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A CONTRIBUIÇÃO DE MILTON SANTOS PARA A EDUCAÇÃO DO CAMPO

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1 A CONTRIBUIÇÃO DE MILTON SANTOS PARA A EDUCAÇÃO DO CAMPO

Jeinni Puziol1 Irizelda Martins de Souza e Silva

Maria Aparecida Cecílio 1. Introdução

O território tanto quanto o lugar são esquizofrênicos, porque de um lado acolhem os vetores da globalização, que neles de instalam para impor sua nova ordem, e, de outro lado, neles se produz uma contra-ordem, porque há uma produção acelerada de pobres, excluídos, marginalizados (Milton Santos, 2008).

O presente artigo é resultado das discussões realizadas pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas e Gestão Educacional GEPPGE – CNPq/2002 e tem como objetivo analisar a contribuição da ciência geográfica, especificamente dos estudos do intelectual Milton Santos, na realidade da educação do campo, prioridade histórica e política do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, pautada no contexto político, econômico e social contemporâneos. Para tanto se utiliza do legado geográfico enquanto instrumento de compreensão e, também, de contestação da ordem mundial em vigência.

O professor Milton Santos (1926-2001) nascido na Bahia e graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), encontrou na Ciência Geogràfica uma forma de ampliar sua concepção de mundo. Defendeu sua tese de doutorado na França (1958), na área de Geografia Humana, com o título “O Centro da Cidade de Salvador”. Entre 1980 e 2000 recebeu vinte títulos de Doutor Honoris Causa de Universidades do Brasil, da América Latina e da Europa. Publicou mais de trinta livros e mais de trezentos artigos científicos, em português, francês, espanhol e inglês2. O autor renovou conceitos geográficos como o espaço geográfico, o lugar e o território. E é nas suas compreensões que pautamos nossos estudos para o entendimento da sociedade e do espaço em que a educação e as lutas sociais estão inseridas.

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Acadêmica do 4º ano de Geografia da Universidade Estadual de Maringá - UEM. Telefone para contato: (44) 99031511. E-mail: jeinnikelly@hotmail.com

2 Biografia de Milton Santos por Maria Auxiliadora da Silva – Portal da Fundação Perseu Abramo. Disponível em:< http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/makepdf.php?storyid=657>

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2 Buscamos compreender as categorias da Geografia em consonância com as modificações ocorridas na sociedade a partir da década de 1970, a reestruturação produtiva do capital, a globalização dos espaços e a revolução

técnico-científico-informacional, no intuito de colaborar com a formação de educadores e moradores do

campo conscientes da relação-capital no âmbito da realidade global a local (SANTOS, 1988).

O referencial teórico-metodológico busca explicitar a relação orgânica entre o modo de produção capitalista e a vida social, considerando as múltiplas determinações do contexto da sociedade capitalista em suas condições de mundialização que atuam direta e indiretamente na realidade educacional.

Verificamos que as categorias geográficas são de suma importância não somente para a educação do campo e suas lutas, como para a educação em sua totalidade, uma vez que a realidade histórico-mundial e suas modificações não ocorrem suspensa no ar, mas num determinado espaço geográfico.

2. Desenvolvimento

No interior da realidade atual, início do século XXI, a educação em sua totalidade tem sido amplamente disseminada de acordo com uma perspectiva mercadológica em consonância com o modo de produção capitalista, essencialmente a partir de 1970, com a reestruturação produtiva do capital, a globalização e a ideologia neoliberal. Tais fatores foram consolidados no Brasil principalmente na década de 1990, refletido na reforma do aparelho do Estado e a presença maciça de agências internacionais que interferem direta e indiretamente na educação.

No decurso das décadas de 1970-1980 a economia capitalista mundial apresentou perturbações significativas que alteraram a configuração do modo de produção e a ordem burguesa. A crise estrutural do capital impulsionou um complexo de reestruturações que atuaram e atuam não somente na esfera objetiva, mas subjetiva dos indivíduos. Como analisa Antunes (1998, p. 15),

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3 classe-que-vive-do-trabalho sofreu a mais aguda crise deste século,

que atingiu não só a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento destes níveis, afetou sua forma de ser.

A reestruturação produtiva do capital representou a passagem da acumulação fordista-keynesiana para a acumulação flexível sob a égide do capital financeiro. O modo de produção do capital monopolista, pautado no binômio taylorismo/fordismo3, de características rígidas baseado na produção em massa, entrou em decadência nas décadas de 1960 e 1970 e culminou com o fim da longa onda expansiva de crescimento econômico e taxas de lucro compensadoras entre o fim da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) e a segunda metade da década de 1960 (NETTO; BRAZ, 2007).

A partir da década de 1960, essa longa onda de crescimento se esgotou e as taxas de lucro caíram com a crise de superprodução e o “choque do petróleo”, deflagrado pelos conflitos políticos no Oriente Médio4. Além disso, tivemos, nos países capitalistas centrais5, no bojo da crise que abrange a última metade da década de 1960 e a primeira metade da década de 1970, a influência candente das mudanças na organização produtiva do trabalho capitalista (a crise da organização do trabalho fordista-taylorista e a emergência da organização do trabalho toyotista), o movimento da contracultura6, com as mudanças nos costumes, a revolta estudantil, o movimento feminista e o recrudescimento do movimento operário provocado pela ofensiva do capital na produção. Enfim, naqueles anos de agitação social e política, a ilusão de um capitalismo sem contradições caiu por terra (HARVEY, 1993). Como esclarece Netto e Braz (2007,

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Taylorismo: “Conjunto das teorias para o aumento da produtividade do trabalho fabril, elaboradas pelo engenheiro norte-americano Frederick Winslow Taylor (1856-1915). Abrange um sistema de normas voltadas para o controle dos movimentos do homem e da máquina no processo de produção” (SANDRONI, 2000, p. 306).

Fordismo: “Conjunto de métodos de racionalização da produção elaborados pelo industrial norte-americano Henry Ford, baseado nos princípios de que uma empresa deve dedicar-se apenas a um produto. [...] para diminuir os custos, a produção deveria ser em massa, a mais elevada possível e aparelhada com tecnologia capaz de desenvolver ao máximo a produtividade por operário. O trabalho deveria ser também altamente especializado, dada operário realizando determinada tarefa” (SANDRONI, 2000, p. 128-129). 4 Um primeiro em 1973 e outro, em 1975.

5 EUA, Europa Ocidental e Japão.

6 O termo contracultura surgiu primeiramente nos EUA na década de 1960 e popularizou-se pelo livro de Theodore Roszak (1969) “A contracultura”. Caracteriza-se como um movimento de contestação do caráter social e cultural. Se caracteriza pela busca da paz, valorização da natureza, da vida comunitária, anticonsumismo, crítica aos meios de comunicação em massa, discordância dos princípios do capitalismo e da economia de mercado.

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4 p. 214):

a onda longa expansiva é substituída por uma longa onda recessiva: a partir daí e até os dias atuais, inverte-se o diagrama da dinâmica capitalista, agora, as crises voltam a ser dominantes, tornando-se episódicas as retomadas.

A recessão mundial que atingiu a economia a partir de 1973 criou as condições propicias para a nova ofensiva do capital - a reestruturação produtiva, sob a égide do toyotismo, da financeirização e da ideologia neoliberal. Começaram a ser introduzidas alterações nos circuitos produtivos baseados na acumulação flexível do capital. Harvey (1993, p. 140) pontua que

a acumulação flexível [...] se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional.

De acordo com Harvey (1993), nas condições da crise de superprodução, a obsessão por novos mercados impulsionou a globalização do capital. A organização flexível da produção permitiu maior agilidade do capital em movimento sob as condições de um capitalismo global cronicamente instável, marcado pela financeirização da riqueza capitalista e instabilidade política crescente.

Porém, é importante considerar que mesmo com as evidentes mudanças na organização produtiva do modo de produção, não se pode considerar a extinção do modelo taylorista/fordista, mas sua articulação e com a flexibilização, mais especificamente com o toyotismo7, a fim de desenvolver novas formas de qualificação.

7

“O toyotismo é um estágio superior de racionalização do trabalho que não rompe, a rigor, com a lógica do taylorismo e fordismo. É por isso que alguns autores, como Aglieta e Palloix, o denominam de “neofordismo”. No campo da gestão da força de trabalho, o toyotismo realiza um salto qualitativo na “captura” da subjetividade do trabalho pelo capital, se distinguindo do taylorismo e fordismo por promover uma via original de racionalização do trabalho; desenvolvendo, sob novas condições sócio-históricas (e tecnológicas), as determinações presentes nas formas tayloristas e fordistas, principalmente no que diz respeito à racionalidade tecnológica. Poderíamos até afirmar que o toyotismo é o modo de organização do trabalho e da produção capitalista adequado à era das novas máquinas da automação flexível, que constituem uma nova base técnica para o sistema do capital, e da crise estrutural de superprodução, com seus mercados restritos. Entretanto, cabe salientar que o toyotismo é meramente uma

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5 Para Alves (2007, p. 246-247),

O toyotismo tende a mesclar-se, em maior ou menor proporção, com outras vias de racionalização do trabalho, capazes de dar maior eficácia à lógica da flexibilidade. Por isso, tal como uma dialética integradora, que mescla o novo e o arcaico, o toyotismo aparece articulado com as formas tayloristas-fordistas restritas no processo de trabalho. Apesar disso, ele não deixa de ser o “momento predominante” do novo processo produtivo, impondo, articulando e constituindo as novas qualificações.

A nova etapa do capitalismo global significou no plano da produção (e reprodução social) a incorporação das novas tecnologias advindas da Revolução Técnico-científica (1970) que propiciaram o aumento da qualidade e quantidade produtiva que influem diretamente e auxiliam nesse processo. A introdução da microeletrônica, da robótica e dos recursos informáticos auxiliou o desenvolvimento de uma economia mundializada, na precarização das condições de trabalho e da vida do trabalhador. Alves (2001, p. 13) analisa que:

[...] a globalização é um fenômeno sócio-histórico intrinsecamente

contraditório e complexo que caracteriza, em nossa perspectiva, uma

nova etapa de desenvolvimento do capitalismo moderno. [...] tende a constituir novas determinações sócio-históricas no (1) plano da ideologia e da política; (2) no plano da economia e da sociedade e (3) no plano do processo civilizatório humano-genérico, vinculado ao desenvolvimento das forças produtivas humanas.

O capital reestruturado e globalizado busca em suas estratégias mascarar a consciência dos indivíduos impulsionados por novas formas de fetichismos sociais que se aproveitam da era da informática para disseminar informações que obscurecem a realidade e promovem a alienação. De acordo com Milton Santos,

O que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde. Isso tanto é mais grave porque, nas condições atuais da vida econômica e social, a informação constitui um dado essencial e imprescindível. Mas na medida em que o que chega às pessoas, como também às

inovação organizacional da produção capitalista sob a grande indústria, não representando, portanto, uma nova forma produtiva propriamente dita” (ALVES, 2007, p. 246).

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empresas e instituições hegemonizadas, é, já, o resultado de uma manipulação, tal informação se apresenta como ideologia (Santos (2008, p. 39).

No plano ideológico, portanto, com o objetivo de justificar e consolidar o novo sóciometabolismo8 do capital emergiu, no decorrer das últimas décadas, o Estado neoliberal, disseminado globalmente não apenas como política ou economia do Estado capitalista hipertardio, mas também como modo de vida (ou valores morais) alienado. No interior do neoliberalismo, de acordo com Moraes (2007, p. 43),

O mercado é, [...] um processo competitivo de descoberta. Nele, inumeráveis indivíduos movem-se orientados pelos seus interesses próprios. O mercado é a combinação desses planos e atividades individuais de produtores e consumidores. Os elementos motores desse mundo são a função empreendedora do individuo e a concorrência, no interior de uma complexa divisão social do trabalho.

A retórica neoliberal influencia diretamente no campo ideológico no intuito de moldar os indivíduos de acordo com sua lógica dominante buscando articular seus interesses determinando as políticas educacionais. Santos (2008) analisa que:

Estamos diante de um novo “encantamento do mundo”, no qual o discurso e a retórica são o princípio e o fim. Esse imperativo e essa onipresença da informação são insidiosos, já que a informação atual tem dois rostos, um pelo qual ela busca instruir, e um outro, pelo qual ela busca convencer (SANTOS, 2008, p. 39).

Neste contexto da mundialização do capital, com suas tecnoestruturas globais, as políticas educacionais vigentes tendem a atuar de acordo com as diretrizes do Estado político hegemonizado por interesses do capital financeiro e diretrizes de agências internacionais, como Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), verdadeiros “intelectuais orgânicos” do grande capital.

Diante desta candente realidade perversa que se instala, Milton Santos (2008)

8 O sócio-metabolismo do capital é um conceito chave proposto por Istvan Mészáros em seu livro “Para além do Capital” (1995). É uma expressão que designa o processo de acúmulo permanente do capital com repercussão em praticamente todas as esferas da vida humana e da natureza (p. 72).

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7 define alguns aspectos que produzem a globalização e que delineiam a necessidade de construir uma renovada ciência geográfica que não atue de forma submissa ao capital, mas conteste. Sob os aspectos que produzem a globalização temos em primeiro lugar a

unicidade da técnica entendida no contexto atual como a “[...] técnica da informação,

por meio da cibernética, da informação, da eletrônica” (p, 25); em segundo a

convergência dos momentos expressa pela “[...] possibilidade oferecida pela técnica à

nossa geração de ter em mãos o conhecimento instantâneo do acontecer do outro” (p. 28); em terceiro o motor único representado pela mais valia universal que “[...] tornou-se possível porque a partir de agora a produção tornou-se dá à escala mundial, por intermédio de empresas mundiais” (p. 29); em quarto a cognoscibilidade do planeta entendida pela “[...] possibilidade de conhecer o planeta extensiva e aprofundadamente” (p. 31); e por último um período que é de crise, pois se trata de uma crise estrutural e permanente.

Sob tais condições Milton Santos promove a renovação de categorias da Geografia, que assim como qualquer outra ciência não escapa à tendência utilitarista e submissa aos interesses inglórios do mundo da produção capitalista, mas pode aproveitar dos veios contraditórios da relação-capital e promover mudanças. Nas palavras de Santos (1988, p. 12), “embora assinalado por atividades quase sempre desviadas para preocupações imediatistas e utilitárias, o atual período histórico encerra igualmente o germe de uma mudança de tendência”.

No bojo da renovação geográfica, o objeto de estudo da Geografia, o Espaço

Geográfico, adquiriu novos significados no desenvolvimento da sociedade e da

globalização, sendo considerado como um “[...] conjunto de formas contendo cada qual frações da sociedade em movimento. As formas, pois têm um papel na realização social” (1988, p. 10). O espaço geográfico possui importância fundamental, pois é ele que viabiliza a materialização da globalização, pois toda a natureza e os lugares tem se configurado em forma produtiva de acordo com as necessidades do processo de produção. E são nos espaços geográficos que se processam os lugares, e aqui lugares são entendidos como “[...] ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente”, (SANTOS, 1996), onde a cultura ganha sua dimensão simbólica e material, combinando matrizes globais, nacionais, regionais e locais. Ao analisar o Lugar, Santos (2008, p. 112) considera que: “os lugares são, pois,

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8 o mundo, que eles reproduzem de modos específicos, individuais, diversos. Eles são singulares, mas são também globais, manifestações da totalidade-mundo, da qual são formas particulares”.

Cabe ressaltar que esse dois conceitos, Espaço Geográfico e Lugar, adquiriram com as mudanças histórico-mundiais caracterizações diferenciadas como é proposto por Milton Santos (1988). Porém são utilizados de forma incorreta, na verdade de forma manipulada a serviço do modo de produção capitalista. A homogeneização do espaço geográfico e dos lugares é disseminada pelos meios de comunicação, junto a uma uniformidade de ações e culturas e a construção de uma cidadania planetária, “[...] quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas” (SANTOS, 2008, p. 19). É uma globalização como fábula que tenta ocultar a pungente realidade desigual.

Outra categoria primordial para a leitura e análise da sociedade é o Território. Sua existência se dá, pela dinâmica dos lugares, e está condicionada ao seu uso. “É o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz dele objeto de análise social [...] o território usado são objetos e ações, sinônimo de espaço humano, espaço habitado” (SANTOS, 2005, p. 255). O autor desmistifica o conceito de território como fundamento do Estado-Nação amparado pela realidade da transnacionalização territorial, no qual “[...] a interdependência universal dos lugares é a nova realidade do território” (SANTOS, 2005, p. 255). Porém, sem considerar o total desfalecimento das fronteiras e a homogeneização hegemônica dos países. Santos (2008, p. 42) pontua que “[...] as fronteiras mudaram de significação, mas nunca estiveram tão vivas, na medida em que o próprio exercício das atividades globalizadas não prescinde de um chão

governamental capaz de torná-la efetivas dentro de um território”. A partir das novas mutações da sociedade capitalista resulta, portanto, a

construção de um novo espaço e de um novo funcionamento do território por meio de

horizontalidades e verticalidades, definidas por Santos (2008) como:

As verticalidades podem ser definidas, num território, com um conjunto de pontos formando um espaço de fluxos. [...] O sistema de produção que se serve desse espaço de fluxos é constituído por redes – um sistema reticular –, exigente de fluidez e sequioso de velocidade. São os atores do tempo rápido, que plenamente participam do processo, enquanto os demais raramente tiram todo proveito da fluidez

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(p. 105-106). [...] As horizontalidades são zonas da contigüidade que formam extensões contínuas. [...] a existência de um “espaço banal” em oposição ao espaço econômico. O espaço banal seria o espaço de todos: empresas, instituições, pessoas; o espaço das vivências. [...] Trata-se, aqui, da produção local de uma integração solidária, obtida mediante solidariedades horizontais internas, cuja natureza é tanto econômica, social e cultural como propriamente geográfica (p, 108-110).

No interior da realidade global da sociedade burguesa, as verticalidades representam os espaços regidos por um relógio despótico9 a serviço dos atores hegemônicos em detrimento das horizontalidades de caráter solidário orgânico e sobrevivência em conjunto dos espaços banais.

Nesse processo, emerge uma análise basilar para a compreensão dos papéis das categorias geográficas nas lutas sociais e na contribuição da educação do campo enquanto instrumento de elaboração de contra-racionalidade que podem constituir-se na base das horizontalidades em contraponto as racionalidades características das

verticalidades. Como esclarece Santos (2008, p. 110),

As horizontalidades, pois, além das racionalidades típicas das verticalidades que as atravessam, admitem a presença de outras racionalidades (chamadas de irracionalidade pelos que desejariam ver como única a racionalidade hegemônica). Na verdade, são contra-racionalidades, isto é, formas de convivência e de regulação criadas a partir do próprio território e que se mantêm nesse território a despeito da vontade de unificação e homogeneização, características da racionalidade hegemônica típica das verticalidades.

Ao contrário da ordem que se impõe aos espaços em redes marcados pela fluidez e rapidez e pela alienação e obediência dos atores subalternos, podem ser criados nos espaços banais novas formas de existência. É por isso que o território e o lugar são esquizofrênicos, pois abrigam desde os pragmatismos hegemonizados até as contra-racionalidades, o que propõe a epígrafe utilizada no início do ensaio. Como afirma

9 “[...] com a interdependência globalizada dos lugares e a planetarização dos sistemas técnicos dominantes, estes parecem se impor como invasores, servindo como parâmetro na avaliação da eficácia de outros lugares e de outros sistemas técnicos. É nesse sentido que o sistema técnico hegemônico aparece como algo absolutamente indispensável e a velocidade resultante como um dado desejável a todos que pretendem participar, de pleno direito, da modernidade atual” (SANTOS, 2008, p. 124).

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10 Santos (2008, p. 112),

Nas condições atuais, o movimento determinante, com tendência a uma difusão avassaladora, é o da criação da ordem da racionalidade pragmática, enquanto a produção do espaço banal é residual. Pode-se todavia, imaginar outro cenário, no qual o comportamento do espaço de fluxos seja subordinado não como agora à realização do dinheiro e encontre um freio nessa forma de manifestação, tornando-se subordinado à realização plena da vida, de modo que os espaços banais aumentem sua capacidade de servir à plenitude do homem.

A educação do campo, prioridade histórica e política do MST, realiza a formação dos sem-terra com funções intelectuais que não incorporem uma educação vinda de fora, mas que se tornem sujeitos de sua própria pedagogia (CALDART, 2004, P. 312). A intencionalidade no processo de formação está no próprio caráter do MST, além da luta pelo cumprimento de sua tarefa histórica, entendido com a produção de alimentos nos latifúndios improdutivos, busca formar seres humanos que entendam e contestem práticas sociais determinadas pela sociedade vigente.

Rosely Caldart em seu livro Pedagogia do Movimento Sem Terra (2004) faz uma ampla discussão sobre a educação do campo mostrando a importância do movimento social para a renovação do movimento pedagógico. A autora esforça-se em evidenciar que a pedagogia do MST não se fundamenta estritamente nas relações pedagógicas (educador e educando), mas na própria dinâmica social, na qual cabe ressaltar a reciprocidade entre as práticas educativas e a dinâmica da sociedade. Como analisou Marx (2007, p. 66) “[...] as circunstâncias fazem os homens assim como eles fazem as circunstâncias”.

O MST, como sujeito pedagógico, produz e reproduz identidades ao longo de sua trajetória histórica com diferentes vivências e realidades que dão vida ao movimento

do Movimento. Sua história e a pedagogia são transformadas constantemente e

procura-se consolidar uma pedagogia do movimento e não para o movimento. De acordo com as reflexões de Caldart (2004, p. 317),

O MST junta em si esses dois sujeitos, o que torna, parece-me, um objeto bastante privilegiado de estudo também nesse campo. Trata-se aqui, pois, de compreender uma pedagogia do Movimento e não para

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o Movimento, no duplo sentido de ter o Movimento como sujeito educativo e como sujeito de reflexão (intencionalidade pedagógica) sobre sua própria tarefa de fazer educação ou formação humana.

É nesse sentido que o MST por meio da educação do campo e da valorização no cotidiano atua na construção de contra-racionalidades dos lugares e dos territórios. Por meio das manifestações temos a contra-face do pragmatismo envolvido por um denso sistema ideológico. Retornando com as reflexões de Santos (2008, p. 114)

[...] o papel do lugar é determinante. Ele não é apenas um quadro de vida, mas um espaço vivido, isto é, de experiência sempre renovada, o que permite, ao mesmo tempo, a reavaliação das heranças e a indagação sobre o presente e o futuro. A existência naquele espaço exerce um papel revelador sobre o mundo.

Enfatiza-se que a prática educativa não é aqui entendida como a solução para os problemas da sociedade burguesa em vigência, mas como um instrumento de luta que objetiva desvendar pela raiz o caráter alienante do discurso hegemônico e construir novas consciências a partir da realidade material que se constitui sob o modo de produção capitalista. Caldart (2004) descreve e analisa as cinco matrizes pedagógicas (pedagogia da luta social, pedagogia da organização coletiva, pedagogia da terra, pedagogia da cultura, pedagogia da história) que o MST põe em movimento no processo de formação dos sem-terra, que reflete exatamente a compreensão da importância da luta social, da coletividade, da valorização do lugar de origem, da cultura e da história, que consequentemente de produzem e reproduzem no espaço geográfico, nos lugares e nos territórios.

3. Considerações

É fato que a acumulação capitalista e a globalização são acontecimentos profundamente geográficos. Sem a possibilidade de expansão geográfica, da reorganização espacial e o inerente desenvolvimento geográfico desigual, o capitalismo não se materializaria. Nesse sentido, a renovação das categorias geográficas realizadas por Milton Santos é de essencial importância neste novo contexto histórico-mundial

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12 delineado principalmente após a década de 1970.

A interdependência globalizada dos lugares exige uma compreensão mais aprofundada no sentido de desvelar os mitos que se instalam na sociedade a partir dos ideais hegemônicos disseminados pela sociedade burguesa ancorados no neoliberalismo. A precarização candente das relações sociais traduz uma humanidade a serviço de um relógio despótico mundial no qual uma minoria tem se beneficiado amplamente e uma maioria tem sido explorada ferozmente.

A educação nesse emaranhado histórico-mundial despende de uma importância fundamental enquanto instrumento de interpretação, contestação e superação. Interpretação e contestação de uma homogeneidade limitada e empobrecedora como fábula que nos é imposta e na sua superação, valorizando as heterogeneidades do universo cotidiano dos lugares.

A construção das contra-racionalidades possui campo fértil na educação do campo uma vez que ela está fundamentada nas lutas sociais que possuem em sua raiz o caráter de contestação. A compreensão de um mundo como fábula, ou seja, um mundo como nos fazem ver, e de um mundo como perversidade, ou seja, tal como ele é, abre possibilidade de um novo mundo amparado por uma outra globalização, pois nunca a sociedade atingiu um grau de desenvolvimento econômico e técnico-científico-informacional tão grande.

Em tais circunstâncias o entendimento das categorias geográficas no interior da totalidade concreta mundial é basilar, não apenas para a educação do campo, mas para a educação como um todo visando à dissolução das ideologias, a negação dos ditames do Estado burguês e das agências internacionais.

Milton Santos, militante de idéias, é uma referência para todos aqueles que pretendem compreender de maneira crítica o mundo atual e querem lutar pela consciência da diferença que vá em direção contrária à pedagogia do capital.

REFERÊNCIAS

ALVES, G. Dimensões da Reestruturação Produtiva: ensaio de sociologia do trabalho. 2. Ed. Londrina: Práxis, 2007.

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13 CALDART, R, S. Pedagogia do Movimento Sem Terra. São Paulo: Expressão Popular, 2004.

HARVEY, D. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1993. MARX, K. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martin Claret, 2007.

MORAES, R. Neoliberalismo: de onde vem, para onde vai? São Paulo: Editora SENAC, 2001.

NETTO, J. P; BRAZ, M. Economia política: uma introdução crítica. São Paulo: Cortez, 2007.

SANDRONI, P. Dicionário de Economia. São Paulo: Abril Cultura, 1985.

SANTOS, M. A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.

SANTOS, M. Metamorfoses do Espaço Habitado, fundamentos teórico e metodológico da geografia. São Paulo: Hucitec, 1988.

SANTOS, M. O retorno do território. IN: Debates: Territorio e movimientos sociales. Ano VI nº 16 Enero-abril, 2005.

SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Record, 2008.

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