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BRASILEIRA. Reforma Tributária. [orgs.]

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Academic year: 2022

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[orgs.]

Ivan Luduvice Cunha Marcelo Hugo de Oliveira Campos Paulo Honório de Castro Júnior Rogério Abdala Bittencourt Júnior

BRASILEIRA Reforma Tributária

Prefácio por Rodrigo Otávio Soares Pacheco Senador da República

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Plácido Arraes Tales Leon de Marco Bárbara Rodrigues Nathalia Torres

Imagem por Denise Jans via Unsplash [modificada]

Enzo Zaqueu Prates Nathalia Torres Editor Chefe

Editor Produtora Editorial Capa, projeto gráfico

Diagramação

Todos os direitos reservados.

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, por quaisquer meios, sem a autorização prévia do Grupo D’Plácido.

Catalogação na Publicação (CIP) Ficha catalográfica

Reforma Tributária Brasileira. CUNHA, Ivan Luduvice; CAMPOS, Marcelo Hugo de Oliveira;

CASTRO JÚNIOR, Paulo Honório de; BITTENCOURT JÚNIOR, Rogério Abdala.

[Orgs.] -- Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019.

1084 p.

ISBN: XXX-XX-XXXX-XXX-X 1. Direito. 2. Direito Tributário. I. Título.

CDD341.39 CDU340

W W W . E D I T O R A D P L A C I D O . C O M . B R Belo Horizonte

Av. Brasil, 1843, Savassi, Belo Horizonte, MG Tel.: 31 3261 2801 CEP 30140-007

São Paulo Av. Paulista, 2444, 8º andar, cj 82 Bela Vista – São Paulo, SP CEP 01310-933

Copyright © 2019, D’Plácido Editora.

Copyright © 2019, Os Autores.

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9 A reforma tributária e a tributação da economia digital

P a u l o H o n ó r i o d e C a s t ro J ú n i o r J h o n y t a n M a r k d a S i l v a

1. Introdução

A necessidade de uma reforma tributária no contexto brasileiro é justificada por diversas razões:

a) Crise do federalismo fiscal

Os entes subnacionais chegaram ao limite do colapso finan- ceiro. O federalismo fiscal, desenhado pela Constituição para ser cooperativo e equilibrado, foi se tornando competitivo e desequilibrado, concentrando recursos e poder na União em detrimento dos entes periféricos.

É preciso rever, portanto, as bases do federalismo fiscal, no que se inclui a (re)distribuição de competências tributárias e a forma como os entes federativos distribuem entre si e gerem os recursos arrecadados.

b) Incapacidade de capturar, com segurança jurídica, as bases da eco- nomia digital

O modelo tributário nacional, pensado e estruturado na década de 60 do século passado, estrutura-se em regras de competência que denotam conceitos, limitando o poder de tributar dos entes federativos em torno de noções rígidas. Os conceitos escolhidos refletiam os principais signos presuntivos de capacidade contri- butiva presentes naquela época (circulação de mercadoria, prestação de serviço, transmissão de propriedade imobiliária etc.). A economia digital desafia frontalmente esse modelo, na medida em que os conceitos de mercadoria e serviço, por exemplo, mesclam-se ou se tornam irrelevantes frente às utilidades que são objeto das transações digitais. Ademais, as noções clássicas de estabeleci-

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mento e de residência fiscal não são adequadas à nova realidade econômica, em que empresas com presença digital significativa em uma jurisdição podem não ser contribuintes.

O problema não é brasileiro, e sim global. Mas, aqui, lei comple- mentar deveria resolver os conflitos de competência (ICMS x ISSQN, por exemplo), havendo iniciativas nesse sentido, como a LC nº 157/2016, que são, todavia, insuficientes. Isso aumenta a complexidade do sistema e causa insegurança jurídica, exigindo do Poder Judiciário respostas, sempre demoradas, que deveriam ser dadas pelo Poder Legislativo.

Isso demonstra a falência do modelo e torna imperativa uma reforma tributária.

c) Há um movimento global por reformas e por harmonização das legislações tributárias

Tarcísio Magalhães1 aponta que a era da “modernidade líquida”

representa uma ruptura com o “princípio da territorialidade”

(source taxation). Conforme o autor2, em um verdadeiro “tribu- te-me se for capaz” (vide o relatório3 “Tax Us If You Can”), a mobilidade do capital trouxe consigo a mobilidade (ou levou à fuga) de tributos.

Conforme Onofre Batista4, a solução para a guerra fiscal que se implementou com a “modernidade líquida” depende de “uma ação coordenada dos Estados nacionais”. Não há consenso sobre como se deve tributar a economia globalizada em que o capital voa, muito menos a economia digital. Reuven S. Avi-Yaonah5 entende que a solução está na coordenação de regimes por meio de organizações como a OCDE: “The key to finding a solution to the tax competition problem is to attack it on a broad multilateral basis, through an organization such as OECD.”

Hoje o Brasil possui a quinta maior alíquota nominal (34%) de imposto de renda corporativo do mundo6 e, segundo da- dos recentes, 166 países empregariam tributos na modalidade

1 MAGALHÃES, Tarcísio Diniz. Governança Tributária Global: limitações externas ao poder de tributar (e de não tributar) na pós-modernidade. Belo Horizonte: Arraes, 2016, p. 36.

2 MAGALHÃES, Tarcísio Diniz. Governança Tributária Global ..., cit., p. 38.

3 Cf. TJN. Tax us if you can. 2ª ed. TJN, 2012.

4 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. O outro Leviatã e corrida ao fundo do poço. São Paulo: Almedina, 2015, p. 308.

5 AVI-YAONAH, Reuven S. Globalization and tax competition: implications for developing countries. Cepal Review, Washington, D.C.; Cambridge, n. 74, p. 64.

6 Cf. << https://www.oecd.org/tax/tax-policy/tax-database/ >> Acesso em 13.10.2019.

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IVA – Imposto sobre Valor Agregado7, grupo este que não é composto pelo Brasil.

Em março de 2018 a OCDE publicou o relatório “Tax Challenges Arising from Digitalization — Interim Report 2018” e, no mesmo mês, a Comissão Europeia publicou duas diretivas sobre a tribu- tação da economia digital, sendo a primeira relativa à criação, no curto prazo, de um imposto sobre serviços digitais (DST – Digital Services Tax) e, a segunda, de longo prazo, relativa à tributação de receitas a partir da noção de presença digital significativa (Signifi- cant Digital Presence), que seria uma referência alternativa à noção clássica de estabelecimento e de residência fiscal.

Considerando os três elementos justificadores de uma reforma tributária vistos acima, o presente estudo tem os objetivos de (i) apre- sentar o debate global sobre a tributação da economia digital e (ii) investigar criticamente os textos das principais propostas de reforma em trâmite no Congresso, formulando contribuições para que os projetos sejam aperfeiçoados.

2. A economia digital e seus desafios

A recente expansão mundial do número de usuários das platafor- mas digitais contribuiu para uma interação global sem precedentes. Os agentes econômicos notaram com rapidez o amplo mercado que surgia no cenário da sociedade de informação digital, adaptando suas estruturas a esse novo contexto.

Os bens incorpóreos (intangíveis) dominaram o comércio eletrô- nico. Com o aprimoramento da internet, além da venda de produtos e serviços pelo mercado digital, passou-se a consumir esses mesmos itens pelo próprio sistema eletrônico, vide músicas, filmes e jogos, permitindo um intenso fluxo de dados (pessoais, financeiros etc.).

Esse ambiente inovador deu nascimento a modelos econômicos importantes, como a computação na nuvem, transmissão de conteúdo digital pela internet, nanotecnologia, impressoras 3D, moedas virtuais, marketplaces, dentre outros.

Presencia-se, nesse cenário, uma (r)evolução, que transforma, de maneira acelerada, a sociedade e a forma pela qual as pessoas se relacio- nam e se comunicam.

7 Cf. Consumption Tax Trends 2018: VAT/GST and excise rates, trends and policy issues.

Consumption Tax Trends. Secretary-General of the OECD. 2016.

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A economia digital cresce 2,5 vezes mais rápido do que a economia tradicional. Em 2025, representará US$ 23 trilhões. No Brasil, a proje- ção é a mesma e a economia digital, em 2021, deve representar 25% de todo o Produto Interno Bruto8. A percepção do impacto da economia digital não demanda grandes esforços, na medida em que as principais companhias privadas do mundo operam no campo da economia digital, como Apple, Microsoft e Facebook.

Nessa circunstância, é esperado que surjam problemas decorrentes da necessidade de interpretar os sistemas jurídicos, pensados e criados em outro cenário de relações econômicas e interpessoais. Ainda não somos capazes de abarcar e muito menos de gerir essa nova realidade, inclusive sob a perspectiva do Direito.

Esse avanço impõe grandes desafios às legislações, as quais, por sua vez, foram moldadas a partir da economia e negócios jurídicos tradicio- nais, parametrizadas na localização física dos contribuintes (residência), na origem dos rendimentos (fonte) e, principalmente, na ação humana de executar ou conceder algo. Por exemplo, grandes, médias e pequenas corporações conseguem operar e interagir com consumidores ao redor do globo, sem possuírem estabelecimentos em cada país onde seus produtos e serviços são consumidos, desafiando noções clássicas de residência e de estabelecimento permanente.

Conforme Schoueri9, as transações envolvendo o mercado da inter- net, em muitos casos, conciliam a venda de mercadorias com prestações de serviços, em negócios jurídicos complexos e de difícil caracterização.

Trata-se sobretudo de um desafio conceitual: alocar o que é real ou virtual, para definição do momento de ocorrência do fato gerador tributário, bem como da competência tributária. Esse é o caso, por exemplo, da discussão que permeia situações de cloud computing (Iaas, PaaS e SaaS), sharing economy e over-the-top services, que podem ser assim sintetizados:

a) Cloud computing (computação na nuvem): fornecimento de serviços de computação pela nuvem (internet), incluindo ser- viços de inteligência, armazenamento e banco de dados;

8 Disponível em << http://www.mbc.org.br/portal/importancia-da-economia-di- gital-para-o-brasil/ >>. Acesso em 12.10.2019.

9 SCHOUERI, Luís Eduardo; GALDINO, Guilherme. Internet das coisas à luz do ICMS e do ISS: entre mercadoria, prestação de serviço de comunicação e serviço de valor adicionado. In: FARIA, Renato Vilela; SILVEIRA, Ricardo Maitto da; MONTEIRO, Alexandre Luiz M. R. Tributação da Economia Digital: desafios no Brasil, experiências e novas perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2018, pp. 245-268.

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b) Sharing economy (economia colaborativa): sistema socioe- conômico por meio da prática de recursos humanos e físicos (Crowdsourcing), permitindo o comércio compartilhado e o con- sumo de bens e serviços por diferentes pessoas e organizações;

c) Over-the-top-services: entrega de conteúdo de mídia eletrônica por meio de plataformas digitais, utilizando-se da infraestrutura dos sistemas das empresas provedoras de internet.

O conceito de estabelecimento permanente, que representa um dos pilares em matéria de tributação, também vem sendo desafiado. Trata-se de aferir qual(is) jurisdição(ões) possui(em) o direito de tributar os lucros, receitas, transações e o patrimônio de uma empresa. Com base no con- ceito clássico de estabelecimento permanente, há um forte estímulo para empresas de tecnologia deslocarem seus estabelecimentos a jurisdições com tributação favorecida.

Nesse cenário, busca-se identificar a seguir como a reforma tributária brasileira pode solucionar os desafios fiscais decorrentes da economia digital.

3. A ação nº 1 do projeto BEPS

A integração entre os mercados e a economia das nações permite a utilização, pelos contribuintes, de lacunas no sistema tributário de diversos países, com o intuito de obter economia fiscal.

Nesse contexto é que o Projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) foi iniciado, em 2013, pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Foram levantadas quinze ações, já objeto de relatórios finais e que se estruturam em três pilares: (i) introdução de coerência nas regras nacionais que afetam atividades transfronteiriças; (ii) reforço de requisitos essenciais nas normas internacionais existentes; e (iii) melhora da transparência e da segurança jurídica.

Entre os vários assuntos abordados pelo Projeto, encontra-se a Ação nº 1 (Adressing the Tax Challenges of the Digital Economy), focada exatamente nos desafios fiscais decorrentes da economia digital.

O relatório final deixa claro o cenário enfrentado pela tributação internacional em função do crescimento da economia digital, uma vez que esse modelo permite aos contribuintes explorar os limites do planeja- mento tributário, gerando benefícios a grupos multinacionais em função da redução da carga tributária global. A Ação nº 1 se propõe, portanto, a estruturar novos mecanismos fiscais capazes de lidar com esse contexto.

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A Ação nº 1 tem seu enfoque (i) no deslocamento de estabele- cimentos para países de baixa ou nula tributação, (ii) na ausência de regulamentação sobre a transação de intangíveis e (iii) na definição dos sujeitos ativos (jurisdições) ou entes competentes para tributar o lucro.

Segundo Schoueri10, os Estados tendem a manter seus critérios de tributação baseados na presença física e a não conferir tratamento tri- butário distinto à economia digital, o que inviabiliza a captura de suas bases pela fiscalidade:

No âmbito do BEPS, deve-se ver que os Estados fincam o pé nos atuais critérios de tributação, baseados na presença física (estabelecimento permanente) e ao mesmo tempo se propõem a não conferir um tratamento diverso ao comércio virtual, en- tão a própria tributação da economia virtual se torna inviável.

O autor consigna que a opção adequada seria estabelecer novos critérios para a tributação, desvinculados da presença física, para, então, estender-se à economia digital. As regras que vigoram não são sufi- cientes para conter a erosão das bases, já que que o fluxo de capital, em razão da sua facilitada mobilidade, é intenso e foge dos padrões previamente conhecidos.

Não é distinto o cenário nos ordenamentos internos, que não se encontram adaptados aos novos modelos de negócio, em especial para abarcar e regular o comércio de intangíveis.

É por esse motivo que a Ação nº 1 propõe que a revolução digital seja acompanhada de uma revolução tributária, capaz de seguir o surgi- mento de novas bases tributáveis. Para tanto, a OCDE propõe que sejam adotados quatro princípios para a solução dos problemas provenientes da economia digital, que podem ser assim sistematizados: 1) neutralidade;

2) eficiência; 3) certeza e simplicidade; 4) efetividade e justiça; 5) flexi- bilidade e sustentabilidade; e 6) proporcionalidade.

Ante esses preceitos, a OCDE, por meio da Ação nº 1, delineou algumas soluções de combate ao risco de BEPS na economia digital. Su- gere-se, de início, que seja criado um tributo específico para esse cenário tecnológico (digital tax), que incida sobre bens e serviços exclusivamente comercializados nesse mercado, nos âmbitos nacional e internacional.

Aconselha-se, nos casos de transferência de dados, a criação do “bit tax”,

10 SCHOEURI, Luís Eduardo. A Tributação Internacional na era Pós-BEPS. São Paulo:

Editora Lumen Juris, 2016, p. 31-32.

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cuja quantificação se daria pela razão de dados utilizados pelos websites, que deveria ser tratado como despesa necessária para fins de dedução na apuração do imposto de renda.

Em complemento, busca-se fomentar a revisão dos tratados antibi- tributação, meio pelo qual se pretende evitar maiores perdas decorrentes do planejamento tributário agressivo no campo do mercado digital.

Não foge à análise da OCDE a discussão quanto ao conceito de estabelecimento permanente. Expôs-se no relatório da Ação nº 1 que até o local que sirva de depósito para bens a serem comercializados por meio da internet deve ser, para fins tributários, enquadrado como estabelecimento permanente. É o caso de empresas de e-commerce que, não raro, constituem tais depósitos nas jurisdições onde seus bens serão consumidos, ainda que ali não se pratique, propriamente, nenhuma transação comercial.

Manifesta-se a OCDE favorável à tributação na fonte sobre royalties e intangíveis, bem como afirma ser prudente que os Estados ajustem suas legislações para inserirem um maior detalhamento das regras de preços de transferência relativas a esses mesmos bens, visando a evitar a manutenção de práticas elisivas no cenário da economia digital.

A OCDE contempla, também, orientações pertinentes à revisão das normas de tributação de controladas no exterior (CFC), adequando-as à economia digital.

4. O debate global acerca da tributação da economia digital

O Congresso dos Estados Unidos, em 1998, ao disciplinar a ativi- dade tributária presente na era da internet, por meio da instituição do Internet Tax Freedom Act – ITFA, promulgada em 1998, implementou uma

“moratória” ou isenção, de três anos, impedindo os governos estaduais e locais de tributar o acesso à internet ou impor impostos múltiplos ou discriminatórios sobre o comércio eletrônico. Além da moratória, uma regra foi incluída no ITFA que permitia aos estados que já haviam instituído e cobrado tributos sobre o acesso à internet, antes de 1º de outubro de 1998, a continuar cobrando esses tributos (grandfather clause)11. Na versão original do ITFA, a moratória e a grandfather clause eram regras provisórias. Com a aprovação da Trade Facilitation and Trade En-

11 Cf. << https://fas.org/sgp/crs/misc/R43772.pdf >>. Acesso em 13.10.2019.

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forcement Act, de 2015 (P.L. 114-125), a moratória sobre a tributação do acesso à internet foi estendida permanentemente, enquanto a grandfather clause foi prorrogada até 30 de junho de 2020.

Por outro lado, a Comissão de Ciência e Tecnologia para o Desenvol- vimento das Nações Unidas (CSTD), em 2014, asseverou a importância das discussões concernentes à tributação da internet, dada a crise financeira de 2008, que assolou as principais economias do mundo. Nesse contexto, diversos países visualizaram a economia digital como uma nova fonte de arrecadação, razão pela qual o tema se tornou uma das principais pautas nas agendas internacionais12.

Em relação à tributação sobre o consumo, os impostos do tipo valor acrescido, com a garantia de crédito financeiro (IVA)13, foram amplamente difundidos desde sua criação pela França, em 1954. Segundo dados re- centes, 166 países empregariam tributos na modalidade IVA – Imposto sobre Valor Agregado14, grupo este que (ainda) não é composto pelo Brasil.

A experiência internacional demonstra que esse tipo de tributo não é imune aos desafios impostos pela economia digital, principalmente no que se refere a intangíveis.

Na União Europeia, o imposto sobre o valor acrescido (IVA) classi- fica, em regra, os bens intangíveis como serviços. Eis o que se extrai do Anexo II da Diretiva 2006/112/CE do Conselho da União Europeia15:

LISTA INDICATIVA DOS SERVIÇOS PRESTADOS POR VIA ELECTRÓNICA A QUE SE REFERE A ALÍNEA K) DO Nº 1 DO ARTIGO 56. 1) Fornecimento de sítios infor- máticos, domiciliação de páginas Web, manutenção à distância de programas e equipamentos; 2) Fornecimento de programas informáticos e respectiva actualização; 3) Fornecimento de imagens, textos e informações, e disponibilização de bases de dados; 4) Fornecimento de música, filmes e jogos, incluindo jogos de azar e a dinheiro, e de emissões ou manifestações po- líticas, culturais, artísticas, desportivas, científicas ou de lazer; 5) Prestação de serviços de ensino à distância.

12 OCDE. Addressing the Tax Challenges of the Digital Economy, Action 1 - 2015 Final Report, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project. Paris: OECD Publishing.

2015, p. 16.

13 Cf. Rubens Gomes de Sousa. Os Impostos sobre o valor acrescido no sistema tri- butário. In Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, vol. 110.

14 Cf. Consumption Tax Trends 2018: VAT/GST and excise rates, trends and policy issues.

Consumption Tax Trends. Secretary-General of the OECD. 2016.

15 CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. DIRECTIVA 2006/112/CE DO CON- SELHO. Jornal Oficial da União Europeia. 2006. p. 68.

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O IVA (imposto sobre valor acrescentado) europeu, construído sob a ótica do país de destino, enfrenta inúmeros problemas na era digital, especialmente no comércio internacional de bens e serviços, uma vez que, em regra, essas transações possuem como parte o consumidor nacional e o fornecedor não residente, o que dificulta o recolhimento do tributo.

A exação que pretende gravar o valor acrescido nas operações de uma cadeia produtiva encontra dificuldades para conseguir identificar o momento de incidência e, também, a base tributável, em um cenário mercadológico de constante fluxo de dados entre as jurisdições16.

Marie Lamensch17 sugere, no intuito de superar os desafios da econo- mia digital, a reforma substancial do IVA europeu, com base nos seguintes pilares: a) alteração do tributo para começar a abranger os bens intangíveis de uma forma geral, e não como fornecimento de serviços; b) tributação internacional com base no país do destino; e c) cálculo e recolhimento do IVA por meio de mecanismos completamente automatizados.

A União Europeia, no intuito de fomentar a economia digital, instituiu o “Mini on-stop-shop”, mecanismo que permite ao fornecedor de serviços digitais realizar operações entre os países do bloco, sendo suficiente que possua o registro em um desses países. Com base nessa sistemática, contribui-se para uma melhor comunicação entre os fiscos, uma vez que o país-membro, no qual o fornecedor possua registro, re- passará as informações às demais jurisdições.

Em 2018, a Comissão Europeia publicou diretivas para uma tribu- tação justa e eficiente no âmbito do mercado digital, focando, princi- palmente, na introdução do “Digital Service Tax” (DST) e no conceito de

“estabelecimento permanente digital”.

O DST, com base na última diretiva publicada, pode ser assim es- quematizado:

a) O tributo seria aplicável às empresas com faturamento anual (mundial) superior a 750 milhões de euros, sendo que o fatu- ramento anual com serviços digitais na União Europeia deve ser superior a 50 milhões de euros;

b) A alíquota imposto seria de 3%;

c) O tributo incidiria sobre as seguintes bases:

16 EUROPEAN COMMISSION. Report of the Commission Expert Group on Taxation of the Digital Economy. 2014

17 LAMENSCH, Marie. European value added tax in the digital era: A Critical Analysis and Proposals for Reform. Amsterdam: IBFD, 2015

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i. A alocação de anúncios em uma plataforma digital;

ii. Operação da plataforma digital;

iii. A venda de dados de usuários.

d) Haveria isenção sobre os serviços financeiros fornecidos por entidades financeiras regulamentadas, estendendo-se à venda de dados por essas mesmas entidades regulamentadas;

e) Implementação de uma “sunset clause” e de avaliação, de modo que o DST seria, gradualmente, eliminado, à medida em que fossem criados acordos globais nos parâmetros da OCDE.

O DST seria aplicável a partir de janeiro de 2022. Ocorre que a pro- posta padece de um consenso na União Europeia, em razão da autonomia e soberania fiscal dos países-membros, quanto à sua própria política fiscal.

França18 e Inglaterra19, recentemente, instituíram um “digital tax” para alcançar o acréscimo patrimonial gerado pelas corporações que atuam no mercado digital.

O tributo francês foi dimensionado à alíquota de 3%, sobre as receitas brutas derivadas de atividades digitais, ante a caracterização de os “usuários” franceses terem um papel importante na criação de valor para o prestador. Trata-se tanto de uma forma de (re)distribuição das receitas globais decorrentes da tributação da economia digital, como de um mecanismo de combate a formas de planejamento fiscal. A lei não afeta apenas as empresas digitais, mas, de maneira mais geral, os modelos de negócios digitais.

O imposto francês sobre serviços digitais será cobrado em dois tipos de serviços digitais (apenas):

a) O fornecimento de uma interface digital que permita aos usuários entrar em contatos e interagir com outros (“serviços intermediários”). Existe uma lista de serviços excluídos, como, por exemplo, o fornecimento de conteúdo digital, serviços de comunicação e serviços de pagamento qualificados.

b) A prestação de serviços de publicidade em uma interface digital, com base nos dados coletados sobre os usuários e gerados mediante a consulta dessa interface. A compra e o armazenamento de men-

18 Cf. << https://home.kpmg/us/en/home/insights/2019/07/tnf-france-digital-ser- vices-tax-enacted.html >>. Acesso em 15.10.2019.

19 Cf. << https://www.gov.uk/government/publications/introduction-of-the-new- -digital-services-tax/introduction-of-the-new-digital-services-tax >>. Acesso em 15.10.2019.

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sagens publicitárias, o monitoramento da publicidade e a medição do desempenho, bem como o gerenciamento e a transmissão de dados do usuário também se enquadram nessa categoria (“serviços de publicidade baseados nos dados dos usuários”). Os serviços de publicidade em uma interface digital que não são segmentados com base nos dados do usuário são isentos de impostos.

Empresas - francesas ou estrangeiras - que executam pelo menos um dos dois serviços digitais tributáveis acima estão dentro do escopo do imposto, quando a receita bruta do grupo ao qual pertencerem, propor- cionalizada por esses serviços digitais tributáveis durante o ano calendário, superar as seguintes balizas: (i) 750 milhões de euros para serviços digitais tributáveis fornecidos em todo o mundo; e (ii) 25 milhões de euros para serviços digitais tributáveis fornecidos na França. Ambos os limites devem ser calculados no nível do grupo consolidado.

Quando ambos os limites são excedidos, o valor total das receitas francesas é tributável, sendo considerado o IP do usuário do serviço para determinar-se ter sido ele consumido na França.

Já o imposto britânico será cobrado a partir de abril de 2020, à alí- quota de 2% sobre as receitas de sites de pesquisa, plataformas de mídia social e marketplaces que geram valor a partir de usuários do Reino Unido.

Essas empresas estarão sujeitas ao DST quando a receita mundial do grupo com atividades digitais for superior a 500 milhões de libras e mais de 25 milhões dessas receitas forem provenientes de usuários do Reino Unido. Se as receitas do grupo excederem esses limites, as receitas derivadas de usuários do Reino Unido serão tributadas à 2%. Há um subsídio de 25 milhões de libras, o que significa que as primeiras receitas de 25 milhões de libras de um grupo derivadas de usuários do Reino Unido não estarão sujeitas ao imposto sobre serviços digitais.

Ocorre que a opção escolhida pela comunidade europeia, em especial a França, é alvo de diversas críticas, especialmente em relação a questões envolvendo a soberania e a motivação para a instituição desse tributo.

Parte do problema decorre da ideia de que as empresas que operam no mercado digital, em tese, enfrentariam taxas tributárias efetivas médias inferiores a metade do que as empresas tradicionais se sujeitam.

No entanto, conforme informação extraída do centro de estudos

“Tax Foundation”, uma análise feita pela “European Centre for Internations Policital Economy (ECIPE)20, averiguou que a indústria digital, na verdade,

20 Disponível em << https://taxfoundation.org/eu-digital-tax-criticisms/ >>. Acesso em 13.10.2019.

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recolhe ao fisco valores ligeiramente superiores às quantias desembolsadas por empresas que atuam na economia tradicional:

Outro problema enfrentado pela instituição do DST é a sua base de cálculo, que incide sobre a receita bruta da operação. Isso significa dizer que, mesmo em um cenário de prejuízo, as empresas recolheriam o imposto digital, sem, efetivamente, deduzir os custos e as despesas ne- cessárias para auferir essa receita.

Da forma como proposto, o DST pode onerar em cascata cadeias digitais de circulação de bens e serviços, na medida em que o tributo seria aplicado a cada estágio da produção, resultando em nítido caráter cumulativo.

Por assim dizer, os entraves e desafios que rodeiam a tributação da economia digital são pauta de discussão ao redor do mundo, impactando as maiores economias mundiais, que buscam solução para a tributação do mercado digital.

5. O sistema tributário brasileiro e os conceitos

O sistema tributário brasileiro pode ser entendido como um com- plexo de normas jurídicas, sujeitas a relações de coordenação e subor- dinação determinadas pela Constituição. A Constituição tributária, ao invés de delegar a escolha das bases tributáveis ao legislador ordinário, optou por uma estrutura de regras de competência, que, por sua vez, denotam conceitos, logo rígidos e necessários, dos quais a atividade

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legiferante e a do aplicador da norma não podem se afastar. É ver a lição de Humberto Ávila21:

Em primeiro lugar, a Constituição Brasileira prevê regras de competência, e as regras, à diferença dos princípios, constituem razões entrincheiradas que não podemos, simples e puramente, abandonar por qualquer motivo. As regras de competência es- tabelecem os fatos que podem ser objeto de tributação e esses fatos não podem ser abandonados, inclusive por razões prin- cipiológicas de solidariedade social, de função social, etc. Essa é a função das regras. Se houver, no mesmo nível hierárquico, conflito entre regra e princípio, vence a regra.

Em segundo lugar, a Constituição Brasileira estabelece um sistema rígido, em que todos esses elementos - princípios, regras de competência, limitações ao poder de tributar - não podem ser objeto de modificação. pela legislação infracons- titucional, às vezes nem mesmo por emenda constitucional (§4º do artigo 60 da CF/88). Em face disso, a estrutura do sistema tributário fica enrijecida na Constituição e o legislador infraconstitucional, inclusive de Direito Civil, por lei ordinária, não pode modificar.

Por isso, segundo Ávila22, “se a Constituição utiliza o termo ‘salário’, e

‘salário’ é definido pela Consolidação das Leis do Trabalho, evidentemente que o legislador infraconstitucional não pode mudar o conceito de salário. [...].” Isso se pode dizer de uma série de conceitos, definidos (direta e indiretamente) ou pressupostos pela Constituição tributária, como “serviço”, “merca- doria”, “propriedade”, “produto industrializado” etc.

Foi por regras que o constituinte originário descreveu condutas e estatuiu limites ao poder dos entes federados, sendo dever do legislador observá-las, porquanto não lhe é cabível escolher quando uma norma é uma regra, e se esta, sendo de competência, denota ou não um conceito23.

21 ÁVILA, Humberto. Eficácia do novo código civil na legislação tributária. In GRUM- PENMACHER, Betina Treiger (coord.) – Direito tributário e o novo código civil. São Paulo: Quartier Latin, 2004.

22 Idem.

23 “Quando a Constituição contém um dispositivo que privilegia o caráter decisivo da conduta ou a definição de um âmbito de poder, há, nesse contexto e nesse aspecto, a instituição de uma regra que não pode ser simplesmente desprezada pelo legislador, ainda que haja internamente alguma margem de indeterminação para a definição do seu sentido”. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. São Paulo: Editora Malheiros, 2018, p. 160.

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Segundo Misabel Derzi24, enquanto os conceitos são erigidos como notas irrenunciáveis, fixas e rígidas, implicando limites expressos, tipos, por sua vez, no Direito, referem-se estruturas abertas à realidade, flexíveis e graduais. A discriminação de competências tributárias, por sua vez, decorre da aplicação de conceitos, e não de tipos25:

No Brasil, a questão da discriminação de competência tributária é a manifestação do próprio federalismo, por configurar partilha, descentralização do poder de instituir e regular tributos (...) o tipo como ordenação do conhecimento em estruturas flexíveis, de características renunciáveis, que admite as transições fluídas e contínuas e as formas mistas, não se adapta à rigidez consti- tucional de discriminação da competência tributária.

Tal conclusão demonstra a opção do constituinte de não permitir que a fluidez gradual dos tipos implicasse em conflitos de competência entre os entes federados. Quando se pensa na rigidez conceitual do sistema tributário brasileiro, verifica-se um elemento de maior complexidade, em comparação ao cenário global, para o desafio de capturar as bases da economia digital.

Pensado e estruturado a partir de uma realidade econômica da década de 60 do século passado, em que os conceitos de “serviço” e “mercado- ria”, por exemplo, reportavam-se aos signos presuntivos de capacidade econômica mais difundidos então, e sendo o sistema tributário rígido e constitucionalmente determinado, há pouco espaço para acomodá-lo e adaptá-lo à economia digital, senão por meio de uma reforma tributária.

5 . 1 . O p a p e l d a l e i c o m p l e m e n t a r

A discriminação de competências revela que o constituinte optou por conferir a cada uma das pessoas políticas um campo próprio (e limitado) para instituir os seus tributos (vide art. 6º, do CTN).

Com base no artigo 146, I, da Constituição, extrai-se ser papel da lei complementar “dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”. Ensina Schoeuri26:

Encontra-se, aqui, o papel da lei complementar: a solução dos conflitos de competência e a definição das hipóteses tributárias e

24 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. São Paulo:

RT, 2007, p. 83-84.

25 Op. Cit. (nota 41), p. 103.

26 SCHOEURI, Luís Eduardo. Direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 283.

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bases de cálculo implicam a criação, pelo legislador complemen- tar, de definições das realidades contempladas pelo constituinte.

Ou seja, sendo o sistema tributário rígido, constitucionalmente determinado e estruturado em regras de competência que autorizam a instituição de tributos limitando esse poder ao conceito definido ou pressuposto, natural esperar-se que os entes federados incorressem em conflitos de competência. No caso da economia digital, tais conflitos são flagrantes, justamente porque não se pode definir o objeto das transações como “serviço” ou “mercadoria”, quando os contratos são complexos e de difícil caracterização.

Aliás, a economia digital contempla um misto de prestação de serviços e circulação de mercadorias, sendo, a título exemplificativo, o que ocorre nos casos de empresas que disponibilizam as músicas por meio de seus apli- cativos (Soptify, Deezer e Youtube). Por meio dessas plataformas, os usuários podem apenas ouvir as músicas, usufruindo de um pretenso serviço, bem como podem efetuar o download da música, adquirindo um bem intangível.

Ademais, houve um alargamento do conceito de serviços, para se acrescer à lista do ISSQN a disponibilização com áudio, vídeo, texto e imagem veiculadas pela internet. Nessa circunstância, o Município de São Paulo editou a Lei nº 16.757/2017, tornando o streaming uma ma- terialidade tributável pelo ISSQN, à alíquota de 2,9%.

Em paralelo, o Conselho Nacional de Política Fazendária (CON- FAZ), formulou o Convênio ICMS º 106/2017, para disciplinar a tri- butação pelo ICMS de operações com bens e mercadorias digitais, tais como softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos etc.

Disso decorre que nem mesmo lei complementar, em seu papel precípuo, pode alcançar e lidar com essas constantes inovações. Tudo que ela pode fazer para solucionar conflitos de competência é definir, com maior precisão, quais atividades tem por objeto um “serviço” ou uma

“mercadoria”. Mas essa atividade encontra óbice na própria natureza das transações digitais, que muitas vezes não são uma coisa nem outra;

outras vezes são as duas.

Dado que lei complementar não tem sido suficiente para sanar os problemas atinentes à economia digital e ao surgimento de novas bases, o Poder Judiciário vem sendo rigorosamente exigido a dar respostas.

Essas respostas são normalmente oscilantes e geradoras de insegurança jurídica, justamente porque se pede ao Judiciário soluções que cabem ao Poder Legislativo.

(18)

É o que ocorre com a tributação de softwares, no caso SaaS (me- canismo que permite aos usuários se conectarem a aplicativos baseados em nuvem). O Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação Cível nº 0006496-32.2013.8.26.0053, em 2014, concluiu que haveria uma pres- tação de serviço na relação SaaS e, por essa razão, se sujeitaria ao ISSQN:

Apelação ISS Software como Serviço “SaaS” Modalidade De comercialização de Programa de Computador. Relação Jurí- dica Continuada. Característica de Prestação de Serviço – ISS Devido. Recurso não provido.

(Apelação nº 0006496-32.2013.8.26.0053, TJSP, Rel. FORTES MUNIZ, Décima Quinta Câmara Cível, julgado em 25.09.2014, Dj em 03.10.2014)

Apenas um ano depois, em 2015, na Apelação Cível nº 0018226- 45.2010.8.26.0053, a mesma Câmara do mesmo Tribunal, afastou a inci- dência de ISSQN:

APELAÇÃO CÍVEL Ação de repetição de indébito. Município de São Paulo ISSQN Ação ajuizada em08.06.2010 - O termo a quo do prazo prescricional para as ações de repetição de in- débito dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação é a data do efetivo pagamento - Inteligência do art. 168 do CTN c/c art. 3º da LC 118/05 Período de abril a setembro de 2007 Pretendida compensação do imposto devido com direitos de crédito oriundos de precatório. Não cabimento. Certeza e liquidez do crédito alegado não demonstradas. Não incidência de ISS sobre a comercialização de programas de computador padronizados e não customizados (“softwares de prateleira”).

(Apelação nº 0018226-45.2010.8.26.0053, TJSP, Rel. RAUL DE FELICE, Décima Quinta Câmara Cível, julgado em 15.09.2015, Dj em 22.09.2015)

Exemplos assim mostram que o modelo constitucional brasileiro chegou ao limite de sua utilidade frente aos desafios da economia digital, não havendo alternativa senão sua reforma.

5 . 2 . A s p e c t o s d a t r i b u t a ç ã o b r a s i l e i r a s o b r e a s e m p r e s a s d e t e c n o l o g i a

Ainda que a revolução digital afete diretamente o sistema tributário brasileiro, tendo em vista a superveniência de novas bases, cumpre es-

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clarecer que isso não implica dizer que, aqui, as empresas de tecnologia recolham poucos tributos.

A propositura, pela comunidade europeia, do “digital tax”, visa coibir que grandes empresas do ramo de tecnologia transfiram os seus lucros, obtidos em países com uma maior carga fiscal, para estabelecimentos localizados em países com uma tributação favorecida.

Ao revés do cenário europeu, o Brasil, por meio de controles cambiais, da exigência da apresentação de nota fiscal local e de remuneração em real pelo consumidor nacional, favorece que as empresas que transacionem com consumidores brasileiros se estabeleçam aqui para acessar o mercado.

Ademais, o Brasil adota o sistema de tributação da renda na fonte (IRRF), cuja aplicação autoriza o governo a arrecadar parcela dos valores que sejam remetidos ao exterior.

Embora a discussão referente à tributação da economia digital seja relevante e de extrema importância, o cenário enfrentado pelo Brasil é diferente do europeu.

6. As principais propostas de reforma

tributária em trâmite no congresso nacional Existem duas principais propostas em discussão no Congresso Nacional. Em linhas gerais, os textos das propostas visam a simplificar a cobrança de tributos, por meio da sua unificação, ao passo que a carga tributária, em sua essência, seria supostamente mantida.

A principal alteração recai sobre os tributos que oneram o consumo, além de uma pretendida redistribuição dos recursos arrecadados. Para melhor compreensão, convém sintetizar os principais elementos das três Propostas de Reforma Tributária.

6 . 1 . A P E C 4 5 / 2 0 1 9

A Proposta de Emenda Constitucional nº 45/2019, que conta com o apoio do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia, foi encabeçada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), baseada nos estudos do economista Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal.

Essa proposta pretende a simplificação do modelo tributário bra- sileiro, com foco da tributação de bens e serviços. Para tanto, prevê a substituição de cinco tributos– PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISSQN – por um imposto do tipo IVA, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cuja receita seria partilhada entre a União, os Estados e os Municípios.

(20)

O IBS, principal foco da PEC, compreenderia as seguintes características:

a) Incidência sobre bens, serviços, intangíveis, cessão, licencia- mento de direitos e locação de bens, inclusive em importação;

b) Alíquota única fixada por cada ente;

c) Alíquota uniforme para todos os bens, tangíveis e intangí- veis, serviços e direitos, podendo variar entre Estados, Distrito Federal e Municípios;

d) A alíquota do imposto aplicável a cada operação será a soma das alíquotas fixadas pela União, pelos Estado e pelos Municípios;

e) Em operações interestaduais e intermunicipais, incidirá a alíquota do Estado ou do Distrito Federal e do Município de destino;

f) Incidência não-cumulativa;

g) Adoção do regime de crédito financeiro;

h) Desoneração das exportações, garantindo o crédito das operações anteriores;

i) Incidência “por fora”, isto é, sobre o preço dos bens e serviços sem imposto;

j) Devolução tempestiva de créditos acumulados, no prazo máximo de 60 dias;

k) Inexistência de incentivos fiscais;

l) A arrecadação permanece do Estado de destino;

m) Os débitos e créditos serão escriturados por estabelecimento e o imposto será apurado e pago de forma centralizada;

n) A receita do IBS será distribuída entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, proporcionalmente ao saldo líquido entre débitos e créditos do imposto atribuível a cada ente, nos termos da lei complementar;

o) A lei complementar criará o comitê gestor nacional do IBS, integrado por representadas da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios;

p) IBS com alíquota de 1% por 2 anos. Redução da alíquota da Cofins, de modo a manter a arrecadação estável;

q) Transição ao longo de mais 8 anos, por meio da elevação progressiva da alíquota do IBS e da simultânea redução das alíquotas dos tributos atuais;

r) Compete à lei complementar disciplinar o processo admi- nistrativo do imposto sobre bens e serviços, que será uniforme em todo o território nacional.

(21)

A proposta da Câmara ainda propõe a criação de impostos se- letivos (no plural), de competência federal, destinados a desestimular o consumo de determinados bens, serviços ou direitos.

6 . 2 . A P E C 1 1 0 / 2 0 1 9

A Proposta de Emenda à Constituição nº 110/2019, de relatoria do Senador Roberto Rocha, possui como base a PEC nº 293/2004, sob a relatoria do ex-deputado Luiz Carlos Hauly:

JUSTIFICAÇÃO: (...)

A presente proposta reproduz o texto de reforma tributária já aprovado por Comissão Especial da Câmara dos Deputados, que teve como idealizador e relator o Deputado Luiz Carlos Hauly. A proposta já foi discutida em cerca de 170 palestra e 500 reuniões técnicas”

“Sem alterar a carga tributária, espera-se conseguir menor custo de produção; aumento da competitividade; menos curto de contratação; mais empregos; maior poder de consumo; volta do círculo virtuoso e crescimento importante da economia.

Pretende-se que nove tributos sejam extintos (IPI, IOF, PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide-Combustíveis, ICMS e ISSQN) e subs- tituídos por um imposto sobre operações com bens e serviços (IBS), de competência estadual, e um imposto seletivo, de competência federal.

O IBS, de competência estadual, seria regulado mediante legislação fe- deral. No que toca ao imposto seletivo, competirá à lei complementar definir quais os produtos e serviços se sujeitariam às alíquotas do imposto seletivo.

Em regra, não serão concedidos benefícios fiscais no âmbito do IBS, havendo, no entanto, exceções, tais como: transporte público de passageiros, medicamentos, alimentos (inclusive ração animal), bens do imobilizado, saneamento básico e educação de todos os tipos.

O IBS, tal como pensado na PEC nº 110, contempla caracterís- ticas muito similares ao IVA da PEC nº 45, destacando-se as seguintes características:

a) Incide sobre locações e cessões de bens e direitos, bem como quaisquer operações com bens intangíveis e direitos;

b) Crédito financeiro garantido pelo texto;

(22)

c) Imunidade sobre a mera movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira;

d) Imunidade sobre serviço de comunicação nas modalidades de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita.

No que toca ao imposto seletivo, este incidiria sobre operações com petróleo e seus derivados, combustíveis e lubrificantes de qualquer origem, gás natural, cigarros e outros produtos de fumo, energia elétrica, serviços de telecomunicações a que se refere o art. 21, XI, bebidas alcoólicas e não alcoólicas, e veículos automotores novos, terrestres, aquáticos e aéreos.

Teria, ainda, as seguintes características:

a) Incidência em qualquer importação;

b) Poderá ter alíquotas diferenciadas, nos termos da lei;

c) Não incidirá na exportação de bens e serviços, na medida em que a lei deve estabelecer forma de devolução do imposto que os onerar;

d) Alíquota inferior ao do IBS;

e) Será monofásico, na forma da lei;

f) E, por fim, não integrará a sua própria base de cálculo ou a do IBS.

Nessa PEC, haveria a extinção da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), para, então, ser incorporada ao Imposto de Renda, cujas alíquotas seriam majoradas, para alcançar o patamar vigente de 34% em um tributo unificado.

Ademais, a PEC nº 110 possui as seguintes determinações:

a) Os Municípios teriam a iniciativa na proposição de leis complementares que tratem do IBS;

b) O prazo de transição seria de 5 anos;

c) Criação de dois fundos para compensar eventuais disparidades da receita per capta entre estados e municípios;

d) A União ainda teria a competência sobre o ITR, IR e ITCD (cuja receita seria destinada aos municípios);

e) A receita do IPVA seria integralmente destinada aos mu- nicípios e o imposto incidiria sobre aeronaves e embarcações, não incidindo sobre veículos comerciais destinados à pesca e ao transporte público de passageiros.

Também seria criada uma Contribuição, de competência da União, sobre Bens e Serviço (CBS), cuja alíquota seria de 1%, a ser cobrada apenas no primeiro ano de vigência do regime.

(23)

6 . 3 . A e m e n d a d o s e s t a d o s

Todos os Secretários Estaduais de Fazenda, em inusitado consenso, apresentaram seu projeto de reforma tributária mediante propostas de Emenda às PEC nº 45 e 110:

Neste sentido, os Estados e o Distrito Federal, cientes de sua responsabilidade diante da urgência da reforma tributária e considerando as deficiências nas propostas em discussão, vem apresentar alternativa plausível para a superação de tais desafios.

A rigor, a proposta dos Estados é muito similar à PEC 45. Pretende-se reformar tão somente a tributação sobre o consumo no país, unificando tributos e refazendo o desenho do federalismo fiscal.

Quanto às diferenças, vale dizer que propõem a exclusão da União do Comitê Gestor do IBS. A inviabilidade de o ente central não participar da administração desse tributo é tão flagrante, que a medida soa como barganha, para que se negocie o “preço” da entrada (compensações da Lei Kandir, royalties de recursos naturais não renováveis, repactuação de dívidas etc.).

Os Estados pretendem a criação de um fundo de desenvolvimento regional e que sejam mantidos os benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus, direcionando recursos à infraestrutura local.

7. Sugestões para a reforma tributária, sob a ótica da economia digital

7 . 1 . Q u a n t o a o i m p o s t o s o b r e b e n s e s e r v i ç o s

O IBS, nos termos das propostas em pauta no Congresso Nacional, incidiria sobre ampla base de bens, tangíveis e intangíveis, serviços e direitos, cuja sistemática é similar ao IVA europeu.

As propostas têm o potencial de corrigir a deficiência do sistema brasileiro de não capturar, com segurança jurídica, as novas bases da eco- nomia digital, especialmente em relação aos bens intangíveis. Portanto, tornar-se-ia dispensável pensar instituir outros tributos, como o digital services tax que se apresenta no cenário europeu.

No entanto, há pontos a aperfeiçoar quanto aos textos das propostas, conforme se passa a expor.

(24)

7 . 1 . 1 . A u s ê n c i a d e c l a r a d e m a r c a ç ã o d a h i p ó t e s e d e i n c i d ê n c i a

A hipótese de incidência do tributo é identificada por critérios, mínimos e suficientes para, em conjunto, deflagarem a consequência nor- mativa ou dever ser. Dentre eles, o aspecto material, fundado no binômio

“verbo” e “complemento”. Conforme Paulo de Barros27, ao definir que a regra matriz de incidência tributária é composta pela fórmula “D{[Cm (v.c). Ce. Ct] – [Cp (As. Sp) Cq(bc.al)]}”:

Explicando os símbolos dessa linguagem forma, teremos: “D”

é o dever-ser neutro, inerposicional, que outorga validade à norma jurídica, incidindo sobre o conectivo implicacional para judiciaziar o vínculo entre a hipótese e a consequência

“[Cm (v.c). Ce. Ct]” é a hipótese normativa, em que “Cm” é o critério material da hipótese, núcleo da ddesccrição fátiva;

“v” é o verbo, sempre pessoal e de predição incomplete; “c” é o complemento do verbo; “Ce” é o critério espacial; “Ct” o critério temporal; “.” È o conectivo conjuntor “i” é o símbolo do conectivo adicional, interposicional; e “[Cp(As. Sp).Cq(bc.

al)]” é o consequente normativo, em que “Cp” é o critério pessoal; “As” é o sujeito ativo da obrigação; “Sp” é o sujeito passivo; “bc” é a base de cálculo; e “al” é a alíquota.

Sendo o caso do ICMS e do ISSQN, por exemplo, a própria regra de competência, desde a Constituição, ao dispor “circular mercadoria” e “prestar serviço”, respectivamente, delimita a hipótese de incidência dos tributos, fixan- do com clareza seus critérios materiais e, especialmente, temporais. A estrutura rígida dos conceitos, presente na Constituição tributária, fixa não apenas a materialidade que dá ensejo à obrigação, como o momento de ocorrência do fato gerador, vide a circulação, verificada com a tradição da coisa móvel corpórea.

Dito isso, no caso do IBS, é impossível extrair o binômio “verbo” e

“complemento” da sua matriz constitucional de incidência: há, tão so- mente, os complementos: “bens”, “serviços”, “direitos” etc. Mas os verbos faltaram. Isso sugere que a lei complementar de instituição do imposto deveria cuidar desse aspecto. Contudo, havendo tamanha liberdade para o legislador infraconstitucional, como controlar a constitucionalidade da opção normativa que será realizada? Não seria mais adequado, desde logo, fixar balizas temporais para a hipótese de incidência do IBS?

27 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo:

Noeses, 2013, p. 613.

(25)

Sugere-se a inclusão, nos textos da reforma, de um dispositivo que trate do momento de ocorrência do fato gerador do IBS, permitindo que todo o contorno da competência possa ser extraído da Constituição.

A nosso ver, o momento ideal para incidência do IBS seria o da emissão do documento fiscal de suporte, dado que simplificaria a fiscalização e a apuração da base de cálculo, evitando discussões quanto aos critérios temporais e quantitativos. A base de cálculo, por sua vez, deve ser a receita líquida, expurgando-se os tributos que eventualmente incidirem sobre a transação que originar o fato gerador e demais despesas acrescidas na composição do valor da fatura, de forma que o critério quantitativo mensure exclusivamente o que manda a regra de competência: o valor do bem, do serviço ou do direito, e nada mais. Nesse sentido, despesas com frete e seguro incorridas na saída de um bem, por exemplo, seriam dedutíveis do IBS por força constitucional, uma vez que a materialidade eleita é o bem transacionado, e não a receita bruta decorrente da transação.

De todo modo, sendo a hipótese de incidência determinada pela prática de negócios jurídicos, devidamente qualificados por regras de Direito Privado, desse subsistema serão extraídos os conceitos e paradig- mas necessários para identificação dos critérios temporal e quantitativo.

Por exemplo, se a tradição (entrega do bem) for o critério adotado pelo Direito para determinar o momento da mudança de titularidade de um bem, esse também será o critério temporal para incidência do IBS.

7 . 1 . 2 . D o c r é d i t o f i n a n c e i r o

Os créditos dos impostos plurifásicos não cumulativos, a rigor, podem ser físicos ou financeiros. Adota-se o crédito físico quando é garantido apenas o aproveitamento do imposto repercutido na aquisi- ção de insumos, ou seja, dos produtos aplicados diretamente no processo produtivo (matérias primas, produtos intermediários e embalagens), além de mercadorias para revenda.

Já o regime do crédito financeiro assegura a recuperação do imposto repercutido em todas as aquisições, mesmo de bens que não integram diretamente o processo produtivo. É o caso do ativo imobilizado e dos bens de uso e consumo, sendo este o modelo que se pratica com o IVA europeu, por exemplo28.

28 “O IVA europeu é um imposto sobre o consumo de larga base tributária e de grande eficiência arrecadatória. É considerado um imposto simples, porque é de não-cumulatividade plena, adota o sistema de crédito financeiro, onde é possível deduzir

Referências

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