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ANAIS ELETRÔNICOS ISSN

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Academic year: 2021

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Universidade Federal de Campina Grande

Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 1

SOB O SIGNO DA NORMATIZAÇÃO: COMO DIZER A

LÍNGUA EM FANPAGES

Anderson Lins Rodrigues* (UFCG)

RESUMO

O presente trabalho tem a proposta de refletir sobre as representações1 de língua discursivizadas em postagens de fanpages ou páginas virtuais - sobre Língua Portuguesa - na rede social Facebook. A nossa motivação em realizar tal reflexão diz respeito ao fato de que esses espaços virtuais contam com um grande número de seguidores - pessoas que, ao “curtir” e “compartilhar” essas páginas, bem como suas postagens, possivelmente, sinalizam para um gesto de filiação aos sentidos de língua que daqui emergem. Ao observar o quantitativo de milhares de facebookianos2 que curtiram essas páginas, nos interessamos em analisar, à luz da Análise de Discurso (AD) de orientação pecheutiana, que efeito(s) de sentido(s) sobre a língua aqui se inscrevem e “promovem” a identificação de um considerável número de seguidores. Nossa observação irá contemplar duas páginas virtuais: “Revista Língua Portuguesa” e “Da

Língua Portuguesa3”. Para fins de análise, nos deteremos em suas recentes postagens que alcançaram relevante número de curtidas e compartilhamentos. Acreditamos que esse movimento de análise se mostra relevante à compreensão dos processos de significação que constituem os discursos e suas filiações de sentido, uma vez que nos propomos a compreender como o político e o linguístico se inter-relacionam na constituição do imaginário sobre a língua. Enfim, discorreremos sobre alguns conceitos operatórios do arcabouço teórico-analítico da AD – Discurso, Interdiscurso, Formação

Discursiva, Interpretação e Sentido - que serão necessários aos interesses desse

trabalho.

Palavras-chave: Língua. Efeito de sentido. Facebook. Fanpages.

*Mestre em Linguagem e Ensino pela Universidade Federal de Campina Grande – PB.

1Termo entendido como efeitos de sentidos ou configuração imaginária: imagens possíveis, diferentes e deslocáveis.

2

Expressão tomada por empréstimo de artigo “Curtiu? Reflexões sobre autoria em enunciados compartilhados no facebook”, disponível em: GRIGOLETTO, E. Curtiu? Reflexões sobre autoria em enunciados compartilhados no Facebook. In: MACHADO, I. L.; SANTOS, J. B. C. dos; JESUS, S. N. de (Orgs.) Autoria: nas malhas da heterogeneidade enunciativa. Curitiba: Editora CRV, 2014, p. 67 – 80. 3Disponíveis, respectivamente, em: https://www.facebook.com/revistalingua/timeline e https://www.facebook.com/dalinguaportuguesa?fref=ts. Última visualização em 12 de agosto de 2015.

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Palavras iniciais: “No que você está pensando?”

É com esse questionamento, situado no alto da linha do tempo, que a rede social facebook nos provoca a dizer, a significar, seja por meio de palavras, imagens, vídeos etc.. No facebook, somos convocados a usar a língua(gem) sob pena de não ser “vistos”, não ser “lembrados” e, por conseguinte, não “existir” na rede que, cada vez mais, faz parte das relações estabelecidas entre amigos, familiares, grupos e seguidores de ideias afins.

Essa rede social surgiu no início do ano 2004 e, desde então, cresce consideravelmente, à medida que novos usuários cadastram seu perfil. Em termos quantitativos, há mais de um bilhão de perfis nessa que é a maior rede social do mundo. Já a partir do momento de ingresso, o facebookiano pode convidar novos usuários, trocar mensagens, participar de grupos, bem como curtir, comentar e compartilhar conteúdos que versam sobre as mais variadas temáticas.

Dentro desse universo virtual, há as fanpages - páginas virtuais que cumprem o objetivo de reunir pessoas que guardam (ou não) afinidades de ideias, ou seja, são espaços que se caracterizam por abordarem um conteúdo “específico” dentro da rede social facebook. Essas páginas virtuais podem ser utilizadas por empresas, associações, sindicatos, grupos de amigos, colegas ou usuários que tenham determinados interesses.

Outro aspecto que as caracteriza é o fato de disporem da opção de serem abertas ou restritas a um certo público. Se restritas, o ingresso de qualquer usuário se dá mediante o consentimento do facebookiano-administrador/formulador daquele espaço; e, se abertas, qualquer usuário pode ter acesso às postagens, mediante o ato de curtir a fanpage, o que representa(ria), além do ingresso na página, a identificação com o seu propósito.

Em havendo identificação com as postagens, o facebookiano pode curtir, comentar e/ou compartilhar para/na sua rede “pessoal” os conteúdos lá presentes, o

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Aqui se instauram efeitos de dispersão que são mobilizados pelo/no ato de curtir/compartilhar determinado conteúdo com o qual o usuário se identifica e, por isso, se inscreve nesse dizer, legitimando-o, ainda que de forma provisória e fugaz. (cf. GRIGOLETTO, 2014).

Em uma rápida observação no facebook, percebemos que as páginas virtuais se dedicam a veicular assuntos das mais diversas naturezas, tais como: moda, culinária, dicas para provas e concursos etc. etc.. Em nossa experiência como facebookiano, nos interessamos em curtir, para conhecer, algumas páginas com as quais temos afinidade e, dentre elas, estão as que se propõem a refletir sobre a Língua Portuguesa (LP). Qual foi nossa surpresa quando percebemos que são muitas as fanpages que se dedicam a esse fim! Algumas delas são de responsabilidade de editoras de livros e/ou revistas, e outras foram criadas por estudantes, pessoas interessadas no estudo da língua e também por professores.

Dito isso, retomamos a questão desse trabalho que é refletir sobre as representações de língua que estão discursivizadas nas postagens mais recentes e que mais foram curtidas e compartilhadas por seguidores das duas páginas que mencionamos no resumo. Temos interesse de, na medida em que analisarmos tais postagens, remeter a filiação de sentido dominante ao Interdiscurso que irrompe da/na Formação Discursiva (FD) sobre a língua.

Com o objetivo de percorrer esse horizonte analítico, estruturamos esse texto em três momentos: inicialmente, situamos e discutimos alguns conceitos operatórios da AD que serão convocados para a análise e, posteriormente, refletiremos sobre a fluidez na/da língua e, enfim, procederemos na análise das postagens já mencionadas, sempre tentando identificar o movimento de filiação a sentidos sobre/da língua.

Acreditamos, assim como Orlandi (2000), que remeter os discursos sobre a língua e sua heterogeneidade às condições de produção que os alicerçam favorecerá que percebamos o trabalho da ideologia que dissimula sua existência no interior de seu próprio funcionamento, como se o sentido fosse sempre um já-lá – evidente,

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do simbólico, partindo da ideia de que, no mecanismo ideológico de apagamento da interpretação, há transposição de formas materiais em outras, “construindo-se transparências – como se a linguagem e a história não tivessem sua espessura, sua opacidade – para serem interpretadas por determinações históricas que se apresentam como imutáveis, naturalizadas.” (ORLANDI, op. cit., p. 46).

Ancorando conceitos

Ao dar início às nossas reflexões sobre o processo de constituição dos sentidos sobre língua, propomos discutir alguns conceitos operatórios que são necessários para o alcance dos objetivos desse trabalho. Nosso percurso argumentativo procurará evidenciar, portanto, as possíveis relações entre algumas categorias teórico-analíticas da AD - Discurso, Interdiscurso, FD, Interpretação - e a produção de Sentidos sobre língua.

A AD tem como objeto teórico o discurso, entendido como efeito de sentido entre locutores – sujeitos sócio-histórico-ideologicamente constituídos. Para o discurso, assim, convergem o social e o histórico, com suas normas e coerções inscritas, necessariamente, em formações discursivas. (ORLANDI, 2005).

É no discurso e através dele que podemos perceber a relação de atravessamento entre língua e ideologia e também perceber as relações de sentido entre discursos, pois há sempre o lugar do Outro no discurso, ou seja, todo discurso remete a outro ou a vários outros possíveis, a depender das condições de produção.

No tocante às reflexões sobre o Interdiscurso, partimos das ideias de Grigoletto (2002, p.33), quando pondera que “é o interdiscurso que aparece no cerne do processo de constituição dos sentidos, enquanto, pode-se dizer, as formas de agrupamento dos sentidos seriam as formações discursivas”. Assim, o interdiscurso pode ser entendido como um conjunto disperso de enunciados que constitui a

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nesse fio transversal que permite o “surgimento” de “outros/novos” discursos.

É sempre pertinente enfatizar, ao pensar em interdiscurso, que tomamos esse conceito como eminentemente plural, pois são inúmeros os enunciados que, de alguma forma, captamos e, por eles, somos captados. Eles (enunciados) estão no interdiscurso, ganhando corpo, sentido, e estabelecendo relações de aproximação e de distanciamento, fazendo, através desse movimento, surgir as FD – regionalizações dos sentidos.

Entender esses conceitos com base nas características da heterogeneidade e alteridade se faz necessário quando pensamos que interdiscurso e FD são, em seu conjunto, o resultado - indefinido e aberto - de uma diversidade de enunciados, sentidos e ideologias. Os discursos, pois, não surgem a esmo, nem de lugar nenhum, mas justamente do dinâmico e conflituoso interior dessas FD e do seu conjunto, sempre margeadas e irrompidas do/pelo interdiscurso.

Podemos entender, então, que é a dimensão vertical, a do interdiscurso, que gerencia a repetição, ao passo que instaura o esquecimento, o apagamento. Assim, o interdiscurso de uma FD pode ser considerado como o que regula o deslocamento das fronteiras da(s) FD. Assim, é no interior desse sistema aberto, vazado, que se produz um conjunto de regras que definem a identidade e o sentido dos enunciados que o constituem. Ou seja, é a própria FD, entendida como uma lei de série, princípio de dispersão e repartição dos enunciados, que define as regularidades que validam e legitimam os “seus” enunciados constituintes.

Dessa forma, o já-dito (as formulações anteriores) constitui, numa relação dinâmica, instável e de aparentes contradições, os “novos/outros” discursos. É nessa relação “paradoxal” com o exterior – outras formações - que a “FD traz a alteridade para dentro do mesmo, fazendo com que se desestabilize a garantia de homogeneidade sociohistórica de um corpus.” (GRIGOLETTO, op.cit., p. 31).

Diante desse quadro é que propomos pensar a FD como uma fronteira que se reserva a aberturas, a “furos” e espaços não preenchidos e, cremos, nunca

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duelo se instaura entre o já armazenado/arquivado e o “novo”, o outro que invade, que provoca e desestabiliza aquilo pretensamente assentado.

É dessa forma que, em AD, se concebe a Interpretação com base em filiações de sentido. Na medida em que nos inscrevemos em uma ou em outra FD, enunciamos e “fazemos” sentido. Pelo fato de a AD não associar os sentidos aos atributos de exatidão e fixidez, mas, ao contrário, concebê-los em seu caráter oscilante, paradoxal e transitório, Pêcheux (1997) propõe que a “atividade” de interpretação (fundamental na constituição dos sentidos) acontece por meio de “gestos de interpretação” sobre a materialidade significante que se dá a interpretar.

No dizer de Orlandi (2000, p. 78), não há materialidade significante que não ofereça lugar à interpretação, sendo, portanto, a interpretação constitutiva da própria língua. “E onde está a interpretação está a relação da língua com a história para significar”.

A noção de interpretação, assim problematizada, ganha outros significados, visto que se articula com a noção de ideologia. Conforme Orlandi (op. cit.), a ideologia é o mecanismo que estrutura sujeito e sentidos. É ela que se “aloja” na materialidade simbólica da linguagem revestida de/por uma interpretação evidente, que tem como efeito desconsiderar/apagar o processo sócio histórico pelo qual essa evidência se constituiu como tal.

A ideologia será então percebida como o processo de produção de um imaginário, isto é, produção de uma interpretação particular que apareceria, no entanto, como interpretação necessária e que atribui sentidos fixos às palavras, em um contexto histórico dado. (ORLANDI,

op. cit., p. 65).

Essas considerações nos conduzem à conclusão de que, como dissemos, os sentidos não estão postos em definitivo, não são evidentes, tampouco se dão no vácuo, mas, ao contrário, se filiam a memórias constituídas em e a partir de ideologia(s). Aqui, chamamos a atenção, inclusive, para a necessidade de pensarmos

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discursos que reivindicam a prerrogativa de dizer a língua.

Para uma melhor compreensão sobre a produção movente dos Sentidos, acreditamos ser necessário interrogar a “transparência” enquanto qualificativo desse conceito. Em se tratando de AD, a interpretação se dá em função da historicidade, sendo, portanto, a interpretação o fator mais característico dessa categoria teórico-analítica.

O conceito de historicidade é entendido diferentemente de sua imagem conotadora de cronologia ou evolução, mas como produção, filiação e distribuição de sentidos. Assim, os sentidos são constituídos no interior de FD e por meio do duelo entre elas.

É esta relação, pois, que constitui a historicidade dos sentidos. Assim entendidos, os sentidos não estão postos, dados, mas são “efeito(s) de sentido”, imagens possíveis que estão atreladas ao contexto “instável” e heterogêneo já citado; podem ser outros, diferentes e deslocáveis.

No dizer de Orlandi (1999, p. 18), o sentido jamais está só, pois não se produz a uma só vez e em apenas um lugar: “O sentido se faz sentido. Em suas relações. Não há gênese punctual de sentido. Ela é múltipla: do mesmo solo discursivo se originam muitos discursos”.

Pelo exposto, acreditamos que o discurso sobre a língua nas materialidades significantes que serão, a seguir, analisadas faz parte de um contínuo discursivo, uma vez que pode ser entendido como “estado de um processo discursivo não isolável”, em si, mas relacionado com estados outros. A heterogeneidade inscrita na natureza desse objeto nos leva a crer que pode ser um discurso atravessado por diversas imagens sobre a língua. Portanto, adentrar nos meandros e entremeios do discurso sobre a língua é, pois, tentar captar os movimentos de entrega e resistência de um discurso atravessado por outros.

A esse respeito, consideramos a possibilidade de que o discurso sobre a língua no corpus desse trabalho seja o resultado de ideologias que representam a língua a

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perspectiva, ora resistindo e, ainda, silenciando para outras representações linguísticas.

Após esse breve discussão sobre alguns conceitos operatórios que iremos mobilizar nas páginas seguintes, iniciaremos a próxima seção situando o olhar da AD para a língua. Temos a intenção de refletir sobre a contribuição teórico-analítica dessa disciplina na/para a compreensão da fluidez que constitui esse objeto. Com vistas a alcançar esse objetivo, partiremos do conceito de Real da língua, pensado por Gadet e Pêcheux (2004) e problematizado por Orlandi (op. cit.).

AD: caminhos teóricos para compreender a fluidez na/da língua

Como foi dito, mobilizaremos a noção de real da língua para problematizar esse objeto que é afetado pela história para significar; o que nos leva a afirmar que estamos diante de uma perspectiva materialista (linguístico-histórica) da língua. Sendo afetada por esse real, é possível ultrapassar o linguístico e olhar por entre as fissuras dessa materialidade e chegar aos processos constitutivos dos sentidos que dizem a língua - alinhados a um desejo de unicidade e/ou concebendo o real heterogêneo que a constitui ou, ainda, a partir de representações sobrepostas.

Entendida enquanto espaço heterogêneo e diverso, a língua é sujeita a falhas, tem fissuras, é clivada, cindida e, portanto, inapreensível em sua totalidade, indomesticável. É fluida. Essa representação disputa espaço com a perspectiva unitária, que reforça o imaginário de uma língua indivisa, pura, sem reflexos da sociedade. A língua código, normatizada, disciplinada e regulamentadora. Imaginária.

Essas “duas línguas” mobilizam conceitos que a elas se relacionam: uma é do nível da organização, da codificação; a outra é do nível da ordem, do real heterogêneo que a constitui e, por isso, é sujeita a falhas e exposta ao equívoco.

Orlandi (2005, p. 47) sinaliza para uma melhor distinção entre a organização e a ordem da língua, quando considera que, relacionada à organização, estão sentidos de

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funcionamento, que só podem ser observados se levarmos em conta que a história ultrapassa os limites da sistematicidade linguística. “Ultrapassando desse modo a organização (regra e sistematicidade), podemos chegar à ordem (funcionamento, falha) da língua e da história (equívoco, interpretação)”.

O campo das evidências e da transparência é próprio do imaginário da língua. Esse imaginário é atravessado pelo funcionamento da ideologia, que, a seu turno, representa a língua como se fosse linear e transparente. Esse discurso, tão repetido e sedimentado, nos é apresentado como a “verdade” da/sobre a língua: um conjunto de regras que deve ser manuseada com o objetivo de manter a perfeição e a homogeneidade que supostamente a caracterizam.

A teoria do discurso permite o deslocamento da língua-sistema de signos para a língua materialidade do discurso – base comum para diferentes processos discursivos e, por isso, eminentemente opaca. Nessa perspectiva, o exterior lhe é constitutivo, ainda que não se possa dizer tudo por meio dela.

Problematizar a relação tensa entre o desejo de unicidade e a heterogeneidade constitutiva nos permite entender o impossível de dizer que reside na língua, ainda que tantos outros discursos postulem o lugar da unidade como determinante desse objeto. Essas reflexões ecoam no que propôs De Nardi (2011), quando explica que

Algo sempre se perde quando limites são estabelecidos, porque há na língua um lugar do impossível, já que é próprio da língua que ela faça furos, que fuja ao todo, que mantenha um lugar em que o que não pode ser dito, se esconda, em que esse novo espere, silenciado, o tempo de mostrar-se. Algo sempre escapa. (DE NARDI. op. cit., p. 40).

Pelo exposto, é possível perceber que há, na AD, a proposta de relacionar língua e história no funcionamento do discurso. Para essa disciplina, a língua é heterogênea, sujeita a falhas, lugar do impossível e da incompletude, onde a história

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sentidos.

A perspectiva discursiva propõe a observação da língua no contexto das representações de sua história e de seu funcionamento, o que contribui significativamente para refletirmos sobre processo político de constituição desse objeto simbólico que está sempre em movimento, como parte de uma história em que sujeitos e sentidos se constroem por meio de deslocamentos, fragmentações e dispersões.

Ao reivindicar o político para a língua, estamos, entre outras coisas, (re)afirmando que não concebemos essa materialidade significante sem que esteja afetada pelo social e pelo histórico, afinal, por fazer parte das relações entre sujeitos, a língua é significada para e por sujeitos. É nesse sentido que entendemos a língua articulada a processos discursivos atrelados a condições de produção sócio históricas.

A língua, então, é o espaço da incompletude, da falha, do equívoco, do deslize, sendo, por isso, inapreensível em sua totalidade e completude. Aqui está posta a ideia de uma “lalangue” – o real da língua seria o impossível (a “não-língua”).

Portanto, de acordo com tais representações, língua e discurso são atravessados pela incompletude, pelo equívoco e são contemplados a partir de relações dialógicas, o que nos leva a dizer que são objetos heterogêneos e que podem ser considerados dentro do espectro das configurações imaginárias da/sobre a

diferença na/da língua. Aqui, entende-se que o impossível da língua (tudo não pode ser

dito) é algo constitutivo desse objeto – o real da língua (GADET & PÊCHEUX, 2004).

Analisando: Como dizer a língua

Com vistas a analisar os efeitos de sentidos sobre a língua em postagens que obtiveram grande número de curtidas e compartilhamentos, cremos ser necessário, antes, descrever cada fanpage analisada. A primeira página é a que se intitula “Revista

Língua Portuguesa”, pertencente à editora Segmento, que faz uso desse espaço virtual

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vendida por meio de assinaturas.

Notamos que a fanpage tem mais de 173 mil curtidas, está na rede desde o ano de 2006 e se propõe a abordar: arte e cultura, linguagem, sentidos (?), Linguística etc.. Também observamos que estampa no espaço “foto de capa” que está: “Há 9 anos explorando o universo do idioma em revista.” Aqui chama-nos a atenção o fato de a

fanpage ins/escrever que goza de uma consolidação no mercado editorial, uma vez

que, há quase uma década circula com sua revista, o que pressupõe que dispõe de autoridade para abordar os assuntos mencionados acima.

Outra questão digna de registro é que a revista agencia(ria) efeitos de diversidade e complexidade linguística, quando marca que se propõe a explorar “o

universo do idioma”. Somos levados a crer, então, que as abordagens dessa página

virtual conceberão a língua em seu aspecto plural, (di)verso, complexo.

Continuamos a navegar na fanpage e nos deparamos com uma postagem datada de 21 de junho e que alcançou, até o momento da nossa observação, a marca de 304 curtidas e 352 compartilhamentos. Números expressivos, se comparados com as demais postagens. Muito possivelmente, os enunciados que estão no entorno da imagem central têm seus créditos para tamanha repercussão em curtidas e compartilhamentos:

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que atrela (apenas) 20 temas essenciais da Língua Portuguesa (LP) a dicas para encarar as exigências do cotidiano, incluindo as do mercado de trabalho, exames e concursos. Seria, ao que nos parece, dicas merecedoras de atenção - aspecto que é corroborado pelo acento semântico do termo “essenciais”.

Feita essa breve descrição e dada as condições de produção do recorte que analisaremos, clicamos no link e continuamos a navegar em busca das dicas organizadas em torno dos 20 saberes essenciais da/sobre a LP.

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assuntos, tratam de: crase, uso dos verbos haver e fazer, ortografia, uso do porquê, pontuação etc.. Esses assuntos, em sua grande maioria, são aspectos ressaltados pelo gramática normativa que devem(riam) ser observados e, mais do que isso, obedecidos sob pena de incorreção, julgamentos e insucesso em face das exigências do cotidiano, do mercado de trabalho, em exames e seleções.

Esses aspectos são, inclusive, confirmados pelo pequeno texto que abre a seção de dicas. Nele, é dito que a “gramática é o meio pelo qual estruturamos nossos pensamentos”, é, ainda, “a disciplina que orienta e regula o uso linguístico, estabelecendo um padrão de fala e escrita.”. Na gramática, portanto, estão os preceitos que devem ser obedecidos, ainda que se considere que a “língua evolui”, afinal, o afastamento entre a dinâmica social e o que diz esse instrumento normativo pode incorrer em “distanciamento entre o uso cotidiano do idioma e os padrões consagrados”.

Avançando na atividade de análise, constatamos que, ao dizer que a gramática é o instrumento que organiza nossos pensamentos, que nos fornece condições para uma relação linguística harmônica e coerente e, em seguida, elencar aspectos léxico-gramaticais, a postagem mobiliza sentidos que discursivizam que a subserviência ao que prega a prescrição gramatical funciona como requisito imprescindível para estar – linguisticamente - do lado “correto”. Essa ideologia nos remete a FD que, entre outros gestos, concebem que a variante padrão/formal está relacionada apenas à escrita e deve obedecer aos preceitos gramaticais.

Assim, a postagem em análise discursiviza que os elementos definidores do respeito e do rigor desejáveis à norma padrão (NP) são alguns conhecimentos veiculados pela/na gramática normativa (GN). Ao se filiar a esse discurso, a postagem legitima, em um só gesto, o lugar de prestígio da GN na definição do que é/pode ser a língua, bem como a importância do saber em torno da NP.

Também lemos no que está dito nessa materialidade significante um não-dito que associa a linguagem escrita a saber, a status social, a “se dar bem na vida” em

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econômica. Em torno dessa discussão há a ideia de que o domínio dos postulados gramaticais significa o ingresso para o conhecimento, para o mundo do trabalho, para a civilização e melhores condições de vida.

Enfim, analisamos que, ainda que tente estruturar o enunciado em torno das “exigências do cotidiano, do trabalho e de exames vestibulares e concursos” - situações sociodiscursivas que guardam diversas particularidades e que necessariamente concebem a relação língua/usos/sujeito/sociedade -, a postagem atua a partir de uma política de fechamento dos sentidos da/para a língua. Na medida em que atrela os possíveis usos linguísticos a conteúdos gramaticais, há uma inscrição em sentidos homogeneizantes e, com isso, uma “formulação” de sentidos que compartimentalizam e codificam a língua.

Após essas breves considerações sobre a primeira postagem analisada, passemos, então, ao segundo momento de análise.

A fanpage - Da Língua Portuguesa - conta 342 mil curtidas, está na rede desde o ano de 2012, e, em sua “foto de capa”, grafa: “Aqui se aprende Português!”. Essa afirmação também está presente no espaço sobre as informações da página que, entre outros caracterizações, diz que sua missão é divulgar a LP, por meio de “dicas sobre gramática, literatura e redação para quem é apaixonado pela linguagem.”

Esse dizer mobiliza gestos de interpretação que acionam uma memória da/sobre a disciplina LP, estruturada a partir das aulas/dos conteúdos ministrados em gramática, redação e literatura – a clássica divisão da disciplina ao longo do ensino básico. Outros gestos são mobilizados em torno do enunciado que compromete os conteúdos/as postagens da página ao conhecimento sobre Português, ou seja, ao ler o que lá está posto induziria/resultaria na aprendizagem da disciplina. Esses dizeres são pistas linguístico-discursivas importantes para atravessarmos a materialidade da língua e chegarmos ao discurso sobre a língua – os efeitos de sentido mobilizados para representar esse objeto. Dito isso, vamos à postagem do dia 30 de julho que alcançou 1.824 curtidas 2. 694 compartilhamentos:

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Conforme percebemos, o texto se estrutura a partir de um título sugestivo, que desperta a curiosidade do leitor para, assim como se (com)promete a página, ensinar Português. Antes, porém, de elencar os supostos erros, há um parágrafo digno de nossa observação, pois oferece pertinentes pistas linguísticas para análise, bem como para anteciparmos qual seria a natureza/ordem dos erros.

Ainda sobre esse texto introdutório, notamos que se estrutura partindo da concepção de que nossa língua é difícil, escorregadia, prega peças ao usuário desatento, porque é “cheia de cascas de bananas”. Essas dificuldades, no entanto, podem ser dribladas mediante o cuidado com o uso de regras, que, em muito, dizem respeito às distinções estabelecidas entre os usos orais e escritos da língua. As discussões sobre a variação Diamésica (ILARI, 2007), portanto, norteiam o indicativo dos oito erros que são dispostos.

Isso posto, analisamos que há, nos recortes textuais acima, uma aproximação entre oralidade e informalidade e, como efeito resultante do estabelecimento de tal associação, a valorização da escrita, a independer das situações de uso, como um saber denotador de prestígio.

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passo que, para aquela, equivalem a informalidade e o desprestígio linguístico; à escrita, cabem os adjetivos de formalidade e prestígio. À medida que esse discurso se filia a sentidos de uma língua imutável, produz efeitos de evidência de um real natural-social-homogêneo, cujos gestos de interpretação põem a língua numa perspectiva ideal, imaginária, unitária, sem espaço para a heterogeneidade.

Há um dizer na postagem que incide, muito possivelmente, no fato de que as marcas de oralidade, explicitadas por meio das oito discursividades do erro ou não saberes (AGUSTINI, 2004) devem ser evitadas e/ou expurgadas das manifestações escritas da língua, independentemente da situação sociodiscursiva. Aqui, portanto, detectamos efeitos de homogeneidade, haja vista que analisamos haver a presença de dizeres assentados no interdiscurso da língua que trata a oralidade como a modalidade linguística onde tudo pode, diferentemente da escrita – lugar de prestígio e de correção.

Há, nesse caso, um efeito de sentido que nos remete a um interdiscurso que possibilita a repetição de um dizer normatizado(r) da língua. Esses discursos veiculam uma ideologia baseada no modelo mais prestigiado de uso linguístico que, a seu turno, impõe a segregação entre os usos/usuários aceitos e os marginalizados, afinal, “a língua é, por excelência, um instrumento de poder, que coloca seus usuários numa espécie de divisão de classes, na qual se destacam os que estiverem do lado ‘correto’, do padrão”. (PATRIOTA, 2009, p. 14).

É válido ressaltar, porém, que a postagem tenta contemplar o fenômeno da heterogeneidade linguística. Percebemos esse movimento de sentido na medida em que a postagem concebe que manifestações da língua podem ocorrer via modalidade oral, no entanto, nesse mesmo gesto, há uma espécie de controle e regulamento das manifestações orais: são associadas a situações menos monitoradas de uso. Dessa forma, estão postas como evidentes as relações entre oralidade/informalidade/inculto.

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escrita, entendida como a variante em que é possível manifestar-se em situações de usos formais da língua. De maneira predominante, a postagem analisada sinaliza para a escrita como a modalidade correta/adequada para que o desejável exercício da língua seja compatível com as finalidades pretendidas em situações sociodiscursivas que exijam monitoramento.

Para efeitos de conclusão...

Essas observações nos permitem dizer que as representações de língua manifestas no corpus dessa pesquisa não concebem as nuances e as complexidades que constituem o “universo” e a “aprendizagem” do idioma/da língua. Os sentidos discursivizados no corpus analisado revestem a língua de efeitos de homogeneidade, na medida em que caracterizam esse objeto sob a ótica da uniformidade e abstração.

REFERÊNCIAS

AGUSTINI, Carmen Lúcia Hernandes. A estilística no discurso da gramática. Campinas: Pontes, 2004

BAGNO, Marcos. A norma oculta: língua & poder na sociedade brasileira. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

DE NARDI. Fabiele Stockmans. Entre o desejo da unicidade e o real da língua: o imaginário sobre línguas no processo de ensino-aprendizagem. In: schons, Carme Regina [et al.]. Língua, escola e mídia: em(tre)laçando conceitos e metodologias. Passo Fundo: Ed. Universitária de Passo Fundo, 2011.

FARACO, Carlos Alberto. Norma culta brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

GADET. Françoise; HALK, Tony. Por uma análise automática do discurso: uma

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Referências

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