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O Transtorno do Déficit de Atenção Hiperatividade – TDAH Contribuições da Psiquiatria, Neurociência, Psicologia, Psicanálise e análise de implicações da chamada patologização da aprendizagem

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Helena Maria Daquanno Martins Testi

O Transtorno do Déficit de Atenção / Hiperatividade – TDAH

Contribuições da Psiquiatria, Neurociência, Psicologia, Psicanálise e análise de implicações da chamada patologização da aprendizagem

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Helena Maria Daquanno Martins Testi

O Transtorno do Déficit de Atenção / Hiperatividade – TDAH

Contribuições da Psiquiatria, Neurociência, Psicologia, Psicanálise e análise de implicações da chamada patologização da aprendizagem

Monografia a ser apresentada como exigência parcial para a obtenção do certificado de: Especialização em Psicopedagogia – Curso de Pós - Graduação “Latu Senso” da PUCSP – COGEAE.

Orientadora: Profa. Dra. Anete Maria Busin Fernandes

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Ao meu marido e filhos, pelo carinho, compreensão e por terem suportado minha ausência durante a elaboração deste trabalho.

Meus profundos agradecimentos a professora Anete Maria Busin Fernandes por ter acolhido meu trabalho e me orientado com sensibilidade e maestria.

As minhas amigas do curso de psicopedagogia que suportaram meus questionamentos e minhas críticas com carinho e também souberam fazê-las contribuindo para o enriquecimento de meu trabalho, Inês, Silvia, Kátia muito obrigada.

A meus pais que me transmitiram o amor às coisas simples e belas, tarefa difícil que tento transmitir aos meus filhos...

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Resumo

Esse trabalho nasceu da necessidade da autora de pesquisar e compreender o chamado TDAH. Qual sua história clinica, onde nasce esse termo como chegamos a ele? Que caminhos os pesquisadores percorreram para chegarem ao esse conceito? Há de fato um consenso?

O objetivo da presente obra é explicitar quais os princípios teóricos norteiam os procedimentos diagnósticos e terapêuticos relacionados ao sintoma hiperatividade em crianças e/ou adolescentes.

Trazer para a prática clinica a contribuição das áreas psi, levando em consideração que esse sujeito rotulado como hiperativo, tem seus impasses mediados pelo corpo e sofre por não conseguir colocar em palavras seu mal estar.

É preciso sensibilizar aqueles que são responsáveis por essa criança e/ou adolescente, também aos educadores e profissionais da saúde, para que não caiam na falácia de que existe um consenso sobre TDAH e mais, que um simples questionário ou um olhar para um corpo inquieto, darão conta de um diagnóstico preciso.

Considerar o sujeito em sua singularidade já exclui a padronização de um questionário que preenchido por um outro, pode claramente portar algo da subjetividade desse último e também de seus impasses com relação a essa criança como, por exemplo, o cansaço, a falta de paciência e as informações veiculadas por uma mídia financiada por laboratórios farmacêuticos.

O próprio conceito de transtorno aponta para um déficit orgânico que só poderá ser solucionado com medicamentos. Conceito oposto a definição Lacaniana de ‘sintoma’ entendido como produção do sujeito.

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SUMÁRIO Introdução... 5

Cap. 1-TDAH e a visão da Psiquiatria... 10

1.1 Definição... 10

1.2 A História Clínica do Transtorno de Déficit de Atenção e Hipera- tividade... 10

Cap. 2- A visão da Neurociência e o conceito de Funções Executivas. 16 Cap. 3-Transtorno ou Síndrome?... 18

Cap.4-Contribuições da Psicologia... 21

Cap.5-Contribuições da Psicanálise ao Diagnóstico e compreensão do Sintoma Hiperatividade... 23

5.1 Diagnóstico Psicanalítico... 23

5.2 A escuta como Auxiliar no Processo de Cura... 26

5.3 Etapas da Constituição da Subjetividade... 32

5.4 Função materna função paterna e relações vinculares... 37

5.5 O Corpo na Psicanálise... 39

Cap.6-A escola e a patologização da educação: um desafio para a psicopedagogia... 42

Cap.7-Conclusões... 44

8- Referências Bibliográficas... 50

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Introdução

Polêmico e instigante o Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade (TDAH) propõe aos profissionais da área de saúde e educação um desafio. Como defini-lo, diagnosticá-lo e como intervir clinicamente de maneira assertiva, evitando os diagnósticos-rótulos e sem se submeter a uma tentativa equívoca de se produzir um sintoma em massa?

Torna-se cada vez mais urgente formar profissionais bem informados com relação aos diversos modos de entender o TDAH e de diferenciar os interesses da indústria farmacêutica (interesses comerciais) na crescente medicalização indiscriminada das crianças ditas hipercinéticas.

A submissão dos profissionais da área psi aos diagnósticos médicos há muito vem sendo questionada. É necessário aprimorarmos nossos conhecimentos e nossa prática clínica para sustentarmos a capacidade de elaborar dessas crianças, ditas hipercinéticas, como sujeitos de sua própria história, e não como autômatos, cordatos, silenciados pelos medicamentos.

Com relação ao caráter normatizador da biomedicina, Foucault (1974) associa o fenômeno por ele chamado de “medicalização indefinida”: a medicina teria começado a funcionar fora de seu domínio tradicional, definido pela demanda do doente. Passando a responder a outra coisa que não à demanda do doente, a medicina se imporia ao indivíduo. Para Foucault (1974), a sociedade passaria a ser guiada pela distinção entre o normal e o anormal, fornecida pelo discurso médico em vigor.

Noto em meus pacientes em atendimento, o crescente uso de medicação para a abordagem das problemáticas infantis que, no meu entender, marca algo mais que o resultado dos avanços das pesquisas na área farmacêutica.

Aliado ao crescente uso de medicação há um problema claro de excesso de diagnósticos infantis. Temos em Cypel (2003) um alerta para que a epidemia seja atacada usando mais critério diagnóstico e deixando de lado os rótulos:

“Quero ressaltar a importância de que diante de uma criança com déficit de atenção e hiperatividade, seja adotada uma atitude de avaliação multiprofissional, procurando aferir todas as circunstâncias que a cercam principalmente a familiar, escolar e social.” (p. 57)

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Segundo Blanco (2007) 1·:

“É hoje mais necessária do que nunca a utilidade social da escuta em uma sociedade onde a resposta tecnocrática ao sofrimento se baseia nos protocolos standardizados que apagam a particularidade do sintoma e sua dimensão individual, condenando cada um à cronicidade. Acrescenta-se a esse quadro uma clínica infanto-juvenil dominada pelo déficit da palavra o qual condena as crianças à hiperatividade e ao consumo maciço e precoce de drogas e álcool. O mau-viver encontra cada vez mais lugares de tratamento e menos lugares de escuta e de acolhimento.” (p.05)

Em acordo com o pensamento de Blanco, Gorodiscy (2006) afirma que tem observado “efeitos desastrosos” resultantes do que ela chama de “abordagem farmacológica” nos distúrbios de hiperatividade, que vêm, principalmente, dos atendimentos apressados em ambulatórios de saúde.

A pergunta recai sobre a lógica que rege a responsabilidade de se estabelecer um diagnóstico que irá aderir à pele do sujeito infantil. Que um nome avalizado por certo saber funcione como código, como uma senha, que imponha algum traço do sujeito, em detrimento de outros, que ameace o movimento de uma subjetividade em constituição e produza efeitos de clausura.

Atualmente o diagnóstico dessas crianças, ditas hipercinéticas passa por um questionário denominado SNAP-IV. Esse instrumento foi desenvolvido para avaliação de sintomas do transtorno do déficit de atenção/hiperatividade em crianças e adolescentes. Pode ser preenchido por pais ou professores e emprega os sintomas listados no manual diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais (DSM-IV) para o transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) e transtorno desafiador e de oposição (TDO). (Anexo I.)

Seria coerente realizar um diagnóstico de uma criança com base apenas em um questionário?

Com respeito a essa questão Cypel (2003) afirma que:

Esses questionários podem ser úteis e são de fácil aplicação. Entretanto, podem ter limitações por sofrerem interferências subjetivas do examinador mais severo em seus critérios, pouco motivado em aplicá-lo, ou estarem sujeitos a influência da instabilidade do comportamento da criança.

Não existe ainda um instrumento de avaliação que por si só, permita a realização do diagnóstico isento de risco de incorreções ou críticas.

Untoiglich (2005) 2· nos convida a pensarmos a psicopedagogia clínica de orientação psicanalítica, que nos revela o diagnóstico como um processo no qual se procura encontrar o sentido histórico subjetivo das dificuldades de cada criança e sua singularidade que se manifestam através das problemáticas escolares.

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Publicado na revista Latusa digital, Nº29 Julho/2007

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No entanto o psicodiagnóstico transcende toda essa questão do lócus. Não é por estar dentro da escola que esse sintoma diz respeito apenas a psicopedagogia. Esse transtorno deve ser analisado sob diversos pontos, e necessariamente, o diagnóstico deve ser analisado e discutido por uma equipe multidisciplinar.

Fernández (2001) 3 está em acordo com os outros autores acima citados quando aponta que:

“Depois de múltiplas experiências psicopedagógicas que nos demonstram que a modalidade de aprendizagem de um sujeito e, em conseqüência, seus modos de responder e estudar na escola, não é conseqüência de características do organismo, mas efeito de uma série de fatores, entre os quais desempenha um papel fundamental a modalidade de ensino dos ensinantes, não podendo esquecer esse saber, ficando seduzidos por um suposto saber que estaria alojado com os donos de laboratório.

Por sua vez a psicanálise e a leitura analítica provam-nos que os efeitos mais decisivos na história de uma pessoa são produzidos por causas não biológicas. O corpo não é sua anatomia nem sua psicologia. “O corpo é o entrecruzamento de um organismo a partir da inteligência e do desejo de intersubjetividade que nos caracteriza como humanos.” (p.206)

Freud traz em seu texto “O sentido dos sintomas” (1916) 4, uma questão crucial em relação aos sintomas psicanalíticos, afinal qual o sentido de tudo isso? “Atos-falhos, sonhos, e sintomas neuróticos, têm um sentido e se referem estritamente à vida íntima do paciente.” (p.305)

A vida íntima das crianças da atualidade fez como sintoma a desatenção e a hiperatividade, fazendo-nos pensar em um mal-estar em nossos dias. Famílias desestruturadas ou com novos padrões, violência doméstica, crianças vítimas de abuso, separação dos pais, o luto pela perda de alguém querido, a “patologização” e a medicalização da educação.

Bergés (2008) legitima os estudos de Freud e aponta para o fato de que o sintoma fala certamente, mas o que ele diz? Deve-se saber antes de tentar fazê-lo calar.

“Aqui os transtornos da criança nada mais são que a parte visível, explorável, do espaço conflitual parental, ou familiar. Freqüentemente, este espaço é descoberto na primeira entrevista, desentendimento conjugal, alcoolismo de um dos pais, existência de um estado depressivo grave na mãe, recente falecimento. Mas às vezes, é só ao fim de muitos meses, anos até, que emergirá devido ao desconhecimento dos próprios pais, a revelação dramática de uma doença hereditária, um segredo de família sobre a origem deste ou daquele. É por ocasião de um lance inesperado que se esclarecem as verdadeiras razões que mantêm em um primeiro plano fictício a doença da criança, verdadeiro testa-de-ferro do problema: o sintoma do drama familiar nada mais é do que a própria criança doente.” (p.122)

3

Fernández, Alícia (1990). A Inteligência Aprisionada; Porto Alegre: Artes Médicas.

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Fernández (2001) 5 vai de encontro ao pensamento de Bergés ao nos colocar que: “Diagnosticam de forma errônea, com excessiva leviandade, “dislexias”, “discalculias”, “disgrafias”, “ADDs”: assim, fica excluída, para os professores a possibilidade de responsabilizarem-se por seu ensinar, para os pais, o perguntarem-se por sua implicação, e, o que é mais grave as crianças são colocadas como objeto de manipulação. ”(p.33)

Legnani (2006) 6 nos alerta também para o risco de seguirmos uma lógica medicamentosa em que a prescrição do medicamento é feita a partir da homogeneização dos pacientes e em detrimento de suas singularidades e leva a não responsabilização dos adultos educadores:

Pesquisadores e médicos que em suas práticas clínicas aderem a essa "lógica medicamentosa", a qual, por sua vez, ancora-se em uma concepção naturalista/biológica do psiquismo humano, discorrem sobre as vantagens de se medicar essa problemática. A argumentação feita é a de que esses sujeitos (e suas famílias) podem experimentar um alívio ao saberem que são portadores de uma desordem biológica passível de tratamento, uma vez que essa visão descarta qualquer enfoque moral culpabilizante para os envolvidos.

No entanto, sabemos que esse discurso pode facilitar o descompromisso subjetivo dos pais e educadores diante da problemática da criança, pois "tudo" torna-se decorrente de uma desordem da química do cérebro que a medicação pode corrigir. Em nossa concepção, de fato, o caráter da culpa deve ser abolido, mas o caráter da responsabilização dos educadores adultos, nos impasses subjetivos da criança que se manifesta nessa sintomatologia, não deve, nem pode ser proscrito. (p. 04)

Os estudos recentes nas áreas da genética e psiquiatria apontam para um determinismo genético em relação ao transtorno de déficit de atenção e hiperatividade TDAH. Mas o que nos interessa é o que pode ser feito com isso. Jorge Forbes, psiquiatra e psicanalista, relata em seu último seminário “Genética e Psicanálise” que é preciso lutar contra o vírus RC (Resignação e Compaixão). O paciente diante da descoberta de uma doença genética (incurável) se resigna com sua doença a ponto de já sair do consultório médico como portador real de uma doença que ainda nem se manifestou. Em contrapartida, a família acolhe o diagnóstico demonstrando total compaixão pelo paciente e passando a justificar seus atos através disso.

Partindo de uma revisão bibliográfica esse trabalho visa conceituar o TDAH de acordo com as mais recentes pesquisas, oferecendo uma visão da psiquiatria, da neurociência, da psicologia e da psicanálise. Estudar o TDAH e analisar as relações dessa síndrome com as questões vinculares pais-filhos, e, como é estabelecido por esses primeiros ensinantes o aprendizado que depois passará à escola. Alertar para a questão da patologização da educação e conseqüente medicalização do espaço pedagógico.

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Fernández, Alícia. A Inteligência Aprisionada. Artes Médicas: 2001. 6

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10 Capitulo I- TDAH e a visão da psiquiatria

1.1 Definição

O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDHA) é definido como um transtorno do desenvolvimento infantil, cujos sintomas surgem na infância e persistem na vida adulta em mais da metade dos casos, e, resultam em dificuldades nos âmbitos da vida pessoal, acadêmica, familiar, social e profissional do indivíduo portador, além de provocar forte impacto na vida das pessoas com quem se relaciona cotidianamente (Rhode et. al. 2003) 7.

1.2- A História do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade

Proponho aqui uma análise da bibliografia mais recente e as definições do termo do ponto de vista médico. Não pretendo, em momento nenhum, fechar esse conceito dentro de uma visão biológica, apenas começarei onde de fato ele tem início. Estudando sua evolução podemos analisar com mais clareza como pesquisadores e cientistas chegaram à conceituação do TDAH quais foram os caminhos percorridos para que esse transtorno fosse cientificamente aceito.

Estudarei o transtorno que se apóia sobre três aspectos, desatenção, hiperatividade e impulsividade.

O termo TDAH nasce na medicina, mais especificamente na psiquiatria. Barkley, Benczic, Camargos e Hounie, Cypel, Rhode, Topoczewski, Weiss entre outras fontes citam o século XIX como ponto de partida para os estudos do termo TDAH ao longo da história.

No entanto é difícil dizer, em que momento da história da clínica, essas manifestações começam a corresponder a uma condição particular.

Paul Bercherie (1989) traz em seu livro “Os Fundamentos da Clínica” que no ano de 1909 Dupré apresentou sua primeira descrição sobre o que ele chamou de “constituição emotiva”, e que posteriormente, seria trabalhado e mais bem elaborado em vários artigos. Dupré descrevia:

“Certo modo de desequilíbrio do sistema nervoso simultaneamente caracterizado pelo eretismo difuso da sensibilidade e pela insuficiência da inibição motora, reflexa e voluntária, em virtude do qual o organismo apresenta ante os abalos que solicitam sua sensibilidade, reações anormais em sua vivacidade sua extensão e sua duração” (pg. 213)

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Bercherie ainda acrescenta que Dupré assinalou o caráter fisiológico desses distúrbios na criança pequena, sendo que sua perenização até a idade adulta constituía um fato patológico.

Cypel (2001) está de acordo com Bercherie a respeito das contribuições de Dupré para a gênese dessa caracterização nosográfica. Segundo Cypel, no ano 1925, os trabalhos de Dupré assinalavam o desajeitamento ou a debilidade motora nas crianças sem lesão cerebral, trabalho este que já apontava para algo da ordem do emocional participando desse sintoma.

Henry Wallon que naquele mesmo ano irá publicar também sua tese de doutorado “L’enfant Turbulent” (A criança Inquieta), pesquisa que foi o marco fundamental e inicial do autor na área da Psicologia, observa e analisa detalhadamente 214 crianças entre dois e três anos e quatorze e quinze anos, com sérios distúrbios psicológicos como: instabilidade, perversidade e delinqüência.

As crianças observadas no estudo eram atendidas em um posto psiquiátrico instalado em um grupo escolar em Boulogne-Billancourt, subúrbio de Paris, entre os anos de 1900 a 1912. Esta proximidade de seu ambulatório com a escola não foi meramente circunstancial. Wallon pretendia fazer dessa proximidade um recurso para ter acesso à criança contextualizada, ou seja, inserida em seu meio. Isso possibilitou a ele um contato maior com as questões da educação. Sua obra constitui-se numa construção que nos permite enxergar o ser humano em seu equilíbrio dinâmico que engloba fatores biológicos e sociais. Quando abordarmos adiante as contribuições da psicologia, demonstraremos como a teoria de Wallon nos auxiliará com as questões do TDAH.

Continuando com a história clínica desse transtorno, Barkley, Camargos e Hounie (2008) citam como precursor desse tema um médico alemão Heinrich Hoffmann (1809-1894), que escreveu em 1845 “Der Struwwelpeter”, equivalendo em português a “Pedro, o agitado”. O livro trazia entre outros, relatos sádicos que encenam alguns destinos trágicos de crianças. Tomemos como exemplo, a lamentável estória de Pauline que brincava com fósforos e acabava transformada em um monte de cinzas, para o terror de seus gatos que choravam com os laços de Pauline amarrados em seus rabos. Estórias macabras e que até hoje habitam o imaginário de alguns pais e educadores, quando não conseguem estabelecer os limites de seus filhos.

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Still descreveu, em 19028, detalhadamente, a condição de 43 crianças atendidas em seu consultório que tinham dificuldades sérias para manter a atenção. Para esse autor o controle moral do comportamento significava “o controle da ação em conformidade com o bem comum”, ou seja, a capacidade de entender os próprios atos ao longo do tempo e de ter em mente informações sobre si mesmo e sobre seus atos bem como sobre o contexto. Associando esses déficits de controle a uma lesão celular significativa tendo como conseqüência modificações neuronais.

Barkley (2008) 9 cita outros autores que seguindo a teoria de Still sobre lesões precoces, explicavam as deficiências no comportamento e na aprendizagem. Esses autores seriam Tredgold (1908) 10 e, tempos depois, Pasamanik, Rogers e Lilienfeld (1956) 11, todos usaram a teoria das lesões precoces, leves e despercebidas para explicar as deficiências no comportamento.

Desde então, o que viria a se chamar TDAH, passou por denominações como “Lesão Cerebral Mínima”, ou seja, aquelas alterações funcionais que as crianças apresentariam seriam em função de pequenas lesões cerebrais. E também disfunção cerebral mínima como veremos adiante.

Barkley (2008) analisa que Strauss e Lehtinem (1947), argumentavam que as perturbações cerebrais, por si só, já eram evidência de lesões cerebrais. Deste trabalho chamo a atenção para as recomendações feitas à época às escolas que trabalhavam com crianças portadoras da síndrome da lesão cerebral mínima. “As salas deveriam ser austeras e os professores não poderiam usar jóias nem roupas de cor muito forte. Poucos quadros adornando a parede para não distrair os alunos.” Em 1962, em Oxford, na Inglaterra, foi realizado um simpósio com o objetivo de chegar a um consenso sobre esse termo. O termo “Disfunção Cerebral Mínima” substituiu o anterior eliminando a palavra lesão. Segundo Cypel (2003) 12 alguns clínicos sugeriram que uma criança não podia ser rotulada como lesionada cerebral unicamente em conseqüência de seu comportamento.

De acordo com Cypel (2003) essa substituição trouxe uma maior abertura para os estudos que se seguiriam:

“Essa qualificação nosológica da DCM foi extremamente importante, pois permitiu ao neuropediatra, que estava acostumado às manifestações neurológicas mais graves, o interesse pela caracterização de discretas alterações relacionadas com as atividades nervosas superiores, passando a estudar com mais profundidade o aprendizado

8

Still, G. F. (1902). Some abnormal psychical conditions in children. 9

Barkley, R. A. (2008). Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade: Manual para diagnóstico e tratamento.

10

Tredgold, A. F. (1908). Mental Deficiency (amentia). New York: Wood.

11

Pasamanik, b., Rogers, M., & Lilienfeld, A. M. (1956) Pregnancy experience and development of behavior disorder in children. American Journal of Psychiatry, 112, 613, 617.

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13 escolar, a aquisição da linguagem, a atenção, as percepções, a memória e outras funções importantes relacionadas ao desenvolvimento da criança. (pg.14)”

Barkley (2008) cita que o conceito de “disfunção cerebral mínima”, teria uma morte lenta à medida que começou a ser reconhecido como vago abrangente demais, de pouco ou nenhum valor prescritivo e sem evidência neurológica.

“O termo “disfunção cerebral mínima finalmente foi substituído por rótulos mais específicos aplicados a transtornos cognitivos, comportamentais e de aprendizagem que eram um pouco mais homogêneos, como “dislexia”, “transtornos da linguagem”, “dificuldades de aprendizagem” e “hiperatividade”. “Esses novos rótulos baseavam-se nos déficits observáveis e descritivos das crianças em vez de algum mecanismo etiológico subjacente ao cérebro, que não poderia ser observado.”

No ano de 1968, o manual diagnóstico e estatística das perturbações mentais (DSM II) 13 já descreve uma categoria diagnóstica de “Reação Hipercinética na Infância.” A presença da expressão “reação”, indicava a influência que noções psicanalíticas ainda exerciam na compreensão do transtorno e em todo o DSM-II. A ascendência da psicanálise na psiquiatria americana permitia conciliar o reconhecimento da existência da síndrome com a postulação de fatores ambientais e psicológicos envolvidos em sua origem, entendendo-se que a inquietude da criança poderia ser causada por eventos de sua vida familiar e social.

Na década de 1970, vários pesquisadores começaram a criticar a centralidade concedida à hiperatividade na síndrome. Wender (apud Hounie e Camargos, 2005) 14 desenvolveu uma descrição de várias características dos pacientes com TDA/H, desviando o foco da hiperatividade para outros aspectos como: dificuldade de controle motor, dificuldade de aprendizado, desatenção persistente, descontrole de impulsos, dificuldades no relacionamento interpessoal e descontrole na regulação das emoções.

Segundo Camargos e Hounie (2005), duas novidades são introduzidas aqui a respeito da hiperatividade, A primeira é que poderia existir um quadro apenas de desatenção sugestão que rapidamente foi recebida no meio científico, e a segunda, a noção de que os descontroles emocionais – fúrias repentinas, explosões, irritações, reatividade emocional acentuada, etc.- também pudessem figurar como critério integrante do diagnóstico. No entanto essa segunda novidade foi recebida com mais reservas e acabou não prevalecendo como critério diagnóstico formal. No final da década de 1970 e início da década de 1980 ficaram nítidas as discrepâncias entre a visão americana e a visão européia desse transtorno. Barkley (2008) e Cypel (2003) concordam com essas discrepâncias e acrescentam que os

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Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. American psychiatric publishing. 14

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cientistas norte-americanos continuavam a reconhecer o transtorno como mais comum, em necessidade de medicação e mais provável ser um déficit de atenção, ao passo que os cientistas europeus continuavam a enxergá-lo como incomum, definido por hiperatividade grave e associado a lesões cerebrais. Cypel (2003) que na época desenvolveu seus trabalhos nessa área na London University avaliou crianças com e sem dificuldade de aprendizagem associada ao transtorno, já constatava uma diferença de 20% a 30% das crianças americanas diagnosticadas contra 5% ou menos das crianças inglesas.

Ainda segundo o autor, as revisões críticas de Rutter (1977, 1982) e as pesquisas de Rie e Rie (1980), enfatizaram a falta de evidências clínicas para uma síndrome tão ampla. Sendo assim, não havia uma definição clara dos sintomas que também não tinham co-relação entre si, com pouca ou nenhuma evidência de anormalidades neurológicas. Mesmo em casos de lesões cerebrais bem estabelecidas, não havia seqüelas comportamentais uniformes entre os casos.

A década de 1980 faz da hiperatividade o transtorno psiquiátrico infantil mais bem estudado. Com a tentativa de desenvolver critérios diagnósticos mais específicos toda uma gama de artigos, pesquisas, livros e conferências foram realizados. Devido a toda essa produção científica houve progressos significativos em relação ao diagnóstico diferencial da hiperatividade em relação a outros transtornos psiquiátricos.

O manual diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais (DSM-III elaborado pela American Psychiatric Association, 1980) publicou o que era referido à disfunção cerebral mínima, (DCM), como (TDA-H, TDA+H) baseado na presença ou ausência de hiperatividade. O que caracterizava esse quadro eram desatenção, impulsividade e hiperatividade.

De acordo com Legnani (2008) 15:

Na década de 1980, na edição do DSM III, a Academia Americana de Psiquiatria propõe uma separação das perturbações por Déficit de Atenção e Hiperatividade em relação aos Distúrbios de Aprendizagem. Propõe, também, uma abordagem operacional para o diagnóstico das perturbações por déficit de atenção. Esta orientação será, posteriormente, incorporada pelo DSM IV, o qual, como já se destacou, em nome de uma facilitação da prática diagnóstica, propõe como critério de inclusão em uma determinada categoria diagnóstica os traços comportamentais apresentados pelo paciente.

Sua edição seguinte, DSM-III-R (1987) irá nomear novamente o transtorno eliminando seus subtipos. Chegando aos nossos dias, com as denominações de “Transtornos Hipercinéticos”, na classificação internacional de doenças CID-10/OMS-1993 e de “Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade” no DSM-IV, da Associação Psiquiátrica Americana (1994).

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A versão mais recente e revisada o DSM-IV-TR da American Psychiatric Association (2000) usado principalmente nos EUA, tem uma semelhança, embora não seja idêntico com a revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) de 1994, que é usada principalmente na Europa.

O DSM-IV-TR traz as últimas revisões do TDA/H dentro de novos e revisados critérios. O DSM IV traz três subtipos:

• Predominantemente desatento

• Predominantemente hiperativo/impulsivo

• Combinado

O DSM-IV-TR não alterou esses três aspectos de forma significativa.

Os critérios do DSM-IV-TR estipulam que os indivíduos devem apresentar sintomas de TDA/H por pelo menos seis meses, que esses sintomas devem aparecer em um grau que represente inadequação ao nível de desenvolvimento, que os sintomas que produzem comprometimentos devem ter se desenvolvido até a idade de sete anos. O diagnóstico de TDA/H, apesar de ser feito a partir da disfunção atencional, exige que estejam presentes a impulsividade e hiperatividade e em mais de um ambiente, bem como a necessidade de dados fornecidos por pais e professores.

Camargos e Hounie (2008) esclarecem que o desenvolvimento de manuais e critérios diagnósticos, no final do século XX, contribuiu para o controle do problema da confiabilidade, mas deixou em aberto a questão da validade do diagnóstico psiquiátrico.

Estando os sinais e sintomas CID, DSM dos transtornos mentais amplamente distribuídos na população, porém, com freqüência, intensidade e impacto maiores nos pacientes do que na população geral, a sua simples ocorrência não define a presença de um transtorno mental. Existe a necessidade adicional de definir e de validar um limiar para a presença ou ausência de um transtorno. A tarefa se torna mais complexa quando se verifica que a nosologia psiquiátrica atual utiliza critérios descritivos, como presença de sinais e de sintomas e observação de curso e de resposta ao tratamento, sem levar em consideração possíveis causas. Dentro desse processo diagnóstico, existe a necessidade adicional de uso de julgamento clínico sobre a relevância dos sinais e dos sintomas, baseada em uma avaliação dos prejuízos funcionais causados por eles. (p. 23)

Barkley (2008) continua suas pesquisas acerca deste tema do ano de 2000 até o presente momento e traz para nós as últimas descobertas.

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16 recentes, como vários estudos atuais podem ter descoberto outros genes candidatos ao transtorno (alelo DBH Taq I).”

“... de fato nenhuma parte da bibliografia do TDAH cresceu de forma tão espantosa quanto à neuropsicologia. Essa literatura continua a sustentar a visão de que o TDAH compreende um problema com a inibição comportamental (executiva). A neuropsicologia sugere que os problemas de atenção associados ao transtorno provavelmente representem déficits em domínio neuropsicológico mais amplo do funcionamento executivo. (p.48)”

Cypel (2003) trata da questão das funções executivas acima descritas por Barkley e faz todo um trabalho voltado ao estudo das relações das FE com os transtornos de aprendizado. Para melhor avaliarmos as questões relativas às funções executivas vamos conceituar e analisar, principalmente no que diz respeito à memória de trabalho.

2.0- A visão da neurociência e o conceito das chamadas Funções Executivas

Barkley (2008) define as FE’s (Funções Executivas) como sendo: “uma classe específica de ações auto dirigidas do indivíduo que são usadas para auto-regulação relacionada com o futuro.”

Já Cypel (2003) trabalha com a definição de Fuster (1997), que conceitualmente considera as FE “um conjunto de funções responsáveis por iniciar e desenvolver uma atividade com objetivo final determinado”.

Esse conjunto de processos capacita os indivíduos a realizar de maneira independente e autônoma atividades dirigidas a metas.

Segundo Welsh e Pennington (1989) corresponderia a “habilidade para manter um set de resolução de problemas visando um objetivo futuro,” habilidade adquirida no relacionamento dessa criança com seu meio e com seus primeiros ensinantes. Um exemplo disso é que nos primeiros dias do bebê, é sua mãe quem tem que estabelecer um ritmo de mamadas, e se, no intervalo ainda assim o bebê a solicitar (com choro) ela pode administrar água ou um chá, mas o leite tem que ser dado no intervalo de tempo que já vai sendo estabelecido por sua mãe.

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17 “As vivências dessas ansiedades iniciais do bebê não acolhidas adequadamente manteriam o núcleo amidalóide funcionando de modo exagerado (stress), com registros inclusive na memória, atuando sobre as suas conexões com sistema nervoso autônomo e provocando um funcionamento catecolaminérgico exagerado, mais especialmente com a liberação de noradrenalina. Nessas circunstâncias, os mecanismos inibitórios e de regulação mediados pela região pré-frontal e cíngulo não iriam atuar de modo eficiente no controle e regulação da atividade da amígdala.”

“Do ponto de vista clínico verifica-se um bebê bastante irritado, com choro freqüente e voraz, solicitando mamadas a curtos períodos; em geral há dificuldade no sono acordando diversas vezes e ficando boa parte do tempo no embalo do colo materno.”

“A mãe por sua vez está exaurida sem estratégias nem condições emocionais para lidar com essas circunstancias, agregando-se, com relativa freqüência, uma ausência da participação paterna.” (p.14)

Tudo isso contribuirá para que o cérebro do bebê deixe de formar uma homeostase comportamental interferindo, em sua “self regulation”, que é toda a base de formação das Funções Executivas.

Segundo Baron apud Camargos & Hounie (2005), o constructo – Função Executiva (FE)- é heterogêneo e inclui alguns comportamentos gerais e amplos, como raciocínio abstrato, resolução de problemas e formação de conceitos, assim como vários outros muito específicos que determinam subdomínios da FE oriundos, ou de estudos empíricos, ou de julgamento clínico.

Baron (2004) identifica como subdomínio da FE as seguintes funções:

• Antecipação;

• Autocontrole e autogerenciamento;

• Bom senso e criatividade;

• Capacidade de fazer estimativas;

• Comportamento inibitório;

• Controle de atenção;

• Controle do comportamento;

• Flexibilidade mental;

• Fluência;

• Formação de conceitos;

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18

• Iniciativa;

• Memória operacional;

• Organização e mapeamento de objetos;

• Planejamento de ação;

• Raciocínio abstrato;

• Resolução de problemas.

E é Baron (2004), quem conclui que “o termo FE engloba capacidades metacognitivas que permitem ao indivíduo perceber estímulos do ambiente, responder adaptativamente, ter flexibilidade para mudanças, antecipar, medir conseqüências e responder de uma maneira integrada e com bom senso, utilizando-se todas essas capacidades para atingir um objetivo final.”

3.0 - Transtorno ou síndrome?

Conforme o DSM IV-TR, um transtorno psíquico é diagnosticado quando existe um conjunto de sintomas que deve ser constante em determinado período da vida de uma pessoa. Além disso, esses sintomas devem provocar conseqüências negativas na vida dessa pessoa, causando-lhe sofrimento ou incapacitação, aumento do risco de vida, dor e deficiências que causem perda de sua liberdade. Os critérios para que seja dado um diagnóstico de transtorno psíquico são os seguintes:

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19

Freqüência dos sintomas: os sintomas devem estar presentes na maior parte do tempo. Por exemplo, em transtornos de ansiedade, os sintomas devem estar presentes durante quase todo o dia e quase todos os dias.

Quantidade de sintomas: para cada diagnóstico, um número mínimo de sintomas deve estar presentes. Os sintomas-chave são sintomas que obrigatoriamente devem estar presentes para considerar o referido diagnóstico. Já os sintomas secundários são os de menor importância para se considerar um diagnóstico e sua ocorrência é muito variável. Por isso, geralmente existe uma listagem de possíveis sintomas deste tipo para cada transtorno e o critério para um diagnóstico exige que um dado número daqueles sintomas deva estar presente. Por exemplo, para o diagnóstico de depressão maior, necessariamente deve haver humor deprimido ou perda do prazer na maioria das atividades para se considerar tal diagnóstico. Se nenhum destes dois sintomas está presente, mesmo que os demais sintomas estejam, deve-se considerar outro diagnóstico. Depois de verificar a presença destes sintomas-chave, existem ainda outros sintomas secundários dos quais devam estar presentes para selar o diagnóstico.

Período de duração dos sintomas: para cada diagnóstico é definido um período mínimo de tempo em que todos os sintomas mínimos para preencher um diagnóstico devem estar presentes. No caso do TDAH os sintomas devem estar presentes por, no mínimo, seis meses.

Tratarei por síndrome hipercinética o TDAH por se tratar em medicina (de um conjunto de sinais e sintomas) que pode estar ocorrendo em conseqüência de múltiplos fatores, ambientais, psicológicos envolvidos em sua origem, entendendo-se que a inquietude da criança poderia entendendo-ser causada por eventos da sua vida familiar e social. Sem contar que o diagnóstico de transtorno parece privilegiar apenas os aspectos biológicos da vida do sujeito. Nesta perspectiva se fragilizam as possibilidades de pesquisa, pois, o enquadramento diagnóstico de crianças e adolescentes, obstrui o campo para formulação de outras indagações em relação ao sujeito do desejo. “Porque está agitado?” “Porque não vai bem à escola?” “Porque está agressivo?”

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E esse “por que” diz respeito à particularidade de cada caso e como essa criança portadora do TDAH, lida com seu entorno, pais, irmãos, amigos, professores e o meio ambiente em que vive.

Prioritariamente cabe-nos observar ainda que ao diagnosticarmos uma criança com TDAH todas essas questões trazidas até aqui, sejam levadas em conta. E, mais importante ainda, é considerar que se trata de um sofrimento do qual padece em nosso recorte específico, uma criança. Uma criança que por não ter sido ouvida fez em seu corpo um sintoma.

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21 4.0 – Contribuições da psicologia

É no corpo que esse sintoma hiperatividade se faz mais presente, e é através dele que a criança irá manifestar seu mal estar.

Pain (1992) esclarece que existem condições externas para a aprendizagem, que definem o campo dos estímulos e internas, que definem o campo do sujeito. A essas condições internas ela faz referência a três planos intimamente relacionados. O primeiro plano é o corpo, é com o corpo que se aprende, as condições do mesmo favorecem ou atrasam os processos cognitivos, em especial os de aprendizagem. O segundo plano está ligado à condição cognitiva da aprendizagem, isto é, à presença de estruturas capazes de organizar os estímulos do conhecimento.

O terceiro plano seria o das condições internas da aprendizagem e está ligado à dinâmica do comportamento.

Nesse ponto retomaremos a pesquisa de Wallon, médico, psicólogo que se ocupa do movimento humano dando-lhe uma categoria fundante como instrumento na construção do psiquismo. Isto permite a Wallon relacionar o movimento ao afeto, à emoção, ao meio ambiente e aos hábitos do indivíduo.

A noção de complexo familiar é um dos momentos que mais aproximam Wallon de Lacan, o complexo como ambiência. Para Wallon há um ambiente que cerca o sujeito como envoltório tecendo-o através da linguagem e da fala. E acrescenta: “É preciso compreender que por trás da descarga impulsiva existe a expressão das necessidades múltiplas da criança que reclama afeto, ajuda e compreensão.”

A citação da obra de Wallon, “L’enfant Turbulent” acima nesse trabalho se justifica também pela preocupação central que este psicólogo teve em firmar a especificidade da psicologia, opondo-se a qualquer espécie de reducionismo (organicista ou sociológico) ou ao dualismo "alma e corpo". Wallon não aceitava dissociar o biológico do social.

Ele mostra que, para se conhecer a natureza das funções e suas relações, não basta uma análise neurológica. Mas, a referida análise pode dar referências sobre o desenvolvimento maturacional psicológico que organiza e estrutura as funções orgânicas ao longo da vida. Esse aparato biológico, em estruturação contínua e constante integração com o meio que o estimula, dá condições para a evolução individual dentro do coletivo.

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Por essas razões, as insuficiências psicomotoras não podem ser isoladas do conjunto e o que se observa não é resultante apenas das deficiências em si, mas também, das reações das áreas que não apresentam esse déficit.

Para o diagnóstico psicopedagógico devemos levar em conta as relações dessa criança com os pais primeiros cuidadores. E analisarmos como se deram essas relações desde a gestação. Ao escutarmos a história de vida dessa criança, contada por seus pais, conseguimos estabelecer as necessárias correlações entre a natureza de seus sintomas e suas relações vinculares

A preeminência, da clínica do olhar, na medicina tem como contraponto na psicanálise o estabelecimento de uma clínica da escuta. Era para isso que Wallon já apontava, pois ao pontuar as questões da criança que reclama afeto podemos ler aí uma demanda.

Bergés (2008) nos dirá da importância de analisarmos algumas articulações da obra de Wallon a partir das seguintes questões com relação à hiperatividade:

Porque esta forma tônico-motora de instabilidade mais do que outra forma?

Porque o corpo estará em jogo sob essa forma nessa criança?

Porque hipercinético uma vez que ele poderia encontrar outra coisa?

Um começo de introdução: existe então entre o desenvolvimento cognitivo e o desenvolvimento motor uma articulação que cada um pode constatar. Mas a atividade da criança faz que essa articulação entre os dois, entre a evolução cognitiva e a evolução motora, seja tomada na erotização desta atividade. É a erotização da atividade que faz o motor. Não são somente as estruturas neurofisiológicas ou os neurotransmissores, mas esta atividade erotizada; ela vai se encontrar implicada na repetição que a reproduz. Essa erotização tende a se reproduzir na erotização da ação. Essa reprodução – e aí Wallon disse algo importante- essa reprodução decorre do que Lacan destacou no sujeito aparecendo na imagem especular, ou seja, que é o outro, a mãe que detém as chaves do meu corpo. (p.123)

Tendo em vista o acima exposto e visando articular teoria e prática, sem acentuar ou destacar uma em detrimento da outra, mas sim privilegiar uma direção ética voltada para o sujeito em sua dimensão inconsciente, sua demanda e seu desejo. Pretendemos propiciar uma abertura interdisciplinar produzindo conexões com outros campos de saber.

Isto posto passamos ao próximo capitulo deste trabalho, onde abordaremos as contribuições do olhar psicanalítico ao diagnóstico, tratamento e intervenção psicopedagógica ou de outras áreas psi que auxiliadas por essa escuta psicanalítica busquem aprimorar seus conhecimentos a respeito do sofrimento psíquico e propiciem uma melhora nos sintomas das crianças ditas hiperativas.

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5.0. Contribuições da psicanálise ao diagnóstico e compreensão do sintoma hiperatividade.

5.1. Diagnóstico Psicanalítico

As idéias de Freud realmente germinam no solo do mundo científico do final do século XIX. Segundo Mannoni (1989), ao estudar a histeria, ele:

... Descobre que uma paralisia histérica pode cobrir um território anatômico que contradiz aquilo que poderíamos chamar de cartografia neurológica. Não põe em dúvida absolutamente a verdade e a exatidão da Neurologia, ao contrário. É sobre essa verdade anatômica que irá se fundar. Mas, levantará a hipótese de que há algo imaginário nessas paralisias... É por meio da verdade neurológica que se tenta refutar

as paralisias histéricas (o que não significa curá-las), mas, jamais a Psicanálise tentará refutar a Neurologia... Em presença de uma paralisia, um neurologista deve acabar por achar algo que não funciona em algum lugar na materialidade do sistema nervoso. Freud, pelo contrário, pensa que seria preciso antes olhar para o lado da "imaginação das histéricas." Falando assim, não contradiz em nada a ciência dos neurologistas, ao contrário, fundamenta-se justamente nessa ciência para emitir essa hipótese. (pp. 154-155)

Os pacientes procuram ajuda através de seus sintomas, que podem ser de ordem física, familiar, sexual, profissional, etc. Para a Psicanálise, o sintoma precisa ser apreendido na trama de sua elaboração inconsciente. Assim, o procedimento para a investigação dos processos nos níveis inconscientes tem como modelo a interpretação de sonhos que busca nestes um sentido e é essa decifração de sentido que se impõe, mostrando a importância da linguagem e servindo de paradigma para a apreensão do sintoma.

O objetivo, então, não é diretamente eliminar o sintoma, aliviar rapidamente o mal-estar, corrigir possíveis deficiências, porque ele tem um sentido rigorosamente subjetivo e é portador de uma verdade que precisa ser revelada ou desvendada. A cura do sintoma virá como um desdobramento do próprio processo analítico. Freud (1923 [1922]) 16 estabelece que o objetivo da análise seja capacitar o paciente:

... a poupar a energia mental que está despendendo em conflitos internos, obtendo do paciente o melhor que suas capacidades herdadas permitam, e tornando-o assim tão eficiente e capaz de gozo quanto é possível. Não se visa especificamente à remoção dos sintomas da doença, contudo ela é conseguida, por assim dizer, como um subproduto, se a análise for corretamente efetuada. O analista respeita a individualidade do paciente e não procura remoldá-lo de acordo com suas próprias idéias pessoais, isto é, as do médico; contenta-se em evitar dar conselhos e, em vez disso, em despertar o poder de iniciativa do paciente. (p. 304)

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Quando uma criança é levada ao consultório por seus pais, faz-se necessário investigar de onde procede a queixa, se dos pais, da criança, da instituição de ensino, do pediatra. São de fundamental importância as entrevistas preliminares, as quais já apresentam em alguns casos certa ação terapêutica.

O terapeuta desde o inicio tem um compromisso com a criança e com os pais no sentido de acolhê-los e informá-los a respeito do diagnóstico e do tratamento.

O diagnóstico é uma construção de saber, e como tal, demanda tempo e habilidade do terapeuta.

Infante (2003) traz que:

O sintoma analítico é um nó de sentidos que implica a subjetividade dos pais ou daqueles que se encarregam dos primeiros cuidados com o bebê.O foco de atenção gira em torno do sintoma, porém a importância da função paterna é crucial de ser investigada.

Segundo esse autor, devem ser questionados os seguintes pontos em relação a esses e outros sintomas da infância:

• Há colocação de limites? Como a criança reage a eles?

• A mãe e o pai são capazes de sustentar esses limites para além da resistência da criança ou cedem com facilidade?

• Que idéia se tem sobre disciplina?

• Qual a história dos pais com seus próprios pais?

• Como é a relação do casal? Há inclusão ou exclusão mútua? Há competitividade? Há atribuições claras e identificadas?

• A mãe/pai considera a palavra do pai/mãe ou a sabota?

• A criança é campo de disputa entre os pais? Protegem a criança um do outro? Sustentam a ordem um do outro ou se desautorizam?

• Como a criança responde a essas situações: faz uso, fica confusa, dividida ou ignora?(p.783)

Acrescentaríamos a essas questões em torno da clínica ainda outras como:

Como os pais lidam com a hiperatividade de seu filho (a)? Eles o acham normal? Acham-no insuportável? Tem vergonha de seu filho?

Culpam seu filho (a) pelos desentendimentos do casal? Justificam seu comportamento fazendo uso desse rótulo?

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Ora, quem de fato deveria falar sobre sua hipercinese, é a própria criança, desde que, seja oferecido a ela esse espaço ela certamente fará uso da palavra.

Devemos ouvir nas entrevistas preliminares aquilo que Pain (1992) pede para investigarmos a respeito do motivo da consulta, buscar o significado do sintoma para a família e também o significado do sintoma na família.

Para tal é imprescindível que esse profissional, no caso o analista busque ouvir seu paciente, ouvir os pais de seu paciente, buscar analisar por que via esse paciente chegou até ao consultório. Quem o encaminhou? A escola, o pediatra, um psicólogo? Ele chegou até nós após a leitura de um artigo em revista, um programa de televisão que seus pais assistiram? Há uma questão familiar?

Isso demonstra o tipo de vínculo que o paciente pretende estabelecer ao colocar o problema como próprio ou como imposto de fora.

Ouvir sua história vital contada por ele mesmo e por seus pais. Saber como se relaciona com seus familiares, que lugar ocupa nessa família e como lida com isso. Saber como o paciente se relaciona com seu sintoma e que uso faz dele.

Discorrer sobre a família ou qualquer outra instituição remete ao problema da relação do ser humano com a lei.

Uma lei, para ser respeitada, precisa ter potência de interdição. Na concepção freudiana, para a resolução do Édipo é necessário o temor à castração. É a partir da aceitação das regras e interdições que o desejo pode se estruturar, integrando o sujeito no circuito social. O momento atual não facilita esta elaboração, deixando livre acesso aos impulsos primitivos.

Nas palavras de Hélio Pellegrino: “A ruptura com o pacto social, em virtude de sociopatia grave como é o caso brasileiro, pode implicar a ruptura, ao nível do inconsciente, com o pacto edípico. Não nos esqueçamos que o pai é o primeiro e fundamental representante, junto à criança da Lei da Cultura. Se ocorre, por retroação, tal ruptura, fica destruída, no mundo interno o significante paterno, o Nome-do-Pai, e, em conseqüência, o lugar da lei. Tal desastre psíquico vai implicar o rompimento da barreira que impedia em nome da lei a emergência dos impulsos delinqüenciais pré-edípicos, predatórios, parricidas, homicidas e incestuosos. Assistimos a uma verdadeira volta do recalcado. Tudo aquilo que ficou reprimido ou suprimido em nome do pacto com o pai, vem à tona, sob forma de conduta delinqüente e anti-social.”

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Severino (2007) 17 aborda a trajetória das Ciências Humanas trazendo que em sua gênese essas ciências procuraram praticar a metodologia experimental/matemática da ciência, assumindo os pressupostos ontológicos e epistemológicos do Positivismo.

No entanto, o ser humano é portador de suas peculiaridades, e como diz Edgar Morin o ser humano é um homo complexus e a metodologia positivista se viu insuficiente para apreendê-lo e explicá-lo. Mesmo sem abandonar a tradição positivista as Ciências Humanas foram enriquecendo-a e aprimorando-a. E é Severino que continua a nos orientar nesse percurso quando diz:

O Estruturalismo é outra corrente epistemológica, também inserida na tradição positivista, que muito marcou as Ciências Humanas, Tendo como referencia fundamental a obra de Claude Lévi-Strauss. Na verdade, teve sua origem mais imediata nos trabalhos de lingüística desenvolvidos por Saussure, ao mostrar que a língua é de fato um sistema de signos que funciona independentemente das intervenções eventuais dos sujeitos. Esta idéia de que a estrutura é um micro-sistema anterior à intervenção histórica dos sujeitos acabou se generalizando para todo o âmbito da cultura, vista como um grande sistema de comunicação, como um grande sistema de signos, portador de suas leis e regras gerais que definem apriorísticamente, as ações dos sujeitos. (p.113)

Citamos o estruturalismo, pois, foi a partir dele que pensadores como Lévi-Strauss, Foucault e Jaques Lacan lançaram luz à questão do homem e de sua forma de vida social. Apoiados no pressuposto de que todas as formas de vida social se organizam sob o modelo de sistemas estruturados, sempre de acordo com regras de ordenação e de transformação.

De onde deriva a psicanálise? Deriva da ciência nos dirá Elia (2000).

Mas se a psicanálise deriva da ciência, não se reduz a ela, operando segundo esse autor em relação ao passo inaugural da ciência, um corte, um rompimento discursivo, para cujo entendimento a noção de sujeito é a chave fundamental, porquanto é em relação à posição dessa noção em cada um desses dois campos discursivos, o da ciência e o da psicanálise, onde melhor se esclarecem as relações entre esses campos. E continua:

Foi o pensamento de Lacan que trouxe as condições epistemológicas para este esclarecimento. Freud aspirava a que a psicanálise viesse a ser reconhecida como uma ciência. Nesse sentido, ele nutria o Ideal de Ciência, como dirá Jean Claude Milner, o que significa que ele não podia do ponto em que se situava, como fundador da psicanálise, tirar todas as conseqüências de seu passo.

Lacan coloca para a ciência a questão: “que ciência poderia incluir a psicanálise?”, demonstrando com isso que é a psicanálise que coloca para a ciência uma questão, precisamente a de ter reintroduzido o sujeito na cena discursiva em que a ciência ao fundar-se, o situou e da qual, no mesmo golpe, o excluiu. (p.20)

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A psicanálise se propõe ir além do que se manifesta no visível. A escuta daria acesso a algo inapreensível pelo olhar da clínica médica. Antes de tudo a psicanálise é a clínica do sujeito, de um sujeito que não pode se perceber como tal. A hipótese do inconsciente supõe um sujeito que não é senhor de si próprio. Uma parte dele escapa. Ele é, por estrutura, divido. Arsemet (2003: 09)

Lévy (2008) trata sobre a especificidade do sintoma na criança trazendo como contribuição a nossa reflexão as seguintes questões com base em textos freudianos como A Psicopatologia da Vida Cotidiana:

Inicialmente poderíamos abordar a questão de saber o que é um sintoma na criança, questão que Freud estudou com precisão esperando que a resposta o levasse a esclarecer ao mesmo tempo a formação de todos os sintomas neuróticos: “É bem possível que o esquecimento infantil nos dê o meio de compreender as amnésias que, segundo nossos conhecimentos mais recentes, estão na base da formação de todos os sintomas neuróticos”.

Desde o início de sua obra Freud define o sintoma como a etapa final da doença; é uma função de compromisso resultante de um conflito que resultou numa defesa mal sucedida. O que é para ser recalcado se impõe ou retrocede. O problema todo é então colocado em termos de capacidade do recalque em exercer seu papel. Freud distingue dois períodos da vida: de 8 a 10 anos e de 13 a 17 anos aproximadamente que são os momentos em que o recalque se produz. (p.58)

Para compreendermos o sentido dos sintomas recorreremos a Freud em sua conferência XVII questionando-se: “Afinal qual o sentido de tudo isso? Atos falhos, sonhos e as parapraxias, os sintomas neuróticos, se relacionam e tem intima conexão com as experiências do paciente.”

Em Psicopatologia da vida cotidiana, lembramos que Freud encara o sintoma com base no princípio do sonho ou do ato falho, isto é, com base no princípio de uma formação inconsciente na qual os mecanismos de deslocamento e de condensação estão em funcionamento, do mesmo modo que nas outras formações do inconsciente.

Assim “os sintomas neuróticos e os atos falhos têm em comum o fato de reduzirem-se a materiais psíquicos incompletamente recalcados e que mesmo reduzirem-sendo recalcados pelo consciente, não perderam toda possibilidade de se manifestar e de se expressar”

Em seguida, no texto A interpretação dos sonhos ele dirá, “A fuga diante da dor nos apresenta o modelo e o primeiro exemplo de recalque psíquico.”

Nesse mesmo texto Freud (1900, 1901), quando nenhum de nossos eminentes cientistas acima descritos ainda pensavam em estudar as relações do aparelho psíquico com as descargas motoras, postula a seguinte teoria:

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28 livre de estímulos quanto possível; conseqüentemente, sua primeira estrutura seguia o projeto de um aparelho reflexo, de modo que qualquer excitação sensorial que incidisse nele podia ser prontamente descarregada por uma via motora. Mas as exigências da vida interferem nessa função simples e é também a elas que o aparelho deve o ímpeto para seu desenvolvimento posterior. As exigências da vida confrontam-no, primeiramente, sob a forma das grandes necessidades somáticas. As excitações produzidas pelas necessidades internas buscam descarga no movimento, que pode ser descrito como uma “modificação interna” ou uma “expressão emocional”. O bebê faminto grita ou dá pontapés, inerme. Mas a situação permanece inalterada, pois a excitação proveniente de uma necessidade interna não se deve a uma força que produza um impacto momentâneo, mas a uma força que está continuamente em ação. Só pode haver mudança quando, de uma maneira ou de outra (no caso do bebê, através do auxílio externo) chega-se a uma “vivencia de satisfação” que põe fim ao estímulo interno.

“Já exploramos a ficção de um aparelho psíquico primitivo cujas atividades são reguladas pelo esforço de evitar um acúmulo de excitação e de se manter, tanto quanto possível, sem excitação. Por isso ele foi construído segundo o esquema de um aparelho reflexo. A motilidade, que é em primeiro lugar um meio de promover alterações internas do corpo, está à sua disposição como via de descarga. Discutimos as conseqüências psíquicas de uma “vivencia de satisfação” e a isso já pudemos acrescentar uma segunda hipótese, no sentido de que o acúmulo de excitação (acarretado de diversas maneiras de que não precisamos ocupar-nos) é vivido com desprazer, e coloca o aparelho em ação com vistas a repetir a vivência de satisfação, que envolveu um decréscimo da excitação e foi sentida como prazer. A esse tipo de corrente no interior do aparelho partindo do desprazer e apontando para o prazer, demos o nome de desejo. ”(p. 515, 516)

Mais adiante Freud é enfático em sua posição em seu texto O sentido dos sintomas

Que atitude a psiquiatria contemporânea adota em relação aos problemas da neurose obsessiva. Está aí um capítulo árido. A psiquiatria dá nomes às diferentes obsessões, mas não diz nada mais acerca das mesmas. Por outro lado insistem em que são degenerados aqueles sofrem desses sintomas. Isto proporciona pouca satisfação; de fato, é um juízo de valor _ uma condenação, em vez de uma explicação.

... A psiquiatria pouco se preocupa com as formas de manifestação e com o conteúdo de cada sintoma; A psicanálise dá atenção tanto a um quanto a outro desses dois aspectos e consegue estabelecer que cada sintoma tem um sentido e que está ligado à vida intima dos pacientes. (p.308, 309)

Em Psicanálise e Psiquiatria, Freud não inviabiliza o convívio entre os saberes apesar de reconhecer e sustentar suas diferenças. Nesse artigo, ele indaga se o fator hereditário contradiz a importância da experiência, do sofrimento que o paciente apresenta.

Compara o relacionamento da Psicanálise com a Psiquiatria com o da histologia e o da anatomia, dizendo que, se há algo na natureza do trabalho psiquiátrico que pode se opuser à investigação psicanalítica, “não é a Psiquiatria, mas os psiquiatras” (FREUD [1917], 1976).

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ocultar a real diferença entre o organismo biológico e o corpo da realidade psíquica. A linguagem universalizante dos manuais das doenças mentais, DSM, funciona como barreira à fala: é abstrata e confirma um saber sem sujeito, portanto sem passado. A fala é lugar da verdade do sujeito, de sua linhagem genealógica, singular e insubstituível.

Se a pergunta de Freud era pertinente em sua época, o que dizer da psiquiatria de hoje, que tende a observar a reação do paciente somente para catalogar transtornos e, a partir deles, acertar ou ajustar a medicação? A ênfase já não recai na relação entre os elementos, classicamente tão importante para a confirmação diagnóstica. Como parte da Medicina, a especialização psiquiátrica em nossos dias adere ao conceito de que a doença é uma desordem biológica inscrita nos genes. Resta perguntar qual lugar a Psiquiatria está decidindo ocupar hoje?

A tendência contemporânea de entender a doença mental como uma determinação orgânica, não apenas é fortalecida pelas neurociências, sobre o funcionamento do sistema nervoso central nos níveis dos neurotransmissores cerebrais, no campo da genética, mas também coincide com o grande número de novos psicofármacos presentes no mercado. Assim, a escolha do medicamento a ser prescrito atende a certos objetivos: inibir, excitar ou estabilizar oscomportamentos no que se refere ao humor, à agressividade, à apatia, à depressão ou aochamado estresse, — de forma a tornar a pessoa socialmente aceitável ou, então, para reativá-la, a fim de que prossiga suas atividades cotidianas. Como o tratamento é meramente sintomático, enquanto tomar o remédio, a pessoa estará protegida de comportamentos “indesejáveis”. Só se pode lamentar o crescente desaparecimento de uma Psiquiatria mais clínica, que sustentasse a tradição da Psiquiatria dinâmica, conservando a experiência de aproximação com o paciente, na escuta, no diagnóstico, na evolução e no atendimento ao paciente, sem deixar de lado a prescrição, quandonecessária. Pode-se pensar quanto o uso do medicamento pode ser bem-indicado, queincidir na dor não significa anestesiar ou drogar, até porque a questão da dor é tãocomplexa que solicita múltiplas respostas (GUIOMARD, 2000). Lacan (1975) retoma Freud ao dizer que seu domínio é o da verdade do sujeito. E acrescenta:

“A pesquisa da verdade não é redutível a pesquisa objetiva, e mesmo objetivante do método científico comum. Trata-se da realização da verdade do sujeito, como de uma dimensão própria que deve ser destacada na sua originalidade em relação à noção mesma da realidade.” (p.31)

A psicopedagogia clínica, de orientação psicanalítica, nos dirá que o diagnóstico é um processo no qual se procura encontrar o sentido histórico subjetivo das dificuldades de cada criança e sua singularidade manifesta no ambiente escolar. Eu acrescentaria que esse mapeamento histórico seria impossível sem o desejo do analista e sem uma formação psicanalítica que o sustente.

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los como sujeitos com diferentes possibilidades, que estão atravessando momentos difíceis? O que querem os pais quando, depois de peregrinarem por diversos especialistas, após a leitura exaustiva de bibliografias médicas muitas delas incompreensíveis, nos apresentam seus filhos-rótulos?

Freud (1916-1917), em suas Conferências Introdutórias, ao nos falar sobre as resistências irá dizer que uma das estratégias das quais fazem uso os pacientes é justamente a resistência intelectual ao tratamento psicanalítico de seus sintomas. Esses pacientes lutam com argumentos, objeções que assaltam nossos ouvidos, em coro a bibliografia científica referente àquilo que julgam ser sua doença.

Isso nos remete aos nossos pacientes que já adentram o consultório se dizendo TDAH. Ou àqueles pais que, segundo Gorodiscy, apresentam seu filho TDA ao terapeuta sem sequer lhe dizer o nome. Mas já trazendo o filho assim nomeado e rotulado. Bradando à destra com uma revista, livro ou reportagem em mãos, afirmam que seu filho é portador de tal doença.

É bom lembrarmos que uma palavra não é um conceito. Um conceito é uma denominação e uma definição; é um nome dotado de um sentido capaz de interpretar as experiências e observações, sendo que sua importância é medida por seu valor operatório, ou seja, pelo papel que desempenha na direção das experiências que permite interpretar.

No entanto, diferentemente do discurso da ciência, os conceitos não bastam ao discurso analítico, o qual, para operar, depende também do desejo do psicanalista. Lacan, apud Cirino (2001), nos ensina que devemos distinguir “severamente” o sujeito que interessa à psicanálise- o sujeito do inconsciente, o sujeito do significante- tanto do “indivíduo biológico quanto de qualquer evolução psicológica classificável como objeto de compreensão.”

Myssior (2003) 18 contribui com nossa reflexão quando diz que o que a psicanálise poderia contribuir para a clínica da criança é a de uma escuta que vá além da ordem biológica, para uma clínica que não se limite a intervir no organismo. Uma clínica que considere a subjetividade da criança nisso que ela apresenta como um sintoma. Para tanto, nos parece necessário resgatar e diferenciar as dimensões em que o ser se constitui em sujeito.

O objetivo nesse capítulo é trabalhar a hiperatividade com olhar psicanalítico e buscar nessa teoria um eixo norteador que possibilite compreender a hiperatividade do lugar do sujeito que se expressa através desse corpo. Para tal, já começamos pelas Conferências Introdutórias, a revisar a posição freudiana a respeito dos sintomas; adiante faremos uso da conferência XXI, O desenvolvimento da libido e as organizações sexuais, onde Freud já assinalará que a mãe é o primeiro objeto de

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