Autor: Thales Boaventura Rachid Nascimento
Orientadora: Dra. Maria Fátima Glaner
Brasília - DF
2012
APTIDÃO AERÓBIA E ADIPOSIDADE CORPORAL NA
ASSOCIAÇÃO ENTRE O GENE APOE E A LIPEMIA SÉRICA
DE ADOLESCENTES
Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
THALES BOAVENTURA RACHID NASCIMENTO
APTIDÃO AERÓBIA E ADIPOSIDADE CORPORAL NA ASSOCIAÇÃO ENTRE O GENE APOE E A LIPEMIA SÉRICA DE ADOLESCENTES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Educação Física.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Fátima Glaner
12,5 cm
7,5 cm 7,5cm
N244a Nascimento, Thales Boaventura Rachid
Aptidão aeróbia e adiposidade corporal na associação entre o gene apoe e a lipemia sérica de adolescentes. / Thales Boaventura Rachid Nascimento – 2012.
70f. ; il.: 30 cm
Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2012. Orientação: Profa. Dra. Maria Fátima Glaner
1. Aptidão física. 2. Adolescentes. 3. Obesidade. 4. Saúde escolar. I. Glaner, Maria Fátima, orient. II. Título.
CDU 796-053.6
Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB
D is s e r t a y c 3 0 d e a u t o r ia d e T h a le s B o a v e n t u r a R a c h id N a s c im e n t o, in t it u la d a :
"APTIDAO AEROBIA E ADIPOSIDADE CORPORAL NA ASSOCIACAO ENTRE 0
GENE APOE E A LIPEMIA SERICA DE ADOLESCENTES" a p r e s e n t a d a , c o m o
r e q u is it o p a r c ia l p a r a o b t e n y c 3 o d o g r a u d e M e s t r e e m E d u c a y c 3 0 F is ic a d a
U n iv e r s id a d e C a t 6 1 ic a d e B r a s ilia, e m 1 3 d e m a r y o d e 2 0 1 2 , d e f e n d id a e a p r o v a d a
p e la b a n c a e x a m in a d o r a a b a ix o a s s in a d a :
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P r o f a . D r a . M a r ia C e c ilia F o r m o s o A s s u n y c 3 0
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B r a s ilia
A Deus, por ter me dado saúde e uma boa família, além de sempre ter colocado
pessoas boas em meu caminho.
Aos meus pais, Júlio Cesar Rachid do Nascimento e Heloiza Helena Boaventura
Rachid do Nascimento, por terem trabalhado muito para que eu e meus irmãos pudéssemos
ter um ambiente familiar estruturado e saudável.
À minha amiga, namorada, conselheira e revisora Luziene Amâncio Delmonde.
Muito obrigado meu anjo. Seu companheirismo ao longo deste processo fez com que essa
jornada fosse mais suave. Uma parte desta conquista também é sua.
Aos membros da banca examinadora, Professor Doutor Otávio de Toledo Nóbrega e
Doutora Maria Cecília Formoso Assunção. Obrigado pela disponibilidade e valiosos
apontamentos.
Ao professor Vinicius Carolino de Souza, pelo auxilio prestado durante as análises
genéticas. Obrigado pela sua prontidão e boa vontade.
Ao Núcleo de Pesquisa em Cineantropometria e Desempenho Humano (Nucidh)
(assim não corro o risco de deixar ninguém de fora) pela acolhida em minha estada em
Florianópolis. O trabalho desempenhando e o convívio entre vocês é um exemplo. Sinto-me
um privilegiado por ter participado, mesmo que por um breve período, desse grandioso grupo.
Obrigado por contribuírem em minha formação.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela
concessão da bolsa de estudos.
Por último, agradeço à Professora Doutora Maria Fátima Glaner, pessoa com papel
ímpar em minha formação. Desde o final da graduação até os dias de hoje, a senhora tem
dispensado o seu tempo a minha causa. Obrigado pelos Chopps (preferencialmente os de
trigo), pela orientação na graduação (não vou esquecer o dia em que a senhora foi assistir ao
meu TCC), pela viagem a Saudades e as idas aos congressos, pelos livros e conselhos, pelas
orientações para o ingresso, progresso e conclusão do mestrado, pelo período de estudo na
Universidade Federal de Santa Catariana, entre outras tantas. Enfim, creio que seja
impossível retribuir o que a senhora fez por mim. Realmente, ser Doutor é muito mais que um
Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé.
NASCIMENTO, Thales Boaventura Rachid. APTIDÃO AERÓBIA E ADIPOSIDADE CORPORAL NA ASSOCIAÇÃO ENTRE O GENE APOE E A LIPEMIA SÉRICA DE ADOLESCENTES. Dissertação de Mestrado em Educação Física – Universidade Católica de Brasília. - Taguatinga, DF, 2012.
Objetivo - Analisar a associação entre os alelos da APOE e a lipemia sérica dos adolescentes classificados conforme o nível de aptidão aeróbia (AA) e de adiposidade corporal (AC). Material e Método - Estudo observacional e de corte transversal realizado, no ano de 2008, em Saudades, Santa Catarina. A amostra foi composta por escolares da rede pública de ensino, sendo 105 rapazes (49% rurais) e 151 moças (46% rurais), 11 a 17 anos, euro-descendentes. Foram coletadas informações referentes aos genótipos da APOE, lipemia sérica, AA (1600m), AC (dobras cutâneas), perímetro do abdômen e maturação sexual. Considerou-se como desfecho colesterol total (CT), lipoproteína de baixa densidade (LDL) e triglicerídeos elevados, e baixa lipoproteína de alta densidade (HDL), e como variável independente os genótipos da APOE (ε2=ε2/3, ε3=ε3/3 e ε4=ε3/4+ε4/4). As análises de associação foram realizadas por nível de AA (adequada e baixa) e AC (adequada e elevada). Utilizou-se a regressão de Poisson (p <0,05), com ajuste robusto para variância. Resultados - O alelo mais prevalente foi o ε3 (78,9%), seguido do ε4 (16,1%) e ε2 (5,0%). A prevalência de AC elevada foi de 60,0% e da baixa AA de 25,8%, sendo maior entre os rapazes (44,8%). Por meio da razão de prevalência ajustada, em comparação ao alelo ε2, naqueles com AA adequada a probabilidade de ter CT elevado foi maior nos portadores do alelo ε3 (39%) e ε4 (47%). No que se refere a LDL elevada, a maior probabilidade foi observada nos portadores
do alelo ε3 (30%) e ε4 (49%), bem como no ε4 (15%) em relação ao ε3. Uma menor
probabilidade de ter HDL baixa foi observada nos portadores do alelo ε3 (20%) e ε4 (19%). Naqueles com AA baixa foi observada associação, apenas, com o triglicerídeo, sendo que os portadores do alelo ε3 (45%) e ε4 (56%) apresentaram maior probabilidade de ter elevados valores dessa variável. Naqueles com AC adequada, tendo como referência o alelo ε2, a probabilidade de ter CT elevado foi maior nos portadores do alelo ε3 (44%) e ε4 (43%). No que se refere a LDL elevada, a maior probabilidade foi observada, somente, naqueles com o
ε4 (37%). A probabilidade de ter HDL baixa foi menor nos portadores do alelo ε3 (28%) e ε4 (22%). Naqueles com AC elevada a maior probabilidade de ter CT elevado foi observada,
apenas, naqueles com o alelo ε4 (24%). No que se refere a LDL elevada, a maior
probabilidade foi observada naqueles com o alelo ε3 (30%) e ε4 (48%), bem como no ε4 (13%) em relação ao ε3. Uma maior probabilidade de ter triglicerídeo elevado foi observada naqueles com o ε3 (21%). Conclusão - AA parece modular a associação dos alelos da APOE com a lipemia sérica, sugerindo que níveis adequados de AA tem maior efeito em reduzir o
CT e as LDL nos portadores do alelo ε2, bem como aumentar a HDL e reduzir os
triglicerídeos naqueles com ε3 e ε4. Independente da AC, a probabilidade de ter CT e LDL elevada é maior nos portadores do alelo ε4 em relação ao ε2.
NASCIMENTO, Thales Boaventura Rachid. AEROBIC FITNESS AND BODY ADIPOSITY ON ASSOCIATION BETWEEN APOE GENE AND SERUM LIPEMIA IN ADOLESCENTS. Physcial Education Dissertation – Catholic University of Brasilia. Taguatinga, DF, 2012.
Objective - to analyze the association between APOE alleles and serum lipemia in adolescents according aerobic fitness (AF) and body adiposity (BA). Material and Methods - A cross-sectional observational study conducted in Saudades, Santa Catarina, in 2008. The sample included adolescents from public school,105 boys (49% from a rural area) and 151 girls (46% from a rural area) of European descent, aged 11 to 17 years. Information about APOE genotype, serum lipemia, AF (1600m), BA (skinfold thickness), abdominal perimeter and pubertal stage were collected. Elevated total cholesterol (TC), low-density lipoprotein (LDL) and triglycerides, as well as, low levels of high-density lipoprotein were the outcomes, and APOE genotypes (ε2=ε2/3; ε3=ε3/3 and ε4=ε3/4+ε4/4) were considered as independent variable. The association analyses were performed according AF (adequate and low) and BA (adequate and high) level. Considering p <0.05, Poisson regression with a robust error variance was used. Results – The allele ε3 was the most frequent (78.9%), followed by ε4 (16.1%) and ε2 (5.0%). Sixty percent of the sample had high BA, whereas the low AF was observed in 25.8%, higher (p<0.05) among boys (44.8%). By adjusted prevalence ratios, when compared to ε2 carriers, in the group with adequate AF the probability of elevated TC was higher among ε3 (39%) and ε4 (47%) carriers. Regarding the elevated LDL, the higher probability was observed among ε3 (30%) and ε4 (49%), as well as in ε4 (15%) than ε3 carriers. A lower probability of low HDL was observed in ε3 (20%) and ε4 (19%) carriers. In the group with low AF, it was observed association, only, with triglycerides, showing that ε3 (45%) and ε4 (56%) carriers exhibited a higher probability of elevates triglycerides. In the group with adequate BA, when compared to ε2 carriers, the probability of elevated TC was
higher among ε3 (44%) and ε4 (43%) carriers. Concerning the elevated LDL, a higher
probability was observed, only, among ε3 (37%) carriers. The probability to have low HDL was observed among ε3 (28%) and ε4 (22%) carriers. In the group with high BA, only ε4 (24%) carriers exhibited a higher probability to have elevated CT. Regarding the elevated LDL, a higher probability was observed among ε3 (30%) and ε4 (48%), as well as in ε4 (13%) than ε3 carriers. A higher probability of elevated triglycerides was observed in ε3 (21%) carriers. Conclusion - AF seems modulates the association between APOE alleles and serum lipemia in adolescents, suggesting that adequate AF levels exerting a greater effect of reducing TC and LDL in ε2 carriers, as well as of increasing HDL and reducing triglycerides in those carrying the ε3 and ε4 allele. Independent of BA, the probability of elevated TC and LDL is higher among ε4 than ε2 carriers.
1 INTRODUÇÃO... 10
2 OBJETIVOS... 13
2.1 OBJETIVO GERAL ... 13
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 13
3 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA ... 14
4 REVISÃO DE LITERATURA ... 16
4.1 APTIDÃO AERÓBIA ... 16
4.2 GORDURA CORPORAL ... 18
4.3 LIPOPROTEÍNAS... 20
4.4 GENE APOE ... 24
4.5 GENE APOE, LIPEMIA E ATIVIDADE FÍSICA ... 27
4.6 GENE APOE, LIPEMIA E ADIPOSIDADE CORPORAL ... 29
5 MATERIAL E MÉTODO ... 32
5.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA ... 32
5.2 POPULAÇÃO E AMOSTRA ... 32
5.3 PROCEDIMENTOS PARA COLETA DE DADOS ... 33
5.4 VARIÁVEIS MENSURADAS ... 34
5.5 COLETAS SANGUÍNEAS ... 36
5.5.1 Lipemia sérica ... 37
5.5.2 Obtenção do DNA genômico ... 38
5.5.3 Quantificação do DNA ... 39
5.5.4 Amplificação do DNA... 40
5.5.5 Identificação dos genótipos ... 41
5.6 TRATAMENTO ESTATÍSTICO... 42
6 RESULTADOS ... 43
7 DISCUSSÃO ... 49
8 CONCLUSÕES ... 56
9 REFERÊNCIAS ... 57
10 ANEXOS ... 66
10.1 ANEXO I - CARTA AOS PAIS ... 66
10.2 ANEXO II - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO... 68
1 INTRODUÇÃO
As doenças do aparelho circulatório são, em ambos os sexos, a principal causa de
morte no Brasil. Dentro desse grupo de doenças, as isquêmicas do coração, representadas
principalmente pelo infarto agudo do miocárdio, ocupam o segundo lugar, ficando atrás
apenas das cerebrovasculares (BRASIL, 2009). O desenvolvimento e o acometimento pelas
doenças cardiovasculares estão associados a diversos fatores, dentre eles a obesidade total
(BRAY, 2004) e abdominal (CASANUEVA et al., 2010), a baixa aptidão aeróbia (KODAMA
et al., 2009), a fatores genéticos (SONG; STAMPFER; LIU, 2004) e as dislipidemias
(NCEP-ATP III, 2002; SHARRETT et al., 2001; YARNELL et al., 2001).
Os distúrbios de lipemia sérica estão associados às doenças cardiovasculares na fase
adulta (NCEP III, 2002) e ao processo aterosclerótico em todas as fases da vida (LAMOTTE
et al., 2011; PARAMSOTHY et al., 2010). Em escolares brasileiros, vários estudos têm
evidenciado a presença de distúrbios de lipemia sérica (CAMPOS et al., 2010; CANDIDO et
al., 2009; RODRIGUES et al., 2009; RIBAS; SILVA, 2009; BERGMANN; HALPERN;
BERGMANN, 2008; STABELINI NETO et al., 2008; FRANÇA; ALVES, 2006; GRILLO et
al., 2005; GIULIANO et al., 2005), com prevalência de valores limítrofes e elevados de
25,92% para o LDL (RODRIGUES et al., 2009). Sendo assim, uma parcela significativa
dessa população se encontra em situação favorável ao desenvolvimento de doenças
cardiovasculares relacionadas às dislipidemias.
A lipemia sérica se associa inversamente com a aptidão aeróbia (KWON; BURNS;
JANZ, 2010) e diretamente com os níveis de adiposidade corporal total (LAMB et al., 2011;
DAÍ et al., 2009) e abdominal (DAÍ et al., 2009). Adolescentes com maior aptidão aeróbia
exibem menores concentrações de colesterol total (CT), lipoproteína de baixa densidade (LDL
- do inglês, low-density lipoprotein) e triglicerídeos, e maiores de lipoproteína de alta
densidade (HDL - do inglês, high-density lipoprotein) (KWON; BURNS; JANZ, 2010), ao
passo que aqueles com menores níveis de adiposidade corporal apresentam menor prevalência
de valores elevados dessas variáveis (LAMB et al., 2011).
Em escolares brasileiros, a presença de adiposidade corporal total (SILVA; PACINNI;
GLANER, 2007; RONQUE et al., 2007; GLANER, 2005; PEZZETTA et al., 2003;
GLANER, 2002) e abdominal (SILVA et al., 2011b; ANDREASI et al., 2010;
al., 2010; DÓREA et al., 2008; VASQUES; DA SILVA; LOPES, 2007; SILVA; PACINNI;
GLANER, 2007; GLANER, 2005; SERASSUELO JÚNIOR et al., 2005) é evidenciada em
vários estudos, com prevalências de sobrepeso/obesidade de 56,22% para as moças e 36,75%
para os rapazes, baixa aptidão aeróbia de 29,04% para as moças e 38,42% para os rapazes
(GLANER, 2002), e com prevalência de obesidade abdominal de até 42,5% (ANDREASI et
al., 2010). Desse modo, uma parcela significativa de escolares brasileiros está propensa ao
desenvolvimento de uma lipemia sérica aterogênica, e por consequência, ao desenvolvimento
de doenças cardiovasculares.
Além da aptidão aeróbia e da adiposidade corporal total e abdominal, a lipemia sérica é
influenciada por fatores genéticos tal como pelo gene da apolipoproteina-E (APOE)
(BENNET et al., 2007), o qual apresenta três alelos principais, épsilon três (ε3), épsilon
quatro (ε4) e épsilon dois (ε2) e seis genótipos (ε2/2, ε3/3, ε4/4, ε2/3, ε2/4 e ε3/4) (RIBALTA
et al., 2003).
Em regra, adultos (ALVIM et al., 2010; BERNSTEIN et al., 2002; CORELLA et al.,
2001) e adolescentes (NGHIEM et al., 2004; DE FRANÇA et al., 2004) portadores do alelo
ε2 apresentam menores concentrações séricas de CT e LDL, enquanto o oposto é evidenciado
naqueles com o alelo ε4 (NASCIMENTO et al., 2009; MEDINA-URRUTIA et al., 2004;
BERNSTEIN et al., 2002; CORELLA et al., 2001). Entretanto, a associação dos alelos da
APOE com a lipemia sérica parece diferir em relação ao nível de atividade física
(PSICIOTTA et al., 2003; CORELLA et al., 2001) e adiposidade corporal (NASCIMENTO
et al., 2009; MEDINA-URRUTIA et al., 2004; TAN et al., 2003; PARLIER et al., 1997;
GUERRA et al., 2003).
A aptidão aeróbia é um dos mais importantes componentes da aptidão física
relacionada à saúde (RUIZ et al., 2006) e se relaciona mais fortemente com fatores de risco
cardiovascular do que os níveis de atividade física (HURTIG-WENNLÖ et al., 2007). Ainda
assim, a sua interação na relação do gene APOE com a lipemia sérica dos adolescentes ainda
não foi investigada.
As dobras cutâneas são melhores indicadores de adiposidade corporal do que o índice
de massa corporal (IMC) (GLANER, 2005; KHONGSDIER, 2005; FREEDMAN et al.,
2007) e apresentam melhor relação com a lipemia (PLOURDE, 2002). No entanto, os estudos
que investigaram a relação do gene APOE com a lipemia sérica de crianças e adolescentes
obesos usaram o IMC para o diagnóstico do sobrepeso/obesidade (NASCIMENTO et al.,
Diante do exposto, surge o seguinte questionamento, há diferença na associação entre
os alelos da APOE e a lipemia sérica dos adolescentes com diferentes níveis de aptidão
aeróbia e adiposidade corporal? Para responder esta incógnita foi estabelecido o objetivo a
2 OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
Analisar a associação entre alelos da APOE e lipemia sérica de adolescentes
classificados conforme o nível de aptidão aeróbia e de adiposidade corporal.
Para atender ao objetivo geral foram estabelecidos os seguintes objetivos:
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
- Verificar a prevalência dos alelos e genótipos da APOE.
- Verificar a prevalência de dislipidemias, aptidão aeróbia baixa, adiposidade corporal
e perímetro do abdômen elevado.
- Analisar a associação entre os alelos da APOE e a lipemia sérica de adolescentes
classificados com aptidão aeróbia adequada e baixa.
- Analisar a associação entre os alelos da APOE e a lipemia sérica de adolescentes
3 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA
Na população adulta brasileira as doenças cardiovasculares são a principal causa de
morte (BRASIL, 2008), gerando um elevado custo financeiro (AZAMBUJA et al., 2008).
Ademais, elas têm seu inicio nas fases iniciais da vida, haja vista que o processo
aterosclerótico é observado em crianças e adolescentes (LAMOTTE et al., 2011).
O desenvolvimento e o acometimento pelas doenças cardiovasculares estão associados
à obesidade (BRAY, 2004), à baixa aptidão aeróbia (KODAMA et al., 2009) e às
dislipidemias (NCEP-ATP III, 2002; SHARRETT et al., 2001; YARNELL et al., 2001).
Portanto, identificar a presença desses fatores de risco na fase jovem é importante, para que as
medidas preventivas possam ser direcionadas e iniciadas o quanto antes.
A maioria dos estudos (BERGMANN; HALPERN; BERGMANN et al., 2008;
GRILLO et al., 2005; GIULIANO et al., 2005) que avaliaram a lipemia sérica de crianças e
adolescentes da região Sul do Brasil adotaram valores de referência menos rigorosos do que
aqueles propostos pela I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e na Adolescência
(2005). Assim, a prevalência de dislipidemias nessa região pode estar sendo subestimada, o
que remete a necessidade de realizar estudos recentes que se utilizem de pontos de corte
atualizados.
Embora o gene APOE apresente significativa capacidade modulatória sobre a lipemia
sérica de crianças e adolescentes (DE FRANÇA et al., 2004; MEDINA-URRUTIA et al.,
2004; NASCIMENTO et al., 2009; OKADA et al., 1998; SANGHERA et al., 1996; THU et
al., 2004), apenas um estudo (DE FRANÇA et al., 2004) com adolescentes brasileiros foi
encontrado. Desse modo, as informações acerca da relação do gene APOE sobre a lipemia
sérica dos escolares brasileiros são escassas.
Os estudos que investigaram a relação desse gene com a lipemia sérica de crianças e
adolescentes obesos usaram para o diagnóstico da obesidade o IMC (NASCIMENTO et al.,
2009; GUERRA et al., 2003; PARLIER et al., 1997), o qual não possibilita distinguir massa
gorda e massa magra (SNIJDER et al., 2006). Assim, estudos com essa mesma temática e que
empreguem indicadores mais acurados de adiposidade corporal se fazem necessários.
Com amostra de crianças e adolescentes foi encontrado apenas um estudo (TAIMELA
et al., 1996) que investigou a relação gene APOE, lipemia sérica e atividade física.
Adicionado a isso, a aptidão aeróbia se relaciona mais fortemente com os componentes da
Portanto, estudos em adolescentes e que analisem o efeito da aptidão aeróbia na relação do
4 REVISÃO DE LITERATURA
Este capítulo tem como objetivo proporcionar ao leitor um conhecimento teórico
acerca das variáveis estudadas e de suas relações. Para tanto, será realizada uma descrição
breve sobre a aptidão aeróbia e a adiposidade corporal, bem como sua relação com os fatores
de risco cardiovascular. Na sequência, serão abordados sucintamente as lipoproteínas e seu
metabolismo. Por fim, será descrito o gene APOE, bem como sua interação com a atividade
física e a adiposidade corporal sobre a lipemia sérica.
4.1 APTIDÃO AERÓBIA
A aptidão aeróbia é a capacidade do corpo de realizar um esforço físico dinâmico e
submáximo, que envolva grandes grupos musculares, por um tempo prolongado. Essa reflete
a capacidade do coração em bombear, e dos vasos sanguíneos em conduzir o sangue, bem
como dos pulmões em captar e dos músculos esqueléticos em utilizar o oxigênio (ACSM,
2007). Dos componentes da aptidão física relacionada à saúde, a aptidão aeróbia é um dos
mais importantes (RUIZ et al., 2006).
O consumo máximo de oxigênio (VO2 máx), o qual pode ser expresso em termos
absolutos (L/min) ou relativos (ml.kg.min), é o indicador da eficiência/aptidão do sistema
cardiorrespiratório (ACSM, 2007). Embora os fatores genéticos sejam responsáveis por uma
parcela expressiva da aptidão aeróbia (até 50%) (TIMMONS et al., 2010), indivíduos com
maiores níveis de atividade física apresentam maiores valores de VO2 máx (HANDS et al.,
2009).
Em adultos, a baixa aptidão aeróbia é um forte preditor para a mortalidade por todas as
causas, independentemente dos valores de gordura corporal e de sua distribuição (SUI et al.,
2007). Além disso, o desenvolvimento de doenças como o diabetes, a hipertensão
(CARNETHON et al., 2003) e as doenças cardíacas (KODAMA et al., 2009) está associado à
baixa aptidão aeróbia.
Por outro lado, adultos com uma adequada aptidão aeróbia apresentam uma redução
na mortalidade por todas as causas, bem como por doenças cardíacas (KODAMA et al.,
máx foi observada uma redução de 17-29% e 28-51% em eventos cardíacos não fatais e fatais
em indivíduos com e sem fatores de risco, respectivamente (LAUKKANEN et al., 2004).
Na infância e adolescência, a aptidão aeróbia se relaciona com diversos fatores de
risco para doenças cardiovasculares. No que se refere aos fatores de risco antropométricos, a
gordura corporal relativa se correlaciona inversamente com o desempenho no teste de aptidão
aeróbia em adolescentes de ambos os sexos (MOLINDER-URDIALES et al., 2011;
MARQUES-VIDAL et al., 2011). A baixa aptidão aeróbia confere maior chance de ter
adiposidade corporal elevada (SILVA et al., 2011a). Ademais, ela é a que mais explica as
variações no IMC (DUMITH et al., 2010) e no somatório de dobras cutâneas nos rapazes
(MOLINDER-URDIALES et al., 2011).
Em relação aos fatores de risco bioquímicos, menores concentrações de CT, LDL e
triglicerídeos, e maiores de HDL (KWON; BURNS; JANZ, 2010), bem como uma menor
chance de ter síndrome metabólica (JANSSEN; CRAMP, 2007) são observadas em
adolescentes com maior aptidão aeróbia. Ademais, essa valência física se relaciona mais
fortemente com fatores de risco cardiovascular do que os níveis de atividade física
(HURTIG-WENNLÖ et al., 2007). Por outro lado, moças e rapazes com baixa aptidão aeróbia
apresentam maior chance de ter hipercolesterolemia e HDL baixa
(CARNETHON; GULATI; GREENLAND, 2005).
A resistência à insulina é um mecanismo chave na gênese dos fatores de risco
cardiovasculares. Nesse sentido, a aptidão aeróbia/atividade física desempenha papel
expressivo na prevenção e controle dessa desordem metabólica, pois o VO2 máx se relaciona
inversamente e explica 20% da variação da resistência à insulina (KASA-VUBU et al., 2005),
sendo que o aumento dos níveis de atividade, representado pela prática de exercício físico,
promove aumento da sensibilidade à insulina (periférica e hepática), independente dos níveis
de adiposidade (VAN DER HEIJDEN et al., 2009). Além disso, a prática de exercício físico
eleva a atividade das enzimas envolvidas no metabolismo das lipoproteínas (DUNCAN et al.,
2003), bem como reduz a circunferência abdominal e a gordura corporal relativa (SUN et al.,
2011).
Em escolares brasileiros, baixos valores de aptidão aeróbia são observados em vários
estudos (ANDREASI et al., 2010; DÓREA et al., 2008; VASQUES; DA SILVA; LOPES,
2007; SILVA; PACCINI; GLANER, 2007; GLANER, 2002; SERASSUELO JÚNIOR et al.,
2005). Como ilustração, no estudo de Glaner (2002), realizado com escolares do estado de
Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a prevalência de baixa aptidão aeróbia foi da ordem de
desses indivíduos está mais suscetível ao acometimento por distúrbios de lipemia sérica e pela
obesidade.
4.2 GORDURA CORPORAL
Os lipídeos são substâncias orgânicas, insolúveis em água, mas solúveis em solventes
orgânicos. Esses podem ser classificados em simples, compostos e variados (GUYTON;
HALL, 2002).
A gordura corporal é um tipo de lipídio, o simples, representado em sua maior parte
pelos triglicerídeos (três moléculas de ácidos graxos ligadas a uma de glicerol). O principal
local de armazenamento dos triglicerídeos é o tecido adiposo, uma vez que 90% da gordura
corporal encontram-se armazenada nesse local. Desse modo, a função de tal tecido é a de
armazenar os triglicerídeos para que estes sejam utilizados como fonte de energia quando
necessário (GUYTON; HALL, 2002).
Quantidades mínimas de gordura corporal são necessárias para que as funções
fisiológicas do corpo sejam mantidas. Tal gordura é denominada de essencial. Acima das
quantidades mínimas necessárias, todo o excedente é tido como gordura não essencial
(GUYTON; HALL, 2002). Quantidade excessiva de gordura corporal (doravante
denominados de adiposidade corporal elevada) está associada a diversas enfermidades como o
diabetes tipo II, a hipertensão, o câncer, as cardiopatias, a artrose, entre outras (BRAY, 2004).
Na infância e adolescência, a adiposidade em excesso tem sido associada a um maior risco
para a obesidade severa (THE et al., 2010) e para o desenvolvimento de doença coronariana
na fase adulta (BAKER; OSLEN; SORENSEN, 2007).
Além das enfermidades, a adiposidade corporal elevada está associada ao surgimento
de dislipidemias. Em crianças e adolescentes de ambos os sexos, a adiposidade corporal
associa-se diretamente com a lipemia sérica (LAMB et al.,2011; DAÍ et al., 2009), sendo que
o aumento de 1% na gordura corporal relativa foi relacionado a um incremento de 1,042
mg/dL nas concentrações de CT, 0,907 mg/dL nas de LDL e de 1.219 mg/dL nas de
triglicerídeos, bem como a uma redução de 0,214 mg/dL nas de HDL (DAÍ et al., 2009).
Na condição de adiposidade corporal elevada, a captação de glicose pelos tecidos fica
prejudicada (HEIJDEN et al., 2009), ocasionando assim, uma maior secreção de insulina pelo
(hiperinsulinemia). Essa hiperinsulinemia promove uma maior ativação do sistema nervoso
simpático e absorção de sódio pelos rins, bem com uma maior produção e liberação hepática
de VLDL e triglicerídeos, acarretando assim, na elevação da pressão arterial e dos lipídeos
sanguíneos, respectivamente (BRAY, 2004).
Em escolares brasileiros tem sido evidenciada a presença de adiposidade corporal
elevada (SILVA et al., 2011a; ANDREASI et al., 2010; SILVA; PACCINI; GLANER, 2007;
RONQUE et al., 2007; PEZZETTA et al., 2003; GLANER, 2002). No estudo de Glaner
(2002) em que foram avaliados 1420 escolares do estado de Santa Catarina e Rio Grande do
Sul, foi encontrada uma prevalência de sobrepeso/obesidade da ordem de 56,22% para as
moças e 36,75% para os rapazes, rurais e urbanos. Demonstrando assim que, uma parcela
significante dessa população encontra-se em situação de risco para o desenvolvimento de
diversos fatores de risco para várias doenças crônico degenerativas, como o diabetes tipo II, a
hipertensão arterial entre outras.
Além dos níveis de adiposidade corporal total, sua distribuição também é tida com
fator de risco para doenças cardiovasculares, haja vista que seu acúmulo na região do
abdômen está associado à presença de dislipidemias (LIMA; GLANER, 2009). Em crianças e
adolescentes, o perímetro do abdômen se relaciona diretamente com a gordura abdominal
(TAYLOR et al., 2000), sendo que o aumento de 1 cm na circunferência abdominal foi
relacionado ao incremento de 0,631 mg/dL nas concentrações de CT, 0,602 mg/dL nas de
LDL e de 1,678 mg/dL nas de triglicerídeos, bem como a uma redução de 0,304 mg/dL nas de
HDL (DAÍ et al., 2009). Tão determinante é a gordura abdominal que os efeitos positivos da
aptidão aeróbia sobre os parâmetros metabólicos são observados naqueles com circunferência
abdominal baixa, mas não naqueles com elevados valores de circunferência abdominal (KUK;
LEE, 2010).
A gordura da região abdominal, a qual é composta pelo estoque subcutâneo e
intra-abdominal, apresenta maior atividade lipolítica do que a gordura localizada em outras regiões
do corpo. Esse maior efeito lipolítico via catecolaminas, principalmente no estoque
intra-abdominal, promove maior aporte de ácidos graxos livres ao sistema venoso hepático. Por
consequência, há alteração no metabolismo do fígado, o qual passa a liberar mais VLDL e
glicose para a corrente sanguínea, bem como a captar e degradar menos insulina
(WAJCHENBERG, 2000).
Em países em desenvolvimento, a prevalência de obesidade abdominal em
adolescentes oscila de 3,8% a 51,7% (DE MORAES et al., 2010). Especificamente no Brasil,
(ANDREASI et al., 2010), sendo sua presença evidenciada em adolescentes de várias regiões,
tal como nos estados de Santa Catarina (SILVA et al., 2011b), São Paulo (ANDREASI et al.,
2010) e Pernambuco (CAVALCANTI et al., 2010).
4.3 LIPOPROTEÍNAS
Quatro tipos principais de lipídeos são encontrados circulantes no plasma: o colesterol,
o éster de colesterol (uma molécula de colesterol unida a uma molécula de ácido graxo), os
fosfolipídeos e os triglicerídeos. Tendo em vista sua hidrofobicidade, esses lipídeos são
transportados dentro de macromoléculas denominas de lipoproteínas (GENEST, 2003).
As lipoproteínas são lipídios compostos, de forma globular, com discreta solubilidade
em água, as quais resultam da combinação de lipídeos e proteínas. Seu núcleo é formado por
triglicerídeos e éster de colesterol, e a membrana por fosfolipídios, colesterol livre e
apolipoproteínas (Figura 1) (GUYTON; HALL, 2002).
Apolipoproteína
Colesterol
Fosfolipídio Triglicerídeo
Ésterde Colesterol
Figura 1. Estrutura de uma lipoproteína. Fonte: Adaptado de Genest (2003).
As apolipoproteinas (apo) são proteínas que se unem aos lipídeos plasmáticos para
formar as várias classes de lipoproteínas (LEHNINGER; NELSON; COX, 1995). Essas
como co-fator para enzimas e ponto de ligação para os receptores das lipoproteínas, além de
promover estabilidade às mesmas (GENEST, 2003).
Apolipoproteinas Lipoproteína associada
ApoA-I HDL
ApoA-II HDL
ApoA-IV Quilomícrons e HDL
ApoB-48 Quilomícrons
ApoB-100 VLDL, LDL
ApoC-I VLDL, HDL
ApoC-II Quilomícrons, VLDL, HDL
ApoC-III Quilomícrons, VLDL, HDL
ApoD HDL
ApoE Quilomícrons, VLDL, HDL
Quadro 1. Apolipoproteínas presentes nas lipoproteínas. Fonte: adaptado de Lehninger, Nelson, Cox (1995).
As lipoproteínas variam de acordo com sua origem, tamanho, densidade e conteúdo de
lipídeos e apolipoproteínas (GENEST, 2003). Entretanto, a nomenclatura dessas
macromoléculas se dá em função de sua densidade e tamanho. Aquelas com maior percentual
de lipídios e menor de proteínas são maiores e mais flutuantes, e por consequência, menos
densas. A medida que as lipoproteínas diminuem de tamanho e aumentam o percentual de
proteína em sua composição, tornam-se mais densas (BIGGERSTAFF; WOOTEN, 2004,
GENEST, 2003).
As quatro grandes classes de lipoproteínas são os quilomícrons, as lipoproteínas de
muito baixa densidade (VLDL - do inglês, very low-density lipoprotein), a LDL, e a HDL
(IV-DBDPA, 2007). Além dessas, há as lipoproteínas de densidade intermediaria (IDL - do
inglês, intermediate-density lipoprotein) (Quadro 2), que se encontram entre as VLDL e LDL
(NCEP-ATP III, 2002), bem como a lipoproteína (a), a qual consiste em uma molécula de
Lipoproteínas Origem Densidade (g/ml) Tamanho (nm) % Proteína
Quilomícrons Intestino < 0,95 100-1000 1-2
VLDL Fígado < 1,006 40-50 10
IDL VLDL 1,006-1,019 25-30 18
LDL IDL 1,019-1,063 20-25 25
HDL Tecidos 1,063-1,210 6-10 40-55
Quadro 2- Características das lipoproteínas. Fonte: adaptado de Genest (2003).
A função das lipoproteínas é carregar os triglicerídeos e o colesterol no sangue para os
tecidos, tanto para armazenamento quanto para a sua utilização como fonte de energia
(BIGGERSTAFF; WOOTEN, 2004; GUYTON; HALL, 2002 SOCIEDADE BRASILEIRA
DE CARDIOLOGIA, 2007). Do colesterol total, 60-70% está ligado as LDLs, 20-30% as
HDLs e 10-15% as VLDLs (NCEP-ATP III, 2002).
Os triglicerídeos e o colesterol advindos da dieta chegam digeridos ao trato intestinal,
onde são reesterificados dentro dos quilomícrons. Via sistema linfático e ducto torácico, essa
lipoproteína é conduzida até a circulação sanguínea, onde adquirem apoC-II e apoE da HDL.
Ao chegarem aos capilares do tecido muscular e adiposo, os triglicerídeos contidos nos
quilomícrons são hidrolisados pela enzima lípase lipoproteica (LL) por intermédio da
apoC-II. Os ácidos graxos provenientes desse processo são utilizados pelo tecido muscular ou
adiposo, para produção ou armazenamento de energia, respectivamente. Os quilomícrons,
agora com menor teor de triglicerídeos (remanescentes de quilomícrons), são captados e
metabolizados pelo fígado por meio da ligação da apoE e da apoB-48 com o receptores
hepáticos (GENEST, 2003).
Para o transporte dos triglicerídeos e em menor proporção do colesterol do fígado aos
tecidos periféricos, o organismo se utiliza das VLDLs, as quais adquirem na circulação
sanguínea, apoC e E por meio da interação com as HDLs. Ao chegarem aos capilares do
tecido muscular e adiposo, os triglicerídeos contidos nas VLDLs são hidrolisados pela enzima
LL, também por intermédio da apoC-II. Essa perda lipídica adicionada ao aumento do
conteúdo de proteínas faz com que as VLDLs aumentem sua densidade e passem a se chamar
IDL (GENEST, 2003; LEHNINGER, 1995).
A IDL circulante é captada pelo fígado por meio da interação da apoB-100 ou apoE
via receptores de LDL, ou hidrolisada pela enzima lípase hepática. No processo de hidrólise
conduzirá o colesterol aos tecidos periféricos para a síntese de hormônios esteróides,
membrana celular ou a ácidos biliares. Cumprida sua função, a LDL é removida da circulação
por meio da ligação da apoB-100 com os receptores hepáticos de LDL (GENEST, 2003).
O colesterol livre nas membranas celulares dos tecidos é captado pela HDL nascente, a
qual é formada pela união entre fosfolipídios e apoA-I e apresenta reduzido conteúdo de
colesterol. Ao chegarem aos tecidos, essa lipoproteína capta o colesterol livre e o esterifíca
por meio da ação da enzima lecitina colesterol aciltransferase (LCAT). O colesterol
esterificado é transportado para dentro da HDL nascente, que passa a assumir um formato
esférico, formando assim, a HDL madura rica em colesterol (LEHNINGER, 1995). Na
circulação, a HDL madura pode retornar ao fígado para que o colesterol possa ser
descarregado, ou interagir com as lipoproteínas ricas em triglicerídeos. Nessa interação a
HDL doa colesterol e recebe triglicerídeos por meio da proteína transportadora de éster de
colesterol (CETP). Assim, o colesterol é reconduzido ao fígado.
Em síntese, os quilomícrons transportam os lipídeos (principalmente os triglicerídeos)
do trato intestinal para o tecido muscular e adiposo, já as VLDLs transportam os lipídeos do
fígado para os tecidos (transporte anterógrado). A LDL transporta o colesterol do fígado para
os tecidos. Já a HDL, essa desempenha o papel de conduzir o colesterol dos tecidos para o
fígado (transporte reverso) (GENEST, 2003).
Concentrações aumentadas de LDL, IDL, VLDL e remanescentes de quilomícrons
podem lesionar o endotélio vascular e acarretar uma disfunção do mesmo. Essa disfunção
aumenta a permeabilidade da camada íntima das artérias, as lipoproteínas plasmáticas,
favorecendo com que estas fiquem retidas no espaço subendotelial e sofram oxidação. A LDL
oxidada promove o surgimento de moléculas de adesão leucocitária, que por sua vez atraem
os monócitos e linfócitos para a parede da artéria. Os monócitos irão diferenciar-se em
macrófagos e captar as LDLs oxidadas, formando assim, as placas ateroscleróticas, que
gradativamente obstruem a luz do vaso afetado (SOCIEDADE BRASILEIRA DE
CARDIOLOGIA, 2007). Por consequência, haverá interrupção do fluxo sanguínea aos tecidos
adjacentes e comprometimento da integridade dos mesmos.
Em crianças e adolescentes, bem como em adultos, a lipemia sérica é obtida por meio
da mensuração do CT, do colesterol ligado à HDL e LDL, bem como pelos valores de
triglicerídeos circulantes, após jejum de 12 a 14 horas (SOCIEDADE BRASILEIRA DE
CARDIOLOGIA, 2007). Fatores imutáveis como sexo, idade e maturação sexual exercem
efeito sobre a lipemia sérica de crianças e adolescentes, uma vez que, as meninas apresentam,
MEDINA-URRUTIA et al., 2004), LDL (GIULIANO et al., 2005; MEDINA-URRUTIA et al., 2004) e
triglicerídeos (FRANÇA et al., 2004; MEDINA-URRUTIA et al., 2004). Ademais, como o
avanço do processo maturacional (KWITEROVICH et al., 1997) e da idade (DAÍ et al.,
2009), as concentrações de LDL exibem, em ambos os sexos, um decréscimo, sendo
evidenciado o oposto para as concentrações de triglicerídeos (DAÍ et al., 2009).
Elevados valores de triglicerídeos, CT (YARNELL et al., 2001) e LDL (SHARRETT
et al., 2001), e baixos valores de HDL (YARNELL et al., 2001) são fatores de risco para o
desenvolvimento de doenças cardíacas na fase adulta e ao processo aterosclerótico em todas
as fases da vida (LAMOTTE et al., 2011; PARAMSOTHY et al., 2010).
Em escolares brasileiros, os distúrbios de lipemia sérica são evidenciados em várias
regiões (CAMPOS et al., 2010; PEREIRA et al., 2010; CANDIDO et al., 2009;
RODRIGUES et al., 2009; RIBAS; SILVA, 2009; BERGMANN; HALPERN;
BERGMANN, et al., 2008 GRILLO et al., 2005), com valores de LDL elevada chegando a
acometer quase um quarto dos estudantes (CAMPOS et al., 2010). Em relação à região Sul do
Brasil, a maior parte dos estudos (BERGMANN; HALPERN; BERGMANN, et al., 2008
GRILLO et al., 2005; GIULIANO et al., 2005) que avaliaram a lipemia sérica em crianças e
adolescentes adotaram valores de referência menos rigorosos do que aqueles propostos pela I
Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e na Adolescência (2005). Assim, a
prevalência de dislipidemias nessa região pode estar sendo subestimada, o que remete a
necessidade de realizar estudos recentes que se valham de pontos de corte atualizados.
4.4 GENE APOE
A apolipoproteina-E (apoE) consiste em uma proteína de 299 aminoácidos com massa
molecular próxima a 34.000 daltons (MAHEY; RALL, 2000). Sua síntese ocorre
primariamente pelo fígado (90%), mas outros órgãos como o cérebro, o pulmão, as gônadas e
os rins, também a produzem (DAVIGNON; GREGG; SING, 1988).
A apoE está ligada às HDLs, às VLDLs, aos quilomícrons e aos seus remanescentes
(LEHNINGER; NELSON; COX, 1995), bem como livre no plasma, onde as maiores
concentrações são encontradas nos homens do que nas mulheres(LARSON et al., 2000).
A função primaria da apoE é o transporte do colesterol dos tecidos periféricos para sua
enzimas envolvidas no metabolismo lipídico. A presença da apoE é fundamental para a
formação de VLDL e quilomícrons (SIEST; ZAIOU; VISVIKIS, 2002).
Em humanos, o gene responsável pela codificação da apoE tem sua localização no
braço longo do cromossomo 19, na posição 13.3. Composto por 1156 pares de bases
(National Center for Biotechnology Information), esse gene apresenta quatro éxons, os quais
estão separados por três íntrons (DAVIGNON; GREGG; SING, 1988).
Em um único lócus gênico, três alelos principais do gene APOE são encontrados, o ε2,
ε3 e o ε4, os quais são oriundos da mudança de um único nucleotídeo na sequência de DNA. Quando comparado ao alelo ε3, o ε4 apresenta, no códon 112, o nucleotídeo citosina no lugar
da timina, ao passo que o alelo ε2 apresenta, no códon 158, o nucleotídeo timina no lugar da
citosina (Figura 2) (MAHEY; RALL, 2000). As maiores e menores concentrações de apo-E
são encontradas nos portadores alelo ε2 e ε4, respectivamente (LARSON et al., 2000).
Figura 2. Diferenças de nucleotídeos e aminoácidos entre os alelos do gene APOE. Fonte: Adaptado de Ojopi; Bertoncini;Dias Neto (2004).
Na população em geral, o alelo mais frequente é o ε3, seguido do ε4 e ε2
(DAVIGNON; GREGG; SING, 1988), não havendo diferenças entre os sexos
(NASCIMENTO et al., 2009; DE FRANÇA et al., 2004; LARSON et al., 2000). Porém, as
populações africanas (doravante denominados de afro-descendentes) apresentam, em relação
àqueles de ancestralidade europeia (doravante denominados de euro-descendentes), maior
frequência do alelo ε2 e ε4 (ALVIM et al., 2010). Ademais, em determinadas populações,
alguns alelos não se fazem presentes, tal como o alelo ε4 em indianos da tribo Koch (SINGH,
SINGH, MASTANA, 2006). A partir dos três alelos principais, seis genótipos podem ser
formados, sendo três homozigóticos (ε2/2, ε3/3, ε4/4) e três heterozigóticos (ε2/3, ε2/4 e
ε3/4). O mais prevalente é o genótipo ε3/3, seguido do ε3/4 e ε2/3 (DAVIGNON;
GREGG; SING, 1988).
Cada um dos alelos da APOE (ε2, ε3 e ε4) codifica a síntese de uma das isoformas da
apoE (E2, E3 e E4), as quais se diferenciam entre si pela substituição de um aminoácido. A
cisteína no códon 158. Já a isoforma da apoE4 difere da apoE3 pela substituição do
aminoácido cisteína, pela arginina, no códon 112 (Figura 2). Essa substituição de aminoácidos
altera a afinidade da apoE pelos receptores hepáticos (DAVIGNON; GREGG; SING, 1988).
A isoforma apoE4 tem maior afinidade pelos receptores hepáticos (RIBALTA et al.,
2003). Essa maior afinidade faz com que as lipoproteínas que contenham apoE sejam
captadas pelo tecido hepático, promovendo assim, acúmulo de colesterol dentro das células do
fígado. Esse maior acúmulo, por meio de feedback negativo, reduz a quantidade de receptores
de LDL na superfície celular, reduzindo assim, a remoção das LDLs circulantes
(DAVIGNON; GREGG; SING, 1988). Por outro lado, a isoforma apoE2 apresenta menor
afinidade (100 vezes) pelo receptor hepático (RIBALTA et al., 2003), o que promove menor
acúmulo de colesterol intracelular e por consequência, aumento na quantidade dos receptores
de LDL (DAVIGNON; GREGG; SING, 1988). Consequentemente, a captação hepática de
LDL é maior e os níveis circulantes dessa lipoproteína são menores.
Em adultos, o alelo ε4 se associa a maiores valores de CT (BERNSTEIN et al., 2002;
LARSON et al., 2000) e LDL (PAULA et al., 2010; FUZIKAWA et al., 2008; BERNSTEIN
et al., 2002), bem como a maior prevalência de dislipidemia (MENDES-LANA et al., 2007) e
risco de doença cardíaca (SONG; STAMPFER; LIU, 2004). Nos portadores do alelo ε2, o
efeito é oposto em relação ao CT (ALVIM et al., 2010; MENDES-LANA et al., 2007;
BERNSTEIN et al., 2002) e a LDL (ALVIM et al., 2010; FUZIKAWA et al., 2008;
MENDES-LANA et al., 2007; BERNSTEIN et al., 2002; LARSON et al., 2000), bem como a
um menor risco de doença cardíaca coronariana (BENNET et al., 2007). No que se refere as
demais variáveis lipemicas, alguns estudos não evidenciaram diferença para as concentrações
de HDL (MENDES-LANA et al., 2007) e triglicerídeos (ALVIM et al., 2010;
MENDES-LANA et al., 2007), enquanto outros encontraram maiores concentrações de triglicerídeos no
portadores do alelo ε2 (PAULA et al., 2010) e menores de HDL no ε4 (ALVIM et al., 2010).
Em crianças e adolescentes, a influência do polimorfismo do gene APOE sobre a
lipemia sérica também tem sido investigada. Em meninas americanas, negras e brancas (9-10
anos), as concentrações de LDL foram maiores naquelas com genótipos ε4/4 do que naquelas
com o genótipo ε2/2 (SANGHERA et al., 1996). Resultado semelhante foi observado em
australianos (7-8 anos) (ELLIS et al., 2011) e japoneses (12-13 anos) (OKADA et al., 1998).
Em mexicanos (12-16 anos), de ambos os sexos, as maiores concentrações de LDL foram
observadas nos portadores do alelo ε4 em relação ao demais, com as concentrações de CT
sendo maiores naqueles com o ε4 em relação ao ε2 (MEDINA-URRUTIA et al., 2004).
naqueles com o alelo ε4 (NASCIMENTO et al., 2009). Em meninas vietnamitas (7-9 anos),
as menores concentrações de CT e LDL foram observadas nos portadores do ε2 em relação
aos demais (THU et al., 2004).
No que se refere à amostra brasileira, o único estudo encontrado foi o de De França;
Alves; Hutz (2004), o qual foi conduzido com crianças e adolescentes (5-15 anos), de ambos
os sexos, do estado de Pernambuco. Nesse estudo, as menores concentrações de CT e LDL
foram observadas em rapazes e moças portadores do alelo ε2, sem diferença entre o ε3 e ε4.
Desse modo, as informações acerca da relação do gene APOE sobre a lipemia sérica de
escolares brasileiros são limitadas.
4.5 GENE APOE, LIPEMIA E ATIVIDADE FÍSICA
O exercício físico (THOMPSON et al., 2004; LEON et al., 2006; HAGBERG et al.,
1999), bem com a atividade física (BERNSTEIN et al., 2002; SCHMITZ et al., 2001;
CORELLA et al., 2001; ST-AMAND et al., 1999) parecem interagir com polimorfismo
alélico do gene APOE modulando assim, a lipemia sérica. Após um programa de exercício
físico aeróbio, foi encontrado nos homens portadores do alelo ε2 (ε2/2+ε2/3), em relação
àqueles com ε3 (ε3/3) e ε4 (ε3/4), um maior aumento (duas a três vezes) das concentrações de
HDL e sua subclasse dois (HDL2) (HAGBERG et al., 1999).Essa melhor resposta do alelo ε2
também foi observada em mulheres brancas, em que as portadoras do genótipo ε2/3 e ε3/3,
em comparação àquelas com o ε4/4, apresentaram um maior aumento das concentrações de
HDL após treinamento aeróbio (LEON et al., 2006). Um aumento superior na concentração
da HDL2, bem como no tamanho (aumento de 2,5 vezes) da HDL, foi observado nos homens
afrodescendentes portadores do genótipo ε2/3, em relação aos euro-descendentes com o
mesmo genótipo (OBISESAN et al., 2008).
Foi evidenciado que a atividade física intensa aumenta as concentrações de HDL, de
forma mais pronunciada, nos homens portadores do alelo ε4 (ε3/4+ε4/4) (BERNSTEIN et al.,
2002), sendo as maiores concentrações observadas nos homens fisicamente ativos e
portadores do alelo ε4 (ε3/4+ε4/4) (CORELLA et al., 2001). O VO2 máx não se correlacionou
de forma significativa com as concentrações de HDL nos portadores do alelo ε2 (ε2/3+ε2/2)
Além dessa divergência acerca do alelo com maior benefício sobre as concentrações
de HDL, há pesquisadores que não encontraram diferenças, pois após treinamento aeróbio, as
concentrações de HDL, HDL2 e HDL3 aumentaram de forma semelhante entre homens e
mulheres portadores dos genótipos ε3/3, ε2/3 e ε3/4 (THOMPSON et al., 2004). Essa
ausência de diferença também foi observada para o tamanho da HDL, uma vez que as
concentrações das partículas grande e pequena de HDL exibiram comportamentos distintos
entre os portadores dos genótipos ε3/3, ε2/3 e ε3/4, mas não diferiram entre eles após o
treinamento (SEIP et al., 2006). Além disso, não foi observada interação entre atividade física
e alelos da APOE sobre as concentrações de HDL (SCHMITZ et al., 2001).
Referente às concentrações de LDL, após treinamento aeróbio, uma maior redução foi
observada nos euro-descendentes (ambos os sexos) portadores do alelo ε2 (ε2/2+ε2/3 e ε2/4)
em comparação àqueles com os genótipos ε3/3, ε3/4 e ε4/4, sendo que nos homens
afro-descendentes, a maior redução foi encontrada nos portadores no genótipo ε2/4 e ε4/4, em
comparação àqueles com o ε2/3(LEON et al., 2004). Por outro lado, apenas nas mulheres
portadoras do alelo ε3 (ε3/3), as concentrações de LDL apresentaram correlação negativa com
o VO2 máx (ST-AMAND et al., 1999). Uma resposta diferenciada também foi observada nas
sub-populações da LDL, pois após 6 meses de treinamento aeróbio, os portadores do genótipo
ε3/3 apresentaram, respectivamente, redução e aumento nas concentrações das partículas pequenas e médias da LDL, quando comparado àqueles com os genótipos ε2/3 e ε3/4 (SEIP et
al., 2006). Além dessas divergências, há pesquisadores que evidenciaram uma resposta
semelhante, após o exercício, entre os portadores dos diferentes alelos (THOMPSON et al.,
2004; LEON et al., 2004; HAGBERG et al., 1999). Outros não observaram interação entre
atividade física e os alelos da APOE sobre as concentrações de LDL (BERNSTEIN et al.,
2002; SCHMITZ et al., 2001).
Em relação às concentrações de CT, após treinamento aeróbio, redução acentuada
foi encontrada nos homens euro-descendentes, portadores do genótipo ε2/4, em relação aos
portadores dos demais genótipos (LEON et al., 2006). Entretanto, o VO2 máx
correlacionou-se negativamente com as concentrações de CT, somente nas mulheres portadoras do alelo ε3
(ε3/3) (ST-AMAND et al., 1999). Outros estudos não evidenciaram diferenças, entre os
alelos, nas concentrações de CT após o exercício físico (THOMPSON et al., 2004;
HAGBERG et al., 1999).
Após treinamento aeróbio, maior redução nas concentrações de triglicerídeos foi
observado em homens euro-descendentes portadores do genótipo ε2/3 e ε3/3 (LEON et al.,
concentrações de triglicerídeos em homens e mulheres portadores do alelo ε2 (ε2/2+ε2/3) e ε3
(ε3/3) (ST-AMAND et al., 1999). Entretanto, após ajustamento para as reduções ponderais, o
maior efeito benéfico do exercício físico sobre as concentrações de triglicerídeos nos
portadores do alelo ε2 (ε2/2+ε2/3) e ε3 (ε3/3), em comparação àqueles com o alelo ε4 (ε3/4),
desapareceu (HAGBERG et al., 1999). Concordante a isso, as reduções de triglicerídeos, após
programa de exercício físico, foram semelhantes entre os genótipos ε2/3, ε3/3 e ε3/4
(THOMPSON et al., 2004). Além desses resultados, há evidências de que a atividade física
intensa reduz as concentrações de triglicerídeos, de forma mais pronunciada, nos homens
portadores do alelo ε4 (ε3/4+ε4/4) (BERNSTEIN et al., 2002), sendo as mulheres
euro-descendentes portadoras do genótipo ε4/4, as que exibem uma maior redução após um
programa de exercícios aeróbios(LEON et al., 2004).
As respostas metabólicas frente ao esforço físico diferem entre crianças,
adolescentes e adultos (BOISSEAU; DELAMARCHE, 2000). Portanto, não é possível
afirmar que a relação observada entre o gene APOE e a atividade física/exercício físico sobre
a lipemia sérica de adultos possa ser extrapolada para outras faixas etárias. Nesse sentido,
estudos nessa mesma temática e que envolvam adolescentes se fazem necessários,
principalmente em amostras brasileiras.
Embora a aptidão aeróbia seja um dos mais importantes componentes da aptidão física
relacionada à saúde (RUIZ et al., 2006), e se associe mais fortemente com fatores de risco
cardiovascular do que com os níveis de atividade física (HURTIG-WENNLÖ et al., 2007), a
sua interação na relação do gene da APOE com a lipemia sérica em adolescentes ainda não foi
investigada.
4.6 GENE APOE, LIPEMIA E ADIPOSIDADE CORPORAL
A adiposidade corporal parece interagir com polimorfismo alélico do gene APOE
modulando assim, a lipemia sérica (MARQUES-VIDAL et al., 2003 GUERRA et al., 2003;
SRINIVASAN et al., 2001 BOER et al., 1997; PARLIER et al., 1997 SRINIVASAN et al.,
1994).. Em adultos de ambos os sexos, afro e euro-descendentes, a relação negativa existente
entre o IMC e concentrações de HDL se mostrou mais acentuada entre portadores do alelo ε2
(ε2/2+ε2/3) em comparação àqueles de com alelo ε4 (ε3/4+ε4/4) (SRINIVASAN et al.,
adiposidade corporal correlacionaram-se negativamente com as concentrações de HDL,
somente nos portadores do alelo ε3 (ε3/3) e ε4 (ε3/4+ε4/4) (SRINIVASAN et al., 1994).
Apesar disso, em adultos obesos e não obesos a incidência de HDL baixo foi semelhante entre
os alelos (SRINIVASAN et al., 2001).
Em adultos de ambos os sexos, afro e euro-descendentes, o aumento do IMC acarretou
maior elevação da LDL nos portadores do alelo ε4 (ε3/4+ε4/4) do que naqueles com o ε2
(ε2/2+ε2/3) (SRINIVASAN et al., 2001). Em homens, o aumento da LDL foi maior nos
portadores do alelo ε4 (ε3/4+ε4/4) e ε2 (ε2/2+ε2/3) com IMC >25 kg/m² do que naqueles com
IMC ≤25 kg/m² (MARQUES-VIDAL et al., 2003). Além disso, em crianças obesas, a
prevalência de valores elevados de LDL foi maior nos portadoras do alelo ε4 (ε3/4+ε4/4), do
que as com os alelos ε2 (ε2/4+ε2/3) e ε3 (ε3/3) conjuntamente (PARLIER et al., 1997). Um
comportamento semelhante foi observado em adultos obesos e não obesos, uma vez que a
incidência e a prevalência de LDL elevada foram maiores nos portadores do alelo ε4
(ε3/4+ε4/4), seguida do ε3 (ε3/3) e ε2 (ε2/2+ε2/3) (SRINIVASAN et al., 2001). Apesar
desses achados, em crianças e adolescentes, os indicadores antropométricos de gordura
corporal (índice ponderal, percentual de gordura e dobra cutânea subescapular)
correlacionaram-se positivamente com as concentrações de LDL em todos os alelos
(SRINIVASAN et al., 1994), sendo a prevalência de LDL elevada, semelhante entre as
crianças obesas portadoras dos genótipos ε3/4, ε3/3 e ε2/3 (GUERRA et al., 2003).
Os portadores do alelo ε2 parecem exibir, frente ao aumento da adiposidade corporal,
uma vulnerabilidade para a elevação das concentrações de triglicerídeos. Em crianças e
adolescentes portadores dos alelos ε2 (ε2/2+ε2/3) e ε3 (ε3/3), uma correlação positiva foi
observada entre os indicadores antropométricos de adiposidade corporal (índice ponderal,
percentual de gordura e dobra cutânea subescapular) e as concentrações de triglicerídeos
(SRINIVASAN et al., 1994). Em homens e mulheres jovens, euro-descendentes, o IMC
correlacionou-se positivamente com as concentrações de triglicerídeos nos portadores do alelo
ε2 (ε2/2+ε2/3), ε3 (ε3/3) e ε4 (ε3/4+ε4/4) e a relação cintura quadril somente naqueles com o alelo ε2, ε3, sem diferenças entre os alelos (BOER et al., 1997). Em adultos de ambos os
sexos, afro e euro-descendentes, o aumento do IMC acarretou em uma maior elevação das
concentrações de triglicerídeos nos portadores do alelo ε2 (ε2/2+ε2/3) em relação àqueles
com o ε4 (ε3/4+ε4/4) (SRINIVASAN et al., 2001). Além disso, em adultos obesos, a
incidência e a prevalência de hipertrigliceridemia isolada foram maiores nos portadores do
alelo ε2 (ε2/2+ε2/3), seguida do ε3 (ε3/3) e ε4 (ε3/4+ε4/4) (SRINIVASAN et al., 2001). Um
ε2 (ε2/4+ε2/3) apresentaram uma maior prevalência de hipertrigliceridemia do que àquelas com o alelo ε3 (ε3/3) e ε4 (ε3/4+ε4/4) conjuntamente (PARLIER et al., 1997). Porém, em
outro estudo (GUERRA et al., 2003) também realizado em crianças obesas, a prevalência de
hipertrigliceridemia foi maior nos portadores do genótipo ε3/4 em comparação àquelas com
ε3/3 e ε2/3.
Em relação ao CT, nos homens portadores do alelo ε4 (ε3/4+ε4/4) e ε2 (ε2/2+ε2/3), o
aumento foi maior nos indivíduos com IMC >25 kg/m² do que naqueles com IMC ≤25 kg/m²
(MARQUES-VIDAL et al., 2003). Em sujeitos de ambos os sexos, o IMC apresentou maior
correlação nos portadores do alelo ε2 (ε2/2+ε2/3) do que naqueles com o genótipo ε3/3
(BOER et al., 1997). Porém, em crianças obesas, a prevalência de valores elevados de CT não
diferiu entre os portadores dos genótipos ε3/4, ε3/3 e ε2/3 (GUERRA et al., 2003).
Diante do exposto, parece que a adiposidade corporal age de forma mais pronunciada
sobre a elevação dos triglicerídeos e das LDLs, nos portadores dos alelos ε2 e ε4,
respectivamente. No entanto, os estudos que investigaram a relação do gene APOE com a
lipemia sérica de crianças e adolescentes obesos (NASCIMENTO et al., 2009; GUERRA et
al., 2003; PARLIER et al., 1997) e não obesos (DE FRANÇA et al., 2004;
MEDINA-URRUTIA et al., 2004; TAN et al., 2003), usaram o IMC como indicador da adiposidade
corporal, o qual é menos acurado do que as dobras cutâneas (GLANER, 2005;
KHONGSDIER, 2005; FREEDMAN et al., 2007) e não possibilita distinguir massa gorda e
5 MATERIAL E MÉTODO
Este capítulo se destina a descrever as etapas para a realização do presente estudo.
Para tanto, será descrito o local de realização da pesquisa e o modo de recrutamento da
amostra, bem como os procedimentos os quais os voluntários foram submetidos, as variáveis
mensuradas e o tratamento estatístico empregado para as análises dos dados.
5.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA
Estudo observacional, analítico e de corte transversal, com abordagem quantitativa,
coleta realizada no ano de 2008.
5.2 POPULAÇÃO E AMOSTRA
O estudo foi realizado em Saudades, município com área territorial de 205,557 km²,
localizado ao extremo Oeste do estado de Santa Catarina, região sul do Brasil, a 65 km de
Chapecó e a 630 km de Florianópolis, capital do estudo (Figura 1) (IBGE, 2010).
A população de Saudades é formada, predominantemente, por descendentes de
Alemães e uma minoria de Russos e Italianos. Dos seus 9.016 habitantes, 1.628 encontram-se
na idade de 10 a 19 anos, sendo 52,3% do sexo feminino (IBGE, 2010).
A base da economia do município é a agricultura (milho, soja, feijão, fumo e
mandioca), pecuária (criação de suínos, bovinos, aves e gado leiteiro) e indústria de
confecções, móveis e eletrificação (IBGE, 2010). O Índice de Desenvolvimento Humano é de
0,831 (ONU, 2000).
A população de interesse do presente estudo foram os adolescentes com idades entre
10 e 17 anos do referido município. A amostra foi recrutada na escola Rodrigues Alves. O
motivo da escolha dessa instituição de ensino reside no fato da mesma ser a única escola do
município que abrange o ensino fundamental e médio, e por consequência a faixa etária de
interesse.
Com o propósito de recrutar um maior número de voluntários com idades entre 10 e
14 anos, uma parte da coleta foi realizada na escola João Batista Fleck, a qual se encontra na
zona rural e abrange somente o ensino fundamental.
Tendo em vista os objetivos do presente estudo, foram excluídos da amostra todos
aqueles indivíduos: a) que apresentaram idade <10 e >17 anos; b) que não completaram uma
ou mais etapas das coletas; c) que apresentaram limitação motora que impedisse a realização
do teste físico; d) que estivessem fazendo uso de hipolipemiantes. Também foram excluídas
adolescentes que estavam grávidas. O estudo foi aprovado por um comitê de ética da
Universidade Católica de Brasília (Parecer n° 026/2009).
5.3 PROCEDIMENTOS PARA COLETA DE DADOS
Primeiramente, foi realizada uma visita as escolas do município (Rodrigues Alves e
João Batista Fleck). Nessa ocasião, foram explicados os objetivos da pesquisa, bem como foi
solicitado às diretoras a autorização para que o estudo fosse realizado..
Concedida a autorização, os responsáveis pela pesquisa foram de sala em sala para
convidar todos os alunos presentes, explicando aos mesmos os objetivos e os procedimentos
para a coleta de dados. Nessa mesma ocasião foi entregue uma carta convite (ANEXO I)
destinada aos responsáveis legais dos alunos, na qual constava o propósito da pesquisa e os
Os pais que concordaram com a participação de seus filhos assinaram o termo de
consentimento livre e esclarecido (ANEXO II). Nesse termo constavam os objetivos,
procedimentos e cuidados que seriam adotados para a coleta dos dados, bem como o direito
de desistirem a qualquer momento, sem qualquer prejuízo.
Aqueles que se voluntariaram compareceram em suas respectivas escolas, no período
da manhã. Nessa ocasião foram coletadas, de forma aleatória (de acordo com a
disponibilidade dos voluntários), as amostras de sangue. Todo o procedimento foi realizado
em uma sala da própria escola, a qual foi previamente e devidamente preparada pra tal. Os
procedimentos invasivos foram realizados por pessoas habilitadas e habituadas para essa
tarefa (Médicos e Enfermeiros), as quais utilizaram de todo o material necessário: luvas
descartáveis de borracha, jaleco, garrote, algodão, álcool etílico a 70%, adaptador para agulha
e agulhas descartáveis.
A coleta das variáveis antropométricas e da aptidão física (ANEXO III) ocorreram
conforme a disponibilidade dos alunos. As variáveis antropométricas (estatura, massa
corporal, dobras cutâneas e perímetro do abdômen), bem como a maturação sexual foram
mensuradas no ginásio poliesportivo da escola. Já o teste físico (Teste de uma milha),
destinado a estimar a aptidão aeróbia, foi realizado em local plano e demarcado. A coleta das
variáveis ocorreu durante as aulas de educação física escolar, sendo solicitada uma
autorização previa ao professor responsável pela referida disciplina.
5.4 VARIÁVEIS MENSURADAS
Para atender aos objetivos da pesquisa foram mensuradas as seguintes variáveis:
- Estatura (cm): foi mensurada por meio de uma fita métrica fixada a parede, com
escala de variação de 0,1 cm. Para tanto, os voluntários permaneceram em posição ortostática,
com a cabeça no plano de Frankfurt, tronco e membros encostados na parede, pés unidos e
descalços. Mantido esse posicionamento, o voluntário foi instruído a realizar uma inspiração
completa e mantê-la por alguns segundos. Nesse momento o avaliador colocou, firmemente,
um esquadro de 90º no ponto mais alto da cabeça do voluntário e realizou a leitura do valor
- Massa corporal (kg): foi mensurada por meio de balança digital portátil (Soenhle®), com resolução de 0,1 kg e capacidade de até 150 kg. Para tanto, os indivíduos permaneceram
sobre o centro da balança, de pé e imóveis (PETROSKI, 2003). Tal medida foi realizada com
os voluntários descalços e trajando roupas leves.
- Adiposidade corporal total (mm): foi estimada por meio da técnica de dobras
cutâneas. A espessura da dobra cutânea do tríceps (TR) e da panturrilha (PA) foi mensurada
utilizando-se um compasso (Lange®), com escala de medida de 1 mm e pressão constante de 10 mm². As medidas foram realizadas no hemicorpo direito, seguindo as padronizações de
Lohman et al. (1991). O valor médio de cada dobra cutânea foi calculado e o somatório de
ambas utilizado como indicador da adiposidade corporal total. A classificação da adiposidade
corporal foi realizada conforme os critérios-referênciados proposto pela American Alliance for Health, Physical Education, Recreation and Dance (AAHPERD) (1988). Os sujeitos
foram classificados em dois grupos, adiposidade corporal adequada (moças 16-36 mm;
rapazes 12-25 mm) e elevada (moças >36mm; rapazes >25mm). Aqueles (n=3) com
adiposidade corporal abaixo do adequado foram inclusos na categoria adequada.
- Gordura abdominal: foi identificada por meio do perímetro do abdômen, o qual foi
utilizado como indicador da gordura abdominal. A medida foi realizada 2,5 cm acima da
cicatriz umbilical, utilizando-se uma fita métrica, com escala de medida de 1 mm. Para tanto,
o indivíduo permaneceu na posição ortostática, pés unidos e braços abduzidos. Os sujeitos
foram classificados com gordura abdominal normal ou elevada seguindo os critérios
propostos por Katzmarzyk et al. (2004) (Quadro 2).
Perímetro do abdômen (cm) Idade
(anos) Rapazes Moças
10 64,4 63,3
11 67,8 65,8
12 71,3 68,0
13 74,2 69,7
14 76,4 70,9
15 77,9 71,3
16 79,0 71,3
17 79,8 71,3
Quadro 2 - Valores de referência para identificação de obesidade abdominal, por idade e sexo.
- Aptidão aeróbia: foi estimada por meio do teste de campo de correr / caminhar uma
milha. Para tanto, os voluntários percorreram a distância de 1600 metros no menor tempo
possível e em ritmo constante. Os sujeitos foram classificados com aptidão aeróbia adequada
ou baixa, de acordo com o sexo e a idade (AAHPERD, 1988) (Quadro 3).
1600 metros (min:seg) Idade
(anos) Rapazes Moças
11 - 12 9:00 11:00
13 8:00 14 7:45
15 -17 7:30
10:30
Quadro 3 – Valores de referência para uma adequada aptidão aeróbia, por idade e sexo.
Fonte: adaptado AAHPERD (1988).
- Estágio puberal: foi obtido por meio dos estágios de maturação sexual propostos por
Tanner (1962). Em ambos os sexos, foi empregada a auto-avaliação da pilosidade pubiana.
No primeiro momento, os voluntários foram instruídos sobre o significado das figuras. Em
seguida, cada voluntário, de forma individual, indicou qual das figuras mais se assemelhava
ao seu corpo. As avaliações dos rapazes foram conduzidas por um avaliador e a das moças por
uma avaliadora. Os voluntários foram classificados em dois grupos: púbere (estágio II, III e
IV) e pós-púbere (estágio V). Aqueles (n=1) no estágio I foram inclusos no grupo púbere.
5.5 COLETAS SANGUÍNEAS
A coleta de sangue foi realizada com o voluntário em jejum de 12-14 h,
preferencialmente por meio da punção da veia antecubital. Para tanto, o voluntário
permaneceu sentado, com o braço a ser puncionado apoiado (um pouco abaixo da linha do
ombro) sobre uma mesa, com o cotovelo levemente fletido. Nos casos em que não foi
possível a punção da veia antecubital, o procedimento para a retirada do sangue foi realizado
na veia do dorso da mão.
O sangue foi coletado em dois tubos a vácuo devidamente identificados, cada um no
volume de 2 ml. Um dos tubos foi destinado à extração do material genético e outro para a