatividade, e a qualificação profissional são muito valorizadas, exigindo do trabalhador uma perspectiva mais ampla, não limitada a um segmento específico de atividade, tal como na época do Fordismo, embora ainda seja hegemônica a visão fragmentada e parcelar de mundo, dos especialistas.

A complexidade dos problemas atuais e da própria vida em sociedade requerem uma visão integrada, sistêmica, já que, cada vez menos, há espaço para a visão fragmentada, setorial e

bancária (FREIRE, 1981). Para além do universo do trabalho, as instituições de ensino também estão repensando a forma tradicional de ensino/aprendizagem, o que deveria implicar a discussão com os jovens sobre o que pretendem construir, pois serão eles os protagonistas dessas transformações.

Nesse contexto, os Institutos Federais buscam oferecer uma educação integrada, envolvendo ensino, pesquisa e extensão, sendo essas últimas decorrentes do primeiro (SOBRINHO, 2017). Ou seja, nessas Instituições é o ensino que deve balizar a pesquisa e a extensão, contribuindo, então, para a interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Não apenas o conhecimento formal deve ser ensinado/construído de forma integrada, mas também é necessário valorizar os saberes que estão do outro lado do muro da Instituição, das pessoas comuns, do saber fazer, prático, empírico.

Dessa forma, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia tem um propósito diferente daqueles que fundamentaram o surgimento da Rede Federal de Educação Profissional, nos primórdios do Regime Republicano, de formar mão de obra qualificada para a nascente indústria. Estão baseados nos princípios da Politecnia valorizando a formação técnica e tecnológica

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em suas diferentes dimensões: social, cultural, econômica, política e ambiental. O jovem não aprende procedimentos específicos para uma determinada profissão, porquanto o trabalho é visto como um princípio educativo, de formação para a vida e não restrito ao mercado de trabalho. A técnica não está pautada no simples fazer, mas no conhecimento para realizar uma atividade, o que implica colocar a teoria em prática. A Politecnia considera o contexto social, resultados e consequências do uso da técnica e da tecnologia, e não apenas a lógica do capital, em que a técnica é vista como neutra (MANACORDA, 1991; MARX, 1998; SCHERER, 2019; SARTORETTO, 2019). Não há sistema social neutro, de modo que “escolas que cumprem currículos disciplinares, sem visão crítica, propositiva e contextualizada, trabalham mesmo que de modo involuntário, para a manutenção de uma sociedade passiva, acrítica e amorfa” (BRANDÃO, 2019, p. 23).

O contexto atual demanda propostas curriculares integradas, capazes de superar a fragmentação das disciplinas, em prol de uma visão interdisciplinar e transdisciplinar. Além de valorizar a indissociabilidade entre formação geral e profissional em benefício da educação integral, os IFs contribuem para o fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e culturais das diferentes regiões do país. Desse modo, preocupam-se com o destinatário do desenvolvimento técnico e tecnológico, ou seja, do papel das técnicas para a melhoria das condições sociais da população.

Trata-se de romper com a fé ilimitada do progresso baseado no simples desenvolvimento da C&T, sem preocupação com suas implicações sociais, sendo essa crença a raiz de problemas de caráter ambiental, político, econômico, social e cultural (HERRERA, 1992). Os IFs não se limitam a um caráter instrumental, reduzido às demandas do mercado, uma vez que buscam o protagonismo na geração de tecnologia, segundo os objetivos sociais prioritários.

Face ao exposto, pode-se perceber que o social tem um papel chave no desenvolvimento da C&T, sendo imprescindível para as inovações, as quais correspondem a um processo cumulativo complexo, dada a intervenção de diferentes racionalidades (política, tecnológica, econômica) (DAGNINO; THOMAS, 2011). Contrariamente à simples importação de tecnologia, ou cópia de modelos de outros países, os polos e parques tecnológicos como, por exemplo, o Vale do Silício, a Terceira Itália, passam a ser referência de competitividade e desenvolvimento, pois integram pesquisadores, gestores, comunidade e empresários (SILVEIRA, 2013).

No campo social, devido às condições adversas como desemprego, falta de oportunidade, tem surgido inovações sociotécnicas, as quais precisam de apoio para a sua consolidação e difusão. A inovação decorre de um processo social de erros e acertos, sendo endógeno por requer auto-organização e exógeno, pois há fatores externos que condicionam o ritmo da inovação. Em relação às inovações no campo social, alguns questionamentos podem servir de referência na busca pela integração entre ciência/tecnologia e sociedade: Quais são os fatores que estão na base

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do êxito ou no fracasso das inovações no campo social? Qual é a aprendizagem obtida desses êxitos e fracassos? Como é possível facilitar a difusão das inovações, de modo a ajudar as pessoas comprometidas com uma forma de vida mais justa e sustentável? (RODRÍGUEZ-HERRERA; ALVARADO, 2008).

OS DESAFIOS EM CONSIDERAR A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE

No contexto atual de mudanças, incertezas, crises de diversas ordens, parece fácil e relativamente simples discorrer sobre a importância da educação integral, do ser no lugar do ter, da sustentabilidade, do ousar em operar por outra lógica, não pautada no “que – saber – para – fazer”, mas do “como-viver-para-ser”, enfim de todos os princípios da politecnia (BRANDÃO, 2019). No entanto, o desafio consiste em viabilizar esses pressupostos no cotidiano, na prática escolar, com balizas minimamente comuns, de modo que o integrado seja, de fato, integrado. Entre os principais desafios, pode-se destacar ao menos dois: formação docente e hegemonia da lógica utilitarista.

De modo geral, a maioria dos docentes teve uma formação disciplinar, positivista e cartesiana, o que no mínimo dificulta qualquer boa intenção em fazer um projeto integrado nos termos da politecnia. Trata-se de uma cultura muito arraigada de fragmentação do conhecimento, de neutralidade da ciência/técnica e tecnologia, da separação entre natureza e sociedade. Daí a importância de uma formação para a interdisciplinaridade e transdisciplinaridade que, no caso dos Institutos Federais, implica a consideração dos vínculos entre ciência/tecnologia e sociedade (CTS), tal como posto na primeira seção deste trabalho.

Por meio de estudos em CTS, é possível compreender que a tecnologia/técnica não é positiva nem negativa, mas o seu uso pode ter esses efeitos. Entender que a contribuição da ciência e tecnologia é inegável, contudo não se pode confiar excessivamente nelas, esquecendo questões sociais, éticas, políticas, ou o contexto em que estão inseridas (BAZZO, 2017). Se no início do século XX a ciência era vista como a solução dos problemas da humanidade, as explosões das bombas atômicas, o vazamento de radioatividade, o colapso ambiental e o aumento crescente dos riscos (alimentar/saúde, psíquico, violência) fez com que a população passasse a vê-la com certa desconfiança (DAGNINO, 2008).

Hoje, os seres humanos correm o risco de se destruírem em função de seus próprios atos. Segundo os chineses, a palavra crise significa risco e oportunidade. É essa a situação da humanidade, podendo destruir-se ou aproveitar a oportunidade para criar uma sociedade diferente.

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Pela primeira vez, na História da humanidade, há recursos e conhecimentos para resolver os problemas de ordem material das populações, sendo as razões da miséria e da opressão de ordem sociopolítica (HERRERA, 1992).

Outro desafio refere-se à hegemonia da lógica utilitarista ou da colonização do “mundo da vida” pela visão mercantil e sua ideologia correspondente. Diferente das demais sociedades, a moderna/capitalista se diferencia pela predominância de uma esfera da sociedade (mercado) sobre as demais (estado e sociedade civil). Segundo Karl Polanyi (2000), os mercados sempre existiram no decorrer das civilizações, porém o seu modus operandi não se sobrepunha aos valores e cultura das sociedades vigentes, era uma esfera do social, assim como o Estado e a sociedade civil. Com o surgimento do capitalismo, a lógica mercantil, de mercantilização de todas as esferas da vida, passa a se tornar cada vez mais hegemônica a tal ponto de parecer um “moinho satânico”, de ir subjugando tudo o que encontra pela frente, destruindo os laços de solidariedade e reciprocidade. A própria pesquisa universitária se encontra submetida a uma crescente industrialização e tecnocratização, correndo o risco de converter-se em atividade complementar ao desenvolvimento da empresa privada (DAGNINO, 2008).

Nesse contexto, por mais que as próprias empresas/corporações demandem mais conhecimento/proatividade/integração, todo o foco é voltado para o ganho monetário. Um exemplo emblemático da atualidade tem sido a questão da sustentabilidade, demandada por todos os agentes econômicos em nível de corporações, porém com pouca viabilidade prática, a ponto de os cientistas passarem a usar a expressão colapso ambiental, no lugar de aquecimento global ou crise ecológica (MARQUES, 2018).

A questão principal não é a simples crítica ao sistema de propriedade privada dos meios de produção, pois o que precisa ser profundamente alterado é a sua própria base técnica. Esse dilema pode ser facilmente percebido, por exemplo, no meio rural em que a revolução verde, a biotecnologia e o emprego de sementes transgênicas tem desestruturado as comunidades rurais, sendo o resultado a dependência de fertilizantes, o êxodo rural e a perda de autonomia dos agricultores. Nesse caso, o que precisa mudar não é um tipo de tecnologia por outro mais sofisticado, mas a própria base técnica de produção, o que requer decisões políticas. A agroecologia e outras agriculturas de base ecológica vem sendo defendidas como alternativas viáveis, no entanto as coalisões de força são majoritariamente favoráveis à monocultura e a ampliação das commodities (SILVEIRA, 2013).

Como posto, pode-se perceber que a neutralidade no âmbito da C&T é impraticável. No caso dos IFs, a considerar que atendem a uma grande parcela de jovens oriundos a maioria de escolas públicas, caberia um papel protagônico no uso da C&T para a construção de alternativas capazes

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de viabilizar um novo estilo de desenvolvimento, segundo as particularidades dos contextos em que estão inseridos, internalizando, assim, variáveis ambientais e os impactos na vida das populações. Ou seja, fortalecer as regiões, o que implica valorizar e potencializar a sua capacidade de auto-organização, a consciência de sua identidade, a capacidade de mobilizar-se em torno de projetos comuns, sendo sujeito de seu próprio desenvolvimento.

Frente a esses desafios, urge um trabalho de curto, médio e longo prazo na construção de um currículo integrado. De curto prazo através de discussão, estudo e aproximação das diversas áreas do saber, considerando os diferentes vieses ideológicos, e as respectivas temáticas de cada área; de médio prazo, por tentativas de maior aproximação, aprendizado mútuo e construção de convergências, de pontos em comum; de longo prazo, de construção de uma integração pautada em inovações sociotécnicas inseridas nos respectivos contextos de cada campi, em que sejam considerados os sujeitos sociais, seu contexto, sua cultura, suas urgências, e como a técnica e a tecnologia podem contribuir para melhorar a condição de vida dessas populações. Como, por exemplo, fomentar a viabilização de embriões de arranjos produtivos locais no âmbito da agricultura, da pecuária, da sustentabilidade ambiental, do turismo rural, assim como dos circuitos curtos de comercialização, ou ainda do possível suporte aos empreendimentos locais de empresas, órgãos públicos, entidades civis. Ou seja, trata-se de fortalecer os laços internos e externos à instituição, em diferentes frentes (social/cultural/ambiental/política e econômica).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Parafraseando Gramsci, pode-se dizer que “o velho resiste em morrer e o novo não consegue nascer”. As velhas relações de troca, de visão de mundo, de fazer ciência, resistem em meio a urgência do novo, da passagem da simplicidade para a complexidade, da separação entre natureza x sociedade/cultura, do antropocentrismo ao ecocentrismo, entre tantas dualidades a serem superadas. Nesse interim, predomina a confusão, a incerteza e a dificuldade em construir um novo referencial condizente com os novos tempos.

Ao problematizar a importância da integração entre ciência, tecnologia e sociedade para o ensino integrado, foi considerado esse panorama de mudanças/incertezas e possibilidades. Desse modo, em um primeiro momento, buscou-se refletir sobre a relação entre sociedade e técnica ou tecnologia, mostrando que todas as tecnologias são sociais, pois são socialmente construídas. Na sequência, discutiu-se, também, como a C&T são tratadas por especialistas, em centros de excelência dos países desenvolvidos, como um campo neutro, dissociado da sociedade. Essa visão fragmentada, tecnicista, linear do progresso técnico e científico torna-se hegemônica em razão dos

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interesses dos países que detêm o controle desse processo, cabendo aos demais a mera importação de tecnologia do exterior.

A fé ilimitada do progresso baseado no simples desenvolvimento da C&T, sem preocupação com suas implicações sociais, é cada vez mais questionada em decorrência dos imensos problemas advindos do uso da C&T, sendo o principal o colapso ambiental. Torna-se crescente a demanda por um novo modus operandi de formação e atuação social, tendo a educação um papel chave nesse processo. Ao invés de problemas pontuais, há cada vez mais problemas sistêmicos que requerem uma visão integrada, criativa, crítica e não fragmentada, tecnicista, como na época do Fordismo, por exemplo.

Nesse contexto são ampliadas as discussões/análises/prognósticos do que deveria ser, de como construir um novo sistema de ensino, de pesquisa, e de C&T. A Politecnia passa a ser muito considerada por valorizar o contexto social, os resultados e consequências do uso da técnica e da tecnologia, e não apenas a lógica do capital, em que a técnica é vista como neutra. Além disso, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade têm cada vez mais espaço na gestação desse processo.

Na esteira dessas reflexões e a par da experiência docente da autora, buscou-se refletir sobre o que pode ser ou vir a ser a partir do “chão de fábrica”, ou seja, da construção prática desse processo no âmbito institucional. É impossível negar a importância dessa discussão, pois, num primeiro momento, em especial para quem é sociólogo, parece óbvio que a integração pautada nos princípios da politecnia é a saída. No entanto, não se pode esquecer que há um abismo entre o teórico e o prático. Logo, não basta entender os conceitos, é preciso uma transformação no modus

operandi de cada sujeito, o que requer tempo e um processo paulatino de amadurecimento.

Trata-se de passar da fragmentada visão de mundo, positivista, tecnicista, para uma visão sistêmica, integrada e complexa. Portanto, por mais difíceis e tortuosos que possam ser essas veredas, o importante é iniciar esse processo de alguma forma e, aos poucos, ir lapidando um novo jeito de ver, de se relacionar e, em consequência, construir o ensino integrado conectando as pontas entre ciência, tecnologia e sociedade.

REFERÊNCIAS

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Referências

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