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Hiperuricemia: Um Marcador para Doença Renal Crônica Pré-Clínica? Hyperuricemia: A Marker of Preclinical Chronic Kidney Disease?

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Academic year: 2021

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RESUMO

Introdução: Os níveis séricos de ácido úrico aumentam na doença renal crônica (DRC), contudo o impacto desta observação clínica na história natural da doença ainda não está elucidado. Objetivo: Testar a hipótese de que níveis elevados de ácido úrico em indivíduos com função renal preservada se associam com maior prevalência de DRC. Material e métodos: O estudo foi realizado a partir dos dados clínicos (sexo e idade) e laboratoriais (creatinina e ácido úrico) obtidos em um laboratório de análises clínicas em dois períodos distintos: basal (2000-2003) e de avaliação (2004-2005). A filtração glomerular estimada (FGe) foi calculada pela fórmula do estudo MDRD. A DRC foi definida seguindo as recomendações do KDOQI da NKF americana, ou seja, dois resultados de FGe <60mL/min/1,73m2, num período ≥3meses. O ácido úrico (expresso em mg/dL) foi analisado pela separação dos indivíduos em

normouricêmicos e hiperuricêmicos e pela divisão da distribuição da amostra em quartis. Resultados: Do total de 4.991 indivíduos avaliados no período basal, 4.041 (90,0%) apresentavam FG >60mL/min/1,73m2. Os indivíduos hiperuricêmicos (homens, mulheres,

com menos de 60 anos e idosos) apresentaram maior risco relativo para DRC do que os normouricêmicos. Também foi observado que os grupos de indivíduos com ácido úrico mais elevado apresentaram maior prevalência de DRC no período basal (ácido úrico/FGe: <4,0/16,3%; 4,1-5,1/21,2%; 5,2-6,7/ 28,6%; >6,7/34,0%; p <0,001). A prevalência de DRC no período de avaliação também foi maior nos grupos de indivíduos com níveis mais elevados de ácido úrico (ácido úrico/FG: <4,0/22,3%; 4-5,1/26,9%; 5,2-6,7/28,5%; >6,7/22,3%; p <0,05). Conclusão: Em indivíduos não portadores de DRC, níveis elevados de ácido úrico sérico se associam com maior prevalência da doença e parecem identificar um estado “pré-clínico” de disfunção renal.

Descritores: Hiperuricemia. Doença renal crônica. Filtração glomerular.

ABSTRACT

Introduction: High serum uric acid levels are common in patients with chronic kidney disease (CKD), however, the impact of this observation on the natural history of the disease has yet to be established. Aim: We tested the hypothesis that higher uric acid levels associate with higher prevalence of CKD. Material and methods: Clinical (sex and age) and laboratory (serum creatinine and uric acid) data were obtained in two different periods: baseline (2000 to 2003) and assessment (2004 and 2005). The glomerular filtration rate (GFR) was estimated using the abbreviated Modification of Diet in Renal Disease Study formula based on serum creatinine, age and sex. CKD was defined as proposed by the National kidney Foundation and Brazilian Society of Nephrology, that is, two GFRs <60ml/min/1,73m2, for three or more months. Uric acid levels (in mg/dL) were analysed by the stratification of the subjects, at the baseline, in a hyperuricemic and normouricemic state and by the categorization in quartiles. Results: Among 4,991 subjects assessed in the baseline period, 4,041 (90.0%) presented GFR >60 mL/min/1,73m2. Hyperuricemic subjects (men, women, young, and elderly) presented higher relative risk for CKD than those who where normouricemic. An association between higher levels of uric acid and higher prevalence of CKD in this period (uric acid/GFR: <4.0/16.3%; 4.1-5.1/21.2%; 5.2-6.7/ 28.6%; >6.7/34.0%; p <0.001) was also observed). The prevalence of CKD in the assessment period was also higher among those subjects with higher uric acid levels (uric acid/GFR: <4.0/22.3%; 4-5.1/26.9%; 5.2-6.7/28.5%; >6.7/22.3%; p <0.05). Conclusion: In subjects without CKD, higher levels of serum uric acid associated with a higher prevalence of the disease, and seemed to identify a “preclinical” state of kidney dysfunction.

Keywords: Hyperuricemia. Chronic kidney disease. Glomerular filtration rate.

Hiperuricemia: Um Marcador para Doença Renal Crônica

Pré-Clínica?

Hyperuricemia: A Marker of Preclinical Chronic Kidney Disease?

Rita M. R. Bastos, Maria Teresa B. Teixeira, Alfredo Chaoubah, Ricardo V. Bastos, Marcus G. Bastos

Programa de Pós-Graduação em Saúde da Faculdade de Medicina da UFJF; Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva: NATES da UFJF; Departamento de Estatística da UFJF; Laboratório Cortes Villela; Núcleo Interdisciplinar de Estudos, Pesquisas e Tratamento das Doenças Renais – NIEPEN - da UFJF e Fundação IMEPEN.

Recebido em 01/09/08 / Aprovado em 20/01/09

Endereço para correspondência: Marcus G. Bastos

NIEPEN

Rua José Lourenço Kelmer 1.300

Bairro São Pedro - Juiz de Fora – MG, Brasil 36036-330

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INTRODUÇÃO

O número de pacientes com falência funcional renal (FFR) que necessitam de diálise ou de transplante renal está aumentando em todo o mundo. Evidências atuais têm sugerido que o diagnóstico e a implementação de medidas nefroprotetoras precoces podem interromper ou retardar a progressão da DRC1,2.

A hiperuricemia é um problema metabólico co-mum, que tem sido observado ao longo de várias décadas. Os principais problemas clínicos associados à hipe-ruricemia são a artrite gotosa, os tofos de ácido úrico e os cálculos renais3. Durante décadas, estes problemas

mé-dicos foram as principais indicações para a manutenção dos níveis do ácido úrico sanguíneo na faixa da nor-malidade. Contudo, nos últimos anos, resultados origi-nados de estudos epidemiológicos e em animais eviden-ciaram a importância da hiperuricemia na ocorrência da doença renal crônica (DRC), doença coronariana e na hipertensão arterial4.

A FFR, as doenças cardiovasculares e a morte pre-matura são desfechos adversos da DRC que podem ser prevenidos pela identificação imediata e tratamento das complicações e comorbidades associados à doença1,2,5.

Até o momento, poucos estudos epidemiológicos têm ex-plorado o possível papel da hiperuricemia como marcador precoce da DRC. No presente trabalho, os autores tes-taram as hipóteses da associação entre a hiperuricemia e a DRC e se o nível elevado de ácido úrico pode ser um mar-cador precoce da doença em indivíduos com filtração glomerular (FG) ainda preservada.

MATERIAL E MÉTODOS

Este trabalho foi realizado através de uma análise dos registros de usuários de um laboratório da rede particular do Município de Juiz de Fora, MG, no período de janeiro de 1995 a dezembro de 2005. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora.

O laboratório pertence à rede particular do Município de Juiz de Fora e não é conveniado ao Sistema Único de Saúde. É certificado pela norma ISO 9000:2000 e pelo PALC (Programa de Acreditação para Laboratórios Clínicos).

Foram obtidos de indivíduos não hospitalizados os seguintes dados referentes ao período de janeiro de 2000 a dezembro de 2005: Ordem de Serviço (OS), data de realização da OS, código de identificação e especialidade do profissional que solicitou o exame, código de identificação do indivíduo, sexo, data de nascimento e dosagem de creatinina sérica e ácido úrico. Os achados da análise deste banco de dados relativos à função renal em toda a mostra foram publicados recentemente6.

Os critérios de inclusão utilizados foram: idade acima de 18 anos, com registros adequados de identificação, sexo, data de nascimento, data da realização do exame e dosagem sérica da creatinina e do ácido úrico.

A creatinina sérica no referido laboratório foi deter-minada utilizando-se o método cinético-colorimétrico, no apa-relho BECKMAN CX4. A faixa de normalidade varia de 0,4 a 1,3mg/dL. O ácido úrico foi determinado pelo método enzimá-tico-colorimétrico, em aparelho BECKMAN CX4, sendo a faixa de normalidade de 1,5 a 5,9mg/dL para o sexo feminino e 2,5 a 6,9mg/dL para o sexo masculino.

A FG foi estimada pela equação do estudo MDRD (Mo-dification of Diet in Renal Disease) na sua versão simplificada, que leva em consideração as variáveis creatinina sérica (scr), idade (em anos) e sexo7. Esta equação utiliza um fator de correção para

negros americanos que não foi considerado neste estudo devido ao inexpressivo número de indivíduos com esta característica racial entre a população brasileira, particularmente na Zona da Mata Mineira8.A fórmula escolhida tem como vantagem fornecer um

ajuste para variações substanciais de fatores relacionados à produção de creatinina, como idade, sexo e superfície corporal9.

Equação do estudo MDRD (expressa em mL/min/1,73m2)=

FG= 186x(scr)-1,154x(idade)–0,203x0,742(se mulher)x1,21(negro

americano)

A DRC foi definida segundo as recomendações da Fun-dação Nacional do Rim americana (NKF)1 e da Sociedade

Bra-sileira de Nefrologia, ou seja, dois valores de FG <60mL/min/ 1,73m2obtidos em intervalo igual ou superior a três meses1,10.

A análise dos registros foi realizada em dois períodos distintos: Período basal (2000 a 2003) e período de avaliação (2004 a 2005). No período basal, foram identificados 4.991 indivíduos que contemplaram os critérios de inclusão. A avaliação da associação do ácido úrico com a DRC foi realizada por meio da divisão dos participantes, no período basal, de acordo com o sexo e idade (variáveis que compõem a equação do MDRD utilizada na estimativa da FG) e níveis de ácido úrico sérico: normouricemia (ácido úrico sérico <6,0mg/dL na mulher e <7,0mg/dL no homem) e hiperuricemia (ácido úrico sérico ≥6,0mg/dL na mulher e ≥7,0mg/dL no homem). Em seguida, procedeu-se à análise da correlação entre os quartis de ácido úrico numa coorte de indivíduos não portadores de DRC, ou seja, com FG >60mL/min/1,73m2 no período basal, e a

ocorrência de DRC no período de avaliação.

Os dados são representados por frequência relativa, média e desvio-padrão. A análise estatística foi realizada utilizando o teste Qui-quadrado, sendo considerado um nível de significância de 95%. Foi calculado o Risco Relativo com intervalo de confiança de 95%. Os cálculos foram realizados utilizando o programa SPSS v 13.0, (SPSS Inc., Chicago, Illinois, USA).

RESULTADOS

No período basal, foram avaliados 4.991 indivíduos que preencheram os critérios de inclusão no estudo e,

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des-tes, 950 (10,0%) apresentavam FG <60mL/min/1,73m2 e

4.041 (90,0%), FG ≥60mL/min/1,73m2. A maioria dos

indivíduos (54%) era do sexo feminino, dos quais 70,5% apresentavam menos de 60 anos de idade e 29,5% idade ≥60 anos. Entre os homens (46% da amostra), 60,6% apresen-tavam idade menor que 60 anos e 39,4% idade ≥60 anos.

As médias (±desvio padrão) da creatinina sérica, FG e de ácido úrico sérico foram, respectivamente, 1,0±0,5mg/ dL, 75,1±19,7mL/min/1,73m2e 4,6±1,5mg/dL em todas as

mulheres e 1,2±0,6mg/dL, 80,6±19,9mL/min/1,73m2 e

6,3±1,6mg/dL em todos os homens. Nos indivíduos com idade <60 anos, as médias (±desvio padrão) da creatinina sérica, FG e do ácido úrico sérico foram, respectivamente, 1,0±0,5mg/dL, 82,7±19,7mL/min/1,73m2e 5,2±1,8mg/dL e

1,1±0,6mg/dL, 68,6±16,9mL/min/1,73m2 e 5,5±1,7mg/dL

nos participantes idosos, ou seja, idade ≥60 anos.

Nos indivíduos sem evidência de DRC, ou seja, com FG ≥60mL/min/1,73m2, as médias (±desvio padrão)

da creatinina sérica, FG e do ácido úrico sérico foram, res-pectivamente, 0,9±0,1mg/dL, 81,9±16,9mL/min/ 1,73m2

e 4,4±1,4mg/dL nas mulheres, 1,0±0,2mg/dL, 85,1± 16,9mL/min/1,73m2 e 6,2±1,6mg/dL nos homens,

1,0±0,2mg/dL, 85,6±17,7mL/min/1,73m2 e 5,1±1,8mg/

dL nos participantes com menos de 60 anos e 1,0±0,2mg/dL, 77,8±13,4mL/min/1,73m2 e 5,3±1,7mg/

dL nos idosos.

No grupo composto de indivíduos com DRC, ou seja, com FG <60mL/min/1,73m2, as médias (±desvio

pa-drão) da creatinia sérica, FG e do ácido úrico sérico foram, respectivamente, 1,2±1,0mg/dL, 52,7±7,9mL/min/ 1,73m2e

5,4±1,6mg/dL nas mulheres, 1,7±1,3mg/dL, 51,0± 10,6mL/ min/1,73m2e 7,2±1,7mg/dL nos homens, 1,4± 1,3mg/dL,

51,3±9,6mL/min/1,73m2, 5,9±1,9 mg/dL nos participantes

com menos de 60 anos e 1,3±1,0mg/dL, 52,5±8,6mL/ min/1,73m2e 5,9±1,8mg/dL nos idosos (Tabela 1).

A Figura 1 apresenta a análise do impacto clínico dos níveis séricos de ácido úrico no período basal sobre a FG no período de avaliação em indivíduos do sexo

mas-culino não portadores de DRC. No que tange aos homens com normouricemia (ácido úrico <7,0mg/dL), os com hiperuricemia (ácido úrico ≥7mg/dL) apresentaram risco relativo (IC95%) de 2,3 (1,5;3,7) para DRC, o qual foi de 3,7 (1,6;8,7) naqueles com menos de 60 anos e 2,2 (1,3;3,9) nos participantes com idade ≥60.

Tabela 1. Dados demográficos, de função renal e de ácido úrico no período basal (2000-2003) Variáveis Sexo Feminino Masculino Idade <60 anos ≥60 anos Creatinina (mg/dL) 1,0±0,5 1,2±0,6 1,0±0,5 1,1±0,6 Filtração Glomerular* 75,1±19,7 80,6±19,9 82,7±19,7 68,6±16,9 Ácido úrico (mg/dL) 4,6±1,5 6,3±1,6 5,2±1,8 5,5±1,7 Creatinina (mg/dL) 0,9±0,1 1,0±0,2 1,0±0,2 1,0±0,2 Filtração Glomerular* 81,9±16,9 85,1±16,9 85,6±17,7 77,8±13,4 Ácido úrico (mg/dL) 4,4±1,4 6,2±1,6 5,1±1,8 5,3±1,7 Creatinina (mg/dL) 1,2±1,0 1,7±1,3 1,4±1,3 1,3±1,0 Filtração Glomerular* 52,7±7,9 51,0±10,6 51,3±9,6 52,5±8,6 Ácido úrico (mg/dL) 5,4±1,6 7,2±1,7 5,9±1,9 5,9±1,8 Todos os indivíduos N=4.491 (100%) Indivíduos com FG ≥60mL/min/1,73m2 N= 4041 (90,0%) Indivíduos com FG <60mL/min/173m2 N= 950 (10,0%) * Em mL/min/1,73m2

Figura 1. Incidência da doença renal crônica (DRC) em homens no período de avaliação (2004-2005) de acordo com os níveis de ácido úrico e idade no período basal em indivíduos sem doença renal (2000-2003).

Figura 2. Incidência de doença renal crônica (DRC) em mulheres no período de avaliação (2004-2005) de acordo com os níveis de ácido úrico e idade no período basal em indivíduos sem doença renal (2000-2003).

≥60 ≥60

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A Figura 2 apresenta os resultados do impacto clí-nico da hiperuricemia no período basal sobre a ocorrência de DRC no período de avaliação em mulheres com função renal preservada, ou seja, FG >60mL/min/ 1,73m2. Com

Relação às mulheres com normouricemia, as com hipe-ruricemia apresentaram risco relativo (IC95%) de 2,8 (2,1;3,7) para DRC, o qual foi de 2,7 (1,7;4,3) naquelas com menos de 60 anos e 2,2 (1,5;3,2) nas com idade ≥60.

A Tabela 2 apresenta a análise da correlação entre os níveis séricos de ácido úrico estratificado em quartis no período basal nos 4.991 pacientes e a ocorrência de DRC no período de avaliação. Como pode ser observado, o percentual de indivíduos com níveis mais baixos de ácido úrico é maior no grupo de indivíduos com FG ≥60mL/ min/1,73m2, enquanto que, no grupo de indivíduos

porta-dores de DRC (FG <60mL/min/1,73m2), ocorre o

contrá-rio, ou seja, existe uma maior concentração de pacientes com níveis mais elevados de ácido úrico (p <0,001).

Finalmente, a análise do impacto dos níveis séricos de ácido úrico sobre a FG, contudo restrita apenas aos indiví-duos não portadores de DRC no período basal, mostrou que aqueles que se encontravam nos quartis mais baixos de ácido

úrico sérico no período basal apresentaram uma menor fre-quência de DRC no período de avaliação, enquanto os indi-víduos agrupados nos quartis mais elevados no período basal apresentaram maior prevalência de DRC no período de ava-liação (p <0,005).

DISCUSSÃO

A hiperuricemia é um achado frequente em pacientes portadores de DRC, mas o seu papel causal na doença geralmente não tem sido considerado. No presente trabalho, avaliamos a hipótese de que níveis elevados de ácido úrico se associam com maior risco de ocorrência de DRC. Para tal, utilizamos a estratégia de analisar um banco de dados laboratoriais de indivíduos ambulatoriais com informações sobre creatinina sérica, ácido úrico sérico, além de sexo e idade.

A análise foi feita em dois períodos, um basal (2000 a 2003) e outro denominado de avaliação (2004 e 2005). Foi observado que os homens, as mulheres e os participantes idosos ou com idade <60 anos hiperuricêmi-Quartís de ácido úrico (mg/dL) <4,0 4-5,1 5,2-6,7 >6,7 Total Todos os indivíduos N (%) 1367 (27,4) 1166 (23,4) 1262 (25,3) 1196 (24,0) 4991 (100) Filtração glomerular ≥60mL/min/1,73m2 N (%) 1212 (30,0) 965 (23,9) 891 (24,5) 873 (21,6) 4041 (100) Filtração glomerular <60mL/min/1,73m2 N (%) 155 (16,3) 201 (21,2) 271 (28,6) 323 (34,0) 950 (100) Tabela 2. Correlação entre quartís de ácido úrico e presença ou não de doença renal crônica no período basal (2000 a 2003)

p <0,001 Quartís de ácido úrico (mg/dL) <4,0 4-5,1 5,2-6,7 >6,7 Total Todos os indivíduos N (%) 1212 (30,0) 965 (23,9) 991 (24,5) 873 (21,6) 4041 (100) Filtração glomerular ≥60mL/min/1,73m2 N (%) 1125 (30,8) 860 (23,6) 880 (24,1) 786 (21,5) 3651 (100) Filtração glomerular <60mL/min/1,73m2 N (%) 87 (22,3) 105 (26,9) 111 (28,5) 87 (22,3) 390 (100) Tabela 3. Correlação entre quartís de ácido úrico no período basal (2000 a 2003) e a ocorrência de doença renal crônica no período de avaliação (2004 a 2005)

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cos apresentaram maior risco de desenvolver DRC do que os normouricêmicos. A análise da amostra estratificada em quartis também evidenciou que, no período basal, os indivíduos (analisados como um todo) e os integrantes do grupo não portador de DRC (FG >60mL/min,1,73m2) e

com níveis de ácido úrico sérico mais elevados também apresentaram maior incidência de DRC no período de avaliação.

A análise conjunta dos dados sugere que a hiperu-ricemia identifica um estado de DRC pré-clínica, definido como condição clínica que antecede o desenvolvimento da doença clínica e que está diretamente associado com desfechos adversos na saúde do paciente11.

O ácido úrico é o produto final do metabolismo da purina em seres humanos. A purina pode ser gerada a partir de fontes endógenas, pela síntese de novo e degra-dação de ácidos nucléicos (aproximadamente 600mg/dia), ou de exógenas, a partir da ingestão de purina da dieta (aproximadamente 100mg/dia).

No estado de equilíbrio, a produção e a ingestão diária de ácido úrico de cerca de 700mg/dia são balan-ceadas pela eliminação de quantidade igual de ácido úri-co, sendo cerca de 30% através do intestino e 70% (apro-ximadamente 500mg/dia) pelos rins. O urato plasmático é filtrado livremente pelos glomérulos, mas a excreção fra-cional do ácido úrico filtrado é inferior a 10%. Isto de-monstra a preponderância dos processos de reabsorção tubular em seres humanos, realizados principalmente pela proteína transportadora denominada URAT1 presente no túbulo contornado proximal.

A ocorrência de hiperuricemia, geralmente decor-rente da diminuição da excreção fracional do ácido úrico pelos rins ao longo dos anos ou décadas, gera um aumento da quantidade de ácido úrico no organismo, favorecendo a deposição de urato não só nas articulações, mas também em outros tecidos, principalmente os rins, e no endotélio vascular12,13.

Até recentemente, a associação da hiperuricemia com o rim se restringia quase que exclusivamente às obstruções secundárias a cálculos do trato urinário ou deposição intratubular de ácido úrico decorrente da lise tumoral associada à quimioterapia. Contudo, estudos epi-demiológicos em humanos, bem como em modelos ani-mais de hiperuricemia leve determinando alterações microvasculares nas areríolas aferentes glomerulares, descortinaram para o possível efeito direto do urato na patogênese da DRC14-16.

Os nossos resultados estão de acordo com estas observações, posto que os níveis séricos de ácido úrico mais elevados no período basal do estudo se associaram forte-mente com a ocorrência da DRC no período de avaliação, mesmo nos indivíduos com função renal preservada.

A relação causal primária do papel do urato na DRC foi questionada durante muito tempo devido à con-comitância de outras doenças e fatores de risco comu-mente observados nestes pacientes e que contribuem para perda funcional renal, tais como hipertensão arterial, diabetes mellitus, abuso de bebidas alcoólicas, anti-infla-matórios não esteróides e toxicidade por chumbo.

Embora o desenho do nosso estudo, uma vez que não tivemos acesso aos dados clínicos e de exame físico dos participantes, não nos permita excluir o possível impacto destas doenças ou fatores de risco nos nossos resultados, é importante observar que a associação de níveis mais elevados de ácido úrico com a ocorrência da DRC encontrada está de acordo com os achados de outros autores que sugerem um papel patogênico para hiperu-ricemia na DRC. Por exemplo, no período que antecedeu a disponibilidade terapêutica eficaz de diminuição da hiperuricemia, até 40% dos pacientes com gota apre-sentavam diminuição da FG17. Nos estudos desta época,

18% a 25% dos óbitos em pacientes com gota decorreram da FFR18.

Mais recentemente, dois grandes estudos popula-cionais prospectivos oriundos do Japão examinaram a relação entre níveis de urato sérico e desenvolvimento da doença renal após ajustes para idade, pressão arterial, índice de massa corporal, proteinúria, hematócrito, hiperlipidemia, glicemia de jejum e creatinina sérica. No estudo de Tomita e cols14., 49.413 ferroviários com idade

entre 25 e 60 anos foram acompanhados por um período médio de 5,4 anos. Os autores encontraram uma correla-ção forte, após os ajustes realizados, entre níveis séricos de urato e FFR, sendo que os indivíduos com os valores mais elevados de urato (8,5mg/dL) apresentaram risco de falência renal oito vezes maior do que aqueles com níveis moderados de hiperuricemia (5,0 a 6,4mg/dL).

Izeki e cols.15rastrearam 48.177 japoneses adultos

e calcularam a incidência cumulativa de FFR de acordo com os quartis de ácido úrico sérico basais e estratificação para o sexo. Os níveis basais de urato sérico foram 6,4±1,4mg/dL nos homens e 4,64±1,1mg/dL nas mulhe-res. A incidência de FFR para cada 1.000 indivíduos rastreados foi de 1,22 para homens sem hiperuricemia (urato <7,0mg/dL) versus 4,64 para homens com hipe-ruricemia (urato ≥7,0mg/dL). Nas mulheres, as inci-dências por 1.000 rastreadas foram 0,87 para aquelas sem hiperuricemia (urato <6,0mg/dL) versus 9,03 para as que apresentavam hiperuricemia (urato ≥6,0mg/dL). Os au-tores concluíram que a hiperuricemia se associou com maior risco de FFR, mesmo após ajustes para as comor-bidades. Também sugeriram que a normalização dos ní-veis elevados de urato pode reduzir a sobrecarga de pacientes com FFR.

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A natureza do nosso trabalho, com acesso apenas a dados de idade, sexo, creatinina e ácido úrico sanguíneos, não nos permite determinar a(s) causa(s) da hiperuricemia nos indivíduos analisados. Além da diminuição da FG, outros fatores podem determinar níveis elevados de ácido úrico sérico, tais como depleção de volume, ingestão abusiva de álcool, dieta rica em purina e doenças tais como gota19.

A hiperuricemia frequentemente se associa com a hipertensão arterial e é considerada um indicador mais sensível de lesão hipertensiva de órgão alvo do que o nível de creatinina sérico20. O acesso limitado às informações

clínicas dos participantes do nosso estudo impossibilita o estabelecimento de qualquer relação dos níveis de ácido úrico sérico com fatores de risco de progressão da DRC, como, por exemplo, a hipertensão arterial.

O nosso estudo apresenta algumas limitações importantes. Primeiro, o seu desenho só nós permitiu aces-so aos dados demográficos (idade e sexo) e laboratorias (creatinina e ácido úrico sanguíneos) dos indivíduos ava-liados, não nos sendo possível analisar o impacto de outras alterações laboratoriais como hiperglicemia, hiperlipide-mia e hiperfosfatehiperlipide-mia na gênese da DRC. Segundo, a falta de acesso aos dados de proteinúria não nos permitiu ex-cluir, com certeza, a DRC nos indivíduos com FG >60mL/min/1,73m2. Terceiro, a natureza retrospectiva do

estudo e a infrequência de registro no banco de dados do Laboratório das indicações dos pedidos laboratoriais difi-cultaram a análise das possíveis indicações dos pedidos de creatinina e ácido úrico e, assim, saber sobre a concomi-tância das doenças e/ou fatores de risco para DRC. Final-mente, o curto intervalo de tempo entre os períodos basal e de avaliação utilizado na nossa análise pode ter subes-timado o impacto desfavorável do ácido úrico sanguíneo na filtração glomerular.

Em suma, os nossos resultados sugerem que níveis elevados de ácido úrico sérico se associam com maior prevalência de DRC. O achado de maior prevalência de DRC no período de avaliação entre os indivíduos sem a doença no período basal sugere ser o ácido úrico um marcador precoce disfunção renal.

Embora não nos tenha sido possível analisar o papel de outras doenças/fatores de risco para DRC, tais como proteinúria, hiperlipidemia, diabetes mellitus e hipertensão arterial, a implementação de estratégias que mantenham o ácido úrico em níveis normais talvez seja recomendada na prevenção da doença renal. Estudos intervencionais futuros com medicações estabelecerão se a normalização da hiperuricemia prevenirá a perda funcional renal.

REFERÊNCIAS

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Referências

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