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Alfabetização e Letramento

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Academic year: 2021

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AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ORAL E DA LINGUAGEM ESCRITA PELA CRIANÇA

Professor(a), ao abordarmos, no texto anterior, a linguagem escrita

como uma das múltiplas linguagens da criança, procuramos enfatizar a

importância de tratar esse objeto de conhecimento no contexto das demais linguagens. Também nos remetemos ao processo civilizatório da humanidade, estabelecendo relações com as descobertas e as construções realizadas pelas crianças em função de suas necessidades de interagir no meio em que vivem. Além disso, explicitamos os conceitos de alfabetização e letramento, que são a chave para compreender as questões que serão desenvolvidas neste texto e nos subseqüentes.

Agora, você deve estar ansioso(a) para entrar efetivamente nas questões relativas ao aprendizado da linguagem escrita pela criança. Várias dúvidas devem estar rondando sua mente: “Qual o melhor método para esse aprendizado?”, “Como a linguagem oral interfere na aprendizagem da linguagem escrita?”, “O que vem antes, a leitura ou a escrita?”, “Que aspectos envolvem esse aprendizado?”, “Por onde começar?” etc.

Para iniciar nossa conversa, convido você a pensar no seu próprio processo de aquisição da linguagem escrita. Você se lembra de como foi alfabetizado(a)? Quando? Por quem? De que maneira? Lembra do que você já sabia quando ingressou no ensino fundamental? Que papel desempenhou sua família? Seus amigos? Sua passagem pela educação infantil? Quando você tomou consciência de que o mundo em que vivia poderia ser escrito ou lido? Que papel teve a cartilha? Que conhecimentos foram necessários para você aprender a ler e escrever? Em que momento você considera que estava realmente alfabetizado(a)?

Ao conversarmos com outras pessoas, percebemos que cada um viveu um processo diferenciado. Pois é, nós aprendemos por diferentes caminhos e, embora as sociedades moderna e contemporânea tenham delegado à escola a responsabilidade por tal ensino, nem sempre e nem tudo sobre a linguagem escrita é aprendido nessa instituição. Por isso,

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quando as crianças chegam à escola, é fundamental que você saiba o que elas já conhecem e como aprenderam. Também é importante investigar o que querem aprender acerca da linguagem escrita e para que querem aprender a ler e a escrever. Com certeza você se surpreenderá com as respostas e, a partir delas, buscará caminhos insuspeitos para trabalhar esses conhecimentos.

Vamos, então, supor que todos os meninos e meninas brasileiras, ao ingressar no ensino fundamental, já sabem muito sobre a nossa língua, pois já são falantes e ouvintes há pelo menos quatro anos.

A linguagem oral no processo de alfabetização

A linguagem oral (fala, escuta e compreensão) permeia quase todas as interações estabelecidas pelas crianças em suas práticas sociais. É assim que meninos e meninas se apropriam da cultura escolar, desde o ingresso na instituição. É também por meio da fala que as crianças adentram na escola, levando consigo as marcas de sua classe social, de sua origem e identidade cultural, constituída por conhecimentos, crenças e valores. Trazem, portanto, a variedade lingüística do grupo social a que pertencem.

Nesse sentido, é importante lembrar que a população brasileira fala de diferentes formas, em função dos espaços geográficos que ocupa, da classe social, da idade e do gênero a que pertence. Essas diferenças sintáticas, semânticas, fonéticas, morfológicas e fonológicas é que fazem a riqueza de nossa língua.

Analisadas do ponto de vista lingüístico, todas essas variedades são legítimas e corretas, já que não temos uma gramática normativa da linguagem oral como a que existe para a linguagem escrita. Assim, todos falamos corretamente. Contudo, do ponto de vista social, essas variedades são valoradas de forma diferente: a linguagem popular tem menor prestígio que a forma culta, ou seja, a linguagem padrão falada

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pelas pessoas das classes mais favorecidas economicamente é que é “considerada” mais próxima da linguagem escrita.

Para que a escola possa efetivamente contribuir para a continuidade do processo de aprendizagem das crianças e, ao mesmo tempo, considerar alguns paradigmas da educação brasileira, como a inclusão e o reconhecimento à diversidade, é necessário livrar-se de preconceitos, relativos à fala das camadas populares, e acolher as crianças com toda a bagagem cultural que trazem. Conseqüentemente, deve-se romper com alguns mitos, que obscurecem seu olhar sobre o aluno – dentre eles, o de que existe apenas uma forma correta de falar –, e com a interpretação equivocada de que a escrita é a reprodução da fala. Esse entendimento leva alguns professores a querer que seus alunos reproduzam na escrita a forma como falam, sem considerar que se tratam de duas modalidades distintas de linguagem e que, portanto, envolvem aspectos diversos. Saber falar bem não significa saber escrever bem. Assim, existiriam muitos modos de falar, que a escola tem de respeitar, e um único modo de escrever, que ela deve ensinar? Não é bem isso, ou melhor, não é apenas isso; a escola deverá também ensinar a linguagem oral

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O aprendizado da linguagem oral na escola

Aprendemos uma língua ao ouvir, falar, ler e escrever. Portanto, é muito importante que essas ações sejam trabalhadas na escola, tendo em vista suas inúmeras possibilidades, e tendo sempre como norte a participação, cada vez maior, do sujeito na vida cidadã. É importante lembrar que o aprendizado da linguagem oral envolve não apenas a fala, mas também o entendimento, ou seja, ouvir com compreensão. E isso também se aprende na escola a partir da ação atenta e efetiva do professor, que deve buscar na prática pedagógica as situações em que é preciso ouvir, compreender e interpretar.

Além disso, existem algumas situações comunicativas que devem ser propostas pelo professor, pois ajudam a criança a estruturar seu pensamento e adequar a linguagem oral ao contexto e ao interlocutor. O uso mais formal da fala tem que ser trabalhado em situações reais, em que esse tipo de discurso faça sentido. Por isso, desde muito cedo, é importante que o aluno participe de situações em que necessite planejar a sua fala (tais como entrevistas, seminários, debates etc.), vendo-se como produtor de textos orais.

Existem muitas coisas a se aprender na escola no tocante à linguagem oral. Uma delas é a forma de falar em cada contexto, considerando as características da comunicação, ou seja, adequar a fala às diferentes situações comunicativas. Nesse sentido, é fundamental a coordenação de o que falar e de como falar tendo em vista o interlocutor, e também quem fala e por que fala uma coisa ou outra. Assim, mesmo respeitando as variações lingüísticas do aluno, a escola vai contribuir para que ele aprenda a falar adequadamente, atingindo o objetivo desejado e mostrando que cada instância exige um tipo de fala. A própria condição de aluno determina alguns usos da linguagem oral inerentes à cultura escolar.

É responsabilidade da escola, no papel de mediadora cultural, enriquecer o repertório de textos orais dos alunos. Para isso, deve

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possibilitar-lhes o acesso a textos que constituem patrimônio cultural da humanidade (como histórias, lendas, mitos, fábulas, poesias, parlendas, trava-línguas, piadas, adivinhas, entre outros), possibilitando a vivência das funções literária e expressiva da linguagem.

Vamos exemplificar essa afirmação a partir de duas obras, recém-lançadas, pela editora Scipione: O Cravo e a Rosa e outros contos e

Quadrinhas brasileiras.

Para explorar esses dois livros é muito importante instigar as crianças a conhecerem a biografia do grande folclorista brasileiro Sílvio Romero. Fale a respeito de sua vida e obra, destacando a forma como ele construiu conhecimentos sobre as tradições brasileiras por meio de histórias, cantigas, quadrinhas etc.

As crianças se identificam muito com esses tipos de textos, e muitos já são conhecidos por elas desde muito cedo, pois são passados de pai para filho e incorporados nas brincadeiras. Ao conversar sobre essas produções, você pode recuperar as cantigas e as quadrinhas conhecidas e socializar as brincadeiras folclóricas da comunidade em que vivem. Leia as quadrinhas com as crianças, cante as cantigas de roda, peça-lhes que façam desenhos a partir delas.

Além disso, é possível trabalhar com as belíssimas ilustrações de Rosinha Campos, que, por si só, já instigam o aluno para o exercício da

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oralidade, ou seja, cada página ilustrada pode ser objeto de muitas conversas que, com sua intervenção, professor(a), possibilitam a produção de textos orais muito significativos para as crianças.

Esses dois tipos de textos orais podem também ser trabalhados no processo de alfabetização, com o objetivo de desenvolver a consciência fonológica das crianças por meio do reconhecimento de rimas e aliterações.

O aprendizado da escrita

Os meninos e as meninas, sobretudo os que vivem nos centros urbanos, encontram-se imersos num mundo povoado de escritos e participam de práticas sociais de leitura e escrita. Dessa maneira, convivem em um contexto de letramento. Mesmo os que moram na zona rural já foram tocados de alguma forma pelos meios de comunicação e, em geral, já presenciaram muitos atos de leitura e escrita. Assim, essas crianças são desafiadas a interagir com diferentes tipos de textos, o que os possibilita desde cedo a compreensão das funções da escrita, dando início ao processo de aprendizagem desse conhecimento. Só que eles aprendem diferentes coisas e por caminhos diversos.

Você pode estar se peguntando: “Mas como farei para ensinar o grupo de trinta crianças com as quais trabalho?”, “Qual o melhor método?”.

Ao relembrar seu próprio processo de alfabetização, certamente, ocorreu-lhe o método pelo qual você aprendeu, cartilha, livro etc., ou mesmo, a lembrança de sua primeira professora. Boas e/ou más recordações devem ter povoado suas reminiscências.

Até muito recentemente, acreditava-se que para a criança aprender a ler e a escrever era preciso ter a maturidade necessária e antes desenvolver a coordenação motora fina, as percepções visual, auditiva, olfativa e tátil, a linguagem oral e a coordenação visomotora.

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O conjunto dessas habilidades, antes consideradas indispensáveis ao aprendizado da leitura e da escrita, era constituído de atividades repetitivas, denominadas preparatórias. Esse trabalho era, em geral, desenvolvido na educação infantil ou nos primeiros meses da escolaridade formal, e era costume chamá-lo de período preparatório ou de período de

prontidão.

Era comum o trabalho de alfabetização propriamente dito ter início com a cópia do desenho das vogais, suas junções formando palavras monossilábicas, o aparecimento das consoantes, a junção destas às vogais formando sílabas e palavras. Finalmente, eram trabalhadas frases e pequenos textos, sempre com o predomínio da família silábica que se queria enfatizar.

Havia outros métodos para ensinar a ler e a escrever, mas as concepções predominantes apontavam para a leitura e a escrita como objeto de conhecimento controlado pela escola, que deveria ser trabalhado em “doses homeopáticas”. Os métodos de alfabetização, sintéticos ou analíticos, partindo de fonemas, letras ou sílabas, de palavras ou frases, tinham sempre o pressuposto de que todas as crianças

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deveriam aprender as mesmas coisas num mesmo tempo, num mesmo ritmo e da mesma maneira.

Embora em algumas escolas do nosso país ainda persistam essas crenças, a partir da década de 1980, houve, no terreno da alfabetização, várias conquistas que nos ajudam a compreender a complexidade do processo de aprendizagem da leitura e da escrita.

Nos próximos artigos serão aprofundadas algumas dessas questões, em particular as pesquisas em Psicolingüística realizadas por Emília Ferrreiro e seus colaboradores; que, com base nos estudos de Jean Piaget, descrevem a trajetória da criança desde os primeiros contatos com a linguagem escrita até a descoberta do sistema alfabético. Esses estudos, ao contrário dos anteriores, que se preocupavam com a melhor maneira de ensinar, têm o foco na criança e nas suas formas de aprender.

Outra conquista dos anos 1980 foi a ampliação do conceito de alfabetização a partir do entendimento do conceito de letramento e de sua incorporação definitiva nas discussões sobre o aprendizado da linguagem escrita.

Também foi nesse período que os estudos de lingüística começaram a contribuir efetivamente para a compreensão do ensino da linguagem escrita, notadamente da alfabetização. Da mesma maneira a sociolingüística, as neurociências e a antropologia vêm produzindo conhecimentos que nos ajudam na compreensão desse processo.

O conjunto desses estudos mostra que a linguagem escrita é um objeto de conhecimento complexo e dinâmico, cuja aprendizagem envolve a construção e a reconstrução de vários aspectos: funcionais, textuais, gráficos e os relativos ao sistema alfabético de representação.

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Bibliografia

CAGLIARI, L. C.. Alfabetização e Lingüística. São Paulo: Scipione, 2005. (Coleção Pensamento e Ação

no Magistério)

BATISTA, A. A. G.(org.). Instrumentos de alfabetização. Belo Horizonte: Ceale/FAE/UFMG, 2005.

FARIA, V. L. B. (org.). Livro de estudo: módulo IV. Brasília: MEC/Secretaria de Educação

Básica/Secretaria de Educação a Distância, 2006. (Coleção Proinfantil).

FARIA, V. L. B. e SALLES, F. “A linguagem escrita nas propostas pedagógicas de educação infantil”.

Revista do professor. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, n.

11, dez. 2003.

SOARES, M.. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.

BRASIL. Ministério da Educação. “Orientações para o ensino fundamental de nove anos”. Disponível no site do MEC: www.mec.gov.br. Acesso em 18 jan. 2007.

Referências

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