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UNIDADE II GERENCIAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA E SERVIÇOS DE SAÚDE: INTEGRALIDADE E DIREITO À SAÚDE

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UNIDADE II

GERENCIAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA E

SERVIÇOS DE SAÚDE: INTEGRALIDADE E DIREITO À SAÚDE

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Módulo 4: Modelos tecnoassistenciais

em saúde e avaliação do cuidado

4.1. Modelos tecnoassistenciais em saúde e organização de redes integrais de serviços

ƒ

ƒ Principais conceitos, os diferentes modelos tecnoassistenciais, alternativas ao modelo hegemônico.

ƒ

ƒ Construção dos modelos assistenciais do SUS: a estratégia da saúde da família.

ƒ

ƒ Redes integradas de atenção à saúde.

4.2. Avaliação da Atenção Básica/Saúde da Família sob a ótica da integralidade

ƒ

ƒ Conceitos e sentidos da integralidade.

ƒ

ƒ Os atributos e dispositivos da integralidade na atenção básica: acolhimento, vínculo, escuta e

responsabiliza-ção. ƒ

ƒ Dimensões do acolhimento e do vínculo.

ƒ

ƒ Processos de trabalho envolvendo acolhimento.

ƒ

ƒ Articulação dos conceitos de modelo de atenção e integralidade nos processos de trabalho.

ƒ

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Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS COLETÂNEA DE TEXTOS

MODELOS ASSISTENCIAIS EM SAÚDE:

DESAFIOS E PERSPECTIVAS

1

ALUÍSIO GOMES DA SILVA JÚNIOR

CARLA ALMEIDA ALVES

O modelo assistencial diz respeito ao modo como são organizadas, em uma dada sociedade, as ações de atenção à saúde, envolvendo os aspectos tecnológicos e assistenciais. Ou seja, é uma forma de organização e articulação entre os diversos recursos físicos, tecnológicos e humanos disponíveis para enfrentar e resolver os problemas de saúde de uma coletividade.

Consideramos que no mundo existam diversos modelos assistenciais calcados na compreensão da saúde e da doença, nas tecnologias disponíveis em determinada época para intervir na saúde e na doen-ça e nas escolhas políticas e éticas que priorizam os problemas a serem enfrentados pela política de saúde. Por esse motivo, ressaltamos que não há modelos certos ou errados, ou receitas que, quando seguidas, dão certo. Observem o que nos diz Merhy sobre o assunto:

O tema de qualquer modelo de atenção à saúde, faz referência não a programas, mas ao modo de se construir a gestão de processos políticos, organizacionais e de trabalho que estejam comprometidos com a produção dos atos de cuidar do indivíduo, do coletivo, do social, dos meios, das coisas e dos lugares. E isto sempre será uma tarefa tecnológica, comprometida com necessidades enquanto

valo-res de uso, enquanto utilidades para indivíduos e grupos. (Merhy, 2000:2)2

Os modelos historicamente construídos no Brasil

No Brasil, podemos relatar diversos modelos de saúde desenvolvidos em diferentes momentos da história. No início da República, por exemplo, sanitaristas, guardas sanitários e outros técnicos or-ganizaram campanhas para lutar contra as epidemias que assolavam o Brasil no início do século (febre amarela, varíola e peste). Esse tipo de campanha transformou-se em uma política de saúde pública importante para os interesses da economia agroexportadora daquela época e se mantém como moda-lidade de intervenção até os nossos dias no combate às endemias e epidemias.

1 Publicado originalmente em: SILVA JÚNIOR, Aluísio Gomes da; ALVES, Carla Almeida. Modelos assistenciais em saúde:

desafios e perspectivas. In: MOROSINI, Márcia Valéria G. C.; CORBO, Anamaria D.Andrea (Orgs.). Modelos de atenção e a saúde

da família. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2007. p. 27-41.

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Na década de 1920, com o incremento da industrialização no país e o crescimento da massa de tra-balhadores urbanos, começaram as reivindicações por políticas previdenciárias e por assistência à saúde. Os trabalhadores organizaram, junto às suas empresas, as Caixas de Aposentadoria e Pensão (Caps), regulamentadas pelo Estado em 1923.

A partir da década de 1930, a política de saúde pública estabeleceu formas mais permanentes de atua-ção com a instalaatua-ção de centros e postos de saúde para atender, de modo rotineiro, a determinados problemas. Para isso, foram criados alguns programas, como pré-natal, vacinação, puericultura, tuberculose, hanseníase, doenças sexualmente transmissíveis e outros.

Esses programas eram organizados com base nos saberes tradicionais da biologia e da velha epidemio-logia que determinavam o ‘bicho’ a ser atacado e o modo de organizar o ‘ataque’, sem levar em conta aspectos sociais ou mesmo a variedade de manifestações do estado de saúde de um ser de acordo com a região e/ou população e, por isso, denominamos Programa Vertical.

Neste modelo instituído a partir da década de 1930, em que se estruturaram as redes estaduais de saúde, a assistência era voltada para os segmentos mais pobres da população. Os segmentos mais abas-tados procuravam o cuidado de sua saúde nos consultórios médicos privados. Nesta década ainda, era de Getúlio Vargas, as Caps, criadas nos anos 1920, transformaram-se em Instituto de Aposenta-doria e Pensão (Iaps). O que antes era CAP de uma determinada empresa passou a ser um Instituto de Aposentadoria e Pensão de uma determinada categoria profissional (por exemplo: Iapi, Iapetec, IAPM etc). Cada instituto dispunha de uma rede de ambulatórios e hospitais para assistência à doença e recuperação da força de trabalho.

O modelo de medicina voltado para a assistência à doença em seus aspectos individuais e biológicos, centrado no hospital, nas especialidades médicas e no uso intensivo de tecnologia é chamado de me-dicina científica ou biomeme-dicina ou modelo flexneriano, em homenagem a Flexner, cujo relatório, em 1911, fundamentou a reforma das faculdades de medicina nos EUA e Canadá. Esta concepção estruturou a assistência médica previdenciária na década de 1940, expandindo-se na década de 1950, orientando também a organização dos hospitais estaduais e universitários.

Nos anos 50, outras categorias profissionais aderiram ao modelo dos Iaps, formando novos institutos e, consequentemente, novos serviços foram inaugurados para assistir os respectivos trabalhadores e seus dependentes. A política de saúde pública reforçou o investimento em centros e postos de saúde com seus programas verticalizados.

A instauração do governo militar no ano de 1964 determinou novas mudanças. Unificou os Iaps no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), mas manteve o foco na assistência à saúde individual, pois as ações de saúde pública eram de responsabilidade dos governos estaduais e do Ministério da Saúde. Além disso, expandiu o modelo biomédico de atendimento por meio do financiamento e compra de serviços aos hospitais privados – o que serviu para expandir o setor privado de clínicas e hospitais, assim como o consumo de equipamentos e medicamentos. Isto não garantiu a excelência na assistência à saúde.

Crise e críticas ao modelo hegemônico

Em 1975 definiu-se um Sistema Nacional de Saúde em que as atividades de saúde pública continuavam desarticuladas da assistência médica individual. Esta década foi marcada por evidências dos limites

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da biomedicina. Uma dessas evidências foi quanto a pouca efetividade da ação da biomedicina no enfrentamento dos problemas de saúde gerados pelo processo acelerado de urbanização. Esse foi um processo que ocorreu em vários países desenvolvidos concomitantemente. Doenças psicossomáticas, neoplasias, violência, doenças crônico-degenerativas e novas doenças infecciosas desafiavam a abor-dagem centrada em características individuais e biológicas do adoecer.

Podemos recorrer a uma brincadeira para enumerar as dores mais frequentes nas unidades de saúde. Primeiro a dor de cabeça, no início do mês, depois a de barriga, no meio do mês, e, a seguir, a ‘dor do bolso’, no final do mês. O que o sistema de saúde (ainda) faz com essas dores? Prescreve analgé-sicos para a primeira, vitaminas para a segunda e calmantes para a última. Não é por acaso que esses são os remédios mais vendidos no mundo!

O raciocínio clínico categórico, biomédico, de ‘lesões objetivadas’, teve de enfrentar indivíduos com sintomas difusos e descontextualizados, levando os profissionais de saúde a lançar mão frequente-mente, e sem crítica, de instrumentos e exames cada vez mais complexos e caros para diagnosticar doenças, em detrimento do cuidado aos doentes. Foi, portanto, vertiginosa a escalada dos custos dos Sistemas de Saúde, evidenciando, mais uma vez, os limites da biomedicina. Se compararmos as ações de atenção médica com ações em outros setores (saneamento, educação, emprego), veremos que os resultados obtidos pelas segundas, no que diz respeito ao aumento da expectativa de vida, é superior, com melhor relação custo/benefício.

A incorporação tecnológica em saúde, diferentemente de outros setores, não é substitutiva e nem poupadora de mão-de-obra. Cada novo equipamento lançado soma seus custos aos já existentes sem substituí-los ou baixar de preço pela disseminação de seu uso, como acontece com os demais apa-relhos eletroeletrônicos. Cada novo lançamento cria a necessidade de um especialista, um técnico e um auxiliar para fazer sua operação, o que aumenta os custos com mão-de-obra especializada. Há

também as especulações tecnológicas,3 ou seja, produtos e medicamentos, muitas vezes sem

utilida-de claramente utilida-definida, que substituem medicamentos tradicionais, aumentando o custo dos trata-mentos, sem vantagens adicionais. Não é à toa que a chamada inflação médica é cerca de quatro vezes maior que nos outros setores da economia. Isso não significa que devemos abandonar as tecnologias médicas, ao contrário, algumas tecnologias constituem importantes avanços para salvar e prolongar vidas, porém a racionalização de seu uso é imperativa.

Outro ponto que evidencia os limites da biomedicina é que quanto mais cara maior é a dificuldade de acesso para as populações com condições econômicas precárias, cujas demandas são as maiores dos serviços de saúde. Chamamos a isso de iniquidade na distribuição da oferta e dos benefícios do sistema de saúde.

Do ponto de vista tecnológico, ocorreu um predomínio no uso das chamadas tecnologias duras (de-pendem do uso de equipamentos) em detrimento das leves (relação profissional-paciente), ou seja, prima-se pelos exames diagnósticos e imagens fantásticas, mas não necessariamente cuida-se dos pacientes em seus sofrimentos. Entretanto, a biomedicina tornou-se o modelo hegemônico na pres-tação de serviços de saúde no Brasil e em muitos países do mundo.

3 Sobre o conceito de tecnologia empregada no processo de trabalho em saúde, ver Abrahão, texto 'Tecnologias: conceito e relações

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Propostas alternativas

Nesse contexto dos anos 70, estabeleceu-se, internacionalmente, um debate sobre modelos de as-sistência que levassem em conta as questões anteriormente mencionadas. Prevaleceram as propostas que enfatizavam a racionalização do uso das tecnologias na atenção médica e o gerenciamento eficien-te. A mais difundida foi a de atenção primária à saúde ou medicina comunitária.

Desde o início, porém, essa proposta foi alvo de uma polarização de debates. Havia os que desta-cavam os aspectos de simplificação e racionalização, caracterizando a medicina comunitária como ‘medicina pobre para os pobres’, e havia aqueles que viam a proposta como uma estratégia racionali-zadora, importando-se com o acesso de toda a população aos reais avanços tecnológicos na saúde. No Brasil, no final da década de 1970, essa proposta foi encarada por grupos de oposição ao governo mi-litar como estratégia para redemocratizar a política e levar assistência à saúde à população em geral. A partir da década de 1980, várias experiências de governo originaram correntes tecno-políticas que contribuíram sobremaneira na avaliação do que vinha sendo feito e na sugestão de elementos impor-tantes na organização de modelos assistenciais coerentes com as escolhas técnicas, éticas e políticas daqueles que queriam a universalização da saúde.

Vários municípios organizaram redes de unidades de saúde para atenção primária com a ajuda das universidades, como Niterói, Londrina, Campinas, e outros. Essas experiências serviram de base para o Movimento de Reforma Sanitária que culminou na VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986. As diretrizes dessa Conferência ganharam forma de lei na Constituição de 1988 e na Lei Orgâ-nica de Saúde (8.080/90) e transformaram-se em objetivos a serem perseguidos pela reorganização de um Sistema Único de Saúde (SUS), tais como:

ƒ

ƒ Atendimento universal. todo cidadão tem direito à atenção à saúde e é dever do Estado promovê-la.

ƒ

ƒ A ‘Atenção à saúde deve ser integral’, ou seja, cada cidadão deve ser compreendido em suas

di-mensões biológicas, psicológicas e sociais. As equipes de profissionais e a rede de serviços devem articular-se para garantir a oferta de intervenções em promoção de saúde, prevenção de doen-ças, cura e controle de agravos e reabilitação dos doentes. A rede hierarquizada de serviços deve oferecer tecnologias, complementares entre si, em diversos níveis de complexidade, conforme a necessidade dos usuários. Em uma dimensão política, os setores do governo e da sociedade devem

articular-se intersetorialmente em políticas que promovam a saúde e previnam agravos. 4

ƒ

ƒ Os ‘benefícios da política precisam ser distribuídos de forma a diminuir as desigualdades’,

promo-vendo a saúde daqueles que apresentam mais necessidades (equidade). ƒ

ƒ Toda ‘essa organização, em seus diversos níveis, precisa ser discutida, acompanhada e avaliada no

cumprimento de seus objetivos por estruturas de controle pela sociedade’. A lei 8.142, de 1990, ga-rante a existência de conselhos de saúde em níveis municipal, estadual e nacional. A organização da sociedade pode e deve participar de instâncias de decisão locais/regionais e nacional, para o exercício do controle social. Este controle também é exercido cotidianamente pelos cidadãos ao utilizarem e avaliarem os serviços e as ações políticas que interfiram na qualidade de vida da população.

Várias alternativas foram sendo construídas ao longo da implementação do SUS, nos anos 90, como a Ação Programática ou Programação em Saúde; a versão brasileira de Sistemas Locais de Saúde (Si-los); as Cidades Saudáveis ou Saudecidade e o Movimento em Defesa da Vida.

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Em relação às várias alternativas estudadas, verificamos certo consenso no que diz respeito à refor-mulação dos serviços de saúde:

ƒ

ƒ A noção de território não é compreendida apenas do ponto de vista geográfico, mas como

territó-rio-processo, onde a sociedade se estrutura e reproduz a vida, organiza a cultura, vive a história.5

ƒ

ƒ A definição de problema de saúde é construída de maneira mais ampla que as doenças, por meio de

uma sistematização de causas e consequências das situações que interferem na saúde da população, na programação de ações e na avaliação de seu impacto sobre problemas identificados.

ƒ

ƒ Com a percepção das desigualdades regionais e microrregionais, são estabelecidas estratégias de

forma que seja possível orientar propostas redistributivas de recursos visando à maior equidade. ƒ

ƒ A reorganização das práticas de saúde privilegiam uma abordagem interdisciplinar na qual a

epi-demiologia, as ciências sociais, a clínica, a educação em saúde e a política setorial, entre outros conhecimentos, possam articular-se na compreensão da saúde e da doença em seus aspectos indi-viduais e coletivos.

ƒ

ƒ A ampliação da percepção dos trabalhadores sobre os usuários, compreendendo-os nos seus

aspec-tos biológicos, psíquicos e sociais, resulta no desenvolvimento de ações que articulam a promoção de saúde, a prevenção dos agravos, a cura e recuperação de indivíduos ou coletividades doentes e a vigilância à saúde (integralidade na abordagem).

ƒ

ƒ A revisão dos conceitos clássicos de hierarquização de serviços, com base no reconhecimento da

com-plexidade da atenção básica em suas relações com a população e seus problemas6 sanitários. O

reco-nhecimento de que os problemas apresentados pelas populações, em especial na área urbana, reque-rem uma abordagem multiprofissional e uma articulação em rede (integralidade na rede de serviços). ƒ

ƒ A articulação do setor da saúde com os demais setores de governo na formulação de ‘políticas

saudáveis’ para as cidades (intersetorialidade). ƒ

ƒ A gestão democratizada, tendo em vista a horizontalização dos organogramas e a construção de

espaços coletivos de gestão, apontadas como alternativas para possibilitar maior participação dos trabalhadores e da população.

Existem, também, diferenças e lacunas, que podem ser evidenciadas se examinarmos os focos orga-nizativos e a escolha de prioridades de atenção nos diferentes modelos tecnoassistenciais propostos:

ƒ

ƒ Programação em saúde: propõe uma análise da situação de saúde por meio dos padrões de

adoeci-mento, vulnerabilidade e risco de morte por doenças e agravos. Isso evidencia um caráter prescritivo ou normativo para os serviços no seu encontro com os usuários, ofertando uma programação que interpreta a população pela sua ‘curva epidemiológica’. Esse saber é absolutamente necessário, mas, quando é utilizado para planejar o sistema de atenção e gestão, nos remete a uma atuação vertical e de produção de impactos sobre indicadores, enfraquecendo o olhar sobre a produção de acolhimento e escuta das pessoas em suas dificuldades pontuais ou difusas no modo de andar a vida.

ƒ

ƒ Políticas intersetoriais: propõem uma análise da situação de saúde com base nas condições mais

gerais de vida, destacando a necessidade das boas condições de acesso aos bens coletivos, ou seja, a tudo aquilo que entendemos como determinante da qualidade de saúde. Baseiam-se na proposta de promoção da saúde e enfatizam a necessidade de articulações intersetoriais, por exemplo, com as

5 Sobre a noção de território, ver Monken e Barcellos, texto 'O território na promoção e vigilância em saúde', no livro O Território e o Processo Saúde-Doença (N. E.).

6 Sobre a noção de problemas de saúde, ver Silva, Batistella e Gomes, texto 'Problemas, necessidades e situação de saúde: uma revisão

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áreas de ambiente, educação, atividade física, urbanismo etc. Esse foco propõe aspectos essenciais para uma política de saúde, mas, quando utilizado para ordenar o sistema, oferece poucos elemen-tos para a organização das práticas de atenção e da rede de cuidados, visando à garantia de acesso a todos os recursos assistenciais de que venham a necessitar pessoas e populações.

ƒ

ƒ Promoção da saúde:7 uma ampla conjugação do método epidemiológico com o de promoção da

saúde, valorizando enormemente a educação em saúde como desenvolvimento da autonomia das pessoas e populações. Configura propostas que consideram os fatores determinantes ou condi-cionantes da qualidade de saúde, a necessidade de informações e conhecimentos para promover a autonomia e a necessidade de acesso às tecnologias do cuidado com produção de vínculo entre profissionais e equipes de saúde com os usuários.

ƒ

ƒ Integralidade: uma construção mais aberta e, além do reconhecimento de todos os fatores

refe-ridos aos demais desenhos (modelos), traz, como destaque, a necessidade de ter acesso a todas as tecnologias de saúde para a redução de danos e sofrimentos e prolongar a vida. Como integrali-dade, revela-se em defesa de que as tecnologias de saúde não sejam vistas como as de maior ou de menor importância e que não sejam hierarquizadas entre melhores e secundárias, mas vistas como recursos que precisam ser consumidos na hora certa e no espaço adequado, sejam as imunizações, os grupos com portadores de patologias, o diagnóstico por imagem ou laboratorial, as cirurgias ou os transplantes. Como se trata do sistema de saúde, o encontro com os usuários estende-se desde a participação no cuidado ao controle social sobre o setor.

A construção dos modelos assistenciais do SUS

Mais recentemente, em meados da década de 1990, após muitas relutâncias e até mesmo entraves governamentais ao processo de implantação do SUS, foi implantada uma estratégia para mudança do modelo hegemônico, a Estratégia de Saúde da Família (ESF), financiada pelo Ministério da Saúde. A disseminação desta estratégia e os investimentos na chamada rede básica de saúde ampliaram o debate em nível nacional e trouxeram novas questões para a reflexão.

Entre estas questões, destacamos a forma de organização e hierarquização das redes assistenciais, em que a ideia predominante envolve uma ‘imagem em pirâmide’ para a atenção à saúde, bem como a ideia da ‘complexidade crescente’ em direção ao topo. Hospital no topo e rede básica como porta de entrada do sistema de saúde.

Supõe-se que a pirâmide organiza a assistência em graus crescentes de complexidade, com a popula-ção fluindo de forma organizada entre os vários níveis por meio de mecanismos formais de referência e contrarreferência (normas de fluxos de usuários na busca de alternativas de assistência).

Na prática, essa é uma postura prescritiva, presa a uma racionalidade formal, que não leva em conta as necessidades e os fluxos reais das pessoas dentro do sistema e, por isso mesmo, termina não se concretizando jamais. Os serviços funcionam com lógicas muito diferentes, a articulação entre eles não acontece, não se assegura a resolução dos problemas e a população termina entrando no sistema por todas as portas.

E por que tem sido tão difícil articular os diferentes serviços do sistema de saúde? Por que não se consegue assegurar o fluxo das pessoas de acordo com suas necessidades?

7 Sobre promoção da saúde, ver Monken e Barcellos, texto 'O território na promoção e vigilância em saúde', no livro O Território e o Processo Saúde-Doença (N. E.).

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São várias as explicações. Por um lado, ao mesmo tempo em que se atribui um papel crítico à atenção básica, ela é desvalorizada. Segundo a noção formal da pirâmide, é possível organizar um sistema verticalizado, desenhado com uma base formada pela atenção básica e o topo pelos serviços de ‘alta densidade tecnológica’ (concentração de equipamentos e recursos técnicos).

De acordo com essa concepção, os serviços terciários são mais valorizados, considerados mais com-plexos e resolutivos, já que concentram equipamentos e procedimentos e atendem às situações com maior risco de vida. Nesse âmbito, têm grande valor os conhecimentos técnicos necessários, sobre-tudo ao enfrentamento dos aspectos biológicos da doença e dos agravos à saúde, que são valorizados como verdadeiramente científicos.

Como, em geral, não há risco de morte e são poucos os equipamentos utilizados, os serviços bási-cos são entendidos como simplificados, portanto desvalorizados. Na verdade, enfrentam-se desafios tecnológicos muito complexos para assegurar acolhimento e resolutividade aos problemas de vida inerentes ao contato com famílias, com grupos sociais, com a diversidade cultural e com problemas de vida (relações sociais, violência urbana, gravidez indesejada ou em adolescentes jovens etc.). Essa complexidade só pode ser enfrentada com a articulação dos conhecimentos biológicos com outros, advindos de campos como a psicologia, a sociologia, a antropologia, entre outros. No entanto, mui-tos admitem a possibilidade de que profissionais menos preparados sejam suficientes para dar conta dos problemas mais simples e para encaminhar os mais complicados. Não reconhecem a especificida-de nem a complexidaespecificida-de envolvida nesse trabalho.

Capacidade de reconhecer o contexto, capacidades de comunicação e acolhimento, capacidade de escuta e de compreender diferentes valores e culturas, capacidade de mobilizar soluções para situa-ções aparentemente sem saída. Uma formação mais ampla e contextualizada. O trabalho em equipe multiprofissional e a articulação com outros setores são fundamentais para tudo isso, mas há pouca ênfase no desenvolvimento de tecnologias para trabalhar estas questões.

Um outro aspecto importante é que não se assegura a retaguarda necessária para garantir à atenção bá-sica a capacidade de enfrentar efetivamente uma série de situações e agravos. Foi ampliada a cobertura da atenção básica, mas são sérias as limitações para exames laboratoriais e radiológicos ou para apoio nas áreas de reabilitação, saúde mental e outras, indispensáveis para a continuidade da atenção. Um serviço que não consegue assegurar esse tipo de apoio acaba se desmoralizando. Muitas pessoas preferem procu-rar diretamente os hospitais, pois sabem que o acesso a esse tipo de retaguarda será menos complicado. Em contrapartida, os hospitais estão organizados de acordo com uma concepção restrita de saúde, que desconhece a subjetividade, o contexto e a história de vida das pessoas. Além disso, a atenção organizada por especialidades leva à fragmentação do cuidado e à desresponsabilização, já que cada qual cuida da sua parte e ninguém se responsabiliza pelo todo. Há, também, um profundo desconhe-cimento sobre a atenção básica e seu potencial de cuidado. Como consequência, descontinuidade da atenção, ambulatórios sobrecarregados, população cativa.

A atenção básica à saúde desempenha um papel estratégico no SUS, sendo o principal elo entre o sis-tema de saúde e a população. Mas não pode ser entendida apenas como porta de entrada do sissis-tema, porque essa ideia caracteriza baixa capacidade de resolver problemas e implica desqualificação e isola-mento. Não pode ser a sua única porta de entrada, porque as necessidades das pessoas se manifestam de maneira variável e precisam ser acolhidas. Nem pode ser porta obrigatória porque isso burocratiza a relação das pessoas com o sistema. E não pode ser o único lugar de acolhimento, porque todas as partes do sistema precisam se responsabilizar pelo resultado das ações de saúde e pela vida das pessoas.

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De outra parte, o conjunto da rede de ações e de serviços de saúde precisa incorporar a noção de responsabilidade sobre a saúde da população. São necessários arranjos tecnoassistenciais que contri-buam para a mudança do olhar e a mobilização da escuta aos usuários e seus problemas de vida, como o acompanhamento horizontal, a familiaridade com os modos de andar a vida no local ou o contato com a cultura na rua, nos coletivos e redes sociais dos usuários dos serviços de saúde. Isso é indispen-sável para cumprir a promessa de um sistema único e organizado para a integralidade e humanização, que funcione como ‘malha de cuidado ininterrupto à saúde’, e não como um sistema burocrático e despersonalizado de encaminhamentos.

A maior parte das propostas tecnoassistencias desenvolvidas para o SUS centram-se na reorganiza-ção da atenreorganiza-ção básica. Mas é fundamental que haja transformações no âmbito hospitalar e em outras partes do sistema de saúde. Uma mudança importante será desenvolver práticas humanizadas de aco-lhimento de pessoas na atenção hospitalar, tais como a incorporação da presença de acompanhantes e familiares na internação.

Outra mudança será visualizar os serviços básicos, os ambulatórios de especialidades e hospitais gerais ou especializados, formando um conjunto solidário, não hierarquizado e bem articulado de serviços, cujo objetivo seja garantir o melhor acolhimento possível e a responsabilização pelos pro-blemas de saúde das pessoas e das populações.

Por fim, obviamente, é necessário fortalecer a atenção básica como lugar do mais amplo acolhimento às necessidades de contato com as ações e os profissionais de saúde. No lugar formal e burocrático da pirâmide, podem ser desenhados os mais diversos diagramas, dependendo de quais serviços já se dispõe, de quais as características da população e quais as possibilidades de investimento e apoio. A estrutura e os processos de gestão também se constituem em grandes desafios. Ainda são incipientes os mecanismos que favoreçam a construção coletiva de desenhos tecnoassistenciais. As instâncias

for-mais de pactuação entre gestores8 (comissões intergestores), de participação dos trabalhadores (mesas

de negociação) e de participação da população (conselhos de saúde) ainda se dedicam mais ao debate da organização e financiamento o sistema do que ao debate sobre a organização da atenção. Investimentos na capacidade de escuta às demandas, no processamento de problemas e na gestão compartilhada dos projetos de intervenção parecem oferecer maior capacidade de viabilizar gestões participativas.

Há uma carência de processos de avaliação que transcendam os aspectos normativos e quantitativos do cumprimento de metas e que possam avaliar, também, o desenvolvimento de políticas ou quali-tativo das práticas e dos resultados. Alguns autores têm proposto outras abordagens que levam em conta a integralidade, o processo de trabalho e a percepção da qualidade da atenção pelos usuários. Para que seja possível construir esse novo modo na gestão, atenção e controle social, precisamos de um outro perfil de trabalho e de trabalhadores.

Um problema de hipertensão arterial, por exemplo, tem de ser acolhido desde a orientação alimen-tar, com respeito às necessidades e possibilidades pessoais e dos locais de moradia, passando pela orientação e oportunidade de estar em grupo para abordar as questões subjetivas e do andar a vida até a cirurgia e recuperação de uma ponte de safena. Pensando nisto, alguns autores perceberam no

espaço do cotidiano dos trabalhadores, em suas práticas e na organização dos processos de trabalho 9

8 Sobre as instâncias de pactuação no Sistema Único de Saúde, ver Machado, Lima e Baptista, texto 'Configuração institucional

e o papel dos gestores no Sistema Único de Saúde', no livro Políticas de Saúde: a organização e a operacionalização do Sistema Único

de Saúde (N. E.).

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um potencial enorme de mudanças nos resultados das políticas de saúde. Na dimensão micropolítica da atenção à saúde é onde pode ocorrer, com mais efetividade, a reflexão sobre o ato de cuidar e a relação com a população usuária. Muitos estudos e experiências vêm-se acumulando neste sentido.

Considerações finais

Pouco a pouco parece surgir a possibilidade de trazer aos serviços e à própria lógica de gestão setorial o componente mais subjetivo dos usuários, aquilo que para as pessoas são necessidades de saúde, mas que não se enquadram no referencial técnico-científico hegemônico.

Novos modelos assistenciais precisam entrar em curso com referência na escuta aos usuários, na criação de dispositivos de escuta, decodificação e trabalho. Sabemos que hoje é possível falar em inte-gralidade, humanização e qualidade da atenção, segundo os valores de compromisso com a produção de atos de cuidar de indivíduos, coletivos, grupos sociais, meio, coisas e lugares. Embora muitas formas de modelagem permaneçam intactas, parece estar emergindo um novo modo de tematização das estratégias de atenção e gestão no SUS e de formação dos profissionais de saúde pela educação permanente em saúde, pelo menos no que diz respeito à modelagem dos ‘corações e mentes’. Como as necessidades em saúde são extremamente dinâmicas, social e historicamente construídas, exigem, obviamente, que os serviços e a gestão em saúde sejam capazes de desenvolver estratégias também dinâmicas e extremamente sensíveis, capazes de passar dos arranjos rotineiros aos arranjos de risco, para escutar, retraduzir e trabalhar necessidades de saúde.

Referências

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CAMPOS, G. W. S. A clínica do sujeito: por uma clínica reformulada e ampliada. In: CAMPOS, G. W. S. (Org.) Saúde

Paidéia. São Paulo: Hucitec, 2003.

CECILIO, L. C. O. Modelos tecnicoassistenciais em saúde: da pirâmide ao círculo, uma possibilidade a ser explorada.

Cadernos de Saúde Pública, 13(3): 469-478, jul.-set., 1997.

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M od el os a ss is te nc ia is e m s aú de : d es af io s e p er sp ec tiv as Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS COLETÂNEA DE TEXTOS A lu ís io G om es d a S ilv a J ún io r, C ar la A lm ei da A lve s

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Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS COLETÂNEA DE TEXTOS

AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA EM SAÚDE

SOB A ÓTICA DA INTEGRALIDADE: ASPECTOS

CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS

1

ALUISIO GOMES DA SILVA JUNIOR

2

MÔNICA TEREZA MACHADO MASCARENHAS

3

A reorganização do modelo tecnoassistencial do Sistema Único de Saúde (SUS), com base nos prin-cípios da universalidade, integralidade, equidade, resolubilidade, intersetorialidade, humanização do atendimento e participação social, ainda constitui um desafio para todos os atores sociais que militam no campo da Saúde Coletiva. Muitas propostas têm sido implementadas em âmbito muni-cipal, mas a partir da segunda metade da década de 90, esses esforços vêm se aglutinando em torno da reorganização da Atenção Básica em Saúde, orientada, principalmente, pelo Programa de Saúde da Família. A implementação desse programa, embora sob mesma orientação macropolítica, vem produzindo experiências qualitativamente diferentes e, em muitos casos, reproduzindo o modelo tradicional de assistência em novas embalagens, como já haviam alertado Silva Junior (1998, p. 125) e Franco e Merhy (2000).

O acompanhamento dessas experiências vem se dando por meio de metas de cobertura, produção de serviços e indicadores de impacto epidemiológico. Considerando que há uma diferença qualitativa nos resultados, decorrente da forma como são feitas as ações de saúde e o processo de trabalho das equipes envolvidas, como demonstrou Mascarenhas (2003), os aspectos relevantes na direcionalida-de das mudanças no modirecionalida-delo tecnoassistencial são pouco percebidos pela forma direcionalida-de acompanhamento do programa (avaliação normativa).

Essas questões, já apontadas por Hartz (2000, p. 29-35), nos remetem à necessidade de comple-mentar o processo de monitoramento com a abordagem da pesquisa avaliativa na busca de perceber

1 Publicado originalmente em: SILVA JÚNIOR, Aluísio Gomes da; MASCARENHAS, Mônica Tereza Machado. Avaliação da

atenção básica em saúde sob a ótica da integralidade: aspectos conceituais e metodológicos. In: PINHEIRO, Roseni; MATTOS, Ruben Araújo de (Org.). Cuidado: as fronteiras da integralidade. Rio de Janeiro: CEPESC-UERJ/ABRASCO, 2005. p. 241-257.

2 Doutor em Saúde Pública; professor do Instituto de Saúde da Comunidade da Universidade Federal Fluminense; pesquisador

associado do LAPPIS.

3 Doutora em Saúde Pública; professora do Instituto de Saúde da Comunidade da Universidade Federal Fluminense; pesquisadora

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A val ia çã o d a a te nç ão b ás ic a e m s aú de s ob a ó tic a da i nt eg ral id ad e: a sp ec to s c on ce itu ai s e m et od ol óg ic os Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS COLETÂNEA DE TEXTOS A lu is io G om es d a S ilv a J un io r, M ôn ic a T er ez a M ac ha do M as ca re nh as

os movimentos de mudança na qualidade da atenção no que se refere principalmente ao processo de trabalho das equipes, na relação com as populações adscritas e a integralidade da atenção à saúde. Este trabalho visa a refletir sobre alguns conceitos e abordagens metodológicos que possam aumentar a capacidade analítica de atores envolvidos no processo de construção da Atenção Básica à Saúde e contribuir para sua direcionalidade aos princípios orientadores do SUS.

Considerações teóricas e conceituais

Propomos como ponto de partida a diretriz do Sistema Único de Saúde, a integralidade, como con-ceito abrangente, que instiga a organização de novos serviços de saúde, e na revisão das práticas sanitárias e seus processos de trabalho: “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais” (Brasil, 1988, art. 198).

Mattos (2001) sugere organizar o princípio da integralidade em três grandes conjuntos de sentidos. O primeiro refere-se a atributos das práticas dos profissionais de saúde; nele a integralidade é exerci-da através exerci-da compreensão do conjunto de necessiexerci-dades de ações e serviços de saúde que um paciente requer ao buscar a atenção do profissional. A integralidade não é vista apenas como um atributo da boa prática de biomedicina, mas um atributo que deveria permear a prática de todos os profissionais de saúde, independentemente de ela se dar no âmbito público ou privado. O segundo conjunto diz respeito à característica da organização dos serviços, na qual se critica a dissociação entre as práticas de saúde pública e as assistenciais. Os serviços de saúde organizados exclusivamente para dar conta de doenças de uma população tornaram-se inaceitáveis, e deveriam estar aptos a realizar uma apreensão ampliada das necessidades da população atendida. Assim,

a integralidade emerge como princípio de organização contínua do processo de trabalho nos ser-viços de saúde, que se caracterizaria pela busca também contínua de ampliar as possibilidades de apreensão das necessidades de saúde de um grupo populacional (Mattos, 2001, p. 57).

O terceiro conjunto de sentidos da integralidade aplica-se às respostas governamentais que são dadas aos problemas de saúde da população ou às necessidades de certos grupos específicos. Neste sentido, a integralidade é representada pela recusa dos formuladores de políticas públicas em reduzir a objetos descontextualizados os sujeitos sobre os quais tais políticas irão incidir. Por outro lado, se expressa na convicção de que a resposta do governo a certos problemas de saúde pública deve incorporar as possibilidades de promoção, prevenção de doenças, cura e reabilitação.

Dada a polissemia do termo “integralidade”, resolvemos tomá-lo como atributo das práticas pro-fissionais de saúde e da organização de serviço. Entendemos que alguns outros conceitos articu-lados traduzem a integralidade nos sentidos adotados: acolhimento, vínculo/responsabilização e qualidade da atenção.

Acolhimento é assim traduzido por Merhy (1997, p. 138):

uma relação humanizada, acolhedora, que os trabalhadores e o serviço, como um todo, têm que estabelecer com os diferentes tipos de usuários, alterando a relação fria, impessoal e distante que impera no trato cotidiano dos serviços de saúde.

Para Malta et al. (1998, p. 139):

é uma postura de escuta, compromisso de dar uma resposta às necessidades de saúde trazidas pelo usuário e um novo modo de organizar o processo de trabalho em saúde a partir de um efetivo tra-balho em equipe.

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Curso de Desenvolvimento Gerencial do SUS COLETÂNEA DE TEXTOS A val ia çã o d a a te nç ão b ás ica e m s aú de s ob a ó tic a da i nte gral id ad e: a sp ec to s c on ce itu ais e m eto do ló gic os A lu isio G om es d a S ilv a J un io r, M ôn ica T ere za M ac ha do M as ca re nh as

Silva Júnior (2001, p. 91), em um esforço de síntese, define acolhimento como:

Tratar humanizadamente toda a demanda; dar respostas aos demandantes, individuais ou coletivos; discriminar riscos, as urgências e emergências, encaminhando os casos às opções de tecnologias de intervenção; gerar informação que possibilite a leitura e interpretação dos problemas e a oferta de novas opções tecnológicas de intervenção; pensar a possibilidade de construção de projetos terapêu-ticos individualizado.

Para esses autores, acolhimento é um dos dispositivos disparadores de reflexões e mudanças a respeito da forma como se organizam os serviços de saúde, de como os saberes vêm sendo ou deixando de ser utilizados para a melhoria da qualidade das ações de saúde. Significa a retomada da reflexão sobre a universalidade do acesso e sobre a dimensão de governabilidade das equipes locais diante das práticas de saúde. Representa o resgate do conhecimento técnico das equipes e ainda a reflexão sobre a humaniza-ção das relações em serviço, bem como o resgate do espaço de trabalho em termos de lugar de sujeitos. Podemos pensar no acolhimento em três dimensões: como postura, como técnica e como princí-pio de reorientação de serviços. Como postura, o acolhimento pressupõe a atitude, por parte dos profissionais e da equipe de saúde, de receber, escutar e tratar humanizadamente os usuários e suas demandas. É estabelecida, assim, uma relação de mútuo interesse, confiança e apoio entre os profis-sionais e os usuários. A postura receptiva solidariza-se com o sofrimento ou problema trazido pelo usuário, abrindo perspectivas de diálogo e de escuta às suas demandas. A dimensão acolhimento, como postura, abrange ainda as relações intra-equipe e equipe-usuário.

A discussão sobre o acolhimento nas unidades e, mais especificamente, sobre a qualidade do acesso e a recepção aos usuários nos serviços mostra, segundo Teixeira (2003, p. 92), uma migração do foco de tensionamento para dentro do serviço ou, mais exatamente, para a relação com o outro que aí se estabelece. A relação médico-paciente é o caso mais emblemático, de acordo com o autor, que sinali-za haver uma ampliação da questão devido à existência de outros profissionais e de outras interações que também se dão no cotidiano dos serviços, o que vale falar em relação trabalhador-usuário. Daí a preocupação inovadora de Teixeira, em analisar o acolhimento no serviço de saúde entendido como uma rede de conversações.

Escuta, no campo da psicanálise, ocupa lugar privilegiado, por ser algo relacionado às palavras ditas ou silenciadas. Nesse contexto, a escuta não limita seu campo de entendimento apenas ao que é fa-lado, mas também às lacunas do discurso, que são fios de significados a serem trabalhados. Segundo Leitão (1995, p. 47):

São a essas lacunas que o analista dirige sua atenção, e escuta a trama dos movimentos imaginários que tentam se disfarçar e fantasiar. Essa trama, quando escutada, se desvanece e algo diferente se torna presente, revelando uma lógica até então encoberta; daí a importância em se ter uma escuta mais acolhedora e minuciosa nos serviços de saúde.

Escutar tem relação imediata com a fala, e em sua origem latina articula o escutado ao ato de ouvir e de montar guarda; situação na qual quem escuta cumpre o ofício de sentinela, vigia os sons pro-venientes de um campo diferente do seu próprio. Para escutar, também é imprescindível conhecer quem se escuta, quem está falando, como e sobre o que se fala. Por fim, exige-se do profissional de saúde uma reflexão sobre o usuário-paciente, enquanto sujeito portador de individualidade, para quem os serviços de saúde são oferecidos. Lembramos que usuário, segundo o dicionário Aurélio, “[é] o sujeito portador de uma individualidade, que tem a posse, o gozo de alguma coisa pelo direito de uso coletivo” (Ferreira, 1986, p. 1.774).

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A postura de acolhimento e escuta também é pensada na relação dos profissionais de equipe de saúde entre si e entre os níveis de hierarquia da gestão do serviço. Relações democráticas, que estimulam participação, autonomia e decisão coletiva, produzem sujeitos de novas práticas sanitárias.

Os trabalhadores de saúde incorporam a escuta e a conversa com o usuário como importantes instru-mentos de trabalho, e não como tempo e conversas desperdiçados. Segundo Peduzzi e Palma (1996, p. 247), esses trabalhadores “se defrontam com a necessidade de manter essa dimensão educativa e comunicacional como parte nobre da técnica, complementar à esfera clínica e de redobrar a qualida-de do registro do paciente”. Merhy et al. distinguem “ato qualida-de escuta qualida-de ato qualida-de bondaqualida-de; o ato qualida-de escuta é um momento de construção de transferência” (2000, p. 25). Assim, o acolhimento requer que o trabalhador utilize seu saber para a construção de respostas às necessidades dos usuários.

O acolhimento, como técnica, instrumentaliza a geração de procedimentos e ações organizadas. Tais ações facilitam o atendimento na escuta, na análise, na discriminação do risco e na oferta acordada de soluções ou alternativas aos problemas demandados. O acolhimento representa, para Merhy e outros autores (2000, p. 22):

O resgate e a potenciação do conhecimento técnico das equipes, possibilitando o enriquecimento da intervenção dos vários profissionais da saúde na assistência. Torna possível, ainda, a reflexão sobre a humanização das relações em serviço e parte da lógica de poder contida no processo, contribuindo, assim, para uma mudança na concepção da saúde como direito.

Quanto ao trabalho de equipe, as mudanças da composição desta não dizem respeito apenas aos no-vos agentes incorporados, nem aos dados quantitatino-vos dessa incorporação. Peduzzi e Palma (1996, p. 239) afirmam que:

São alterações no processo de trabalho, decorrentes das mudanças do modo de organização dos serviços. Assim, com estas mudanças se alteram os atributos técnicos requeridos dos trabalhadores, as suas relações com os demais elementos dos processos de trabalho (o objeto e os instrumentos e as próprias atividades), e as relações entre os diferentes profissionais que passam a lidar com novas formas de articulação dos respectivos e peculiares trabalhos.

A complexidade da equipe multiprofissional refere-se à articulação dos diferentes processos de tra-balho. Supera-se a fragmentação de saberes e a organização de serviços, o que as autoras destacam como justaposição alienada de trabalhos, em que cada parcela se apresenta como exercício autônomo e independente. Na busca de superação da fragmentação, a interdisciplinaridade vem contribuir para a construção de novos saberes apropriados às necessidades do trabalho em saúde, mediante criação de novas práticas. Portanto, os mesmos autores afirmam:

Os serviços necessitam dispor de meios que propiciem a integração dos novos agentes ao projeto institucional e do conjunto dos agentes a novos projetos. Espaços dialógicos, interculturais, que permitam a distinção e a recomposição dos trabalhos parcelares em totalidades nas quais cada tra-balhador possa reconhecer-se, simultaneamente, como agente do trabalho e sujeito histórico-social (Peduzzi e Palma, 1996, p. 241).

A equipe que acolhe tem como objetivos ampliar o acesso dos usuários, humanizar o atendimento e funcionar como dispositivo para a reorganização do processo de trabalho das equipes locais (Merhy, Bueno e Franco, 1999). O acolhimento, como reformulador do processo de trabalho ou da diretriz de serviço, pontua problemas e oferece soluções e respostas. Identificam-se as demandas dos usuários e, com isso, rearticula-se o serviço (Malta e Merhy, 2002, p. 80-83).

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Como a organização de serviços, o acolhimento detém uma proposta, um projeto institucional que deve nortear todo o trabalho realizado pelo conjunto dos agentes e a política de gerenciamento dos traba-lhadores e da equipe. A proposta de trabalho para o serviço orienta desde o padrão da composição de trabalho na equipe, o perfil dos agentes buscados no processo de seleção, de capacitação, os conteúdos programáticos e metodológicos dos treinamentos, até os conteúdos e as características operacionais da supervisão e da avaliação de pessoal. Nesse contexto, tem destaque a supervisão, considerada impor-tante no modo de organização de serviços no acompanhamento do cotidiano do trabalho. Esse quadro implica reflexão a respeito do próprio processo de trabalho e das necessidades de saúde.

Optamos também por incorporar a ideia de acessibilidade organizacional para complementar o con-ceito de acolhimento. No campo da saúde, acesso pode ser definido por aquelas dimensões que descrevem a entrada potencial ou real de dado grupo populacional em um sistema de prestação de cuidados de saúde. A acessibilidade é entendida como o conjunto de circunstâncias, de diversa na-tureza, que viabiliza a entrada de cada usuário ou paciente na rede de serviços, em seus diferentes níveis de complexidade e modalidade de atendimento. Representa as dificuldades ou facilidades em obter tratamento desejado, estando, portanto, intrinsecamente ligada às características da oferta e disponibilidade de recursos. É a possibilidade de obter serviços necessários em quantidade suficiente, sem obstáculos físicos e financeiros (Donabedian, 1984; Fekete, 1995, p. 180).

Vínculo, segundo definição encontrada no dicionário Aurélio, é “tudo o que ata, liga ou aperta; ligação

moral; relação. O ato de vincular significa ligar ou prender com vínculo, ligar ou prender moralmen-te, unir, perpetuar uma relação” (Ferreira, 1986, p. 1.777). Chakkour (2001, p. 6), a partir de Pi-chon-Rivière (1982), conceituou vínculo como “o desenvolvimento de circularidade de afetos entre trabalhador e usuários, construindo a interação entre duas pessoas criando uma maneira particular de se relacionarem, a cada caso e a cada momento”. Criar vínculos, na visão de Merhy (1997), é ter relações tão próximas e tão claras que a equipe possa se sensibilizar com o sofrimento ou demanda dos usuários ou da população adstrita. Ou ainda:

é o profissional de saúde ter relações claras e próximas com o usuário, integrando-se com a comuni-dade em seu território, no serviço, no consultório, nos grupos e se tornar referência para o paciente, individual ou coletivo, que possa servir à construção de autonomia do usuário (Merhy, 1997, p. 138). Assim, podemos pensar no vínculo em três dimensões: como afetividade, como relação terapêutica e como continuidade. Na primeira dimensão, Kloetzel (1999, p. 55) aponta que o médico deve gostar da sua profissão e interessar-se pela pessoa do paciente, construindo, assim, um vínculo firme e es-tável entre ambas as partes, o que se torna valioso instrumento de trabalho. A ideia de vínculo como uma relação terapêutica:

[que] se prende tanto à busca de maior eficácia (aumento do percentual de curas), como à noção que valoriza a constituição de espaços propícios à produção de sujeitos autônomos: profissionais e pacientes. Ou seja, para que haja vínculo entre dois sujeitos, exige-se a assunção do paciente à condição de sujeito que fala, deseja e julga, sem o que não se estabelecerão relações profissional-paciente adequadas (Campos, 1994, p. 53).

A palavra “terapêutica” apresenta sentido específico, relacionado com o ato de dar atenção. Logo, uma nova forma de cuidado, que, de acordo com Boff (1999, p. 33):

Se revele numa atitude de colocar atenção, mostrar interesse, compartilhar e estar com o outro com prazer; não numa atitude de sujeito-objeto, mas de sujeito-sujeito, numa relação não de domínio sobre, mas de com-vivência, não de intervenção, mas de interação.

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O autor destaca também:

cuidar é mais que um ato, é uma atitude. Portanto abrange mais que um momento de atenção, zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvi-mento afetivo com o outro (Boff, 1999, p. 34).

Para que ocorra seu fortalecimento, essa relação deve, a princípio, constituir-se num processo de te-rapêutica, ou seja, por si só, já ser considerado instrumento de terapia. Uma relação satisfatória deve levar em consideração questões como a escuta, a divisão de responsabilidades, o autoconhecimento (ou conhecimento do outro, por parte do profissional) e os elementos de transferência e contratrans-ferência. A partir da proposta de se estabelecer uma relação efetiva e resolutiva quanto às demandas do paciente, é importante considerar a singularidade e a subjetividade de cada relacionamento entre profissional e paciente, o que pressupõe integração dinâmica de contextos diversificados, caracte-rísticas pessoais e expectativas, conscientes ou não, de ambas as partes. Por meio da escuta atenta, da aceitação incondicional em relação à pessoa do doente e da empatia – que é uma capacidade da esfera afetiva de se colocar no lugar do outro –, o profissional de saúde preenche grande parte das expectativas do doente.

Vários autores ligados à corrente da atenção centrada no paciente enfatizam a potência do vínculo na compreensão dos sofrimentos contextualizados na vivência do paciente, suas crenças, valores e expectativas (Stewart e Roter, 1989). Consideram fundamental a relação profissional-paciente para maior efetividade das intervenções propostas, proporcionando maior adesão à terapêutica e às me-didas promocionais e preventivas. Starfield (2002, p. 291-301) e Weston e Brown (1989, p. 77-85) também apontam a continuidade como fator de fortalecimento do vínculo e do mútuo conhecimen-to/confiança entre profissional e paciente.

Vínculo também implica responsabilização, que é o profissional assumir a responsabilidade pela vida e morte do paciente, dentro de uma dada possibilidade de intervenção, nem burocratizada nem impes-soal. O profissional assume a indicação e garantia dos caminhos a serem percorridos para a resolução do problema, não cabendo a transferência burocrática para outra instância decisória ou nível de aten-ção (Merhy, 1997, p. 138). É, assim, sem dúvida, uma mudança de paradigma, pois, ao implementar mudanças que resultem em novo processo de trabalho, tendo como foco o sujeito, a tendência é o resgate do espaço de trabalho como lugar de sujeitos.

Rollo (1997, p. 324) considera essas questões como centrais, que devem ser enfrentadas na recons-trução das práticas assistenciais em saúde. Recorre a Campos (1991) para abordar a questão da alie-nação dos profissionais de saúde em relação a seu trabalho, que contribui para o baixo grau de res-ponsabilização e criação de vínculo entre profissionais e usuários, revelando desapego em relação às condições de trabalho. Outro aspecto dessa alienação é a separação entre os membros da equipe de trabalho, em que cada um se ocupa de suas tarefas, havendo pouca integração entre as atividades. Impera, assim, a lógica da subordinação, ao invés da complementaridade na equipe multiprofissional. No que concerne à qualidade da atenção, Donabedian, desde a década de 60, vem desenvolvendo estudos e pesquisas sobre a avaliação da qualidade dos serviços de saúde, que servem de paradigma nessa área (Vuori, 1991). Segundo Donabedian (1988), qualidade da atenção se define como o tratamento que é capaz de alcançar melhor equilíbrio entre os benefícios de saúde e os riscos. Fatores como custos mone-tários, assim como expectativas e valores do paciente, são considerados facilitadores ou obstáculos para alcançar o padrão de qualidade. Por outro lado, quatro componentes ou atributos da atenção prestada influenciam na qualidade: acesso, continuidade, coordenação e satisfação do paciente.

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Para Donabedian, a qualidade da atenção médica se baseia na conduta do profissional na sua relação com o paciente. A conduta do profissional refere-se, no processo saúde-doença, aos cuidados técni-cos (adequação do diagnóstico e da terapêutica), socioambientais (atenção aos fatores de risco sociais e ambientais, da família e do trabalho) e psicológicos. Tais cuidados se integralizam com a coordena-ção e em continuidade.

A relação paciente-profissional, como já vimos, engloba a congruência de expectativas entre ambos, a adaptação e a flexibilidade, o trato equitativo e a manutenção máxima possível da autonomia do pacien-te, bem como a participação ativa do mesmo. Qualidade de atenção à saúde, para Starfield, significa:

quando as necessidades de saúde, existentes ou potenciais, estão sendo atendidas de forma otimiza-da pelos serviços de saúde, otimiza-dado o conhecimento atual a respeito otimiza-da distribuição, reconhecimento, diagnóstico e manejo dos problemas e preocupações referentes à saúde (Starfield, 2002, p. 419). O termo qualidade também tem sido empregado em sentido amplo, envolvendo também a qualifica-ção do pessoal, a segurança e a aparência agradável das unidades de saúde, bem como a adequaqualifica-ção dos equipamentos que contribuem para a prestação de serviços. Starfield observa que a qualidade da atenção pode ser vista em duas perspectivas: clínica e populacional. Na perspectiva clínica, a preocu-pação está centrada no impacto das ações dos profissionais de saúde, individualmente ou em grupo, sobre a saúde do usuário. Do ponto de vista da população, avaliam-se o acesso aos serviços, a dispo-nibilidade da atenção e a capacidade de resolver ou contribuir para a solução de um amplo espectro de problemas, numa perspectiva integral da saúde.

Donabedian (1988) leva em conta que, para a avaliação da qualidade dos serviços de saúde, pode-se tomar todos ou alguns dos componentes que conformam um programa: a estrutura, o processo e os resultados. A estrutura corresponde ao que é relativamente estável no sistema, isto é, todos os atributos – materiais e organizacionais – que permitem que uma unidade proporcione atenção: dis-ponibilidade de instalações, equipamentos, recursos humanos. Deste modo, são classificados como estruturais todos os elementos relativos ao desenho institucional, à organização do sistema, ao elenco de ações ofertadas e à disponibilidade de recursos.

O processo refere-se ao conjunto de atividades e procedimentos empregados no manejo dos recur-sos, ou seja, à produção do profissional de saúde. Verifica-se contato da população com os trabalha-dores de saúde, o cuidado dos trabalhatrabalha-dores de saúde com o doente, desde a identificação de um problema, a formulação de um diagnóstico, o tratamento e o posterior controle para verificação se o problema foi resolvido. À população competiria a utilização do serviço, sua aceitação, adesão ao tratamento e participação.

Os resultados são vistos como aqueles da atenção prestada, em particular, às mudanças produzidas no estado de saúde dos indivíduos atendidos ou às mudanças de comportamento, conhecimento ou satisfação dos usuários dos serviços – ou seja, o impacto sobre o estado de saúde da população (Do-nabedian, 1984, 1990; Hartz, 1997; Starfield, 1992; Sala, 1990).

A qualidade do serviço pressupõe a referência a um modelo idealizado que leva em conta um conjunto articulado de ações com efetividade comprovada em determinadas situações de saúde e doença, desen-volvidas dentro de uma relação humanizada entre a equipe e os usuários, sendo percebida satisfatoria-mente por estes últimos, em termos de suas expectativas (Donabedian, 1984, 1988a, 1988b, 1990; Libério, 2001). A verificação de uma estrutura que garanta o funcionamento do serviço e os resultados epidemiológicos obtidos pelas ações desenvolvidas complementam a observação da qualidade na saúde.

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Os conceitos de acolhimento, vínculo-responsabilização e qualidade da atenção se articulam, como visualizado na Figura 1, na construção dos processos de trabalho e dos modelos tecnoassistenciais. Essa concepção nos permite pensar formas de operacionalizar a avaliação dos programas e serviços de saúde.

Considerações metodológicas

As definições da avaliação são numerosas e sua taxonomia extensa. Optamos pela definição de Con-tandriopoulos et al. (1997, p. 31):

Avaliar consiste fundamentalmente em fazer um julgamento de valor a respeito de uma intervenção ou sobre qualquer um de seus componentes, com o objetivo de ajudar na tomada de decisões. Esse julgamento pode ser resultado da aplicação de critérios e de normas (avaliação normativa) ou se elaborar a partir de um procedimento científico (pesquisa avaliativa).

A avaliação normativa, segundo Clemenhagen e Champagne (1986), é atividade comum numa orga-nização ou num programa e corresponde às funções de controle e acompanhamento, assim como aos programas de garantia de qualidade. Já a avaliação normativa é:

atividade que consiste em fazer um julgamento sobre uma intervenção, comparando os recursos empregados e sua organização (estrutura), os serviços ou os bens produzidos (processo) e, os resul-tados obtidos, com critérios e normas (Contandriopoulos et al., 1997, p. 34).

A avaliação normativa se apoia na construção de critérios e normas, que podem derivar dos resulta-dos da pesquisa avaliativa ou de outro tipo de pesquisa. Hartz (1997, p. 35) destaca que todas as ava-liações normativas se apoiam no postulado de que existe forte relação entre o respeito aos critérios e às normas escolhidas e os efeitos reais do programa ou da intervenção.

A construção e validação de critérios permitem a apreciação dos diversos componentes de um progra-ma. Trata-se de saber em que medida os serviços são adequados para atingir os resultados esperados. A apreciação do processo de uma intervenção, visando a oferecer serviços para determinada clientela, pode ser decomposta em três dimensões: a técnica, a das relações interpessoais e a organizacional. A dimensão técnica dos serviços focaliza sua adequação às necessidades dos clientes e a qualidade dos serviços; a dimensão das relações interpessoais observa a interação psicológica e social entre os clientes e os produtores de cuidados, no apoio aos pacientes e na satisfação destes; a dimensão organizacional do processo diz respeito à acessibilidade aos serviços e à extensão de cobertura dos serviços oferecidos. A pesquisa avaliativa, de acordo com Contandriopoulos et al. (1997, p. 37), é um procedimento que consiste em fazer julgamento ex-post da intervenção, analisando a pertinência, os fundamentos teóricos, a produção, os efeitos e o rendimento de uma intervenção, assim como as relações entre a intervenção e o contexto, ajudando na tomada de decisões. Os autores afirmam que a pesquisa avaliativa consiste em usar várias estratégias e considerar as perspectivas dos diferentes atores envol-vidos na intervenção. A pesquisa avaliativa pode ser decomposta em seis tipos de análise: estratégica, de intervenção, de produtividade, dos efeitos, de rendimento e da implantação. Pode-se, portanto, realizar uma ou várias dessas análises.

Destacamos, como abordagem privilegiada desta pesquisa, entre os modelos avaliativos propostos por Contandriopoulos et al. (1997), a análise de implantação das intervenções. Esta exige que se estabeleça um julgamento de adequação e integridade do funcionamento do programa, obtido pelos indicadores de cobertura, da qualidade das estruturas e dos processos envolvidos, coerentes com os princípios de avaliação da qualidade.

Referências

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