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SEMENTE SALVA: UMA ANÁLISE DE BENEFÍCIOS E PREJUÍZOS Claudio Manuel da Silva *

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Academic year: 2021

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SEMENTE SALVA: UMA ANÁLISE DE BENEFÍCIOS E PREJUÍZOS

Claudio Manuel da Silva *

Para melhor compreender o tema semente salva, é necessário um preâmbulo que ponha em destaque o potencial de uma semente produzida de acordo com os critérios técnicos estabelecidos pela pesquisa e pela experiência adquirida ao longo de muitos anos de trabalho nesse segmento da atividade agrícola.

O melhoramento genético das plantas é, sem dúvida, uma das atividades que a inteligência humana desenvolveu e obteve maior sucesso.

Se hoje o mundo consegue produzir alimentos suficientes para alimentar sua crescente população, com certeza, foi porque novas e melhores práticas agronômicas foram adotadas a partir dos últimos 150 anos.

E no melhoramento genético temos o grande responsável pelos ganhos de produtividade.

Para que isso ocorresse, no entanto, muito conhecimento, esforço pessoal e enorme quantidade de dinheiro e tempo foram investidos nesse processo que culmina na obtenção da nova semente, capaz de reproduzir todo o ganho almejado.

Todas as espécies vegetais são melhoradas com o propósito essencial de se obter maior produtividade e melhor qualidade, a partir de uma ou mais variedades pré-existentes.

Esse trabalho, no entanto, dependendo da espécie, além do gasto financeiro e esforço pessoal, pode demandar até dezenas de anos. Como exemplo, cita-se o algodoeiro, que para obtenção de uma nova cultivar são necessários de 15 a 20 anos. Algumas cultivares hoje plantadas no Brasil demandaram cerca de 50 anos de contínuo melhoramento. Isto porque, nessa espécie, além da característica produtividade, muitas outras relacionadas com a qualidade da fibra, são pesquisadas.

As instituições governamentais já demonstraram, ao longo de muitos anos anteriores, não possuírem recursos ou políticas duradouras suficientes para suportar todos os custos de pesquisa.

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* Engenheiro Agrônomo M.Sc

Diretor Presidente Cotton Tecnologia de Sementes

Infelizmente, no Brasil, temos assistido mudanças nos objetivos da pesquisa ao sabor do critério pessoal do governante em exercício. Isso, quase sempre, põe a perder muitos anos de trabalho.

Até 1997, quase não havia a presença de entidades privadas dedicadas ao melhoramento genético de plantas autógamas. Encarregavam-se dessa matéria instituições como IAC, EMBRAPA, IAPAR, Universidades e Fundações. Pelos motivos já citados, muito pouco ganho era alcançado. Paralelamente, devido à proteção natural dos híbridos, a indústria sementeira do milho cresceu vertiginosamente nas mãos de empresas privadas.

Um novo cenário, finalmente, apresentou-se no país com a Lei de Proteção de Cultivares (nº 9.456 de 25/04/97). Ficava assim garantido ao obtentor vegetal a justa remuneração pelo seu trabalho de melhoramento a partir do direito exclusivo de produção e comercialização das novas sementes obtidas. A nova lei colocou o Brasil no contexto mundial do melhoramento, proporcionando um enorme intercâmbio de germoplasma entre diversas entidades internacionais. Sem dúvida, o grande avanço do agro negócio brasileiro, percebido nos últimos anos, deveu-se à obtenção de novas cultivares.

Vale ressaltar os ganhos da cadeia produtiva do algodão. Em nenhum país e em nenhuma época uma cultura experimentou avanço tecnológico, com expressivos resultados econômicos, tão rápido e concreto quanto o algodoeiro brasileiro.

Em 1976, a cotonicultura nacional atingiu o seu ponto crítico, com a menor área plantada até então e com a máxima importação de fibra, necessária para atender à demanda interna, com gastos estimados em mais de 1 bilhão de dólares.

Graças, principalmente, ao empenho de empresas privadas, foi solicitado ao MAPA à realização de análises de riscos nos E.U.A. e na Austrália para

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Em 1995, aconteceu a primeira importação legal de sementes dos EUA. Cultivares americanas, adaptadas à colheita mecânica e resistentes ao murchamento avermelhado, nossa principal doença na ocasião, foram plantadas com sucesso.

Ao mesmo tempo, deu-se início, no Brasil, ao processo de deslintamento químico das sementes, proporcionando aos agricultores, sementes de alta pureza e vigor. Com essa tecnologia, eliminava-se a prática do desbaste, operação impeditiva do cultivo de algodão de áreas extensas.

Rapidamente a lavoura migrou do sul-sudeste para o centro oeste, onde enormes áreas, até então improdutivas, entraram em cultivo.

Nos últimos cinco anos, o Brasil tornou-se um dos quatro maiores produtores mundiais de fibras de algodão, superando a Austrália em exportação e aos EUA e Argentina em produtividade.

Até 1977 eram plantadas no Brasil cerca de 22 cultivares, com produção média de 400 kg de pluma por hectare.

Em 2004, aproximadamente 60 cultivares estão disponíveis e produzem, em média, 1200 kg de pluma por hectare.

O retorno médio das empresas obtentoras de novas sementes tem sido de 2,5 vezes ao que se investe. No entanto, o retorno em riqueza distribuída no país, através da geração de empregos e renda, da movimentação do comércio de máquinas e insumos agrícolas é de centenas de vezes. Somente com a exportação de fibra o Brasil tem produzido mais de 400 milhões de dólares em divisas.

Isto é o fato. O resultado da vontade do nosso cotonicultor de fazer e de adotar tecnologias, independentemente de qualquer ação ou política agrícola oriunda de governo.

Outrossim, para que, naquela data, a LPC (Lei de Proteção de Cultivares) fosse aprovada pelo congresso nacional, foi necessário conceder ao legislador prerrogativa de uso da chamada semente salva.

No seu primeiro momento, pretendeu-se evitar possível abuso do poder econômico, criando-se alternativa ao pequeno agricultor de ter acesso às novas sementes sem a obrigatoriedade de contínua aquisição, a preços imaginados proibitivos.

Não foi aceito definir o que se pretendeu chamar pequeno agricultor, nem tampouco definir o tamanho da área que caracteriza a pequena propriedade.

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Passados cinco anos da edição da lei, o que se percebe é o uso corrente de sementes salvas, praticado não pelo pequeno agricultor, mas sim por aqueles que cultivam 1.000, 10.000 ou 20.000 hectares.

É um contra-senso, porém é nossa realidade.

Por definição, semente salva é aquela produzida e guardada pelo agricultor, ao final de sua colheita e que se prestará para seu exclusivo plantio na safra futura.

Essa prática é considerada legal, de acordo com o artigo 10º da LPC, que diz:

“Não fere o direito de propriedade sobre a cultivar protegida aquele que reserva e planta sementes para uso próprio, em seu estabelecimento ou em estabelecimento de terceiros cuja posse detenha”.

Acobertados por essa prerrogativa, no entanto, muitos cotonicultores fazem prevalecer à lei particular da vantagem e do lucro fácil. Reservam não só a quantidade de sementes necessárias ao seu próprio plantio, mas também quantidade extra para o comércio ilegal de sementes que ora denominamos sementes piratas.

De acordo com dados fornecidos pela Braspov – Associação Brasileira de Obtentores Vegetais, tem-se verificado uma redução sistemática da taxa de uso de sementes produzidas dentro das normas e técnicas de produção. Até 1998, 70% da lavoura de algodão foi plantada com sementes oficialmente produzidas. Atualmente, estima-se que a área plantada com sementes salvas e ou piratas atinja 50%, ou 500.000 hectares.

Essa prática, de forma abusiva, invibializa a pesquisa e põe em risco a qualidade da produção.

Invibializa porque as entidades produtoras, que pesquisam e investem, não percebem o retorno necessário aos seus investimentos. Com isso, a cada ano, reduzem sua força de trabalho.

Põe em risco a qualidade de produção porque, a cada multiplicação ou geração, as populações tornam-se mais susceptíveis às pragas e contaminam-se varietalmente, não expressando mais o seu potencial inicial. O que ocorreu na Argentina é ilustrativo e mostra um cenário futuro lamentavelmente crítico para o Brasil.

Naquele país, entre 1995 e 1998, a área cultivada cresceu rapidamente com a introdução de novas e melhores cultivares de algodão, atingindo mais de 1.000.000 hectares.

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De acordo com associações de sementes, a partir de então, houve um uso também crescente de sementes salvas, atingindo hoje cerca de 80%. Concomitantemente, houve drástica redução na produção, produtividade e área plantada. São irrisórios os investimentos na área de pesquisa e melhoramento do algodoeiro, atualmente, na Argentina.

No Brasil, fato semelhante ocorreu no Rio Grande do Sul, quando do plantio de soja transgênica, oriunda da Argentina, através de contrabando. Em apenas quatro anos a indústria sementeira estabelecida legalmente no Estado foi desmantelada.

Na cultura do algodoeiro, a mesma catástrofe se avizinha, com a introdução ilegal de sementes transgênicas de algodão bolgard, RR e BR.

Vale, no entanto ressaltar, que a multiplicação de sementes transgênicas para uso próprio é muito mais complicada do que a convencional.

Sabemos que quando multiplicamos, sem os cuidados e técnicas especiais essas variedades, o nível de contaminação entre convencionais e transgênicas é muito grande. Após poucos anos, a característica proporcionada por aquele evento é reduzida e pode, o agricultor, ter comprometida sua produção pela não eficiência da aplicação do herbicida e ou do não controle de lagartas.

Resultados das mais novas pesquisas comprovam que uma lavoura transgênica bolgard, com apenas 10% de impureza, ou seja, com 90% de plantas transgênicas, não apresenta nenhuma eficiência no controle de lagartas. Além disso, funciona como promotora de resistência. Já está provado que apenas cinco anos de cultivo de uma variedade transgênica impura, são suficientes para criar resistência em uma população de lagartas. Isso equivale dizer que uma vez criada a resistência, mesmo uma lavoura com 100% de plantas transgênicas, não promove nenhum controle.

A indústria sementeira no Brasil compreende 19 obtentores vegetais (90% de identidade nacional), 18.000 técnicos de diversas formações, 318 laboratórios de controle de qualidade e 220.000 empregos diretos e indiretos.

O cenário que se avizinha no Brasil, segundo dados da Braspov, a persistir o uso indevido e abusivo de sementes salvas (piratas), é a derrocado do setor dentro de cinco anos, com a perda de mercados, desemprego e o retorno às importações, que no caso do algodão movimenta, somente na produção de fibra, quatro bilhões de reais anualmente. Por uma idéia imediatista de falsa economia, todo agro-negócio poderá falir.

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E esse processo falimentar, não será só devido diretamente aos abusos quanto ao uso de sementes não qualificadas. O Brasil também irá sentir os efeitos da retaliação promovida pelos Estados Unidos, no comércio exterior.

Em março desse ano, o governo americano ameaçou acabar com as preferências tarifárias de produtos brasileiros, caso o Brasil não diminua a pirataria. Se não acontecer, pelos menos U$ 2 bilhões em produtos nacionais que entram nos EUA serão afetados.

O Brasil, através da Associação Brasileira de Produtores de Algodão – ABRAPA, obteve enorme sucesso junto a OMC quanto a questão do subsídio americano para o algodão daquele país. Na contra ofensiva, os americanos também invocam seus direitos dizendo que a tolerância brasileira à pirataria é uma forma de subsídio. Enquanto os agricultores americanos pagam royalties por novas tecnologias, os brasileiros simplesmente, delas se apropriam.

A principal diferença entre a antiga e a moderna agricultura é, sem dúvida, o nível tecnológico. O fracasso na atividade pode significar até a perda da terra, devido aos altos custos da produção.

É necessário na agricultura hoje empresarial, e a única com resultados satisfatórios, controlar todas as variáveis possíveis, ficando a lavoura à sorte apenas das questões climáticas, não controláveis.

O valor da semente de algodão produzida nos mais rigorosos controles, custa menos que 3% do total da produção. E pode representar o sucesso ou o fracasso total da atividade.

Vale a pena arriscar tanto por tão pouco?

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