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A materialidade dos crimes de homicídio diante da ausência do cadáver

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

BRUNA LAÍS SANTOS GARCÊS

A MATERIALIDADE DOS CRIMES DE HOMICÍDIO DIANTE

DA AUSÊNCIA DO CADÁVER

Salvador

2018

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BRUNA LAÍS SANTOS GARCÊS

A MATERIALIDADE DOS CRIMES DE HOMICÍDIO DIANTE

DA AUSÊNCIA DO CADÁVER

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Programa de Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia como requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Doutora Selma Santana.

Salvador

2018

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BRUNA LAÍS SANTOS GARCÊS

A MATERIALIDADE DOS CRIMES DE HOMICÍDIO DIANTE

DA AUSÊNCIA DO CADÁVER

Monografia apresentada ao curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia – UFBA, na área de concentração de Direito Penal, como requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada.

Salvador, ____ de ______________ de 2018.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________ Selma Pereira de Santana - Orientadora

Doutora em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal.

Professora de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia

_____________________________________________ Fernanda Ravazzano Lopes Baqueiro - Examinador

Doutora em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia.

Professora de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.

_____________________________________________ Caio Vinicius de Jesus Ferreira dos Santos – Examinador Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Professor da Faculdade Regional da Bahia – UNIRB.

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GARCÊS, Bruna Laís Santos. A materialidade dos crimes de homicídio diante

da ausência do cadáver. Trabalho de Conclusão do Curso (Graduação em

Direito) - Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.

RESUMO

O presente estudo tem por finalidade analisar a possibilidade de responsabilização nos casos de homicídio, mesmo que ausente o exame pericial sobre o corpo da vítima. A prova de materialidade é indispensável nos delitos que deixam vestígios, por isso, inicialmente faz-se uma análise da importância das provas no processo penal, especialmente nos delitos de homicídio sem cadáver, e a possibilidade das provas indiretas suprir a ausência do exame de corpo de delito direto. Em seguida, passa-se ao estudo dos dois posicionamentos doutrinários acerca da admissibilidade e inadmissibilidade da condenação do homicídio quando ausente o corpo da vítima, principal prova do delito. A seguir, busca-se através de casos forenses verificar como ocorreu a formação da materialidade delitiva em cada um, a fim de demonstrar como a justiça, através da ciência e dos diversos meios de provas, tem solucionado tais crimes. Posteriormente, analisar entendimentos jurisprudenciais sobre o tema e a possibilidade de formação da autoria e materialidade delitiva, através de indícios e provas indiretas. Por fim, traz-se a questão dos princípios constitucionais limitadores do direito penal, que visa garantir um processo penal livre de arbitrariedades e abusos. Concluindo-se que é possível a condenação do acusado nos crimes de homicídio, ainda que ausente o cadáver, através de uma produção probatória que comprove a autoria e a materialidade.

Palavras – chave: Homicídio. Materialidade. Corpo de Delito. Ausência do cadáver. Provas.

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GARCÊS, Bruna Laís Santos. The materiality crime of murder absent corpse. Work of Conclusion of the Course (Law Graduation) – Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.

ABSTRACT

The present study has for purpose to analyze the accountability possibility in the cases of homicide, even if absentee the forensic examination on the victim's body. The materiality proof is indispensable in the crimes that leave tracks, for that, initially it is made an analysis of the importance of the proofs in the penal process, especially in the homicide crimes without corpse, and the possibility of the indirect proofs to supply the absence of the exam of direct proof of evidence. Soon afterwards, takes place happens to the study of the two doctrinaire positionings concerning the admissibility and inadmissibility of the condemnation of the homicide when is absent the victim's body, main proof of the crime. To proceed, it is looked for through forensic cases to verify how it happened the formation of the criminal materiality in each one, in order to demonstrate as the justice, through the science and of the several means of proofs, it has been solving such crimes. Later, to analyze understandings jurisprudence on the theme and the possibility of formation of the authorship and criminal materiality, through indications and indirect proofs. Finally, the subject of the beginnings constitutional limiters of the penal right is brought, that seeks to guarantee a penal process free from outrages and abuses. Being ended that it is possible the accused's condemnation in the homicide crimes, although is absent the corpse, through a probatory production that proves the authorship and the materiality.

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1. INTRODUÇÃO...7

2. DAS PROVAS NO PROCESSO PENAL...9

3. DO HOMICÍDIO SEM CADÁVER...14

3.1 ADMISSIBILIDADE...15

3.2 INADMISSIBILIDADE...18

3.3 ESTUDO DE CASOS...20

3.3.1 Caso dos Irmãos Naves...20

3.3.2 Caso Michelle de Oliveira...24

3.3.3 Caso Denise Lafetá Saraiva...26

3.3.4 Caso Eliza Samúdio (Caso Goleiro Bruno)...29

4. ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS...36

5. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS LIMITADORES DO PODER PUNITIVO...46

5.1 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL...46

5.2 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA...48

5.3 PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO...51

5.4 PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DE PROVA ILÍCITA...53

5.5 PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO...55

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...58

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1. INTRODUÇÃO

O homicídio, entre todos os crimes previstos na legislação penal brasileira é o que desperta maior interesse da população, além de gerar grande atenção da imprensa. Provavelmente isso decorre do fato, que o homicídio atinge o bem mais precioso, a vida.

O crime de homicídio por ser um crime material, que deixa vestígios, a lei processual penal exige a realização do exame de corpo de delito para comprovar sua ocorrência, esta é a regra, apesar de permitir exceção, nos casos em que não for possível a realização deste, em virtude do desaparecimento do cadáver, a lei processual penal admite a prova indireta.

Dessa maneira surge questionamentos no sentido de: é possível condenar alguém pelo crime de homicídio, sem o corpo da vítima? E se o desaparecimento do cadáver da vítima não permitisse a condenação, estaria garantindo a impunidade?

Nesse sentido, este trabalho visa analisar a problemática da materialidade nos crimes de homicídio sem cadáver, mediante a análise de doutrinas e jurisprudências, além do estudo dos princípios e provas aplicáveis ao processo penal brasileiro.

O que se pretende no presente estudo é responder a estes questionamentos, sem a pretensão, contudo, de esgotar o tema, visto que possui divergências doutrinas e poucas jurisprudências consolidadas.

Esta monografia foi organizada em quatro capítulos, que buscam demonstrar como ocorre a formação da materialidade, e consequentemente a condenação do acusado, nos delitos de homicídio diante da ausência do cadáver.

Destarte, sabendo que a prova possui importante relevância no processo penal, já que contribui diretamente para a formação do convencimento do magistrado, o primeiro capítulo trata das provas no processo penal, abordando de maneira sucinta o conceito, a importância das provas, os meios de provas e a função fundamental das provas indiretas nos delitos de homicídio, quando há impossibilidade de realização do exame de corpo de delito direto.

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Em segundo momento faz-se algumas ponderações acerca do crime de Homicídio sem cadáver, analisando, a admissibilidade ou inadmissibilidade, de acordo com diversas doutrinas, de condenar alguém pelo crime de homicídio quando não houver a prova material deste crime, qual seja, o cadáver. Assim, trazemos alguns casos de homicídio sem cadáver, que ficaram bastante conhecidos, para demonstrar a importância de a condenação ser fundamentada em provas sólidas e não em meros indícios, além de que, a ausência do cadáver não implica em impossibilidade de condenação.

Após, busca-se demonstrar que a jurisprudência tem admitido a utilização da prova indireta nos julgamentos dos crimes de homicídio sem cadáver, desde as provas sejam lícitas e conduzam no convencimento do juízo quando a autoria e materialidade.

Por fim, o ultimo capitulo ressalta acerca dos princípios constitucionais penais limitadores do poder punitivo do estado, que visam proteger os direitos e a liberdade dos indivíduos.

Para tanto foi utilizado o método de abordagem da pesquisa dedutivo, pois a esta visa analisar como forma-se a materialidade e a possibilidade de condenação nos crimes de homicídio diante da ausência do corpo da vítima, através da pesquisa bibliográfica, com base em livros, artigos, monografias, teses e jurisprudências.

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2. DAS PROVAS NO PROCESSO PENAL

A prova no Direito Processual Penal é o pilar que assegura toda a estrutura de um processo, sem provas válidas e lícitas não há como falar em processo penal justo. Assim, somente através de um arcabouço probatório sólido poderá haver condenação, afinal, o que está em jogo é a liberdade de uma pessoa. Logo, nota-se que a atividade probatória é um momento fundamental no curso do processo, pois destina-se a demonstrar fatos, que influenciam ativamente na decisão judicial.

A palavra provar advém do latim probare, que provém do termo probatio - prova - que significa aprovação, verificação ou confirmação.1 Sendo prova o

conjunto de elementos produzidos pelas partes, juiz e terceiros objetivando comprovar uma alegação, ato ou fato.

Segundo leciona Nucci, há três sentidos para o termo prova:

a) ato de provar: é o processo pelo qual se verifica a exatidão ou a verdade do fato alegado pela parte no processo (ex.: fase probatória); b) meio: trata-se do instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo (ex.: prova testemunhal);

c) resultado da ação de provar: é o produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos, demonstrando a verdade de um fato.2 A prova seria “o meio instrumental de que se valem os sujeitos processuais (autor, juiz e réu) de comprovar os fatos da causa, ou seja, os fatos deduzidos pelas partes como fundamento do exercício dos direitos de ação e de defesa”.3

Conforme Ada Pellegrini Grinover, a prova é fundamental para formação do contraditório, pois a atividade probatória é o principal momento do processo, pois esta relaciona-se com a alegação e a indicação dos fatos, com o objetivo de demonstrar a verdade.4

1 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 13. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2016. p. 234.

2 Idem. Ibidem. p. 234.

3 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 461.

4 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio

Magalhães Gomes. As nulidades no processo penal. 9. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 137.

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Para Eugênio Pacelli, a prova possui um fim definido, que é servir para reconstruir fatos que estão sendo investigados no processo, buscando através desta esclarecer o que aconteceu no passado, para se chegar a verdade dos fatos, tal como ocorreu naquele episódio.5

Prova está intimamente ligada á busca da verdade dos fatos. No decorrer da história, a busca pela verdade, das órdalias6 ao juízo dos deuses, na Idade Média,

serviu como justificativa para diversas barbáries cometidas ao longo do tempo. Atualmente a busca no processo é pela verdade processual, que somente deverá ser alcançada através da atividade probatória, na qual uma condenação só seria possível através de uma fundamentação prevista em lei. Pois, a finalidade o processo não é a condenação, mas a apuração de um crime. Conforme Ferrajoli citado por Aury Lopes7, “a verdade processual não pretende

ser a verdade”, isto é, a verdade processual é impossível de ser alcançada, pois da maneira que ocorreu, somente no presente.

A finalidade da prova, segundo Renato Brasileiro de Lima, “é a formação da convicção do órgão julgador”.8 Isto é, somente mediante produção probatória

solida pode-se obter os fundamentos necessários para decisão judicial, distante de conjecturas e suposições.

A decisão do juiz é baseada na livre convicção motivada, conforme este princípio o juiz aprecia livremente as provas, de forma imparcial e independente. Assim o juiz tem liberdade para formar sua convicção e não está preso a critérios e valores probatórios. Mas como nenhum princípio é absoluto, nas decisões judiciais é necessária sua fundamentação. Ou seja, o juiz decide livremente conforme sua consciência, desde que explique e fundamente conforme os preceitos legais. A partir disso observa-se o princípio da sociabilidade do

5 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 21. Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas,

2017. p. 327.

6 De acordo com Tourinho Filho, conforme citado por Pacelli: Havia a prova da água fria: jogado o

indiciado à água, se submergisse, era inocente, se viesse à tona seria culpado […] A do ferro em brasa: o pretenso culpado, com os pés descalços, teria que passar por uma chapa de ferro em brasa. Se nada lhe acontecesse, seria inocente; se se queimasse, sua culpa seria manifesta. PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 21. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017.

7 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 208. 8 LIMA, Renato Brasileiro de. Manuel de Processo Penal: volume único. 5. ed. rev., ampl. e atual.

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convencimento, pois a convicção do juiz diante das provas e fatos não pode ser diferente de qualquer outra pessoa, desinteressada, que analise estes elementos. Isto é, a decisão do juiz deve ser semelhante ao da maioria das pessoas que, porventura, avalie o conjunto probatório. 9

O crime de homicídio é um crime material, que se consuma com a produção do resultado naturalístico, nesse caso, o resultado morte da vítima. Portanto, como provar a materialidade, nos delitos de homicídio, quando ausente o corpo da vítima e a inviabilidade de realizar o exame de corpo de delito?

Nessas situações, são indispensáveis os meios alternativos de prova para obtenção de elementos probatórios. Considerando a impossibilidade do exame de corpo de delito, o Código de Processo Penal, no artigo 158 traz que, “Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”, ou seja, prevê a viabilidade do corpo de delito indireto, sendo esta a perícia realizada em vestígios da cena do crime. Nesse sentido Aury Lopes Junior leciona que:

Situação bastante complexa, e que eventualmente ocupa os tribunais brasileiros, é a (im) possibilidade de condenação pelo crime de homicídio quando não se encontra o cadáver da vítima (corpo de delito). A ocultação do cadáver (muitas vezes levada a cabo pelo próprio autor do homicídio) impossibilita o exame direto. Contudo, é predominante a jurisprudência brasileira no sentido de admitir o exame de corpo de delito indireto, consubstanciado em prova testemunhal suficiente, aliada em alguns casos, à prova pericial feita em armas ou vestígios de sangue, cabelos, tecidos, etc., encontrados no local do crime ou até mesmo no carro utilizado pelo réu para transportar o corpo.10

No livro “Homicídio sem cadáver”, Eduardo Cabette cita o documentário “Detetives Médicos”, do canal Discovery Chanel, um caso nos Estados Unidos que demonstra a importância do exame indireto do corpo de delito:

Onde um marido matou a própria esposa, a cortou em pedaços, ensacou em sacos plásticos e a conduziu até à beira de um rio. Ali a colocou numa picadeira de feno e, aos poucos, com o jato voltado para o rio, foi se livrando totalmente do cadáver. Com o sumiço da vítima e a desconfiança dos sogros, a polícia passou a investigar e suspeitou do fato de o autor possuir uma máquina picadeira de feno, sendo que não tinha animais ou mesmo propriedade rural. Feito em exame na máquina foi constatada a presença de sangue humano e comprovado tratar-se do

9 NASCIMENTO, José Carlos. As provas produzidas por meios ilícitos e sua admissibilidade

no Processo Penal. Disponível em:

https://jus.com.br/artigos/7180/as-provas-produzidas-por-meios-ilicitos-e-sua-admissibilidade-no-processo-penal. Acesso em: 20 out. 2018.

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sangue da vítima. Pressionado pelas circunstâncias, o infrator confessou o crime e indicou o local onde havia se livrado do corpo. Em uma varredura pormenorizada foi localizada uma unha da mão da vítima; submetida a exames de DNA se comprovou pertencer mesmo a ela.11

Todavia, a formação do corpo de delito por indícios ainda gera muita polêmica. Há aqueles, como Francesco Carrara12 e Adalberto José Aranha13 que

sustentam que somente pode haver condenação do crime de homicídio quando há o cadáver, pois, segundo estes sempre haverá dúvida sobre a morte da vítima, além disso, a lei somente admite a formação do corpo de delito através do exame direto ou indireto.

Observa-se que, na utilização dos indícios como prova da materialidade do crime, não há um padrão, isto é, são aspectos subjetivos que variam de caso a caso, possuindo determinada fragilidade. Contudo, tanto na doutrina quanto na jurisprudência há aceitação da utilização dos indícios como meio de prova, mas estes devem estar em concordância com outras provas colhidas no processo. 14

A busca da verdade processual sofre limitações, principalmente pelo princípio da vedação das provas ilícitas, mesmo sabendo que o acusado cometeu o delito, por meio de provas ilícitas, esta não deve influenciar na decisão do juiz. Pois, segundo os ensinamentos de Luigi Ferrajoli15, se a jurisdição é a atividade

fundamental para obter a prova de que determinado sujeito cometeu um crime, se

11 GOMES, Luiz Flávio e FERNANDES, Danilo. Caso Bruno: Existe homicídio sem cadáver?.

Disponível em: http://homicidiosemcadaver.blogspot.com/. Acesso em 20 out. 2018.

12 Segundo Carrara não se pode confirmar o crime de homicídio, enquanto não se confirmar que

um homem tenha sido morto por obra de outro, isto é, enquanto não se encontra o seu cadáver ou, pelo menos, os restos deste, não se pode falar em homicídio. (CARRARA, Francesco.

Programa del curso de derecho criminal. Tradução de: Octavio Bechée e Alberto Gallegos. 1.

ed. San José: Editorial Jurídica Continental, 2000. E-book. Disponível em: http://iij.ucr.ac.cr/wp-content/uploads/bsk-pdf-manager/2017/06/francesco_carrara-tomo_1.pdf. Acesso em: 20 out. 2018.)

13 Conforme esse autor uma sentença penal condenatória não poderia ser sustentada apenas em

provas. (ARANHA, Adalberto Jose Q. T. de Camargo. Da Prova no Processo Penal. 6ª ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004).

14 MORAES, Juliana Pavan. O indício como meio de prova no crime de homicídio: o caso

Bruno/Eliza Samúdio. Disponível em: https://ivanluismarques2.jusbrasil.com.br/artigos/121815520 /o-indicio-como- meio-de-prova-no-crime-de-homicidio-o-caso-bruno-eliza-samudio. Acesso em: 21 out. 2018.

15 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal/ Luigi Ferrajoli. 3. ed. rev. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p.274. Disponível em: https://deusgarcia.files.wordpress.com/2017/03/luigi-ferrajoli-direito-e-razao-teoria-do-garantismo-penal.pdf. Acesso em: 21 out. 2018.

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esta prova não foi obtida mediante um juízo regular, nenhum delito pode ser tido como cometido, do mesmo modo que nenhum sujeito pode ser considerado culpado nem submetido a pena.

Portanto, o requisito fundamental para ajuizar uma ação penal é a materialidade delitiva, ou no mínimo, indícios, para basear a suspeita da prática da infração penal, que conforme a doutrina minoritária seria uma quarta condição da ação, e caso não seja alcançada, impede o prosseguimento do processo.

A vida é o bem jurídico mais precioso, talvez seja por isso que o crime de homicídio sempre gera grande comoção. Sendo fundamental, para haver condenação, uma análise aprofundada do conjunto probatório, diante da possibilidade de impunidade do agente ou um erro do judiciário. Assim sendo, diante da ausência do corpo da vítima, não há óbices, em concordância com o princípio do livre convencimento, do julgador, com elementos probatórios sólidos, afirmar a ocorrência do crime de homicídio.

Destaca-se, assim, a importância e a necessidade da prova no processo penal, já que através dela chega-se a um juízo de valor, aproximando-se da verdade real, possibilitando a ação penal no crime de homicídio, diante da ausência do corpo da vítima.

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3. DO HOMICÍDIO SEM CADÁVER

Tem-se o seguinte questionamento: é possível alguém ser processado e condenado pelo delito de homicídio sem o qual o corpo da vítima seja localizado? Trate-se inquestionavelmente de uma situação complexa, quando da comprovação da materialidade face a ausência do cadáver, consequentemente a impossibilidade de realização do exame de corpo de delito (no cadáver) e a comprovação de sua autoria. Sendo que, predominante nesses casos, a ocultação do cadáver é realizada pelo próprio autor do delito, para impossibilitar a realização do exame pericial e se livrar de uma condenação.

Se o desaparecimento do corpo da vítima não permitisse a condenação, estar-se-ia atestando a impunidade: bastava a ocultação do cadáver. Mas a condenação sem o cadáver da vítima, pode ocasionar um erro judicial. Para evitar tais situações, deverá o juiz agir com cautela, para formar sua convicção da existência ou não do crime de acordo com as provas que lhe são apresentadas no processo.16

Cézar Bitencourt, leciona que há “três formas de comprovar a materialidade dos crimes que deixam vestígios, quais sejam: exame de corpo de delito direto, exame de corpo de delito indireto e prova testemunhal".17

A existência do corpo é a principal forma de provar a materialidade do crime, contudo o magistrado deverá amparar-se em outros meios de provas, derivadas do exame indireto ou através de testemunhas, quando da impossibilidade de realizar o exame de corpo de delito, para confirmar a existência e autoria do crime.

Destarte, provas como, vestígios no local do crime, impressões digitais, a arma do crime, material genético para exame de DNA, reagentes e luzes podem mostrar manchas de sangue que não são visíveis, interceptações telefônicas, uso

16 TEIXEIRA, Geralda Aparecida. Homicídio sem cadáver: a formação do corpo de delito por

indícios. 2016. Trabalho de conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Rondônia, Rondônia, 2016. Disponível em: http://www.ri.unir.br/jspui/bitstream/123456789/1808/1/monografia%20pronta%203.pdf. Acesso em: 21 out. 2018.

17 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, parte especial 2: dos crimes contra

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de luzes forenses para descobrir cabelo, impressões digitais etc,18 são

fundamentais para alcançar a materialidade do ato criminoso.

Damásio de Jesus, cita José Roberto Martins Segalla, ex-integrante do Ministério Público de São Paulo, que declara:

Há corpos celestes (estrelas) que foram apontados por astrônomos de respeito com sua exata localização e até descrição, sem que tivesse sido possível vê-los, pela inexistência (à época) de telescópios capazes de tanto. Sua existência, afirmavam os cientistas, decorria da lógica com que o universo se apresenta construído. Quando telescópios mais potentes surgiram, ao apontarem para a localização onde supostamente estaria aquele astro, lá estava ele, agora visível, tal qual havia sido predito. Da mesma forma, determinados elementos da chamada tabela periódica, utilizada para descrever elementos químicos, foram apontados, inclusive com massa e peso específico, sem que ainda tivessem sido encontrados ou sintetizados. Era a lógica, mais uma vez, imperando. Muitos só foram confirmados matematicamente (encontrados) anos depois, com o avanço das pesquisas científicas. [...]. Assim, inexistindo no caso referido, pelas provas dos autos, possibilidade de que a vítima estivesse viva, depois de comprovadamente ter estado na companhia de seus algozes, a conclusão absolutamente lógica era a de que estava morta, sem qualquer sombra de dúvida, apesar do não encontro do cadáver.19

No tocante à materialidade do crime de homicídio, há dois posicionamentos doutrinários, a respeito da possibilidade de condenação ou não, face a ausência do corpo da vítima.

Faz-se necessário uma análise doutrinaria acerca da admissibilidade quando não houver cadáver, e consequentemente a ausência do principal meio de prova que é o exame de corpo de delito. E da inadmissibilidade que se justifica exatamente pela ausência do cadáver, que a reafirma com a frase “sem corpo não há crime”.

3.1 ADMISSIBILIDADE

A modernidade criminal e os diversos meios de ocultar vestígios de um cadáver impõe uma nova maneira para investigar o crime de homicídio, diante

18 GOMES, Luiz Flávio. Existe Homicídio sem o corpo da vítima?. Disponível em:

https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2297874/artigo-do-dia-existe-homicidio-sem-o-corpo-da-vitima. Acesso em: 19 nov. 2018.

19 JESUS, Damásio Evangelista de. Crime de homicídio sem cadáver. Disponível em:

http://www.cartaforense. com.br/conteudo/colunas/crime-de-homicidio-sem-cadaver/9981. Acesso em: 22 out. 2018.

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dos riscos de impunidade, seja por uma criminalidade de teor sofisticado, seja por técnicas ou planejamento. Condenar alguém pelo crime de homicídio diante da ausência do cadáver ou qualquer vestígio material que comprove a morte da vítima (por exemplo, encontrar um órgão vital), há o risco do erro judicial.20

Portanto, é indispensável uma ponderação entre os riscos do erro judicial e da impunidade, conforme os princípios penais e as provas produzidas no processo.

Isto posto, para formar seu convencimento, o juiz é livre para apreciar as provas produzidas em contraditório. Portanto, o juiz poderá pronunciar o acusado do delito de homicídio de acordo com as provas apresentadas, ainda que ausente o corpo da vítima e a impossibilidade do exame de corpo de delito direto. Importante salientar, que a decisão de pronúncia versa sobre simples juízo de admissibilidade da acusação, diante das provas de materialidade do delito e indícios de autoria.

Os ensinamentos de Tourinho Filho sobre a ausência do corpo de delito:

Anular um processo porque falta o exame do corpo de delito é um desses absurdos que clamam aos céus. Se não há prova da materialidade do delito, deve o réu ser absolvido. Se a prova do corpus criminis não é pericial, que o examine o Juiz com o critério do livre convencimento. Cingir o julgador ao auto do corpo de delito, como fez o Código, é absurdo sem nome, que não encontra em nenhuma legislação processual da atualidade.21

Destarte, a impossibilidade de realizar o exame de corpo de delito direto, diante da ausência do cadáver, não é suficiente para anular um processo, já que na ausência, pode-se utilizar outros meios de prova, uma vez que não há hierarquia entre as provas. Conforme a Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, “todas as provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo, ou necessariamente maior prestígio que outra”.22 E somente a

ausência de provas para condenação é que poderá anular um processo. Segundo leciona Edilson Bonfim:

20 Comentários a Acórdão do STJ. Disponível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6a

d9dd8b980256b5f003f a814/bfaf1cea93ab75fb8025716200388d89?OpenDocument. Acesso em: 29 out. 2018.

21 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.

259.

22 CAMPOS, Francisco: Exposição de Motivos do Código de Processo Penal. Disponível em:

http://honoris causa.weebly.com/uploads/1/7/4/2/17427811/exmcpp_processo_penal.pdf. Acesso em: 29 out. 2018.

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Buscando o aprendizado da Itália, Irureta Goyena (idealizador e feitor do Código Penal uruguaio de 1933) trouxe para as terras latino-americanas a necessária lição. Aludiu, então, à hipótese de um homicídio cometido nas aguas do Rio Uruguai23 em que havia a certeza moral do crime (via

prova testemunhal) onde, porém, não se localizava o cadáver. Resumiu tal magistério com a possibilidade da prova indireta do delito (via testemunhas oculares, ofertantes da certeza absoluta), porque não haveria de confundir-se – e esta foi a solução comungada por Hungria no Brasil – o corpo de delito como o corpo da vítima.24

A prova testemunhal é um dos meios de provas valido diante da impossibilidade de realização do exame de corpo de delito direto. Contudo, a utilização apenas da prova testemunhal para uma condenação criminal é questionável, visto que, além do fator memória (v.g.: esquecimento, transcurso do tempo), poderá ser contaminado pela mídia. Sendo indispensável cautela quando se tratar de prova testemunhal.

Nessa seara, João Romeiro apud Edilson Bonfim dispõe:

Quanto aos delitos de fatos permanentes, convém notar que, se é certo que se deve empregar o maior cuidado em descobrir os vestígios deixados sobre a pessoa ou coisa sobre que recaiu a ação, não se pode de forma alguma admitir que a ausência de vestígios materiais possa assegurar a impunidade a um acusado, cuja culpabilidade esteja esclarecida por testemunhas diretas.25

A doutrina vem permitindo a possibilidade de condenação do delito de homicídio em que não há o cadáver da vítima, desde que baseado em um conjunto probatório lícito e legítimo, que comprove, sem margem de dúvida, a materialidade e autoria do delito.

Segundo Clemente A. Diaz apud Edilson Bonfim:

La confusión podría residir en transfigurar el corpus delicti em corpus criminis, es decir, en sostener que el corpus del delito de homicidio es el cuerpo de la víctima, y si no existe cuerpo de una víctima no podría existir delito de homicidio. Tal premisa es rebatible en cualquiera de sus extremos, sea porque no existe delito de homicidio a pesar de existir el cuerpo de la víctima (v.g., cuando media una causa de justificación), sea porque existe delito de homicidio a pesar de no existir el cuerpo de la víctima, supuesto este último que preocupaba a los prácticos del proceso penal.26

24 BONFIM, Edilson Mougenot. Júri: do inquérito ao plenário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.

109.

25 Idem. Ibidem. p. 110.

26 BONFIM, Edilson Mougenot. Júri: do inquérito ao plenário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.

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3.2 INADMISSIBILIDADE

Existem aqueles que admitem a possibilidade de se processar e condenar alguém, mesmo com a ausência do cadáver e há aqueles que não admitem uma condenação nesses casos, face a premissa de “sem corpo, não há crime”.

Segundo Nicola Malatesta, o convencimento do magistrado deve ser de absoluta certeza, não podendo haver mais ou menos certeza ou mais ou menos convencimento. Só poderá ocorrer a condenação quando restar provado que realmente ocorreu o crime. 27

Ante a impossibilidade de produção da prova direta, indireta ou testemunhal, a formação da materialidade delitiva ocorrerá através de indícios. Contudo, prova substanciada em indícios e suposições não fornece plena convicção ao magistrado, sendo insuficiente para fundamentar uma condenação, ocasionando uma violação a princípios gerais do processo penal, a segurança jurídica e o princípio do “in dubio pro reo”. Nesse sentido, Francesco Carrara afirma que, é inadmissível a condenação baseada em indícios por ser clara violação ao Estado Democrático de Direito.28

Destaca, ainda, Nicola Malatesta acerca do crime de homicídio ser um delito de fato permanente, ou seja, a essência do fato é condição para materialidade.

Mas num sentido mais restrito e determinado, que é o sentido próprio a ser dado à distinção, são delitos de fato permanente os em cuja essência de fato entra, como condição, uma materialidade permanente, sem a qual o delito especificamente não subsiste: tais delitos são sempre de fato permanente. São delitos que não se compreendem sem um dado evento material permanente, distinto da ação humana: a conduta criminosa, passageira por sua natureza, desaparece, fica o evento exterior. Está nesta materialidade exterior, que não desaparece com a ação, a permanência do delito: fica o cadáver, como permanência do homicídio; fica a casa queimada, como permanência do incêndio; fica a nota falsa, como permanência da falsificação.

27 MALATESTA, Nicola Framarino dei. A lógica das provas em matéria criminal. Tradução de J.

Alves de Sá. Ed.2. Lisboa: A. M. Teixeira & C.ª, 1927. p. 52-53. E-book. Disponível em: http://www.ibccrim.org.br/DPE2014/ docs/flavio/malatesta.pdf. Acesso em: 30 out. 2018.

28 BESSA, Iandra Rocha de Figueirêdo. Da (im)possibilidade de condenação pelo crime de

homicídio com base na prova indireta: Homicídio Sem Cadáver. 2010. Trabalho de Conclusão

de curso (Graduação em Direito) - Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010. Disponível em: https://slidex.tips/download/pro-reitoria-de-graduaao-curso-de-direito-trabalho-de-conclusao-de-curso-25. Acesso em: 30 out. 2018.

(19)

Apesar do Código de Processo Penal admitir a prova indireta ou a prova testemunhal ante impossibilidade da produção da prova direta, provas baseadas em presunções ou o uso indiscriminado destas, pode acarretar erros no judiciário. Luiz Alberto Ferracini Pereira apud Iandra Bessa, cita alguns casos nesse sentido:

No Segundo Império, o comerciante Mota Coqueiro, foi acusado de ter assassinado um viajante que dormira em seu armazém e que depois desaparecera. Sem a prova da materialidade do fato criminoso, Mota Coqueiro foi condenado à pena de morte, sendo enforcado. Tempos depois, a vítima reapareceu, dizendo que dormira no estabelecimento comercial e partira de madrugada, indo para longe. O Imperador D. Pedro II, que mantivera a pena e autorizara a execução quebrou a caneta, não mais permitindo que outro enforcamento se realizasse no Brasil. Foi a abolição da pena de morte em nosso país.29

Para esses doutrinadores é impossível uma condenação por homicídio ante a ausência do cadáver, e somente através do corpo de delito direto é possível alcançar a verdade real.

Há também doutrinadores que entendem, que na dúvida quanto a ocorrência do crime ou a autoria delitiva, o magistrado não deverá pronunciar o indivíduo, pois para haver pronuncia e submeter alguém a Júri, deverá ter provas contundentes sobre o fato, como o Código de Processo Penal traz no o art. 413 “existência de indícios suficientes de autoria ou de participação”. Conforme o art. 239 também do Código de Processo Penal, indício é a “circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”, ou seja, para pronuncia deverá haver indícios suficientes e não meros indícios subjetivos, pois não existe pessoas mais ou menos culpadas, ou é ou não é.

Nesse sentido, Evandro Lins e Silva, ex ministro do STF, afirma:

A nossa modesta opinião sempre foi, mesmo na vigência das Constituições anteriores à de 1988, a de que a dúvida sobre a autoria, a co-autoria e a participação no delito, jamais pode levar alguém ao cárcere ou à ameaça da condenação por um Júri de leigos, naturalmente influenciável por pressões da opinião pública e trazendo o aval de sentenças de pronúncia rotineiras. O juiz lava a mão como Pilatos e entrega o acusado (que ele não condenaria) aos azares de um julgamento no Júri, que não deveria ocorrer, pela razão muito simples de que o Tribunal de Jurados só tem competência para julgar os crimes

29 PEREIRA, Luiz Alberto Ferracini. Da prova penal e sua interpretação jurisprudencial. 1. ed.

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contra a vida quando este existe, há prova de autoria ou participação do réu e não está demonstrada nenhuma excludente ou justificativa. 30 Segundo esse entendimento, quando persistir a dúvida acerca da autoria e materialidade, nestes casos, segundo o art. 414 do Código de Processo Penal31,

que trata da impronúncia, de acordo com as palavras “não se convencendo”, conforme o início do artigo, significa que “tendo dúvidas”, o magistrado deverá proferir uma decisão de impronúncia.

3.3 ESTUDO DE CASOS

São inúmeros os casos de homicídio sem cadáver, dentre muitos, proceder-se-á a análise de quatro casos da literatura forense.

3.3.1 Caso dos Irmãos Naves 32

Sem dúvida, o caso dos Irmãos Naves entrou para história do direito brasileiro como um dos mais famosos casos de injustiça e erro do judiciário.

O caso aconteceu em Araguari/MG, Benedito Pereira Caetano, era primo e sócio dos irmãos Sebastião Naves e Joaquim Naves que trabalhavam com plantação e comercialização de cereais. Com a prosperidade do trabalho, visando obter mais lucros, Benedito tomou dinheiro emprestado com a família para comprar sacas de arroz e vender, quando os preços estivessem em alta. Contudo, a mercadoria desvalorizou e, com receio de ter mais prejuízo, Benedito vendeu a safra por noventa contos de réis.

Isto posto, Alamy Filho advogados dos irmãos Naves, conta que:

Agora estava ali, com o cheque na mão. Cento e trinta e seis contos de réis, reduzidos a noventa contos. Tinha tomado só em casa mais do que isto. Tinha comprado o arroz a prazo. Mais do que isto, porque a safra tinha sido enorme e os lavradores estavam esperançados, eufóricos, na

30 LINS E SILVA, Evandro. “Sentença de Pronuncia” Boletim do IBCCrim, v.8. n. 100. Mar.

2001. Disponível em: http://www.aidpbrasil.org.br/artigos/sentenca-de-pronuncia. Acesso em: 22 nov. 2018.

31 Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes

de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado.

32 ALAMY, João. O caso dos irmãos Naves: um erro judiciário. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey,

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perspectiva de bons preços. Os credores de Benedito foram bons, correram o risco. Somou tudo; não dava.33

Benedito estava hospedado na casa de Joaquim, quando no dia 29 de novembro de 1937, Benedito desapareceu. Os irmãos Naves preocupados com o sumiço deste, vão até a delegacia e informam ao delegado civil Ismael Benedito do Nascimento sobre o desaparecimento. Foram realizadas buscas e oitiva de testemunhas, mas Benedito não foi localizado. Com a pressão popular para solucionar o crime, é convocado para a condução das investigações um militar, Francisco Vieira dos Santos. Este manda intimar novas testemunhas, dentre estas, José Teodoro de Lima, que relatou ter visto Benedito na cidade de Uberlândia e que trabalharam juntos. No entanto, ele foi preso e torturado para desmentir o que havia dito e sob ameaças, afirmou que Joaquim tinha pedido para falar aquilo.

Com essa acusação, o delegado mandou prender os irmãos Sebastião e Joaquim, posteriormente a mãe deles, Ana Rosa. Os irmãos foram presos no porão da delegacia, sem roupa, sem alimento ou água, sendo torturados e continuavam afirmando ser inocentes.34

Antes de separá-los, de amarrá-los longe, invisível um do outro. Vocês vão morrer agora. Vamos matá-los. Não tem mesmo remédio. Não contam. Não confessam. Morrem. Morrerão. Separa-os. É a vez do Bastião. Tiro perto dos ouvidos, por trás. Gritos. Encenação. Ele resiste. Largam-no. Voltam para Joaquim: Matamos seu irmão. Agora é sua vez. Joaquim era mais fraco. [...]. Confessa, bandido! Confessa! Confessa! Confessa! Não quer mesmo? Então, vamos acabar com essa droga. Poder atirar. Atenção: Preparar! Fogo! Tiros. Joaquim sente o sangue correr perna abaixo. Não sabe onde o ferimento. Pensa que vai morrer. O delegado: Andem com isso, cabem com ele. Por piedade, seu tenente! Não me mate! Eu faço o que o senhor quiser! Pode escrever. Assino tudo, não me mata! 35

Após o Delegado simular a morte do seu irmão, Joaquim confessa. Assim, o Ministério Público denuncia os irmãos Naves, pela pratica do crime que era previsto no artigo 359, combinado com o artigo 18, §1º, da Consolidação das Leis Penais. Sendo requerida e decretada a prisão preventiva dos irmãos.

33 Idem. Ibidem. p. 12-13.

34 OLIVEIRA, Eliene Rodrigues de. O erro judiciário de Araguari na literatura. Revista Crioula:

2012. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/crioula/article/view/55535. Acesso em: 30 out. 2018.

35 ALAMY, João. O caso dos irmãos Naves: um erro judiciário. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey,

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Em 25 de junho de 1938 ocorreu o primeiro júri e os irmãos Naves foram absolvidos por seis votos a um. Todavia, a acusação recorreu com o fundamento de não unanimidade do júri e o julgamento foi anulado. No dia 21 de março de 1939, acontece outro julgamento no Tribunal do Júri e eles são novamente absolvidos. Assim, o Ministério Público apela novamente da decisão, e naquela época não existia a soberania do júri, sendo a apelação acolhida. Em 4 de julho de 1939, os irmãos Naves são novamente julgados, desta vez pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais e são condenados a vinte e cinco anos e seis meses de reclusão. Com pedido do advogado de revisão criminal36, a pena foi atenuada a

dezesseis anos e seis meses de prisão.

Após oito anos presos, os irmãos Naves ganharam a liberdade condicional. Joaquim debilitado com uma doença, falece em 1948. Sebastião, contudo, continua à procura do primo. Quando em 24 de julho de 1952, Benedito, foi encontrado e preso na fazenda dos seus pais em Nova Ponte.

Benedito Pereira Caetano, a suposta vítima, não podendo conter por mais tempo o desejo de rever seus familiares, retorna sub-repticiamente ao lar paterno, dissimulando o seu aspecto físico pelo crescimento de longa barba e de bigode, anteriormente não usados por ele, em traje diverso do seu habitual. No dia 24 de julho de 1952, nesse retorno, encontra acidentalmente, num cruzamento rodoviário, com um seu antigo colega de escola primária, que o reconhece e o procura. Ele, todavia, esquiva-se, dizendo àquele de seu engano confundindo-o com outrem. Furta-se ao reconhecimento e apressa, prevenido, seu regresso à fazenda dos pais. Não se deu enganado o colega, que era também um membro da família Naves, primo dos injustiçados. Imediatamente telegrafou a Sebastião Naves, em Araguari, comunicando-lhe o encontro e afirmando que Benedito estava na fazenda de seus pais. De posse do telegrama, Sebastião, ajudado pelo repórter local do Diário de Minas, Felício De Lucia Neto, solicita à polícia uma escolta, para prevenir reação, e parte em busca do “morto”.37

Em 1953, Sebastião e Joaquim foram absolvidos, através de sentença judicial38 que declarou a inexistência do crime e condenou o Estado a

indenizá-los39.

36 14 de agosto de 1940.

37 ALAMY, João. O caso dos irmãos Naves: um erro judiciário. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey,

1993, reimpressão, 2000. p. 344-345.

38 Sentença: Sob o número 1632, distribuída a revisão a insigne juiz, Dês. José Maria Burnier

Pessoa de Mello, para relatá-la, culminou com a anulação do processo criminal contra os irmãos Naves, por acórdão unânime dos ilustres desembargadores de Minas Gerais, em Câmaras Criminais Reunidas, em 14 de outubro de 1953. Decisão memorável, em que o “próprio tribunal, reformando-se a si mesmo, ensina e prega, pela técnica e pelo exemplo, a juventude do Direito e a eterna realeza da Justiça‟, no dizer do eminente relator, em seu voto imortal. Essa histórica

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Observa-se que este caso ocorreu antes da Constituição Federal de 1988 e do Código de Processo Penal, e durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, contudo ao falar de homicídio sem cadáver, é impossível não citar o caso dos irmãos Naves. Neste caso, observa-se a fragilidade da materialidade, formada somente através de presunções, sem exames de corpo de delito direto ou indireto ou a produção de outras provas. E fundamentando a condenação apenas na confissão do réu, que sofreu torturas físicas e psicológicas. À luz da CF/88, torturas, violências e humilhações afrontam o princípio da dignidade da pessoa humana e da integridade física.

Sem prova material da existência de crime, que só poderia formar-se na realização do corpo de delito, em que se fizesse o auto sobre o cadáver; ou indiretamente pelo exame e verificação do cadáver por terceiros, sem a apreensão do dinheiro supostamente roubado, ou prova de que o dinheiro havia sido retirado de Benedito como base para a constatação da existência do crime. As provas jamais poderiam ter sido obtidas mediante violência e arbitrariedade. Diante do exposto, pode-se concluir que os fatos não foram constatados. Mesmo assim foram julgados em ordem os autos e remetido ao juiz substituto para a pronúncia ou impronúncia dos acusados [...]. Embora gritante a nulidade e afronta da lei processual a sua inexistência foi desconsiderada pelos juízes. 40 Na época dos fatos, os direitos fundamentais que conhecemos hoje, não estavam previstos legalmente, contudo, o princípio da presunção de inocência já se fazia presente na Constituição de 193741, no entanto, este princípio foi

decisão, pela sua elevação moral e estupenda coragem cívica, pela primeira e quiçá única vez no Brasil, reconheceu e determinou fosse aplicada a norma do artigo 630, do Código de Processo Penal, em face do pedido formulado por nós na revisão, para que se reconhecesse aos injustiçados direito a uma justa indenização a ser paga pelo Estado. O voto, minucioso e brilhante, proferido pelo Juiz Burnier, foi unanimente subscrito pelos seus pares. Dele, o teor que segue. [...] E o Estado pagará aos réus, injustamente condenados, uma justa indenização pelos prejuízos sofridos. A injustiça da condenação ressaltada pela ressurreição do “morto” imaginário, decorreu, na espécie, principalmente, de não haver o acórdão condenatório se estribado em corpo de delito qualquer, direto ou indireto, para reconhecer o verdadeiro assassínio de Benedito com o escopo de furto. E também de se haver como livre uma confissão manifestamente extorquida pela violência policial, confissão que, assim, impede a imunização do Estado. ALAMY, João. O caso

dos irmãos Naves: um erro judiciário. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, reimpressão, 2000.

P. 353-354.

39 Contudo houve vários recursos e, só em 08 de janeiro de 1960, que o Supremo Tribunal Federal

julgou ser o Estado de Minas o responsável pela indenização. (Acórdão – fls. 568: 8-1-1960 – Maria Orminda – Tribunal Pleno – RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 42-723 - Minas Gerais)

40 ALAMY, João. O caso dos irmãos Naves: um erro judiciário. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey,

1993, reimpressão, 2000. p. 182.

41 Art. 122: A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no paiz o direito à

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ignorado em todo o processo.42 O resultado da não observância dos princípios

fundamentais, também nos dias atuais, pode ocasionar um processo ilícito e propenso a injustiças e erros.

Da análise do caso, nota-se que, apesar de terem sido absolvidos por duas vezes pelo Tribunal do Júri, estas decisões foram recorridas e, no final, foram condenados pelo Tribunal de Justiça do Estado. Atualmente, isto seria impossível, visto a soberania dos veredictos dos Tribunais do Júri, garantido constitucionalmente.43

Pode-se observar que a opinião pública foi um fator que influenciou na condenação dos irmãos Naves. Isto porque o sensacionalismo da imprensa em torno do caso, fez com que os irmãos fossem considerados culpados por toda sociedade, antes mesmo do julgamento.

3.3.2 Caso Michelle de Oliveira 44

Michele de Oliveira, 16 anos, foi vista pela última vez no dia 10 de julho de 1988, entrando no veículo GM/ômega, de cor escura, acompanhado de um homem bem vestido e de cabelo grisalho.

Conforme a investigação, a vítima matinha um relacionamento amoroso com o policial José Pedro, 39 anos, casado. Da relação com a vítima resultou uma gravidez e para evitar um futuro pedido de pensão alimentícia e problemas conjugais com sua esposa, o policial teria matado Michele e ocultado o cadáver.

O Ministério Público ofereceu denúncia contra o réu acima identificado, dando-o como incurso nas penas de um crime de homicídio consumado e duplamente qualificado pela torpeza e pela dissimulação, além do

flagrante delicto, a prisão não poderá effectuar-se senão depois de pronuncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei e mediante ordem escripta da autoridade competente. Ninguém

poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, senão pela autoridade competente, em

virtude de lei e na forma por ela regulada; a instrucção criminal será contraditória, asseguradas antes e depois da formação da culpa as necessárias garantias de defesa.

42 SANTOS, Júlia Lisboa Ramos dos. A ruptura com os direitos humanos no caso dos irmãos

naves. Disponível em: https://www.webartigos.com

/artigos/a-ruptura-com-os-direitos-humanos-no-caso-dos-irmaos-naves/156318. Acesso em: 30 out. 2018.

43 Constituição Federal/88: Art. 5º, XXXVIII, alínea C: “é reconhecida a instituição do júri, com a

organização que lhe der a lei, assegurados: c) a soberania dos veredictos”.

44 Homicídio sem corpo: O caso Michele. Disponível em: http://georgeleite.blogspot.com/2009/08

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crime de ocultação de cadáver (art.121, § 2°, incisos I e IV, e art.211, ambos do CP), por haver, mediante dissimulação, convencido a vítima em epígrafe a acompanhá-lo ao interior do seu veículo, “a lugar ainda não determinado, onde ceifou-lhe a vida”. Segundo a peça acusatória, a motivação do crime foi torpe, consistente na “insensibilidade moral do denunciado, que eliminou a existência da vítima para evitar futuro pedido de pensão alimentícia e problemas em seu casamento, uma vez que a vítima alegava que estava grávida e reivindicava que assumisse o relacionamento adulterino que mantinham”.45

A denúncia foi recebida no dia 26 de abril de 1999, dando início ao processo. Quando interrogado o réu negou o envolvimento com a menor e a autoria do delito.

Contudo, são vastos os indícios de autoria, como o fato da vítima ter sido vista, por testemunhas, pela última vez, entrando em um veículo idêntico ao do policial. Além disso, o réu afirmou que esteve, neste dia e hora, em outro lugar na companhia do seu ex-sócio Alfredo Oliveira Filho que, ao testemunhar, não sustentou a versão, informando que José havia lhe pedido para mentir. Foram ouvidas mais de 15 testemunhas, dentre amigas da vítima que confirmaram que a estudante tinha um relacionamento com o policial e que ela estaria gravida deste.

Que a declarante era prima da vítima e soube através dela que a vítima mantinha relacionamento amoroso com o réu; que a vítima relatou que mantinha relação sexual com o réu e que costumava ir cerca de duas vezes por mês a alguns motéis [...] que cerca de um mês antes do fato, a vítima ligou para a declarante e contou-lhe que estava grávida; que ela havia comprado um kit de farmácia através do qual constatou a gravidez; que a vítima estava nervosa e com medo da reação do réu e de seus familiares que nada sabiam a respeito da gravidez.. 46

Ratifica esses testemunhos, uma lista de ligações realizadas do telefone do acusado para vítima, com horários que coincidiam com os registros da entrada do veículo do acusado em motéis. Ou seja, são vastas as provas acerca da autoria delitiva.

Para confirmar a materialidade, face ao desaparecimento do corpo da vítima, foram localizadas manchas de sangue e fios de cabelo no porta-malas do veículo do policial; realizado o exame de DNA esse deu positivo, como sendo de Michele.

45 Caso Michele. Disponível em:

http://direitoturmaauniceub.blogspot.com/2007/09/caso-michele.html. Acesso em: 31 out. 2018.

46 Caso Michele. Disponível em:

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No fragmento de carpete, contendo impregnação de substância pardo-avermelhada, recortado da parte inferior do porta-malas foi detectada mistura de DNA, proveniente de no mínimo duas pessoas. Através da análise da mistura é possível afirmar que o perfil genético de um dos contribuidores para a produção da amostra é compatível com o de um filho biológico de Aparecida Aprijo de Oliveira Barbosa e de Givaldo de Lima Barbosa [...]. Considerando o objetivo pericial proposto, as signatárias concluem que a análise dos alelos identificados na amostra de carpete recolhida do veículo GM/Ômega, placa JEF 4049-DF, determina que a referida amostra não pode ter sido produzida pela deposição de material biológico da pessoa de Cristiano de Oliveira Barbosa (irmão de Michele).47

Mesmo ausente o cadáver da vítima, o acusado foi pronunciado por homicídio qualificado e ocultação de cadáver e dessa forma foi a júri. No dia 11 de setembro de 2003, por seis votos a um, José Pedro é considerado culpado pelo homicídio de Michele, e é condenado a quinze anos de prisão, em regime fechado. E mais dois anos em regime semiaberto por ocultação de cadáver.

Este foi o primeiro caso de homicídio que foi a Júri, fundamentado no exame de DNA como prova da materialidade do delito, ante ausência do cadáver. Além do exame de DNA, houve a produção de diversos tipos de prova para esclarecer a autoria do delito, como os laudos periciais, os depoimentos das testemunhas, reconstituições, foram indispensáveis para formar a convicção do juiz da existência do delito. Ou seja, observamos que a condenação do acusado foi fundamentada com diversas provas e o processo conduzido conforme as leis e os princípios penais.

3.3.3 Caso Denise Lafetá Saraiva 48

Denise Lafetá desapareceu em Minas Gerais, conforme as investigações o seu companheiro Daci Antonio Porte, a teria matado e ocultado o cadáver. Segundo a acusação, o que motivou o delito seria a vontade do acusado de voltar para sua esposa, da qual ainda não havia se divorciado.

47 Caso Michele. Disponível em:

http://direitoturmaauniceub.blogspot.com/2007/09/caso-michele.html. Acesso em: 31 out. 2018.

48 SCHAPPO, Alexandre. Análise da obra homicídio sem cadáver: O caso Denise Lafetá.

Disponível em: https:/ /www.boletimjuridico.com.br/doutrina/artigo/2613/analise-obra-homicidio-sem-cadaver-caso-denise-lafeta. Acesso em: 1 nov.2018.

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O Ministério Público ofereceu denúncia por homicídio, qualificado por motivo fútil e ocultação de cadáver, baseando-se apenas em indícios subjetivos de autoria e materialidade.

Os indícios apontados pela acusação são de que Denise tinha uma filha de seis meses e que, segundo os familiares, ela nunca a abandonaria. Ocorre ainda, que o acusado não comunicou às autoridades o sumiço de Denise, conforme a versão contada por ele dos últimos momentos com a vítima, afirma que eles tinham rompido e teria deixado Denise na rodoviária, contudo, as roupas e objetos pessoas não foram levados. Além de que, quando questionado pelos familiares sobre Denise dava informações contraditórias.

Segundo a acusação afirmou, que para não ser incomodado por cobranças, o acusado foi até Belo Horizonte quitar as dívidas de uma linha telefônica de Denise. Além de ter contratado uma babá antes da vítima desaparecer, o que, conforme a acusação, demonstra a premeditação do crime. E que segundo testemunhas, ele sempre chorava quando ia buscar a filha, o quê para polícia demonstrava um sinal de remorso.

Por fim, o indicio mais surpreendente é que as autoridades policias descreveram o acusado como sendo “frio, cínico e calculista”, e essa descrição foi utilizada para traçar o seu perfil psicológico, sendo que estes não possuem nenhum conhecimento técnico para tal.

Para o Promotor, esses indícios eram suficientes para comprovar a materialidade e autoria do delito, tendo oferecido a denúncia, que no primeiro momento não foi aceita por ausência do cadáver. A promotoria recorreu ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, afirmando que:

[...] não julgar o autor pela falta de cadáver, seria justamente premiar o acusado pela perfeita execução do crime, criando assim um ambiente de insegurança jurídica, pois, outros poderiam utilizar este exemplo e buscar na perfeita execução de um crime o modo de fugir da sanção punitiva do Estado. A tese ainda buscava o in dubio pro societate, afirmando que em um caso como esse, não poderia um Juiz monocrático decidir pelo não recebimento da denúncia simplesmente pela falta de materialidade do fato, existindo tantos indícios para que o processo buscasse a produção de provas contra o acusado. Por fim, a tese de que seria justo e de direito deixar que o juiz natural e constitucional dos

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crimes dolosos, qual o corpo de jurados, seria o modo mais correto de aplicar a justiça e garantir a segurança jurídica.49

Assim, fundamentado nas teses apresentadas pela promotoria, o recurso foi provido pelo Tribunal de Justiça. Desse modo, o acusado foi pronunciado e condenado pelo Tribunal do Júri, por cinco votos contra dois, a treze anos de reclusão pelo crime de homicídio e ocultação de cadáver.

O advogado do réu recorreu e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve a decisão do júri:

No seu aspecto fático, a questão é realmente complexa. Isso ocorre sempre que o corpo da vítima desaparece sem deixar vestígios. Fica sempre a dúvida: será que a vítima realmente morreu? Será que ela foi assassinada e o cadáver destruído ou oculto? Será que a vítima apenas escafedeu-se sem deixar e sem dar notícias? E se algum dia ela aparecer viva?! […]. Como é de costume, nesses casos a defesa sempre se aferra ao famoso caso dos irmãos Naves, de Araguari, o mais famoso erro judiciário do país. É um risco que todos nós, que lidamos com a área do direito, somos obrigados a correr. Toda atividade humana é falível como o próprio homem. Na aplicação da lei não é diferente, mesmo porque não há nunca Justiça humana absoluta, em face da notória e incontornável falibilidade do homem – quia humanum errare est. No caso concreto, entretanto, a única maneira possível de se constatar um possível erro judiciário seria o aparecimento da vítima, viva. Afora tal caso, há de prevalecer a decisão do Tribunal Popular [...]. De qualquer sorte, no caso concreto, não há como cassar a decisão do júri. Ela não é manifestamente contrária à prova dos autos, pois se alicerça na maioria lógica do conjunto probatório. (TJMG, Ap. 116.258-5, Uberlândia, 1.ª C., rel. Gudesteu Biber, 26.05.1998, v.u., citação feita em Homicídio sem cadáver, p. 109-112).50

Da análise deste caso, observa-se que os indícios utilizados para sustentar a condenação foram baseados, majoritariamente, em indícios subjetivos e frágeis, desprezando o princípio do in dubio pro reo, que na dúvida acerca da autoria, materialidade e na ausência de provas consistentes, que levará ao magistrado a não pronunciar. Nucci ao ponderar sobre este caso, afirma:

Segundo nos parece, jamais a materialidade do crime de homicídio poderia ter sido formada com a união de vários indícios, todos frágeis, sem qualquer formação indutiva da existência de tão grave delito. Para a substituição do exame de corpo de delito, imposto por lei, necessitar-se-ia da prova testemunhal, que é meio de prova direto, como determina a

49 SCHAPPO, Alexandre. Análise da obra homicídio sem cadáver: O caso Denise Lafetá.

Disponível em: https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/artigo/2613/analise-obra-homicidio-sem-cadaver-caso-denise-lafeta. Acesso em: 1 nov.2018.

50 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 13. ed. Rio de

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lei. Não nos parece tenham sido obtidos, no caso narrado pelo autor, depoimentos consistentes comprovando a ocorrência da morte da vítima. Por isso, cremos (sem a pretensão de analisar o caso concreto da Comarca de Uberlândia, utilizado apenas como referência ilustrativa) que a prova indiciária (meio de prova indireto) é, de todas, a mais frágil para a composição da materialidade do delito [...]. Afora essa possibilidade, outras provas carecem de consistência para a formação da materialidade, gerando dúvida intransponível, merecedora de gerar a absolvição de qualquer acusado, em homenagem ao mais forte dos princípios processuais penais: in dubio pro reo.51

Assim, observa-se que diferentemente do caso anterior, este caso não possui um acervo probatório consistente, que não permite formar uma convicção, ao juiz quando pronunciar e aos jurados durante o Júri. Isto é, apenas indícios, suposições e provas frágeis não podem servir como fundamento para uma condenação. Neste caso o exame de corpo de delito seria essencial para esclarecer peculiaridades do crime, isso se ocorreu um crime.

O que não difere dos casos anteriores é o papel da imprensa, que mais uma vez atuou como juiz, sentenciando o acusado antes mesmo da sentença penal condenatória, ao divulgar o caso intensivamente, e criando um senso comum e apelo da sociedade acerca do caso, influenciando indiretamente na decisão do judiciário.

3.3.4 Caso Eliza Samudio (Caso Goleiro Bruno) 52

Este crime teve bastante repercussão na imprensa, e ficou popularmente conhecido como caso Eliza Samudio ou caso goleiro Bruno, isto porque um dos principais acusados pelo delito, Bruno Fernandes das Dores de Souza, era goleiro do Flamengo.

Eliza conheceu Bruno em maio de 2009, numa festa de jogadores no Rio de Janeiro. Neste dia Eliza teria engravidado do goleiro Bruno, que na época era casado. Ao saber da gravidez, Bruno propôs a Eliza que abortasse e em troca lhe daria dinheiro. Acordo que não foi aceito por Eliza.

Em julho Eliza e Bruno voltaram a se encontrar, quando iniciaram as ameaças de morte por parte de Bruno. Em agosto, Eliza procurou jornalistas e informou que estava grávida do goleiro e em seguida acionou a justiça com uma

51 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 13. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2016. p. 305.

52Denuncia: Goleiro Bruno. Disponível em: https://www.ebah.com.br/content/ABAAABChcAF/

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ação de reconhecimento de paternidade. As ameaças seguiram pelos meses de setembro e outubro, quando no dia 13 de outubro de 2009, no Rio de Janeiro, Eliza recebeu uma ligação de Bruno ás 2:00hr, convidando-a para uma conversa no carro. Ao entrar no veículo a vítima foi surpreendida com uma pistola apontada para sua cabeça e dois tapas no rosto. Em seguida, Luiz Henrique, vulgo Macarrão, e outro individuo entraram no automóvel, e mantiveram a vítima sequestrada dentro do veículo em movimento. Eliza foi ameaçada de morte na ocasião, inclusive foi obrigada a ingerir comprimidos e um liquido desconhecido. Ficou desacordada por 12 (doze) horas, ao despertar foi a Delegacia e registrou ocorrência contra Bruno, bem como divulgou o ocorrido a imprensa. Com medo das ameaças e temendo por sua vida, Eliza foi para São Paulo.

Em São Paulo, fevereiro de 2010, nasceu o filho de Eliza com Bruno. A vítima continuou tendo contato com Bruno e seu advogado, com objetivo de realizar o exame de DNA, o reconhecimento da paternidade e a pensão alimentícia. Em razão disso, em junho de 2010, Bruno atraiu Eliza ao Rio de Janeiro, pagando todas as despesas, afirmando que iria realizar o exame de DNA. Quando se encontrava no Rio, no dia 04 de junho, a vítima e seu filho foram sequestrados por Luiz Henrique (Macarrão) e Jorge Luiz Lisboa Rosa, a mando de Bruno, no veículo deste. Jorge estava armado e escondido no porta malas, surpreendeu a vítima, que entrou em luta corporal, vindo a ser agredida e a sangrar, sangue este, que posteriormente, será detectado na perícia. Estes levaram Eliza e a criança até a cidade de Contagem/MG, para sítio de Bruno, onde foi mantida em cativeiro. Durante o período em que a vítima e seu filho foram mantidos no sítio, o goleiro Bruno, Fernanda Gomes a atual namorada de Bruno, Luiz henrique (Macarrão), Dayanne ex-mulher de Bruno, Sérgio (Camelo), Elenilson Vítor, Wemerson (Coxinha) e Flávio Caetano revezaram-se na função de vigiar a vítima.

O último contato feito por Elisa foi com uma amiga no dia 09 de junho de 2010, informando que estava em Minas com Bruno e este havia saído com a criança para apresentar à família.

Conforme investigação, a vítima foi assassinada no dia 10 de junho de 2010, quando Luiz Henrique (Macarrão) e Jorge a levaram ao encontro de Marcos Aparecido dos Santos, vulgo Bola, em Vespasiano, Minas Gerais.

Referências

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