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O AMIGO PROFESSOR ALBERTO DEODATO

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Academic year: 2021

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O Amigo Professor Alberto Deodato

W IL SO N MELO D A SIL V A

C atedrático de D ireito C ivil da F aculdade de D ireito da UFMG

Mais que ju sta s as hom enagens que agora se tributam ao P rofessor A lberto Deodato M aia B arreto.

Amigo de seus amigos e sabendo, como ninguém, fazer de cada um de seus alunos, antes do aluno, o amigo, o Prof. Deodato, v a sta cabeleira desalinhada, lenço branco a sobres-sa ir do bolso superior do paletó (assim o conhecemos), era um a pessoa de ra ra s qualidades e de esfusiante sim patia.

O rador emérito, escritor de prim eira plana e professor dos m ais categorizados, sabia cativar, desde logo, a amizade e a adm iração de todos os que dele se aproxim avam .

Dialogava com seus alunos ò bom diálogo, o diálogo da amizade, da compreensão e do estímulo, o diálogo de quem sabia fa la r e entender a linguagem dos moços.

E sfusiante, sincero, leal, a todos procurava agradar, não sob o império de ambições m esquinhas ou de contra-partidas, m as o diálogo da sinceridade, da amizade sem lim ites e, sobre-tudo, da com preensão.

O P rofessor Deodato sabia, como ninguém, compreender os moços.

Jam ais teve p ara com ninguém um a palavra áspera e o seu clássico “olá bichão!”, desarm ava qualquer má vontade, fazendo desaparecer, como por encanto, a m ágoa do amigo, a queixa do aluno, a desconfiança do cabo eleitoral.

Seu coração era de m agnitude transcendente.

Fazia apenas o bem, jam ais me constando que, podendo am p ara r alguém, o deixasse de fazer, ainda que a custo de sa crifício s.

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498 R E V IST A D A F A C U L D A D E D E D IREITO

Suas aulas eram prim orosas. P rim orosas pela eloqüência e, sobretudo, pela vontade ingente que tin h a ele em que todos seus alunos, idealisticam ente, como ele próprio, acreditassem na fratenidade internacional, na paz do mundo e na felicidade dos povos.

Sincero e brincalhão, jam ais deixou de estender a mão ao próxim o. Q uanta vez eu próprio presenciei a discreção com que punha em mãos que solicitavam ajuda, o óbulo generoso, valendo muito m ais do que economicamente representava, pelo que traduzia de calor hum ano, de solidariedade, de desinte-ressado desejo de ser apenas bom.

A todos ajudava, como na p alavra do Evangelho, sem olhar a quem.

Brincalhão, tin h a na fluência de sua palavra colorida e brilhante, no seu sorriso franco, o segredo com que desar-m ava rancores, desar-m ágoas alheias, transfordesar-m ando, desar-m u ita vez, edesar-m raios de sol, a am arga tristeza dos que dele se aproxim avam .

Não tin h a inim igos. A todos dispensava tra to ameno. Dotado de palavra fácil e colorida, de um a linguagem que alcançava, por vezes, o íntim o dos m ais cerrados corações, o Professor Deodato, era, por excelência um ser hum ano de ra ra s e nobilitantes qualidades.

Amigo de seus alunos, e ra comum que, de ordinário, em torno dele se agrupassem os moços, na Escola, nas ruas, nas livrarias, às p o rtas das lojas com erciais.

P a ra todos tin h a sem pre um a p alavra de estím ulo e quem lhe solicitasse um favor, jam ais se re tira v a desiludido ou desencantado.

Se o favor era m aterialm ente impossível de ser outorgado, valiam por ele, ou m ais que ele talvez, a palavra de encora-jam ento, la stread a pela sim patia, quase m ística, do velho pro-fessor e amigo A lberto D eodato.

Ao ensejo de um concurso de m onografias, referentem ente a um dado tem a de direito internacional, nós o procuram os pela prim eira vez em sua casa, à ru a M aranhão.

Recebeu-nos com a m aior afabilidade, deixando ao próprio interiorano desarvorado, a sensação de que não estava só, na grande cidade. E nos em prestou livros preciosos, então,

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ani-O AMIGani-O PR ani-O FESSani-O R A LBERTani-O DEani-ODATani-O 499

mando-nos com palavra de carinho, ensejando a que escre- vessemos, cheio de entusiasm o e de fé, o libreto “Que é a D outrina de D rago?” que foi, p a ra nós, como que um ponto de p a rtid a p a ra arrancadas m aiores.

Amigo e Professor, Professor e Amigo, tinha seus alunos como espécie de filhos.

Ciência sem consciência, escreveu de uma feita F oerster. O Professor Deodato parece que disso tin h a a intuição. Suas aulas iam além do simples conhecimento que buscava nos tra n sm itir daquilo que ensinava. Ele ia além. E nsinava como fazer-se do que se aprendia, um a real alavanca p ara maiores e m ais fru tífe ra s cam inhadas, p ara m aiores aprim oram entos m orais, p a ra a conquista da virtude do bem-querer do bem- poder servir aos sem elhantes.

E le foi assim na cátedra; foi assim na vida pública e na sua vida particu lar.

Jam ais quiz m agoar a ninguém . Dialogava com os que se diziam seus desafetos políticos.

N a Academ ia M ineira de L etras, até onde ingressam os com seu voto e, sobretudo, com seu estímulo, eu m uita vez lobriguei o caro Professor Deodato p assar às mãos de um ex-funcionário, aposentado, em situação de quase miséria, a moeda generosa que não era a da esmola m as a do carinho, a da compreensão, a do calor humano verdadeiro.

Sua palavra era fácil e fluente. E ra um prazer assistir suas aulas.

O D ireito das Gentes, ele próprio dizia com certa ponta de ironia, quando não apresentasse vantagens m ais positivas, ensejava, contudo, o direito de se sonhar com um a paz uni-versal, com essa bondade utópica dos povos, ensejando, ainda, a oportunidade p a ra que se escrevessem a respeito da paz algum as páginas literárias de beleza inconteste.

Sob seu estímulo aventuram os, no terceiro ano do curso jurídico, a escrever algo a respeito do tem a por ele proposto: “Que é a D outrina de D rago?” .

Escrevemos um trabalho mais alongado e o melhor que podíamos, então, te r levado a cabo, pelo que muito nos

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auxi-500 REV ISTA DA FACULDAD E DE DIREITO

liou ele, confiando-nos preciosos volumes, inclusive da Révue

Générale de Droit International Public” de Paul Fauchille.

Nosso trabalho feito com entusiasmo, então, levou o Professor Deodato a fazê-lo prem iar com medalha de ouro e a obter da douta Congregação da Escola que o mandasse publicar.

O meu primeiro pranto como estudante, eu o chorei aí, a agradecer ao mestre, amigo e bom, a generosidade do prêmio que foi o primeiro degrau da escada que acabou por me levar à cátedra de Direito Civil na Faculdade e, mesmo, à cadeira n9 20, da Academia Mineira de Letras, com um ensaio lite-rário sobre Alphonsus de Guimarães, a ele particularm ente confiado no original e por ele imposto a mim que me candi-datasse, então, à Academia.

O Direito Internacional que lecionava trazia, em si, o selo da grandeza do Professor que o m inistrava.

A Soberania, repetia ele, reiteradam ente, apoiado em Rui, não é o poder absoluto dos que nela não enxergam outros limites que não, e exclusivamente, os do arbítrio.

A soberania deve ser, antes de tudo; não poderá jam ais traduzir a dependência de um estado vis-à-vis de outros E stados. A Soberania deve traduzir, sobretudo, a interdepen-dência dos Estados, a cooperação, jam ais a oposição entre eles. Brincalhão, de uma feita, foi pressionado por seus alunos, p ara inform ar qual o mais representativo dos autores estu-diosos do Direito das Gentes.

O Professor Deodato não titubeou: — Frei Francisco de Vitória, o consagrado au to r do consagrado livro DE JURE

GENTIUM ET N ATU RALI.

E à instância de seus alunos, que logo a seguir se levan-taram a pedir-lhe que, em homenagem a F rei Francisco de Vitória, se pintasse um quadro e se mandasse dependurar à parede da sala de aula, o Professor Deodato se pôs, por momentos, perplexo. Ê que nem ele, nem ninguém, jam ais houvera visto aqui, ou alhures, uma gravura, ao menos, repre-sentando o Frade internacionalista.

Mas o Professor Deodato não era pessoa que se desse, jam ais, por vencido.

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O AMIGO PROFESSOR ALBERTO DEODATO 501

Ficou de providenciar. E providenciou.

Após certo lapso de tempo, apareceu na Escola, pintado a óleo, não se sabe bem por quem, um quadro representando um frade, que exibia uns ares, que, segundo Deodato, eram os de todo internacionalista que se preze.

Do frade, parece que havia, de verdadeiro, apenas o burel. Se parecia, ou não, o retrato, com o retratado, isso pouco importava, dizia o Professor Deodato, a acrescentar que o hábito é que faz o monje e não a “cara” do próprio monje.

E lá ficou, dependurado na Escola, o retrato do Frade internacionalista, o Frei Francisco de Vitória, para todos fins e efeitos.

Esse era o Professor Deodato.

Brincalhão, irônico, amigo de seus amigos, e mesmo dos inimigos (se é que os teve), pai de seus alunos com os quais dialogava sempre de maneira amena e risonha.

Esfusiante, comunicativo, brincalhão, não fossem seus alunos supor por isso, que fosse ele um professor do tipo “cam arada” .

Exigia o que ensinava, apertando os “relapsos”, a todos costumeiramente chamando de “bichões”, sem transigir, con-tudo, no que dissesse respeito ao que aos alunos competisse fazer em m atéria de estudo.

Orador primoroso, brilhante, literato de escol, além da lembrança de sua oratória, deixou diversos trabalhos escritos, enchendo as páginas de nossos jornais com suas “crônicas” constantes, m uitas delas verdadeiras cristalizações de ternura e de beleza.

Apaixonado por sua te rra natal, Maroim, possuía, lá, um amigo de infância, o poeta Cleomenes Campos.

Dele, uma vez, recitou, em minha presença, o Professor, alguns versos.

Tratava-se do poemeto SAVEIROS DO MARIOM, que o Professor Deodato, com sua palavra límpida, escandida, de uma tonalidade m ista de ternura e saudade, falava no balanço, sem ruído, das velas mansas dos saveiros:

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502 REV ISTA DA FA C U LD A D E D E DIREITO

Que homens hercúleos, devagar, puxando cordas, vão abrindo no ar, cheios da paina alvíssima do l u a r . . .

E para mim, de um modo particular, com olhos que me pareciam embaciados e um a voz que traduzia a lembrança de coisas muito distantes que talvez fizessem chorar, concluía o poemeto de seu amigo de infância, Cleomenes Campos:

Como invejava a sorte aos velhos andrajosos Que passavam seguidos por um cão,

Os olhos sempre dolorosos, Os olhos sempre lacrimosos, Sem p ão ! . . .

M as. . . hoje, que hei sofrido do Destino todas, todas as dores,

Vejo quão longe estou de menino!

Vejo quão longe estou do tempo de menino! Em que tinha, feliz, o m aior dos pavores dos saveiros de poucos rem adores. . .

Pudessem eles, na verdade, voar, primeiro ao léo,

depois. . . a caminho do céu . . .

Se eles pudessem, na verdade, voar,

quem me dera subir e nunca mais v o lta r. . .

Esse foi o Profesor Deodato que tive como amigo e como Professor. A quem dediquei meu livro jurídico “Respon-sabilidade sem Culpa”, a quem admirei sempre e a quem sempre invejei por seu espírito de solidariedade humana, por sua cordura, por sua inteligência e pelo seu coração maior que o coração de todo o mundo.

Referências

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