Contribuições às
Ciências da Terra
UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO ESCOLA DE MINAS DEPARTAMENTO DE GEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EVOLUÇÃO CRUSTAL E RECURSOS NATURAIS
Contribuições às Ciências da Terra - Série M - v. 32, 244
Estudo de elementos-traço em águas de abastecimento urbano
e a contaminação humana: Um caso de Ouro Preto, MG.
Margarete Aparecida Pereira
ESTUDO DE ELEMENTOS-TRAÇO EM ÁGUAS DE
ABASTECIMENTO URBANO E A CONTAMINAÇÃO
iii
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
Reitor
João Luiz Martins
Vice-Reitor
Antenor Barbosa Júnior
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Tanus Jorge Nagem
ESCOLA DE MINAS
Diretor
Antônio Gomes de Araújo
Vice-Diretor
Marco Túlio Ribeiro Evangelista
DEPARTAMENTO DE GEOLOGIA
Chefe
iv
v
CONTRIBUIÇÕES ÀS CIÊNCIAS DA TERRA – VOL. 32
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Nº 244
ESTUDO DE ELEMENTOS-TRAÇO EM ÁGUAS DE ABASTECIMENTO
URBANO E A CONTAMINAÇÃO HUMANA: UM CASO DE OURO
PRETO, MG
Margarete Aparecida Pereira
Orientador
José Fernando de Paiva
Co-orientador
Hermínio Arias Nalini Júnior
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Evolução Crustal e Recursos Naturais do Departamento de Geologia da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre Ciência Naturais, Área de Concentração: Geologia Ambiental e
Conservação de Recursos Naturais
OURO PRETO
vi
Universidade Federal de Ouro Preto – http://www.ufop.br Escola de Minas - http://www.em.ufop.br
Departamento de Geologia - http://www.degeo.ufop.br/
Programa de Pós-Graduação em Evolução Crustal e Recursos Naturais Campus Morro do Cruzeiro s/n - Bauxita
35.400-000 Ouro Preto, Minas Gerais
Tel. (31) 3559-1600, Fax: (31) 3559-1606 e-mail: pgrad@degeo.ufop.br
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ISSN 85-230-0108-6
Depósito Legal na Biblioteca Nacional Edição 1ª
Catalogação elaborada pela Biblioteca Prof. Luciano Jacques de Moraes do Sistema de Bibliotecas e Informação - SISBIN - Universidade Federal de Ouro Preto
P436e Pereira, Margarete Aparecida.
Estudo de elementos traço em água de abastecimento urbano e a contaminação
humana [manuscrito]: um caso de Ouro Preto, MG. / Margarete Aparecida Pereira. - 2006.
xxii, 95f. : il.; color.; grafs.; tabs.; mapas.
Orientador: Prof. José Fernando de Paiva. Co-orientador: Prof. Hermínio Arias Nalini Jr.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Ouro Preto. Escola de Minas. Departamento de Geologia.
Área de concentração: Geologia Ambiental e Conservação de Recursos Naturais.
1.Arsênio - Teses. 2. Água potável - Contaminação - Ouro Preto - Teses.
3.Chumbo - Teses. I. Universidade Federal de Ouro Preto. Escola de Minas. II. Título.
CDU: 551.1/.4:574
vii
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.
Thiago Mello
ix
Agradecimentos
O desenvolvimento de um trabalho como este envolve um grande número de pessoas que participam todos os dias dos problemas que aparecem no decorrer da pesquisa. Assim, como não poderia ser diferente, minha lista de agradecimentos é bastante extensa, mas por problema de espaço não posso, infelizmente, escrever o nome de todos. È melhor começar logo senão o espaço acaba!!!
Meus agradecimentos têm início por aqueles que estiveram comigo em todos os momentos da minha vida: meus pais Antonio e Renilda e meus irmão Márcio e Marcelo, obrigada por todo apoio sem vocês nada disso seria possível. Minha cunhada Cícera e meus sobrinhos Luan e Bia, meus tios e tias primos e primas, meus avós Otávio e Elena por todo carinho e incentivo.
Ao meu marido Bruno e ao meu filho Lucas pelo amor e todos dias felizes que temos juntos. Amo vocês!!!
À minha nova família: Virgínia, Antônio, Sávio, Luciano e Rosana pelo carinho. À toda família Grossi, em especial à Aparecida pela torcida.
Ao Departamento de Geologia (DEGEO) e ao Laboratório de Geoquímica Ambiental (LGqA) pela estrutura oferecida. Aos meus orientadores José Fernando e Hermínio pela confiança.
Aos funcionários Edson e Aparecida pelo suporte nas questões burocráticas.
Ao professor Antônio Luciano Gandini pelas “consultorias” mineralógicas e pela amizade.
Ao professor Jorge de Lena por todo apoio na parte estatística e por saber estimular em nós, que fomos seus alunos, a curiosidade e a importância da busca do conhecimento.
Aos professores que passaram pela minha vida estudantil pelo conhecimento acumulado em todos esses anos.
Aos meus amigos LGqAnos: Adriana, Aline, Adivane, Celso, Érica, Isabel, Janice, Juliana, Luciana, Márcio, Vandir pelas palavras de otimismo no momentos difíceis do trabalho. Obrigada pela amizade, pelos momentos de descontração, nos quais muitas vezes resolvi parte dos problemas. Adoro vocês.
À minha querida república Bem-Me-Quer pelas acolhidas em especial à amiga Renalda por todo carinho.
Aos meus colegas deste programa de pós-graduação que sempre estão dispostos a ajudar. Aos professores Ruth, George, Ronei e Bibo da Escola de farmácia pelos esclarecimentos. Ao Laboratório de Análises Clinica da Escola de Farmácia pela estrutura fornecida nas análises bioquímicas.
À Capes pela ajuda financeira por meio da bolsa, ao programa Brasil-Alemanha (PROBAL 162/03), à FAPEMIG projeto CRA 952/01.
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Sumário
AGRADECIMENTOS... ix
LISTA DE FIGURAS ... xiii
LISTA DE TABELAS... xvii
RESUMO ... xix
ABSTRACT...xxi
CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO ... 01
1.1. Biodisponibilidade, Essencialidade, e riscos de Metais Pesados para Seres Humanos ... 01
1.2. Presença de Metais e Metalóides Potencialmente Tóxicos nas Águas de Consumo de Ouro Preto ... 03
1.3. Patologias Relacionadas ao Arsênio e ao Chumbo ... 04
1.4. Objetivos ... 05
CAPÍTULO 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA... 07
2.1. Casos de Contaminação de águas e de Seres Humanos por Arsênio ... 07
2.2. Caracaterísticas Geoquímicas do Arsênio ... 08
2.2.1. Geoquímica do Arsênio no Quadrilátero Ferrífero... 09
2.3. Metais Presentes em águas Naturais ... 10
2.3.1. Considerações Gerais ... 10
2.3.2. Alumínio (Al) ... 11
2.3.3. Ferro (Fe) ... 11
2.3.4. Manganês (Mn)... 12
2.3.5. Metais Pesados ... 12
2.3.5.1. Cádmio (Cd) ... 12
2.3.5.2. Cobalto (Co) ... 13
2.3.5.3. Cromo (Cr)... 13
2.3.5.4. Cobre (Cu) ... 13
2.3.5.5. Zinco (Zn)... 14
2.3.5.6. Níquel (Ni)... 14
2.3.5.7. Chumbo (Pb)... 15
2.3. Minimização da Influência de Fatores Externos na Determinação de Metais Presentes na Urina... 15
CAPÍTULO 3. APESPECTOS REGIONAIS E A ÁREA ESTUDADA ... 17
3.1. Contexto Geológico - Estratigrafia ... 17
3.1.1. Complexo Metamórfico ... 18
xii
3.1.3. Supergrupo Minas... 19
3.1.4. Grupo Itacolomi ... 20
3.2 Caracterização e Localização da Área Estudada... 21
CAPÍTULO 4.METODOLOGIA ... 25
4.1 Amostragem ... 25
4.1.1. Coleta Conservação de Amostras de Água ... 27
4.1.2. Coleta Conservação de Amostras de Urina... 27
4.2 Técnicas e Métodos de Análise... 27
4.2.1. Determinação da Concentração de Creatinina ... 28
4.2.2. Determinação da Concentração de Metais e Metalóides ... 28
4.2.2.1. Pré-Tratamento de Amostras de Urina em Forno de Microondas ... 28
4.2.2.2. Análise de Metais e Metalóides por ICP-OES... 30
42.2.3. Análise de Arsênio e Chumbo pela Técnica Voltamétrica ... 30
4.3.Metodologia Estatística ... 34
4.3.1 Teste de Grubbs ... 34
CAPÍTULO 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO ... 37
5.1.Caracterização das águas de consumo... 37
5.1.1. Valores de Eh e pH... 37
5.1.2. Concentração de Metais e Arsênio nas Águas por ICP-OES ... 39
5.1.2.1.Metais maiores... 40
5.1.2.2 Alumínio, Ferro e Manganês ... 43
5.1.2.3 Metais pesados... 45
5.1.3. Concentração de arsênio e chumbo na água por técnicas voltamétricas ... 49
5.2. Resultados das análise das amostras de urina ... 55
5.2.1. Teores de creatinina ... 55
5.2.2.
Resultados para a digestão de urina em forno microondas
... 575.2.3. Metais nas amostras de urina determinados por ICP-OES...60
5.2.3.1.Alumínio... 61
5.2.3.2 Arsênio ... 62
5.2.3.3 Chumbo ... 62
5.2.4.
Determinação de arsênio e de chumbo por técnicas voltamétricas..
...63CAPÍTULO 6.CONCLUSÕES ... 71
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 73
ANEXOS ... 79
xiii
Lista de Ilustrações
Figura 2.1- Ciclo geoquímico do arsênio no Quadrilátero Ferrífero, modificado de Borba 2002 ...10
Figura 3.1- Esboço geológico da cidade de Ouro Preto, modificado de Barbosa 1969 e Quade 1974...18
Figura 3.2- Localização da área de estudo no município de Ouro Preto...21
Figura 3.3- Mapa de acesso ao Bairro Padre Faria a partir da Praça Tiradentes...22
Figura 3.4- Captação de água localizada no interior de mina abandonada na Rua Santa Rita...24
Figura 4.1- Fluxograma representando a seqüência de operações utilizada na execução do trabalho...26
Figura 4.2- Esquema da célula eletroquímica e do micro-eletrodo de mercúrio utilizado para as medidas...32
Figura 5.1- Valores de pH para as amostras de águas coletadas no bairro Padre Faria...37
Figura 5.2- Valores de EH para as amostras de águas coletadas no bairro Padre Faria ...38
Figura 5.3- Concentração de potássio, sódio e magnésio em residências e minas do bairro Padre Faria...41
Figura 5.4- Concentrações de cálcio em residências e minas do bairro Padre Faria...42
Figura 5.5- Concentração de alumínio e ferro nas águas de residências, bicas e minas do bairro Padre Faria...43
Figura 5.6- Concentração de manganês nas águas de residências, bicas e minas do bairro Padre Faria...44
Figura 5.7- Concentrações de zinco e cobre nas águas em residências e minas do bairro Padre Faria... 46
Figura 5.8- Concentrações de níquel nas águas em residências e minas do bairro Padre Faria...48
Figura 5. 9- Concentrações de Pb nas águas de residências, minas e bicas do bairro Padre Faria... 49
Figura 5. 10- Voltamograma típico para um padrão de 10 µg/L de As (V). Voltametria de Redissolução Catódica com Onda Quadrada: pré-concentração em 0,4 V durante 3 minutos; varredura de -0.5 V a -1.0V; amplitude de pulso de 40 mV; freqüência de 90 Hz . Potenciais medidos em relação ao eletrodo Ag-AgCl...50
Figura 5.11- Voltamograma típico para um padrão com 20 µg/L de Pb. Voltametria de Redissolução Anódica com Pulso Diferencial : pré-concentração em -1,15 V durante 90 segundos; varredura de – 1,15 V a 0,05 V; amplitude de pulso de 50 mV; intervalos de 40. Potenciais medidos em relação ao eletrodo de Ag-AgCl...51
Figura 5.12: Curva analítica para a determinação da concentração de As (V) em água. Voltametria de Redissolução Catódica com Onda Quadrada. Concentrações de 2,5 a 20 µg/L. ...52
Figura 5.13- Curva analítica para a determinação de Pb em água. Voltametria de Redissolução Anódica com Pulso Diferencial. Concentrações de 3,0 a 100µg/L...52
xiv
Figura 5.15- Concentração de chumbo nas águas de residências e minas do bairro Padre faria ...55
Figura 5.16- Concentração de creatinina em amostras da primeira urina dos moradores do bairro Padre
Faria...56
Figura 5.17- Voltamograma após digestão usando 2,50 mL de HNO3 com 20 µg/L de As na célula .
Voltametria de Redissolução Catódica com Onda Quadrada: pré-concentração em 0,4 V durante 3 minutos; varredura de -0.5 V a -1.0V; amplitude de pulso de 40 mV; freqüência de 90 Hz .
Potenciais medidos em relação ao eletrodo Ag-AgCl...58
Figura 5.18- Voltamograma após digestão usando 2,50 mL de H2O2 com 20 µg/L de As na célula .
Voltametria de Redissolução Catódica com Onda Quadrada: pré-concentração em 0,4 V durante 3 minutos; varredura de -0.5 V a -1.0V; amplitude de pulso de 40 mV; freqüência de 90 Hz .
Potenciais medidos em relação ao eletrodo Ag-AgCl....58
Figura 5.19- Voltamograma após digestão usando 1,0 mL de HNO3 e 1,50 ml de H2O2 com 20 µg/L de As
na célula. Voltametria de Redissolução Catódica com Onda Quadrada: pré-concentração em 0,4 V durante 3 minutos; varredura de -0.5 V a -1.0V; amplitude de pulso de 40 mV; freqüência de 90 Hz . Potenciais medidos em relação ao eletrodo Ag-AgCl...59
Figura 5.20- Voltamograma digestão usando 1,0 mL de HNO3 e 1,50 ml de H2O2 com 26 µg/L de As na
célula. Voltametria de Redissolução Catódica com Onda Quadrada: pré-concentração em 0,4 V durante 3 minutos; varredura de -0.5 V a -1.0V; amplitude de pulso de 40 mV; freqüência de 90 Hz . Potenciais medidos em relação ao eletrodo Ag-AgCl...60
Figura 5.21- Concentrações de alumínio nas amostras de urina e de águas em residências do bairro Padre
Faria ...61
Figura 5.22- Concentrações de chumbo nas amostras de urina e de águas em residências do bairro Padre
Faria...63
Figura 5.23- Voltamograma típico de padrão de 15 µg/L de As . Voltametria de Redissolução Catódica
com Onda Quadrada: pré-concentração em 0,4 V durante 3 minutos; varredura de -0.5 V a -1.0V; amplitude de pulso de 40 mV; freqüência de 90 Hz . Potenciais medidos em relação ao eletrodo Ag-AgCl. Houve subtração do sinal do branco....64
Figura 5. 24- Voltamograma típico de padrão de 15 µg/L de chumbo. Voltametria de Redissolução
Anódica com Pulso Diferencial : pré-concentração em -1,15 V durante 90 segundos; varredura de – 1,15 V a 0,05 V; amplitude de pulso de 50 mV; intervalos de 40. Potenciais medidos em relação ao eletrodo de Ag-AgCl...64
Figura 5.25- Curva analítica para a determinação da concentração de arsênio em urina. Voltametria de
Redissolução Catódica com Onda Quadrada. Concentrações de 25 a 100 µg/L. ...65
Figura 5.26- Curva analítica para a determinação da concentração de chumbo em urina. Voltametria de
xv
Figura 5.27- Concentrações de arsênio nas amostras de urina e de águas em residências do bairro Padre
Faria...67
Figura 5.28: Concentrações de chumbo nas amostras de urina e de águas em residências do bairro Padre
xvii
Lista de Tabelas
Tabela 1.1- Limites estabelecidos para metais potencialmente tóxicos pela Portaria 518 do Ministério da
Saúde, de 2004...2
Tabela 1.2- Metais pesados essenciais e não essenciais (Modificado de Siegel, 2002)...3
Tabela 4.1- Volumes de ácido nítrico e peróxido de hidrogênio utilizados nos testes para as digestõesdas
amostras...29
Tabela 4.2- Condições relativas aos parâmetros do aparelho de microondas, que foram utilizadas no
método de digestão da amostras de urina...29
Tabela 5.1- Elementos analisados em padrão internacional NIST 1640 para águas naturais, linhas
espectrais utilizadas, valor certificado, valor obtido em leitura e taxa de recuperação ...39
xix
Resumo
A cidade de Ouro Preto possui um confuso sistema de distribuição de água com captações da administração municipal em 12 fontes, além de fontes alternativas clandestinas tais como antigas minas de ouro, chafarizes e bicas. Somente nos últimos anos, a qualidade destas águas tem sido estudada com base nas concentrações de metais e metalóides. Elevadas concentrações de arsênio já foram detectadas em algumas captações municipais, sendo que uma destas abastece a população de um bairro - o bairro Padre Faria. Por outro lado, não se tem qualquer idéia sobre a presença efetiva de contaminações por elementos traço diretamente em águas de residências, e tampouco uma constatação da sua absorção pelos moradores.
Neste trabalho foram analisadas amostras de água coletadas em residências e fontes alternativas ao longo do bairro, e também amostras da primeira urina do dia de moradores. Nestas foram determinadas as concentrações de As, Al, Cd, Cu, Zn, Pb e Mn, utilizando-se como técnicas a espectrometria de emissão atômica com acoplamento de plasma (ICP-OES), e a Voltametria de varredura linear. Para alguns destes elementos nas águas, os limites máximos estabelecidos pela Portaria 518 do Ministério da Saúde para
águas potáveis foram ultrapassados. Com efeito, para o As as concentrações estiveram entre 3,0 µg/L e
189 µg/L, para o Pb entre 3,0 µg/L e 32,73 µg/L e para o Al entre 1,3 e 364,8 µg/L.Nas urinas, em cerca de 27% das amostras o teor de Pb ultrapassou o índice biológico máximo estabelecido pela Norma
Regulamentadora 7 do Ministério do Trabalho e Emprego, chegando em até 47,57 µg/gcreatinina. Em 30% das amostras o teor de As também ultrapassou este limite regulamentar, atingindo valores de até
553.53 µg/gcreatinina. O alumínio foi detectado na maioria das amostras de urina atingindo valores da
ordem de 490,4 µg/gcreatinina.
xxi
Abstract
The county of Ouro Preto has a chaotic public water supply system. The water is collected in 12 spring around the city, managed by the county municipal administration, in addition to the alternative springs represented by fountains and ancient abandoned gold mines. Only the past years, the content of metals and metalloids became a concern. High concentration of As has already been reported in the public water supply system. A more serious situation is found in the Padre Faria region. On the other hand, there is not scientific study about the real situation by trace element contamination of water in the houses, or even their absorption by the population, which uses this water.
In this work water collected in residences and alternatives springs was analyzed and also urine of the residents. The contents of As, Al , Cd, Cu, Zn, Ob, Mn was determined, by Atomic Emission Spectroscopy with Inductively Coupled Plasma (ICP-OES) and Linear Scan Voltametry. For the some of
these elements the highest level allowed by Brazilian legislation was surpassed, e.g, As (3,0 µg/L and
189,0 µg/L), Pb (3,0 µg/L and 32,7 µg/L) and Al (1,3 and 364,8 µg/L). About 27% of urine samples showed Pb content, which is higher than the maximum biological index established by Brazilian
legislation, reaching 47,6 µg/gcreatinine. The same situation was observed for As – 30% of the samples
showed higher content of this element which reached 553 µg/gcretinine. Aluminum was detected in the
majority of samples reaching 490 µg/gcreatinine.
xxii
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
1.1 BIODISPONIBILIDADE, ESSENCIALIDADE E RISCOS DE METAIS PESADOS
PARA SERES HUMANOS
A contaminação de águas superficiais e subterrâneas é um dos maiores problemas mundiais na atualidade. Isto expõe seres humanos a riscos de contágio por agentes biológicos patológicos, e de absorção desubstâncias químicas tóxicas. Dentre as substâncias químicas consideradas contaminantes de recursos hídricos mais estudadas nas últimas décadas estão metais e metalóides tais como o arsênio, o cádmio, o cromo, o cobre, o mercúrio, o manganês, e o chumbo, que apresentam características toxicológicas graves em seres humanos. Porém, muitos estudos de toxicidade de metais pesados em seres humanos mostram que riscos a saúde humana não estão correlacionados com exposição externa a estes metais. Isto ocorre porque algumas estimativas de riscos ignoram a biodisponibilidade na avaliação (Caussy 2003). Talvez isto se deva à infinidade de conceitos existentes na literatura e a confusão que se faz em torno deles.
A biodisponibilidade pode ser vista como a porcentagem da dose externa que atinge a circulação sistêmica, que é a fração da dose externa absorvida pelo organismo (Caussy 2003). Para outros pesquisadores a biodisponibilidade pode ser definida como o grau no qual um contaminante, em uma fonte em potencial está livre para ser ingerido (Newnam & Jagoe 1994). Neste trabalho assumiremos o último conceito. Pois em sistemas naturais, os metais pesados são liberados de rochas e depósitos minerais (especialmente depósitos sulfetados) através, principalmente, de intemperismo geológico e emanações vulcânicas.
A liberação destes elementos para vias hídricas depende da resistência do mineral à alteração, da mobilidade das espécies e da intensidade do intemperismo químico a que a rocha está sujeita. O processo de liberação pode ser acelerado por atividades antropogênicas tais como a mineração, a metalurgia e a agricultura (Fergusson 1990, Eleutério 1997, Zakrzewiski 1997, Siegel 2002, Hodgson 2004).
Pereira, M.A. Estudo de elementos-traço em águas de abastecimento urbano e a contaminação humana: um caso ...
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A Organização Mundial de Saúde (OMS) sugere através de estudos toxicológicos os limites estabelecidos para classificação de potabilidade de águas, mas cada país é responsável por sua legislação. Em 1984, por exemplo, a OMS sugeria que as águas potáveis deveriam ter no máximo 0,05 mg/L de As. Com base em evidências toxicológicas, em 1993 este valor foi reduzido para 0,01 mg/L (WHO 2001b).
No Brasil, a legislação vigente é bastante rigorosa em relação aos limites máximos estabelecidos para metais pesados em água, conforme mostra a tabela 1.1. Estes limites permitidos estão de acordo com os sugeridos pela Organização Mundial de Saúde. Porém pouco tem sido feito para o cumprimento destes valores.
Tabela 1.1: Limites estabelecidos para metais potencialmente tóxicos pela Portaria 518 do Ministério da Saúde, de 2004
Elemento (símbolo) Limite Máximo Permitido (mg/L)
Arsênio (As) 0,01
Cádmio (Cd) 0,005
Mercúrio (Hg) 0,001
Cromo (Cr) 0,05
Cobre (Cu) 2
Chumbo (Pb) 0,01
A importância dos metais pode ser destacada em muitos aspectos da existência humana, desde o desenvolvimento tecnológico que procura aumentar as possibilidades de adaptação do indivíduo a ambientes inóspitos, até o desempenho de funções biológicas que garantem o bom funcionamento do seu organismo. No caso de metais necessários ao bom funcionamento do organismo, estes são ditos nutrientes essenciais.
Contribuições às Ciências da Terra – Série M, vol. 32, 244, 95p
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deficiência de um ou mais destes elementos na dieta, desenvolve-se uma condição anormal, uma doença, e em alguns casos a morte (Fergusson 1990, Siegel 2002).
Outros metais pesados não são essenciais e não desempenham nenhuma função no organismo. A não dependência destes metais na dieta faz com que o organismo promova uma adaptação do metabolismo chamado de tolerância que, quando ultrapassada, provoca à manifestação de patologias através de interferência em processos bioquímicos por competição ou por semelhança conformacional. Isto ocorre, por exemplo, com o chumbo que interfere na absorção de ferro pelo intestino, podendo ocasionar anemias e com o arsênio que se liga aos grupos sulfônicos de proteínas em lugar do selênio promovendo sua desativação (Fergusson 1990).
Existem contradições sobre a classificação de alguns elementos como essenciais ou não essenciais, e este é o caso do arsênio. A Tabela 1.2 apresenta alguns elementos essenciais e não-essenciais. O arsênio não está incluído na mesma devido às controvérsias na sua classificação.
Tabela 1.2: Metais pesados essenciais e não essenciais (Modificado de Siegel, 2002)
Metais pesados e metalóides essenciais Co, Cr, Cu, Se, Zn
Metais pesados e metalóides não essenciais Cd, Hg, Ni, Pb, Sb, Sn
1.2- PRESENÇA DE METAIS E METALÓIDES POTENCIALMENTE TÓXICOS NAS
ÁGUAS DE CONSUMO DE OURO PRETO
No Quadrilátero Ferrífero, a dispersão de metais e metalóides no meio ambiente é influenciada por atividades mineradoras desde o século XVIII, quando a exploração das mineralizações auríferas foi iniciada. Ainda hoje isto gera problemas ambientais como, por exemplo, a contaminação das águas consumidas pela população das cidades que surgiram na época. A cidade de Ouro Preto pode ser considerada um exemplo deste fenômeno. Fundada em 1698 e considerada na época uma das maiores províncias produtoras de ouro, a antiga Vila Rica recebeu grande número de aventureiros que chegavam em busca de riqueza. Sem estrutura para receber tantos moradores, as improvisações foram inevitáveis, e isto ainda se observa mesmo atualmente no sistema de abastecimento público de água.
Pereira, M.A. Estudo de elementos-traço em águas de abastecimento urbano e a contaminação humana: um caso ...
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et al.2003, Gonçalves et al.2005), como é o caso da captação denominada da Piedade em cujo o teor do elemento atingiu 27,8 µg/L no verão de 2005, concentração acima do valor de 10 µg/L que é o máximo recomendado pela OMS e pela portaria 518 do Ministério da Saúde. Tal captação juntamente com a estação de tratamento de água Itacolomi, isenta de arsênio, são as que abastecem parte do bairro denominado Padre Faria. A água que chega às residências é resultado da mistura das águas provenientes das duas captações, que não se sabe se a proporção desta mistura é constante ao longo do tempo. Caracteriza-se, portanto, aqui um problema de exposição de longo prazo de uma população, a um elemento potencialmente tóxico.
1.3 - PATOLOGIAS RELACIONADAS AO ARSÊNIO E CHUMBO
Os humanos são expostos ao arsênio principalmente através do ar, alimentos e água. Entretanto, águas com altas concentrações de arsênio é a principal fonte de contaminação (Mazumder 2000). Estima-se que 200 milhões de pessoas no mundo apreEstima-sentam problemas de saúde associado à alta concentração de arsênio em água (NRC 2001).
Efeitos causados à saúde por arsênio dependem da dose, da modalidade e do tempo de exposição, bem como a fonte e a forma química de arsênio (Caussy 2003). A intoxicação crônica ou aguda por arsênio causa irritações intestinais e estomacais, náuseas, vômitos e diarréias. Outros efeitos que podem ser observados incluem decréscimo na produção de células vermelhas e brancas do sangue que podem causar anemia, problemas cardiovasculares como arritmias cardíacas, hipotensão, hipertensão, danos aos vasos sanguíneos, problemas no sistema circulatório vascular que podem levar a gangrena nas extremidades e alterações em funções nervosas causando sensação de pontadas e formigamento em mãos e pés. Manifestações características de exposição crônica ao arsênio são alterações cutâneas. Estas incluem o escurecimento da pele e aparecimento de pequenos calos ou verrugas na sola dos pés, palma das mãos e torso. Parte destas lesões pode progredir a câncer de pele. O consumo de águas contaminadas com arsênio também está relacionado com o aumento do risco de câncer no fígado, bexiga, rins, próstata e pulmões (ATSDR 2000, Simeonova & Luster 2004). Além das enfermidades acima citadas, estudos recentes têm relacionado o consumo de arsênio com o aumento de casos de diabetes mellitus, abortos espontâneos e doenças respiratórias (WHO 2001a, Milton et al. 2001, Tseng et al. 2004).
A Agência Internacional de pesquisa sobre o câncer (IARC 1987) classifica o arsênio como pertencente ao grupo 1 das substâncias oncogênicas, com base em vários estudos epidemiológicos.
Contribuições às Ciências da Terra – Série M, vol. 32, 244, 95p
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518 do Ministério da Saúde para padrões de potabilidade de água de consumo editada em 2004 segue esta recomendação.
A exposição ao chumbo se dá através do ar, água, alimentos e dos solos. Entretanto essa exposição tem diminuído nos últimos anos devido às restrições de legislações quanto à sua utilização, principalmente em combustíveis (WHO 2003f).
O chumbo é um elemento não essencial podendo ser acumulado em vários tecidos, interferindo em várias atividades metabólicas. Pode levar à manifestação de sintomas de uma doença conhecida como saturnismo quando a exposição é de longo prazo. A intoxicação por chumbo pode causar inicialmente falta de apetite, gosto metálico na boca, desconforto muscular, mal estar, dor de cabeça e cólicas abdominais fortes. Entretanto, na infância, muitas vezes sintomas ligados à deposição de chumbo no cérebro são predominantes (ABMC 2004).
1.4 – OBJETIVOS
Este trabalho teve por objetivos:
1) Estudar a contaminação por arsênio e outros elementos potencialmente tóxicos, em águas de reservatórios domésticos, em locais de reconhecida contaminação geogênica de fontes de distribuição pública.
2) Estudar a contaminação de curto prazo por arsênio e outros elementos tóxicos em seres humanos através da análise de urina, em residências abastecidas com água de reconhecida possibilidade de presença de Arsênio.
3) Identificar ao longo do bairro escolhido as variações nas ocorrências de arsênio e outros elementos nas águas das residências, e procurar estabelecer correlações com as fontes de origem.
4) Identificar eventuais outros fatores que colaboram para a presença destes elementos nas águas das residências do bairro, além da contaminação geogênica das águas de abastecimento originais, no contexto do complexo e precário sistema de distribuição do Município de Ouro Preto.
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CAPÍTULO 2
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1 - CASOS DE CONTAMINAÇÃO DE ÁGUA E DE SERES HUMANOS POR
ARSÊNIO
A contaminação por arsênio (As) tem sido relatada, em muitos países, como a principal preocupação de saúde pública nas últimas décadas devido ao caráter toxicológico e características físico-químicas deste elemento que favorecem a sua predominância em todos os tipos de ambientes. Milhões de pessoas no mundo estão expostas a arsênio através da água de consumo.
Estudos de áreas que apresentam concentrações elevadas de As têm sido bem documentadas desde a década de 60, quando problemas de saúde foram relacionados a altas concentrações de As em águas de consumo humano em Taiwan. Concentrações anômalas de As em águas na região sudoeste daquele país
apresentam uma faixa de 10 a 1800 µg/L na forma de arsenito, o que segundo os autores sugere um ambiente fortemente redutor. Entretanto a geoquímica das águas e as fontes minerais de As são pouco conhecidas (Smedley & Kinniburgh 2002).
No norte do Chile, os primeiros casos de contaminação de águas por As foram reconhecidos em
1962. A região mais afetada é a da cidade de Antofagasta, onde amostras de água que atingiam 500 µg/L de As. As águas afetadas podem ser consideradas predominantemente oxidantes com arsênio presente na forma de arsenato. Na mesma região, novos casos de contaminação foram dectectados na Bacia do Rio Equil que foram atribuídas a origens naturais, mas com contribuições antropogênicas através de atividades mineradoras desenvolvidas na região (Smedley & Kinniburgh 2002, Oyarzun et al. 2004).
Na Argentina localiza-se talvez uma das maiores regiões com altas concentrações de As em águas subterrâneas. Na região, cerca de 1,2 milhões de pessoas de áreas rurais dependem de águas subterrâneas
que excedem a concentração de As em 50 µg/L e as concentrações atingiram 4000 µg/L em algumas
áreas. Altas concentrações de As foram detectadas em Córdoba (6 µg/L a 11 mg/L), La Pampa (< 4 a 5280
µg/L) na forma de arsenato. Em outras regiões, como é o caso de Lagunera ( 8 a 624 µg/L) e Sonora (2 a
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A contaminação de águas subterrâneas por arsênio em Bangladesh é considerada a mais grave da história com milhares de pessoas expostas. Estima-se que dos 125 milhões de habitantes do país, entre 35 e 77 milhões de pessoas consomem água contaminada (Smith et al. 2000). A fonte de arsênio é geogênica e não pontual. Os aqüíferos afetados estão hospedados em sedimentos holocênicos com concentrações
variáveis de arsênio, mas que excedem 50 µg/L de As.
No Brasil, os relatos de altas concentrações de As ocorrem principalmente no Quadrilátero Ferrífero (QF) e Vale do Ribeira. Porém, neste último concentrações anômalas foram encontradas somente em duas amostras de água da região apesar de o limite de quantificação da técnica utilizada na
determinação da concentração em amostras de água ser 30µg/L concentração três vezes superior ao limite para águas de consumo humano estabelecido pela portaria 518 do Ministério da Saúde. No Quadrilátero Ferrífero foram realizados vários estudos que comprovam a contaminação de águas e sedimentos por As (Eleutério 1997, Silva 1997, Borba 2002, Pimentel et al. 2003, Gonçalves et al. 2005), mas somente em 2000 um estudo pioneiro sobre contaminação humana foi realizado em Nova Lima e Santa Bárbara por Matschulatt e colaboradores (2002) no qual foi constato a presença de As na urina de crianças de 7 a 14 anos na faixa de 2,2 – 106 µg/L de As. Apesar do histórico de exposição das comunidades nas áreas citadas, ainda não existem evidências de problemas de saúde ligados à contaminação de águas de abastecimento por este metalóide, pois os estudos nesta área de conhecimento são recentes e pouco realizados no país.
2.2 - CARACTERÍSTICAS GEOQUÍMICAS DO ARSÊNIO
O arsênio é metalóide amplamente disseminado na crosta terrestre, ocorrendo como traço em rochas, solos, águas naturais e organismos. Entretanto, altas concentrações podem ocorrer em certas áreas como resultado de intemperismo e atividades antropogênicas como a mineração, queima de combustíveis fósseis e uso de pesticidas (WHO 2001, Smedley & Kinniburg 2002).
O arsênio é associado principalmente com depósitos de sulfetos (Garcia-Sanches & Alavarez-Ayuso 2003). As associações mais importantes são do tipo M(II)AsS, onde M(II) pode ser Fe, Ni, Co e outros com número de oxidação dois. Os principais minerais de arsênio são arsenopirita (FeAsS), cobaltita (CoAsS), niquelina (NiAs), arsênio nativo (As) , trissulfeto de arsênio (AsS3), realgar (AsS). Sendo a
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A oxidação da arsenopirita pode ocorrer através de processos inorgânicos e orgânicos liberando o As para a formação de minerais secundários, como a escordita ou para a sua solubilização em águas superficiais e subterrâneas (Borba 2002).
Em ambientes aquáticos, os compostos de arsênio podem ser encontrados freqüentemente nos estados de oxidação +3 e +5, formando as espécies inorgânicas arsenato [AsO43-] e arsenito [AsO33-] e
orgânicas ácido dimetilarsínico – DMA [(CH3)2AsO(OH)] e ácido monometilarsônico- MMA
[CH3AsO(OH2)] (Carvalho et al. 2004). Em condições moderadas ou com forte potencial de oxidação as
espécies podem ser estabilizadas como uma série de oxiânions pentavalentes (arsenato), H3AsO4,
H2AsO41-, HAsO42- e AsO43-. Entretando, dentro de condições redutoras espécies trivalentes de arsênio são
predominantes (Mandal & Suzuki 2002).
A ordem decrescente de toxicidade dos compostos de arsênio é a seguinte: arsina > arsenito > arsenato > ácidos alquil-arsênicos > compostos de arsônico > arsênio elementar. O arsênio trivalente é 60 vezes mais tóxico que a forma oxidada pentavalente (arsenato). Os compostos de inorgânicos são 100 vezes mais tóxicos que as formas parcialmente metiladas (MMA e DMA) (Barra et al. 2000).
2.2.1 - Geoquímica do arsênio no Quadrilátero Ferrífero
Geograficamente, o As se distribui nas rochas do Quadrilátero Ferrífero, em uma associação restrita com rochas auríferas sulfetadas. A origem do As nas águas se deve a uma anomalia natural desse elemento relacionada ao intemperismo das rochas, acelerada pela exploração sem controle durante o ciclo do ouro e o início da exploração de minérios de ferro e manganês na década de 80.
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Figura 2.1: Ciclo geoquímico do arsênio no Quadrilátero Ferrífero, modificado de Borba 2002.
2.3 – METAIS PRESENTES EM ÁGUAS NATURAIS
2.3.1- Considerações Gerais
Atmosfera
As3+, As5+,MMA, DMMA
ácido metilarsônico(H2AsO3CH
3
)
e dimetilarsênico((CH3)2AsO2H)
Contaminação
Humana
inalação
- escordita (FeAsO4.2H2O)
-kolfanita (Ca2Fe3O2(AsO4)3.2H2O)
- youkonita (Ca7Fe12(AsO4)10(OH)20.15H2O)
- arsenato de Fe, Ca com baixa cristalinidade - As adsorvido/ coprecipitado em goethita e
hematita
Solos/ Sedimentos/ Saprólitos
E ro sã o eó lic a de p ilh as d e re je ito s e so lo s E m is sõ es a tm os fé ri ca s an tr op og ên ic as
Ingestão d e solos
Águas subterrâneas
e
Águas superficiais
As dissovido
As 3+= (H
3AsO3)
As 5+ =(H
2AsO4
-, HAsO
4 -)
Cons umo
de
águacontam inad
a
Dis solu
ção de a
rsen atos
,
dess orçã
o e eros
ão
Prec ipita
ção de a
rsen atos adso rção de As
em o xi-h
idró xido
de Fe
- arsenopirita (FeAsS)
- loellingita (FeAs2)
- pirita (FeS2)
Rochas com mineralização
aurífera sulfetada
Oxida
ção de sulf
etos (intemp erismo ) contam ina ções antropo gên icas Oxida ção de
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No início deste trabalho, o objetivo era o estudo da disponibilidade e absorção de As no bairro Padre Faria e à parte contribuir para o conhecimento da distribuição de metais nas águas que abastecem as residências deste bairro. Por este motivo faz-se neste sub-capítulo uma pequena revisão bibliográfica sobre os metais presentes em águas que possam contribuir para a perda de qualidade da água de abastecimento público
2.3.2- Alumínio (Al)
O alumínio é o mais abundante dos metais na crosta terrestre constituindo cerca de 8%. Este metal ocorre naturalmente no ambiente como componente de silicatos, de óxidos, de hidróxidos, combinados com outros elementos, como sódio e fluoreto, ou complexado pela matéria orgânica. A sua presença em águas de abastecimento público tem, portanto esta como das fontes carreamento destes compostos. Além disso, o uso de sais de alumínio como coagulantes nas estações de tratamento também é um fator que favorece a sua presença nas águas de abastecimento. A concentração de alumínio em águas naturais pode variar significativamente dependendo de fatores físico-químicos e mineralógicos. Em águas com pH
próximo de 7,0 , ela pode variar entre 1 e 50 µg/L (Greenwood & Earnshaw 1998, WHO 2003a).
A intoxicação humana por alumínio tem sido estudada, e a ela já tem sido associada a constipação intestinal, cólica abdominal, a anorexia, náuseas, a fadiga, as alterações do metabolismo do cálcio (raquitismo) e alterações neurológicas com graves danos ao tecido cerebral. Na infância pode causar a hiperatividade e distúrbios do aprendizado. Vários estudos consideram que este metal tem um papel extremamente importante no agravamento do mal de Alzheimer. O seu excesso interfere na absorção do selênio e do fósforo, que são importantes nutrientes para o ser humano (ABMC 2004).
2.3.3- Ferro (Fe)
O ferro é o segundo metal mais abundante constituindo 5% da crosta terrestre. Em sistemas aquáticos o ferro é encontrado como Fe2+ e Fe3+. O íon ferroso (Fe2+) é altamente solúvel em pH
próximos de águas superficiais, enquanto que o íon férrico está associado a compostos pouco solúveis em
pH acima de 5. As concentrações em águas de consumo são geralmente menores que 300 µg/L, mas podem ser maiores que isto em países que usam sais de ferro como agente coagulante em plantas de tratamento de água (Greenwood & Earnshaw 1998, Weiner 2000, WHO 2003b).
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pode causar hemocromatose, um tipo de dano ocorrido em tecidos. Este tipo de manifestação raramente ocorre pelo consumo de água e alimentos somente, mas pode ocorrer pela associação de fatores como o consumo prolongado de alimentos preparados em utensílios de ferro e pela a ingestão de medicamentos que possuam este elemento em sua constituição (Weiner 2000).
2.3.4 – Manganês (Mn)
O manganês ocorre naturalmente em rochas, solos, águas e alimentos é considerado um micro-nutriente, pois é necessário para o bom funcionamento de enzimas, por atuar em funções do sistema nervoso e sobre o crescimento dos ossos. O consumo elevado deste elemento pode causar dores de cabeça, surtos psicóticos, sonolência e/ou doenças relacionadas (Teo & Chen 2001). Em geral, as concentrações
de manganês em águas doces variam de 0,02 a 130 µg/L (Teo & Chen 2001). A portaria 518 do
Ministério da Saúde de 2004 estabelece que a concentração máxima permitida é de 100 µg/L.
2.3.5- Metais pesados
O termo metal pesado tem sido utilizado nas últimas décadas em publicações e em textos da legislação relacionada à contaminação de áreas, risco e uso seguro de produtos químicos. Embora amplamente utilizado, o conceito de metal pesado varia de acordo com o ramo da ciência que o aborda. Assim tem-se o conceito dado na toxicologia (quando se aborda a zootoxicidade), na agronomia (quando se trata da fitotoxicidade) e na química (quando se considera simplesmente a densidade dos materiais) (Duffus 2002). Esta falta de uma definição única no uso do termo leva alguns trabalhos a classificar elementos não-metálicos como “metais pesados”, em virtude unicamente da toxicidade. Este é o caso do arsênio (Eleutério 1997). Neste trabalho, adotar-se-á o critério da densidade para o uso do conceito. O metal com densidade acima de 6 g/cm3 será tratado como metal pesado conforme recomendação da União
Internacional de Química Pura e Aplicada sugerida em artigo publicado por Duffus (2002).
2.3.5.1 - Cádmio (Cd)
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2.3.5.2 -Cobalto (Co)
O cobalto compõe 0,0029% da crosta terrestre, estando presente em mais de 200 minerais. Destes os mais importantes são arsenitos e sulfetos (Greenwood & Earnshaw 1998). Os seres humanos ingerem cobalto através de consumo de alimentos e da água. No organismo, é utilizado somente na forma orgânica presente na vitamina B12 (ABMC 2004).
A resolução 357 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) de 2005 estabelece que para águas das classes 1 e 2 a concentração máxima permitida de 50 µg/L de cobalto total.
2.3.5.3- Cromo (Cr)
Este elemento é o sétimo metal mais abundante na crosta terrestre.Está presente em minerais na forma de Cr(III). O cromo em solos ocorre majoritariamente em forma de óxido insolúvel (CrO3). Em
águas naturais, quando presente esta na forma de cátions (Cr3+) e ânions como cromato (CrO 42-) e
dicromato (Cr2O72-) sendo encontrado em baixas concentrações variam de 0.2 µg/La 20 µg/L com média
de 1µg/L (Eleutério 1997, Weiner 2000, WHO 2003c).
O cromo trivalente é nutriente essencial e não tóxico, atua na prevenção de diabetes e aterioesclerose. Efeitos nocivos à saúde como irritações na pele ulcerações devido a exposições agudas, lesões no fígado, rins e sistema circulatório são causados pelo cromo hexavalente. Agentes oxidantes como cloretos e ozônio oxidam rapidamente o Cr(III) a espécie tóxica Cr(VI) (Weiner 2000). A portaria
518 do Ministério da Saúde limita a concentração de cromo total em águas potáveis a 50 µg/L.
2.3.5.4- Cobre (Cu)
Na natureza, o cobre ocorre na maioria das vezes como minerais contendo cerca de 2% ou menos deste metal. O mineral mais comum é a calcopirita (CuFeS2) encontrada em mais de 50% dos depósitos de
cobre no mundo. As concentrações de cobre na crosta terrestre variam de 24 a 55 ppm (Weiner 2000).
O intemperismo dos depósitos de cobre é a principal fonte para águas naturais, mas concentrações
maiores que 10 µg/L raramente ocorrem em áreas não-poluídas, pois a solubilidade deste metal é limitada pela formação de hidróxido de cobre (Cu(OH)2) e co-precipitação com hidróxidos de metais menos
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metal em águas doces devido a fenômenos como a adsorção em argilas, em óxidos de ferro e em resíduos (Eleutério 1997, WHO 2003d).
O cobre é um nutriente essencial, mas o consumo de altas concentrações pode causar desconforto estomacal e intestinal, danos aos rins, fígado e anemia o conjunto destes sintomas recebe o nome de doença de Wilson (Weiner 2000). A portaria 518 do Ministério da Saúde limita a concentração de cobre em águas potáveis a 2,0 mg/L.
2.3.5.5- Zinco (Zn)
O zinco é um elemento disseminado pela crosta terrestre representando 0,02% (70 mg/kg) de seu peso. Devido a sua alta reatividade não ocorre em seu estado elementar. Ocorre na natureza como sulfeto ou associado com sulfetos de outros metais, principalmente os de cádmio, de cobre, de ferro e de chumbo.
O zinco ocorre em águas naturais tanto na forma de material em suspensão quanto na forma
dissolvida. Em águas naturais a concentração média varia de 2 a 39 µg/L podendo ocorrer na forma adsorvida em material em suspensão, na forma de íons hidratados, ou na forma complexada por material inorgânico ou orgânico. Assim como o cobre, pode ter sua concentração controlada por fenômenos de adsorção em argilas, em matéria orgânica, e em hidróxidos de ferro e alumínio (Eleutério 1997, Weiner 2000, WHO 2001, WHO 2003e).
O zinco é um elemento essencial e não é considerado tóxico para humanos. Aproximadamente 1 g/dia pode ser ingerido sem nenhum efeito indesejável. A dose diária recomendada é de 15 mg/dia para adultos. A portaria 518 do Ministério da Saúde limita a concentração de Zn em água potáveis a 5 mg/L.
2.3.5.6- Níquel (Ni)
O níquel é um metal disseminado pela crosta terrestre constituindo 0,008% da mesma, e estando presente na água, no solo, no ar e na biosfera. O níquel é o metal pesado com maior mobilidade em ambientes aquáticos. Suas concentrações em sistemas não poluídos são fortemente controladas por processos de adsorção e co-precipitação com óxidos de ferro e manganês. Em ambientes poluídos, o níquel forma complexos solúveis com a matéria orgânica. As concentrações de níquel em águas naturais
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A toxicidade do níquel ingerido oralmente é baixa quando comparada ao zinco, cromo e manganês, pois somente cerca de 2 a 3% do níquel é absorvido (WHO 1991). A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) não encontrou efeitos indesejáveis a saúde por curtos períodos de tempo de exposição. Exposições prolongadas podem causar perda de peso, danos ao coração e fígado e dermatites. Não há evidências de potencial cancerígeno por exposição através da água de beber (Weiner, 2000). A resolução CONAMA 357 de 2005 limita o valor de níquel total em águas doces classes 1 e 2
usadas para abastecimento público em 25 µg/L. A portaria 518 do Ministério da Saúde não apresenta limite para este elemento a exemplo da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA).
2.3.5.7- Chumbo (Pb)
O chumbo é um elemento pouco abundante na crosta terrestre, mas seus depósitos são espalhados pelo mundo. O principal minério é a galena (PbS), esta pode sofrer alterações intempéricas formando os minerais anglesita ( PbSO4), cerusita (PbCO3) (ATSDR 2005).
O chumbo pode ser liberado para o ambiente através de atividades mineradoras de Pb e outros metais como Cu, Ni e Cu e de produtos manufaturados de Pb e seus compostos. Até a década 80 o principal meio de exposição era através da adição em derivados de petróleo, mas a partir da implantação da legislação limitando o uso de compostos de chumbo em derivado de petróleo a água tem sido considerada um dos principais meios de exposição nos Estados Unidos (WHO 2003f). No Brasil, as regiões do Vale do Ribeira de Iguape (divisa de São Paulo e Paraná) e Santo Amaro da Purificação (BA) são as mais conhecidas pela contaminação de Pb (Moraes 1997, Carvalho et al. 2003).
A concentração máxima permitida pela portaria 518 do Ministério da Saúde e sugerido pela
Organização Mundial da Saúde de é 10 µg/L.
2.4 – MINIMIZAÇÃO DA INFLUÊNCIA DE FATORES EXTERNOS NA
DETERMINAÇÃO DE METAIS PRESENTES EM URINA
Os principais constituintes da urina são a água (95%), cloreto de sódio (aproximadamente 9 g/L) e uréia (aproximadamente 25 g/L). Além destes componentes, a urina é considerada a principal rota de excreção de muitos metais, e assim pode ocorrer o alumínio, com o arsênio e com o chumbo. Por esta razão urina é muito utilizada como indicador de contaminação recente por estes metais.
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fatores tais como a idade do indivíduo, o seu peso e a quantidade de água consumida está sempre presente, de maneira que as concentrações de espécies em urinas não caracterizam de maneira exclusiva o grau de gravidade da contaminação, pois esta depende das características específicas do indivíduo. Para possibilitar a comparação de resultados de análises de amostras coletadas em circunstâncias diversas, vários procedimentos foram desenvolvidos buscando minimizar as influências dos fatores mencionados (idade e peso do indivíduo, e quantidade de água consumida). Entre estes procedimentos está o que busca expressar os teores de espécies em função da quantidade de creatinina. Esta substância é sempre excretada em quantidade que depende dos fatores mencionados acima, e não sofre reabsorção durante os processos de filtração no sistema renal, de forma que a sua quantidade exprime a intensidade de funcionamento dos rins. Este procedimento de normalização dos resultados em função da creatinina, está estabelecido pela norma regulamentadora 7 (NR-7) de 1994 do Ministério do Trabalho e Emprego para algumas substâncias consideradas tóxicas.
CAPÍTULO 3
ASPECTOS REGIONAIS E A ÁREA DE ESTUDO
No Quadrilátero Ferrífero, o abastecimento público de água é feito principalmente em captações de água das bacias hidrográficas do alto rio das Velhas e do rio Doce. Em alguns locais, como na região de Ouro Preto, há também a utilização de águas de fontessubterrâneas, de águas denascentes diversas ou mesmo de minas abandonadas.
O risco de contaminação de todas essas águas por elementos potencialmente tóxicos deve ser considerado, tendo em vista que já em princípio há a sua interação com as rochas da região.
3.1- CONTEXTO GEOLÓGICO - ESTRATIGRAFIA
A região do Quadrilátero Ferrífero está localizada no sudeste do Cráton São Francisco e foi dividida por Dorr (1969) em quadro unidades litoestratigráficas principais: os complexos metamórficos granito-gnaissicos, o Supergrupo Rio das velhas, o Supergrupo Minas e o Grupo Itacolomi. Ouro Preto localiza-se sobre rochas das três primeiras unidades conforme Figura 3.1, e aí, além dos imensos depósitos de minerais de ferro e de manganês, ocorre ainda a mineralização aurífera hidrotermal (Ribeiro 1998), que
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Figura 3.1: Esboço geológico da cidade de Ouro Preto, modificado de Barbosa (1969) e Quade (1974)
3.1.1- Complexo metamórfico
Esta unidade foi descrita por Carneiro (1992) como uma área que apresenta grande diversidade petrográfica com rochas metamórficas e ígneas subordinadas. Através de estudos no Complexo Metamórfico do Bonfim foi constatada uma idade de 3,2 Ga para o ínicio da evolução geológica deste complexo, que formam o provável embasamento para as rochas supracrustais do Supergrupo Rio das Velhas e do Supergrupo Minas.
3.1.2 - Supergrupo Rio das Velhas
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máxima de 2,857 Ga (Dorr 1963, Schoerscher 1976, Santos et al. 1995, Machado et al.1996). Este Supergrupo é dividido nos grupos Nova Lima e Maquiné.
O Grupo Nova Lima foi dividido por Ladeira (1980) em três unidades: a base, constituída de rochas ultramáficas e máficas intercaladas com formações ferríferas tipo Algoma; a unidade intermediária, metassedimentar química constituída de xistos carbonáticos, metacherts, formação ferrífera bandada (BIF) e filitos intercalados; e a unidade superior, metassedimentar clástica constituída de metaconglomerados, quartzitos e quartzo-xisto.
O Grupo Maquiné sobrepõe-se ao Grupo Nova Lima com níveis conglomeráticos na base, quartzitos maciços e seríciticos, sericita-quartzo-xisto, metaconglomerado oligo e polimíticos e filitos (Dorr 1969).
3.1.3 - Supergrupo Minas
O Supergrupo Minas é uma seqüência metassedimentar paleoproterozóica, que se sobrepõe discordantemente ao Supergrupo Rio das Velhas. Foi descrito inicialmente por Derby (1906) como Série Minas e dividido por Dorr (1969) em quatro grupos: Tamanduá, Caraça, Itabira e Piracicaba. Ladeira e Viverios (1984) apresentaram uma nova classificação litoestratigráfica para o Supergrupo Minas omitindo o grupo Tamanduá.
O Grupo Caraça é representado por sedimentos clásticos (quartzitos e filitos) e divide-se nas formações Moeda e Batatal. O Grupo Itabira é constituído pelas formações Cauê e Gandarela.
A formação Cauê é a unidade mais importante economicamente do Quadrilátero Ferrífero, pois engloba todas as jazidas de ferro da região. Esta unidade é formada essencialmente por formações ferríferas do tipo Lago Superior (Costa 2001, Calvancanti 2003). A Formação Gandarela representada por dolomitos e mármores dolomíticos, constitui a unidade encaixante de depósitos minerais de topázio, ouro e outros (Nalini 1993, Ribeiro 1998).Os dados radiométricos indicam que o começo da sedimentação das formações ferríferas iniciou-se a 2,54 Ga e a idade Pb-Pb para a sedimentação do topo da Formação Gandarela é de 2420 + 19 Ma (Babinsky et al. 1995).
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são representadas por filitos, filito dolomítico, filito grafitoso, dolomitos impuros, clorita-xisto, grauvacas quartzito fino e maciço e cherts.
3.1.4 - Grupo Itacolomi
O Grupo Itacolomi foi descrio por Dorr (1969) como uma seqüência de rochas supracrustais que capeiam o Supergrupo Minas. Este é composto por quartzitos, quartzitos conglomeráticos, filitos e quartzitos filíticos. Conforme o mencionado acima, na região de Ouro Preto não comparece este grupo.
3.2 - CARACTERIZAÇÃO E LOCALIZAÇÃO DA ÁREA ESTUDADA
A cidade Ouro Preto está localizada no sudeste do Quadrilátero Ferrífero. Nesta região ocorrem mineralizações sulfetadas com rochas enriquecidas com arsênio e também outros elementos tais como a prata, o antimônio, o boro e em menores quantidades o cobre, o chumbo e o zinco (Borba 2002). Portanto, há uma nítida possibilidade de contaminação geogênica das águas naturais aí presentes, por estes elementos.
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A escolha deste local de estudo foi feita com base em trabalhos anteriores que mostraram a ocorrência de arsênio na água da captação pública denominada da Piedade, que é uma das fontes oficiais de abastecimento do referido bairro. Esta captação foi monitorada bimestralmente durante o ano de 2003 com relação ao pH, Eh, condutividade elétrica, sólidos totais dissolvidos, temperatura medidos em situ e concentração de metais determinados por espectroscopia óptica de emissão atômica com fonte de plasma indutivamente acoplada (ICP-OES) e As determinada por voltametria de onda quadrada com redissolução catódica com gota de mercúrio pendente. Além desta captação, o bairro Padre Faria é abastecido pela Estação de Tratamento de Água Itacolomy onde a água recebe somente cloro para a desinfecção e em seguida é distribuída à população. Estes trabalhos foram desenvolvidos no contexto do projeto denominado Águas de Ouro Preto (Gonçalves et al. 2005), elaborado logo após a constatação da presença de arsênio em águas de outras regiões do Quadrilátero Ferrífero (Borba 2002).
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Figura 3.4: Captação de água localizada no interior de mina abondonada na Rua Santa Rita
CAPÍTULO 4
METODOLOGIA
Este capítulo aborda os materiais e procedimentos adotados na execução do trabalho. Antes de tudo, foi realizado um levantamento de material bibliográfico referente a fatos de contaminação de águas e seres humanos por metais potencialmente tóxicos (principalmente pelo arsênio), referentes aos tipos de mineralizações presentes na região de Ouro Preto, e referentes a trabalhos já realizados a cerca de casos de contaminação na mesma região. Em seguida fez-se a escolha do local para o estudo.
Dentro da seqüência ordinária em estudos desta natureza, o projeto foi então submetido à análise pelo conselho de ética (CEP-UFOP), conforme estabelecido pelas normas da Resolução número 196 do Conselho Nacional de Saúde de 10 de outubro de 1996. Nesta ocasião recebeu como número 2005/48 – FR - 057445 – CAAE – 001.0.238.000-05. Após este procedimento iniciou-se a execução propriamente dita do projeto, cujas etapas estão descritas a seguir. O diagrama da figura 4.1 apresenta uma visão geral das etapas executadas.
4.1 – AMOSTRAGEM
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essencial para o diagnóstico de manifestações como lesões na pele. Além disso, residências abastecidas por uma única caixa d’água foram computadas como uma única residência.
Figura 4.1: Fluxograma representando a seqüência de operações utilizada na execução do trabalho
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da água utilizada para consumo, o tempo de residência no local, a idade, e eventuais problemas de saúde. Finalmente amostras de água eram colhidas na casa. As amostras de urina dos moradores também eram coletadas 4 dias após a amostragem de água.
Constatadas a existência de fontes públicas de água na forma de bicas e reservatórios no interior de minas antigas ao longo do bairro, amostras de água também foram coletadas nestes locais.
4.1.1 – Coleta e conservação de amostras de água
Frascos de poli(teraftalato de etileno) (PET) de 100 mL a serem utilizados foram previamente lavados, segundo o seguinte procedimento: enxágüe prévio com água destilada, manutenção em solução de ácido nítrico a 2,5% durante 24 horas, e enxague abundante final com água deionizada.
Foram então coletadas as 43 amostras de água de torneira de pias das residências selecionadas. Estas foram filtradas em membranas de acetato de celulose de 0,45 µm, acidificadas até pH menor que 2 utilizando-se HNO3 Merck 65% , e preservadas a 4 oC em laboratório para posterior análise de metais e
metalóides.
4.1.2 – Coleta e conservação de amostras de urina
Foram coletadas 33 amostras de urina em frascos de polietileno de 50 mL, convencionalmente utilizados para este fim em laboratórios de análises clínicas. Os frascos foram entregues lacrados aos moradores, e estes foram orientados a recolher a primeira urina da manhã, quatro dias após a coleta de água. Este número de dias foi estabelecido, baseando-se no que se supõe como tempo de permanência do arsênio no organismo humano (Mazumder 2000).
A diferença do número de amostras de urina e água se deve a amostragem de fontes de água alternativas como a coleta de água de minas. Além disso, alguns moradores que participaram da pesquisas não entregaram as amostras de urina por terem esquecido de coletá-la.
As amostras de urina foram homogeneizadas e divididas em duas alíquotas: uma de 5 mL que foi encaminhada imediatamente ao laboratório de análises clínicas para a dosagem de creatinina, e outra de 45 mL que foi armazenada a 4 oC e destinada à análise de metais e metalóides .
4.2 – TÉCNICAS E MÉTODOS DE ANÁLISES
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4.2.1 – Determinação da concentração de creatinina
Alíquotas de amostras de urina foram encaminhadas imediatamente após a coleta para a determinação do teor de creatinina. A creatinina foi usada como fator de normalização nas concentrações de metais determinados na urina. Tal procedimento é normalmente adotado com o intuito de contornar-se a influência de fatores externos aleatórios tais como a diluição da urina em virtude de quantidades variadas de água ingerida em um dia, de diferenças nas massas corporais dos indivíduos, de diferenças nas idades dos indivíduos (Matschullat et al.2000). A creatinina é formada pelo metabolismo da creatina, uma proteína presente nos músculos, e é por isso que está relacionada com a massa muscular. A conversão da creatina em creatinina é praticamente constante, 2% da creatina produzida é convertida em creatinina.
As análises foram realizadas no laboratório de análises clínicas (LAPAC) da Escola de Farmácia desta universidade, pelo método do Picrato Alcalino (Henry 1974) utilizando-se um kit In Vitro Diagnóstica® contendo uma solução de ácido pícrico 44,4 mmol/L; uma segunda solução contendo
carbonato de sódio 75,5 mmol/L, hidróxido de sódio 112,5 mmol/L e laurilsulfato de sódio 69 mmol/L; e uma terceira solução contendo ácido acético 8,75 mol/L. A solução padrão de creatinina possuía concentração de 3 mg/dL e passou pelo mesmo procedimento de análise.
A metodologia consiste primeiramente em diluir 25 vezes a amostra utilizando água destilada, retirar-se uma alíquota de 0,50 mL e adicionar-se 1,0 mL da solução ácido pícrico, seguida de 4,0 mL da solução de carbonat de sódio, hidróxido de sódio e laurilsulfato de sódio. Esta mistura permaneceu em repouso por 20 minutos a temperatura ambiente para a formação do complexo picrato de creatinina de coloração amarela intensa. O branco é constituído de água destilada e dos reagentes citados acima. O padrão de creatinina foi tratado utilizando-se os mesmos reagentes mencionados acima. A leitura foi realizada em comprimento de onda de 510 nm em espectrofotômetro UV/Visível marca WIENIER modelo Airone 200. O aparelho foi ajustado com a leitura do branco, sendo esta tomada como o zero de leitura. A concentração de creatinina na amostra foi calculada através da equação seguinte.
Ccreatinina = (Cp/ Ap)x Aa x FD ,
onde Cp representa a concentração do padrão, Ap a absorvância do padrão, Aa a absorvância da amostra e FD o fator diluição da amostra.