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ALIA~AO DO ENSINO DA PESQUISA LINOOfSTICA ENQUANTO PROCEDIMENTO PEDAOOGICOABSTRACT: This work analyzes the procedure of teaching related to linguistic research initiation carried out by students who study "Letras" at "Centro Universitdrio de Dourados - UFMS - on Romanic Philology and Linguistics Ifrom 1991 to 1996.
KEY WORDS: Scientific Initiation, research and teaching, Sociolinguistics and Dialectology,
Conforme acentua Hockett (1971: 11), a linguagem e um fen6meno tao familiar, tao entranhado na exist8ncia humana, dela nos valemos tio natural e automaticamente que, seu usa, via de regra, permanece inconsciente. Tambem nessa dire~ao, Benveniste (1988: 68) ressalta que "excetuado 0caso de estudo propriamente lingU(stico, nao temos seniio uma consci8ncia fraca e fugidia das opera~oes que efetuamos para falar." (grifo nosso)
Considerando, entlio, a sala de aula um dos espa~os privilegiados para a realiza~lio de estudos propriamente lingiUsticos, decidimos experimentar a pesquisa lingiifstica enquanto procedimento de ensino e de estudo da linguagem. Mais especificamente, da linguagem que nos rodeia e na qual estamos tiio automatica e familiarmente mergulhados. Em outras palavras, decidimos iniciar um estudo da linguagem falada na cidade em que vivemos, a cidade de Dourados (MS), e faze-Io mediante uma pratica que fosse 0mais reflexiva possivel, de modo a poder ultrapassar 0
carater estrltamente acad8mico tfpico dos chamados "exercicios escolares".
Ressalte-se que a regilio onde se localiza 0Municipio de Dourados apresenta uma realidade sociolingiifstica e cultural bastante complexa e carente de estudos. Trata-se de uma area muito pr6xima
a
fronteira seca BrasillParaguai, inicialmente habitada por fndios das etnias Terena, Nandeva e CaiU/i, contando ainda com expressivo numero de migrantes brasileiros - gauchos, mineiros, paulistas e nordestinos - e de imigrantes estrangeiros, sobretudo japoneses. Em decorrencia dessa heterogeneidade etnica e cultural, temos necessariamente uma heterogeneidade lingiilstica correspondente e ainda nlio descrita e estudada.Visando, entao, a fazer uma abordagem previa dessa realidade lingiiistica e a iniciar os alunos do Curso de Letras numa pratica concreta em algumas das etapas de pesquisa em dialetologia e sociolingiifstica, destinamos uma pequena parcela da carga horana da disciplina de Filologia Romanica, sob nossa responsabilidade desde 1991,
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para orienta~ao dos trabalhos de coleta e de analise de dados que permitissem,
simultaneamente, alcan~aresses dois objetivos.
Considerando que
0nosso objetivo Msico era
0de ensinar urn metodo de
pesquisa em sociolingiHsticae dialetologia e que, para a realiza~ao desse trabalho,
0tempo era verdadeiramente exfguo - uma vez que a realiza~ao inicial dessa tarefa era
uma especie de "apendice" do plano de ensino e, uma vez inscrita no contexto das
atividades de ensino, estava sujeita aos prazos estabelecidos pelo Calendano Escolar da
UFMS -,
decidimos por enfatizar as etapas de coleta, sistematiza~aoe apresenta~ao dos
resultados.
Come~amos por organizar urn Roteiro de Entrevista composto de quatro
partes, onde procuravamos, de infcio, caracterizar
0perfil do informante, segundo
alguns dos criterios mais comuns utilizados na pesquisa dialeto16gica, de modo a
conseguir, ao longo de sucessivas aplica~oes, uma amostra representativa da linguagem
falada em Dourados. A segunda parte tinha por objetivo verificar a validade de duas
versoes (Weinberg, 1979 e Labov, 1964) de uma mesma tecnica de pesquisa que visa a
conseguir
0uso da "fala casual" por parte do informante.
A terceira parte da entrevista se destinava a obter dados relativos
a
vida
cotidiana dos informantes, sobretudo no que conceme aos seus gostos, habitos e
costumes, coletando, dessa maneira, informa~oes significativas nao apenas do ponto de
vista lingiHstico,mas ainda no que diz respeito a alguns dos aspectos culturais tfpicos de
nossa regiao, postos em relevo no discurso dos informantes.
A parte final da entrevista, ao mesmo tempo em que Ihe servia de
encerramento, tinha por objetivo sondar a possfvel colabora~ao do informante em
projetos futuros a serem desenvolvidos pela
UFMS.No que diz respeito especificamente
a
sele~ao dos informantes, seguimos
alguns dos criterios usualmente adotados na pesquisa dialeto16gica. Assim,
0perfil
inicialmente buscado era
0de pessoas de ambos os sexos, com idade superior a 55 anos,
preferencialmente analfabetas ou semi-alfabetizadas, nascidas em Dourados ou, entao,
em muniC£pioscircunvizinhos, que sempre tivessem residido aqui e que tivessem
viajado pouco. Quando os alunos se deparavam com dificuldades para encontrar
0informante ideal, procuravamos selecionar aquele que mais se aproximasse do perfil.
Durante as aulas destinadas
a
orienta~ao dessa pratica, explicavamos
minuciosamente aos alunos os fundamentos te6ricos e metodo16gicosque nortearam a
formula~aode cada pergunta constante do Roteiro de Entrevista, a ordem em que essas
questoes foram colocadas, os objetivos e procedimentos a serem adotados para a
realiza~ao das entrevistas, transcri~ao de fitas, sistematiza~ao e analise de parte do
vocabulano encontrado no
corpus.Ap6s esse trabalho de coleta e organiza~ao dos
dados, os alunos foram orientados tambem para a elabora~ao do relat6rio final de
pesquisa, que se constitufa em uma das tres formas de avalia~ao realizadas e
estabelecidas no Plano de Ensino da referida disciplina.
Esse relat6rio deveria seguir, em linhas gerais, os padroes usualmente
apresentados nos relat6rios cient{ficos, contendo: introdu~ao; metodologia; urn
glossano - que deveria ser composto apenas pelos substantivos, adjetivos e verbos
atualizados pelos informantes ao longo das entrevistas -, conclusao, bibliografia e
apendice - constitufdo pelas transcri~oes das entrevistas. Cada verbete do glosslirio deveria apresentar as informa~oes de entrada de item lexical segundo os padroes do Novo Dicionlirio da Lingua Portuguesa (Ferreira, 1975), constando apenas as acep~oes de sentido atualizadas pelos informantes, seguidas por duas ou tres cita~oes de trechos da entrevista, em que 0 termo em questlio tivesse sido usado e em que se pudesse identificar 0sentido com que foi atualizado.
Considerando 0 sucesso inicial do experimento, tanto do ponto de vista da rea~lio dos alunos, que foi extremamente positiva, quanta da natureza das informa~oes lingilfsticas e culturais por eles coletadas, decidimos repetir 0procedimento nas turmas subseqUentes. No anos letivos de 1995 e 1996, 0 mesmo procedimento foi realizado
tambem com os alunos do primeiro ana do Curso de Letras, como parte das atividades desenvolvidas na disciplina de LingUfstica I.
Ao longo desse perfodo, essa pnitica foi realizada com oito turmas, que perfaziam urn total de 254 alunos matrlculados. Desses, 197 alunos (78%) apresentaram urn desempenho geral satisfat6rio, tendo elaborado cerca de 68 relat6rios e gravado 143 entrevistas. Desses totais, foi possfvel recuperar apenas 60 relat6rios (87%) e 124 (86%) entrevistas gravadas e transcritas. Tal fato ocorreu porque, para ter uma ideia aproximada de como deveria ser 0seu pr6prio produto final, os alunos de turmas mais recentes costumavam tomar emprestados os relat6rios ja avaliados e nem sempre os devolviam. Desse modo, embora esses emprestimos cumprissem sua finalidade didatica, trouxeram prejufzo para a constitui~lio do corpus (9 relat6rios 13% e 19 entrevistas -13%).
Embora os objetivos centrais - realizar uma pratica reflexiva no estudo da nossa pr6pria linguagem e coletar dados para uma abordagem necessariamente preliminar da realidade lingilfstica da regilio de Dourados - tenham sido efetivamente alcan~ados, a experiencia de orientar pesquisa lingfifstica, enquanto atividade de ensino, apresentou algumas limita~oes importantes.
Do ponto de vista especffico do processo ensino/aprendizagem, muitos alunos limitaram-se a cumprir todas as etapas com 0 intuito evidente de dar conta de urn
requisito academico para obter aprova~lio nas disciplinas. Essa inten~lio manifestou-se de maneira completa em cerca de quatro trabalhos que consistiam apenas de grava~oes que sequer levaram em conta 0roteiro de entrevista.
Com rela~lio
a
necessaria desenvoltura, em vlirias grava~oes os alunos demonstraram nlio terem percebido a diferen~a entre fazer uma entrevista para pesquisa com a livre conversa~lio com os informantes, sobretudo quando esses lhes eram muito conhecidos. Em varias outras grava~oes, ao contrario, faltou desenvoltura, tendo muitos alunos permanecidos presos ao roteiro de entrevista.Quanto aos relat6rios apresentados, os maiores problemas que encontramos foram os seguintes: transcri~oes incompletas, dificuldades muito evidentes de reda~lio, incluslio do vocabulario usado pelos inquiridores nos glossarios, confuslio no entendimento das partes do relat6rio, principal mente entre metodologia e apresenta~lio dos resultados de pesquisa, glosslirios incompletos, dificuldades na identifica~lio das classes gramaticais de vocabulos atualizados pelos informantes.
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Do ponto de vista institucional, os principais problemas encontrados foram: a falta de material, nos perfodos letivos de 1991 e 1992, e a exigiiidade de tempo disponfvel tanto para orientar os alunos, como para avaliar os trabalhos, uma vez que devfamos obedecer aos prazos estabelecidos pelo Calendlirio Escolar da UFMS que, por varias vezes ficavam ainda mais limitados, em fun~iio da reposi~iio das greves ocorridas nesse perfodo.
Apesar de todas as dificuldades assinaladas, a pnitica da pesquisa lingUfstica como atividade de ensino/aprendizagem demonstrou, para n6s, sua efetiva validade, sobretudo quando consideramos 0processo tornado no seu conjunto e constatamos que os problemas mais serios foram sendo gradativamente superados ao longo do tempo.
Dos alunos que passaram por essa experi@ncia de ensino, muitos ficaram motivados para a pesquisa lingUfstica e alguns deles estiio aqui conosco, dentro do Programa de Inicia~iio Cientffica da
UFMS/CNPq.
Ressaltamos, ainda, que as etapas de coleta de dados estiio formal mente conclufdas e que 0 corpus constitufdo passara a ser utilizado do ponto de vista
pedag6gico, apenas para 0ensino das etapas de pesquisa relativas
a
analise lingUfstica ea
elabora~iio de relat6rios de pesquisa - a exemplo do que ja ocorreu na disciplina de Lfngua Portuguesa IV, no estudo dos chamados metaplasmos - e/ou simplesmente como material didatico para 0estudo de aspectos especfficos da linguagem falada em nossaregiiio.
Conquanto todo esse processo tenha nos fornecido vlirias evid@ncias positivas quanta
a
validade da experi@ncia didatica que vinha sendo realizada, ficava evidente tambem a necessidade de uma avalia~iio mais acurada de tudo 0que estava sendo feito. Para isso e com 0 intuito de niio apenas dar exist@ncia formal a esse trabalho, mas sobretudo para criar dentro da nossa Institui~iio uma oportunidade para refletir sobre 0mesmo de forma realmente sistematica, de modo a conseguir alcan~ar uma visiio mais objetiva de todo 0processo, decidimos elaborar urn projeto de pesquisa, que, ao mesmo
tempo, desse conta da avalia~iio desse procedimento de ensino e, ainda, perrnitisse pelo menos uma inspe~iio inicial do materiallingUfstico que ja tinha sido coletado.
No infcio do ana letivo de 1996, com a primeira versiio ja examinada pelo Departamento, apresentamos 0 projeto
a
professora Aparecida Negri Isquerdo, que retornava aoDCO/CEUD
de seu afastamento para Doutorado, verificando 0 seu interesse em participar desta nova etapa de trabalho. Juntas decidimos desenvolver 0trabalho, ampliar a participa~iio dos.alunos atraves do Programa de Inicia~iio Cientffica da
UFMS/CNPq
e, especialmente, solicitar assessoria ao Dr. Devino Joiio Zambonim da UNESP/Araraquara, no sentido de atingir uma consecu~iio mais crftica e objetiva possfvel dos objetivos propostos acima.Quanto
a
assessoria cientffica, uma das principais recomenda~oes do professor Zambonim ocorreu no sentido de se realizar uma ultima etapa de coleta de dados, entrevistando pessoas cuja idade se situasse na faixa etliria compreendida entre 18 e 35 anos, em que tfnhamos muito poucos informantes, de modo a podermos analisar uma outra variavel sociolingiifstica. Essa etapa foi efetivada, repetindo a mesma atividade de ensino com as turmas do 10ana - LingUfstica I - e do 30ana - Filologia RomAnica - nofinal do ana letivo de 1996, ou seja. em m~o do corrente ano.
Para esses alunos, alem do relat6rio escrito e das fitas gravadas, pedimos tambem uma c6pia do trabalho em disquete para acelerar a inclusiio dessas entrevistas na base de dados do pr?jeto, que e0que a equipe esta fazendo no presente momento.
para a inicia~ilo
a
pesquisa lingiUstica, realizado com academicos do Curso de Letras do Centro Universitario de Dourados/UFMS, nas disciplinas de Filologia Romdnica e LingiUstica I, no per(odo de 1991 a 1996.PALAVRAS-CHAVE: Inicia~ilo Cient(jica, pesquisa e ensino, Dialetologia, SociolingiUstica.
BENVENISTE, E. (1988) Problemas de lingiUstica geral I.
2"
ed., Campinas: PonteslEditora da UNICAMP.HOCKETT, C. F.(1971) Curso de lingu(stica moderna. Buenos Aires: EUDEBA. LABOV, W. "Estagios na aquisi~iio do ingles standard" In: FONSECA, M. S. V. e NEVES, M. F. (1974) Sociolingu(stic.a. Rio de Janeiro: Eldorado.
WEINBERG, M. B. F. de (1979) Dinamica social de un cambio lingu(stico: la restruturacion de las palatales en el espanol bonaerense. Mexico, D. F.: Universidad Nacional Aut6noma de Mexico.