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O DESTINO DAS PRINCESAS ESTRANGEIRAS NAS CARTAS DE AMARNA O HARÉM FARAÔNICO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIV A.C.

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O DESTINO DAS PRINCESAS ESTRANGEIRAS NAS CARTAS DE

AMARNA – O HARÉM FARAÔNICO NA SEGUNDA METADE DO

SÉCULO XIV A.C.

André Shinity Kawaminami

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Universidade de São Paulo; Graduando em História; Agência Financiadora: FAPESP (Processo número 2016/22412-7).

andre.kawaminami@usp.br

Esta comunicação pretende apresentar algumas hipóteses sobre o destino das princesas estrangeiras quando elas se casavam com o faraó e integravam o “harém” egípcio e como essas hipóteses podem iluminar alguns aspectos referentes à perspectiva faraônica em relação aos casamentos diplomáticos presentes nas cartas de Amarna. O objetivo desta comunicação é um dos objetivos da pesquisa de iniciação científica chamada “Os casamentos diplomáticos nas cartas de Amarna – A perspectiva faraônica na segunda metade do século XIV a.C.”, a qual é financiada pela FAPESP.

As fontes utilizadas nesta pesquisa são as cartas de Amarna, encontradas em 1887, no sítio de Tell el-Amarna, no Egito. São cerca de 400 cartas, escritas em tabletes em cuneiforme e em língua acadiana, que datam da segunda metade do século XIV a.C. e representam parte da correspondência egípcia com reinos aliados e reinos subalternos do Antigo Oriente Próximo. Os faraós que aparecem nas cartas são Amenhotep III (c.1390-1352 a.C.) e seu filho sucessor Amenhotep IV, depois conhecido como Akhenaton (c.1352-1336 a.C.).

Nessa época, alguns reis do Antigo Oriente Próximo se reconheciam como uma espécie irmandade, como iguais, conhecida pela nomenclatura moderna como “O Clube dos Grandes Poderes”. Os “Grandes Poderes” envolviam os “Grandes Reis” – que eram os reis do Egito, Babilônia, Assíria, Mitani e Hatti – e esses reis trocaram cartas que trataram de diversos assuntos, como alianças, troca de presentes e casamentos diplomáticos.

Nas cartas, é possível perceber que os casamentos eram vistos de maneiras diferentes por cada Grande Rei. O faraó se casava com muitas princesas estrangeiras, mas nenhuma princesa egípcia era enviada para o exterior para casar com algum rei. Isso levanta debates relativos às perspectivas dos reis em relação a essa prática e suas implicações ideológicas.

Após a consolidação do acordo de casamento entre o faraó e uma princesa estrangeira, ela era enviada ao Egito com uma corte e seu dote. O faraó mandava, em retorno, presentes para seu novo sogro. Ao chegar ao Egito, a expectativa do pai da princesa era de que ela, ao casar-se com o faraó, se tornaria a rainha do Egito. Entretanto, quando chegavam à corte

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egípcia, as princesas passavam a fazer parte do “harém”, “desaparecendo”, então, em uma multidão de mulheres reais estrangeiras, sem nenhum papel de destaque na corte egípcia.

O “harém” egípcio é um termo usado pelos egiptólogos para descrever uma instituição administrativa ligada às mulheres reais. Há pouquíssimas obras que tratam sobre o harém egípcio, principalmente os do período de Amarna. Através das enciclopédias sobre o Egito Antigo, encontramos a definição deste termo, mas é possível notar muitas divergências entre elas, principalmente nas que comparam o “harém” egípcio com o harém turco-otomano.

Essa aproximação e comparação com o harém turco-otomano sem as devidas ressalvas e considerações são anacrônicas e levam a interpretações equivocadas, e, além disso, o “harém” egípcio deve ser visto nele mesmo. Os textos e os achados arqueológicos são difíceis de conciliar e chegar a uma conclusão unânime sobre o seu significado em diferentes períodos e a totalidade de seu funcionamento no decorrer do tempo (NICHOLSON, Paul; SHAW, Ian, 2002, p. 118).

De maneira geral, pode-se dizer que o “harém” egípcio era a residência das esposas do faraó, com uma alta burocracia organizada, e, para alguns autores, possuía também a função de fornecer herdeiros para o trono, particularmente quando um herdeiro não nascia da rainha principal. No reinado de Amenhotep III, o “harém” era localizado em Malkata e no reinado de Akhenaton era localizado em Amarna. Os “haréns” desse período possuíam administradores, fazendas de gado, e centros de tecelagem; empregavam escribas, inspetores, coletores de impostos e artesãos, assim como dançarinas e musicistas. As princesas estrangeiras, que se casavam com o faraó nas cartas de Amarna, passavam a residir no “harém” egípcio (BUNSON, 2012, p. 170).

Quando a princesa estrangeira era adicionada ao “harém”, sua comitiva de servas a acompanhava. Então, conforme o passar do tempo, segundo alguns autores, dezenas de mulheres estrangeiras ficaram ligadas a ele (NICHOLSON, Paul; SHAW, Ian, 2002, pp. 118-119). Sabemos por um escaravelho comemorativo do reinado de Amenhotep III que a princesa de Mitani, Gilukhepa, que foi enviada para se casar com o faraó, veio com 317 mulheres junto dela (NOBLECOURT, 1994, p. 95).

As cartas de Amarna fazem menção a, pelo menos, cinco casamentos entre Amenhotep III e princesas estrangeiras – duas da Babilônia, duas de Mitani e uma de Arzawa. Nesse período, as mulheres do “harém” eram legadas: depois da morte de Amenhotep III, as

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mulheres do faraó eram passadas para o próximo rei, no caso, Akhenaton (REDFORD, 2001, pp. 77-78).

Uma das principais cartas que trata, de certa maneira, sobre o destino de uma princesa estrangeira é a EA 1. Nessa carta, o faraó Amenhotep III responde alguns questionamentos do rei da Babilônia, Kadashman-Enlil, que havia enviado ao Egito alguns emissários para reconhecerem a sua irmã, que foi enviada em casamento anteriormente pelo seu pai, Kurigalzu, para se casar com o mesmo faraó. Se ela estivesse bem e viva, Kadashman-Enlil enviaria sua filha para se casar com Amenhotep III.

Nessa ocasião, o faraó apresentou uma mulher diante dos emissários. A mulher em questão não se pronunciou e os emissários não a reconheceram. Sendo assim, os emissários reportaram ao rei babilônio, que então questionou o faraó. A resposta de Amenhotep III e as citações que ele faz das palavras de Kadashman-Enlil possibilitam a formulação de algumas hipóteses sobre o destino das princesas estrangeiras e como elas apontam alguns aspectos da perspectiva faraônica sobre os casamentos diplomáticos.

Os trechos selecionados para análise são os seguintes:

(10-17) Agora eu ouvi a mensagem a qual tu me enviaste: “Tu procuras minha filha para ser tua esposa e minha irmã, cuja meu pai deste para ti, está aí contigo, mas, agora, ninguém tem visto ela, quer ela esteja viva, quer ela esteja morta.” (Isso) é o que tu me enviaste no seu tablete; essas são tuas palavras. Quando tu enviaste teu dignitário que conhece tua irmã, que pode conversar com ela e identificá-la e deixaste-o conversar com ela?

(18-21) Os homens que tu enviaste são ninguéns. Um era o [...] de Zaqara, o outro era um pastor de burros da terra de [...]. Não havia um entre eles que [conhecia ela], que era próximo de teu pai e que [pudesse identificá-la].

(26-36) E quanto ao que tu me escreveste, dizendo “Tu disseste para os meus emissários enquanto tuas esposas estavam reunidas, em pé diante de ti, dizendo ‘Contemplem tua senhora que está diante de vós,’ enquanto meus emissários não a reconheceram”. E agora tu escreveste, dizendo “Meus emissários não a reconheceram”, e tu dizes, “Então quem a identificou?” Por que tu não envies teu dignitário, que irá te contar a verdade, o bem estar de tua irmã, que está aqui? Então tu podes confiar naquele que entrar para ver a casa dela e o relacionamento dela com o rei.

(36-46) E quando tu escreves dizendo: “Talvez era a filha de uma pessoa pobre, uma de Kaskeans ou uma filha da terra de Khanigalbat, ou talvez da terra de Ugarit a qual meus emissários viram. Quem pode acreditar nelas? Essa que estava ao teu lado não abriu a boca. Ninguém pode acreditar nelas em qualquer coisa”. Essas são tuas palavras. E se tu[a irmã está] morta, então por que eles esconderiam [a] mor[te dela e por que] eles apresentariam outr[a? ... Certamente o grande deus (?)] Amon [sabe que tua] ir[mã está viva!] (RAINEY, 2015, pp. 59-61).

Segundo os trechos, podemos ver, primeiramente, que o faraó responde aos questionamentos de Kadashman-Enlil se utilizando do lugar do qual ele fala em relação ao dos emissários babilônios. Para a análise de discurso, método com o qual as cartas são

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analisadas nesta pesquisa, o lugar a partir do qual o sujeito fala é constitutivo do que ele diz e as palavras mudam de sentido conforme as posições daqueles que as empregam (ORLANDI, 1999, p. 39); isso é chamado de relação de forças. Amenhotep III se afirma a partir de sua posição como Grande Rei para convencer que o seu discurso é verdadeiro, e acusa os emissários de mentirem, pois eles seriam “ninguéns”.

Em relação à princesa estrangeira, irmã de Kadashman-Enlil, que supostamente é apresentada pelo faraó, podemos pensar em algumas hipóteses:

1. O faraó realmente apresentou a irmã do rei babilônio e, por algum motivo, ela não se pronunciou e, por isso, os emissários não a reconheceram;

2. Amenhotep III realmente apresentou a princesa, mas os emissários, por alguma razão, decidiram reportar que aquela mulher não era a princesa verdadeira;

3. O rei egípcio apresentou uma mulher qualquer (por algum motivo desconhecido), e, assim, os emissários não a reconheceram;

4. O faraó sabia exatamente quem era a princesa babilônica, mas, para impedir que ela falasse sobre sua condição no Egito, desencorajando o envio de outra princesa, resolveu não mostrá-la e exibiu uma mulher qualquer, que não foi identificada como a verdadeira;

5. Amenhotep III não apresentou a irmã do rei porque ele não a reconhecia mais, devido a grande quantidade de mulheres estrangeiras presentes no “harém” e/ou pela quantidade de casamentos com princesas estrangeiras ser muito grande, levando, então, ao esquecimento de quem era a princesa em questão. Assim, a solução foi apresentar uma mulher qualquer, que não teria sido reconhecida.

Pensando na perspectiva faraônica em relação aos casamentos, esse quadro de hipóteses nos ajuda a compreender um pouco o posicionamento do faraó. Sendo ele um rei, estando acima de todos na concepção cultural egípcia, principalmente em relação aos estrangeiros, que representavam o caos, Amenhotep III dificilmente aceitaria as acusações de Kadashman-Enlil como verdadeiras. Por mais que os Grandes Reis se reconhecessem como iguais, os casamentos podem ser considerados uma forma de se estabelecer uma hierarquia entre eles, atestada principalmente pela terminologia do parentesco, que é trabalhada pela antropologia.

Os faraós, que se consideravam superiores, poderiam entender as princesas como uma forma de tributo, o qual os outros reis prestavam a eles, enquanto que os reis que davam suas

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filhas em casamento poderiam se entender como superiores ao faraó, por se tornarem seus sogros. Sendo assim, os casamentos poderiam ser uma forma dos faraós de reforçarem um status de superioridade diante dos reis do Oriente Próximo e, por isso, eles procuravam estabelecer casamentos com as filhas dos outros Grandes Reis. Entender as perspectivas dos Grandes Reis por uma abordagem antropológica nos ajuda a entender e levantar hipóteses a partir do comportamento dos antigos.

Considerando esse contexto, é mais provável que o faraó, com o intuito de manter a política de casamento com as princesas estrangeiras, tomasse medidas que garantissem que elas seriam concedidas. Portanto, na medida do possível, é plausível pensar que Amenhotep III procuraria evitar conflitos com o rei babilônio. Também é provável que Kadashman-Enlil teria evitado conflito com o faraó, pois enviar uma princesa significaria um retorno em presentes. Dessa forma, é provável que ele tivesse enviado emissários que, de fato, pudessem reconhecer sua irmã, descartando, assim, inicialmente, as duas primeiras hipóteses.

Pensando nas três últimas hipóteses, a grande quantidade de mulheres estrangeiras que havia no harém egípcio e o nosso desconhecimento profundo sobre as condições em que elas viviam naquela instituição pode reforçar a quarta hipótese, a de que Amenhotep III sabia quem a princesa era e, pela possibilidade dela reportar uma condição que não fosse favorável ao envio de uma nova princesa, ele preferiu omiti-la e apresentar outra mulher.

A análise das possibilidades dos destinos das princesas ao incorporarem o “harém” e os conflitos relacionados ao desconhecimento do paradeiro delas que aparecem nas cartas de Amarna, pode, portanto, iluminar alguns aspectos da perspectiva faraônica em relação aos casamentos diplomáticos. A EA 1 é fundamental nesse sentido, pois, a partir de sua análise pela análise de discurso, é possível evidenciar o posicionamento do faraó e como ele se projetava para outro Grande Rei. Ele mantinha a perspectiva cultural egípcia de sua superioridade, principalmente em relação ao estrangeiro, o que gerava conflitos com o status de igualdade pressuposto nas cartas entre os Grandes Reis. Além disso, a antropologia nos auxilia na compreensão de hierarquias que estavam em jogo pela prática do casamento. Por fim, a situação conflituosa a respeito da veracidade do evento da exibição da princesa aos emissários babilônios levanta hipóteses sobre seu destino e traz, para além da reflexão sobre a perspectiva faraônica sobre os casamentos diplomáticos, a reflexão a respeito do “harém” egípcio, instituição complexa e de que temos poucas informações concretas sobre as condições das princesas estrangeiras que nele residiram.

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Referências bibliográficas

BUNSON, Margaret R. “Harem (1)”. In: Encyclopedia of Ancient Egypt – 3rd ed. Nova York: Facts On File, 2012, pp. 170-171.

COHEN, Raymond; WESTBROOK, Raymond (eds.). Amarna Diplomacy – The Beginnings

of International Relations. Maryland: The Johns Hopkins University Press, 2000.

LÉVI-STRAUSS, Claude. As Estruturas elementares do parentesco. Petrópolis: Vozes, 1982.

NICHOLSON, Paul; SHAW, Ian. “Harim”. In: The British Museum Dictionary of Ancient

Egypt – 2nd ed. Londres: British Museum Press, 2002, pp. 118-119.

NOBLECOURT, Christiane Desroches. “Os haréns da coroa”. In: A mulher no tempo dos

Faraós. São Paulo: Papirus, 1994, pp. 93-116.

ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 1999. PODANY, Amanda H. Brotherhood of Kings – How international relations shaped the

Ancient Near East. Nova York: Oxford University Press, 2010.

RAINEY, Anson F. The El-Amarna Correspondence – A New Edition of the Cuneiform

Letters from the Site of El-Amarna based on Collations of all Extant Tablets, Volumes

I e II. Leiden: Brill, 2015.

REDFORD, Donald B. “Harem”. In: The Oxford Encyclopedia of Ancient Egypt – Volume 2. Nova York: Oxford University Press, 2001, pp. 76-80.

Palavras-chave: princesas estrangeiras; harém; cartas de Amarna; casamentos diplomáticos; perspectiva faraônica.

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