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Reforço da autonomia escolar: o jogo da ''corda'' dos/as directores/as escolas com contrato de autonomia

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Academic year: 2021

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Reforço da Autonomia Escolar:

O “Jogo da Corda” dos/as Directores/as das

Escolas com Contrato de Autonomia

Ana Isabel Moreira Azevedo Mendes Silva

2010

Dissertação apresentada na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação

da Universidade do Porto, para obtenção do grau de Mestre em Ciências da

Educação, sob orientação da Professora Doutora Elisabete Ferreira.

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Resumo

Este trabalho situa-se no âmbito da Administração Escolar, mais especificamente da autonomia e gestão das escolas, cuja legislação aponta as lideranças eficazes enquanto melhoria da qualidade da educação.

Com este estudo, pretendemos então conhecer o desenvolvimento da autonomia escolar e o processo de contratualização numa perspectiva da governação democrática da escola pública portuguesa. Partindo da ideia do reforço da autonomia escolar proposto pela legislação, importa-nos compreender em que medida se verifica esse reforço e de que modo a contratualização da autonomia evidencia, de facto, o reforço da autonomia escolar.

Com os estudos sobre a autonomia escolar já realizados, posicionamo-nos na defesa da escola autónoma enquanto vivência sensata e democrática, na valorização das relações humanas. Não obstante, entendemos que a autonomia é um conceito plural e se tem desenvolvido de forma híbrida. Partindo das críticas à centralização burocrática, propósitos distintos emergem na reivindicação da autonomia escolar, mas admite-se a possibilidade de vivências autónomas que dependem da acção humana e da (inter)relação e interdependência entre os actores, nomeadamente pelas tensões que a sua procura acarreta. Admitimos então que as lideranças partilhadas e colaborativas são cada vez mais significativas no sentido duma gestão democrática.

Deste modo, e no reconhecimento de que as políticas de promoção da autonomia escolar na Europa têm sido impostas numa lógica descendente, do topo para a base, apresentamos a autonomia associada ao desenvolvimento de processos quer de descentralização, quer de desconcentração, sendo que, em Portugal, se tem mantido uma administração do tipo centralizado-desconcentrado.

No âmbito do reforço da autonomia escolar, e numa busca pela promoção da qualidade da educação, celebram-se os contratos de autonomia entre as escolas públicas e o Ministério da Educação. Estes são previstos enquanto instrumento para o desenvolvimento e aprofundamento da autonomia escolar, almejando fazer das escolas espaços de decisão autónoma, numa assumpção crescente de flexibilidade e responsabilização. A par deste processo, pelo decreto-lei n.º 75/2008, generaliza-se a figura do Director nas escolas, enquanto órgão unipessoal, evocando-se a necessidade de “lideranças eficazes”, que nos trazem uma visão gerencialista numa procura de eficácia e eficiência através da mensuração dos resultados escolares.

Neste trabalho de investigação, centramo-nos na análise interpretativa dos sentidos e representações dos/as directores/as de escolas na implementação dos contratos de autonomia, com o objectivo de compreender as preocupações e ocupações dos sujeitos que assumem um papel preponderante neste processo de reforço da autonomia escolar pela (re)centralização de poderes na figura do Director.

Na análise dos discursos evidencia-se o hiato entre a retórica e a prática da autonomia e identificam-se tensões e paradoxos éticos na implementação dos contratos de autonomia, emergindo as lideranças flutuantes e as possibilidades de uma autonomia escolar (re)forçada pelo contrato.

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Résumé

Ce travail s‟encadre dans le contexte de l'Administration Scolaire, plus spécifiquement de l'autonomie et de la gestion des écoles, dont la législation indique les directions efficaces comme amélioration de la qualité de l'éducation.

Avec cette étude, nous prétendons alors connaître le développement de l'autonomie scolaire et le processus contractuel dans une perspective du gouvernement démocratique de l'école publique portugaise. En partant de l'idée du renforcement de l'autonomie scolaire proposée par la législation, il est important de comprendre dans quelle mesure se vérifie ce renforcement et de que manière la contractualisation de l'autonomie prouve, de fait, le renforcement de l'autonomie scolaire.

Partant des études sur l'autonomie scolaire déjà réalisées, nous choisissons la défense de l'école autonome en tant qu'expérience raisonnable et démocratique, valorisant les relations humaines. Cependant, nous comprenons que l'autonomie est un concept pluriel et il s'est développé de forme hybride. En partant des critiques sur la centralisation bureaucratique, des intentions distinctes émergent dans la revendication de l'autonomie scolaire, mais s'admet aussi la possibilité d'expériences indépendantes qui dépendent de l'action humaine et de la (inter) relation et de l'interdépendance entre les acteurs, notamment par les tensions que sa recherche cause. Nous admettons alors que les directions partagées et collaboratives sont de plus en plus significatives dans le sens d'une gestion démocratique.

Ainsi, et reconnaissant que les politiques de promotion de l'autonomie scolaire en Europe ont été imposées dans une logique descendante, de haut en bas, nous présentons l'autonomie associé au développement de processus soit de décentralisation, soit de déconcentration, sachant que, au Portugal, s'est maintenue une administration du type centralisé-déconcentré.

Dans le contexte du renforcement de l'autonomie scolaire, et dans une quête pour promouvoir une éducation de qualité, des contrats d'autonomie entre les écoles publiques et le Ministère de l'Éducation sont célébrés. Ceux-ci sont vus comme un outil pour le développement et approfondissement de l'autonomie scolaire, en convoitant faire des écoles des espaces de décision indépendante, dans une assomption croissante de flexibilité et de responsabilisation. Parallèlement a ce processus, par le décret-loi n.º 75/2008, se généralise la figure du Directeur dans les écoles, comme agent unipersonnel, en s'évoquant la nécessité de «directions efficaces», qui nous apportent une vision de gérance tout en recherchant l'efficacité et l' efficience à travers de la mesure des résultats scolaires.

Dans ce travail de recherche, nous nous concentrons sur l'analyse interprétative des sens et représentations des directeurs d'écoles dans la mise en œuvre des contrats d'autonomie, avec l'objectif de comprendre les préoccupations et les occupations des sujets qui jouent un rôle prépondérant dans cette procédure de renforcement de l'autonomie scolaire par la (re)centralisation de pouvoirs dans la figure du Directeur.

L'analyse des discours met en évidence le hiatus entre la rhétorique et la pratique de l'autonomie et s'identifient des tensions et paradoxes moraux dans la mise en œuvre des contrats d'autonomie, émergeant les directions flottantes et les possibilités d'une autonomie scolaire (ren)forcée par le contrat.

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Abstract

This work falls under the School Administration, specifically the autonomy and management of schools, which legislation points to the effective leaderships while improving the quality of education.

With this study, we intend to know the development of school autonomy and the contracting process in a perspective of democratic governance of the Portuguese public schools. Starting from the idea of strengthening school autonomy proposed by the legislation, it helps us to understand to what extent there is such an enhancement and how the contractual autonomy highlights, in fact, the reinforcement of school autonomy.

With the studies on school autonomy already made, we have positioned ourselves to defend the charter school experience while sensible and democratic in the appreciation of human relations. Nevertheless, we believe that autonomy is a plural concept and has developed a hybrid form. Starting from the criticism of bureaucratic centralization, distinct purposes emerge in the claims of school autonomy, but admits the possibility of autonomous experiences that depend on human action and the (inter) relationship and interdependence between actors, in particular the tensions that the search entails. We assume then, that the shared and collaborative leadership are increasingly significant towards a democratic administration.

Thus, and in recognition that policies to promote school autonomy in Europe have been imposed in a logical descendant, from top to bottom, we present the autonomy associated with the development process either decentralization or devolution, and in Portugal, it has maintained a centralized administration of type-devolved.

Under the strengthening of school autonomy, and a quest for promoting quality education, autonomy contracts are celebrated between public schools and the Ministry of Education. These are provided as a tool for development and deepening of school autonomy, aiming to make schools places of autonomous decision, in a growing assumption of flexibility and accountability. Alongside this process, by the Decree-Law No. 75/2008, the figure of the Director is generalized in schools, while one-person body, evoking the necessity of "effective leadership", which bring us a managerial vision of a demand for effectiveness and efficiency through measurement of student outcomes.

In this research work, we focus on the interpretative analysis of the meanings and representations of school directors in implementing the autonomy agreements with the aim of understanding the concerns and occupations of the subjects who take a leading role in this process of strengthening school autonomy by (re)centralization of power in the figure of the Director.

In the speeches analysis is evident the gap between rhetoric and practice of autonomy and identifies tensions and ethical paradoxes in the implementation of the autonomy contracts, emerging the floating leaderships and the possibility of an autonomous school (re)enforced by the contract.

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4 Aos meus avós Rogério, Lucinda e Ilda!

Porque uma geração se extinguiu na minha vida…

a saudade é imensamente dolorosa,

triplamente angustiante…

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Agradecimentos

À Professora Elisabete Ferreira, inevitável e obviamente… pelos desafios propostos, pela preocupação, dedicação e “provocação”. Porque lançou sempre a âncora na hora certa, renovando a confiança e impulsionando a tomar opções. Acima de tudo, porque me levou a percorrer autonomamente o meu caminho, não deixando, porém, de estar lá quando necessário! Grata pelas partilhas!

À Doutora Ana Mouraz pela paciência, disponibilidade e colaboração, quer na elaboração do inquérito por questionário, quer no tratamento dos dados no programa SPSS.

Aos directores e restantes membros da direcção das escolas que se envolveram neste estudo colaborando na sua realização, essencialmente a cada um dos entrevistados pela disponibilidade e pela partilha.

Aos professores que, ao longo deste mestrado, contribuíram directamente na minha formação e, portanto, me ajudaram a desenvolver competências mobilizadas nesta investigação.

Aos meus pais e à minha irmã porque sempre me “deram asas” e me motivaram a escolher o meu rumo! Porque abdicaram de muito e porque são (ainda) um porto seguro! Ao meu cunhado também pois os laços de família constroem-se e aprimoram-se!

À minha afilhada, Rafaela, que nasceu no início desta investigação! O tempo passou a voar por entre preocupações e angústias, mas os sorrisos genuínos devolveram as alegrias e esperanças. É a minha princesa!

Aos meus amigos que acompanharam o stress constante e estiveram sempre presentes, ouvindo pacientemente as (muitas) inquietações e compreendendo a minha falta de tempo! Pela disponibilidade e colaboração sempre imediatas, agradeço em particular à Salomé, à Nilza, ao Luís e à Judite.

Por último, ao Victor pelo carinho e paciência! A motivação e o apoio ajudaram-me a manter o equilíbrio. Agora ganham centralidade as nossas preocupações!

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Lista de Siglas e Abreviaturas

AE – Agrupamento de Escolas (ou escolas integradas) CA – Contrato de Autonomia

CAL – Comissão de Acompanhamento Local DE – Director/a de Escola

DRE – Direcção Regional de Educação

DREA – Direcção Regional de Educação do Alentejo DREALG – Direcção Regional de Educação do Algarve DREC- Direcção Regional de Educação do Centro

DRELVT – Direcção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo DREN – Direcção Regional de Educação do Norte

ES – Escola Secundária (com ou sem 3ºCiclo) PA – Plano de Acção/Intervenção

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Índice de Figuras

Figura 1: Categorias emergentes da análise factorial às Razões da candidatura a director/a . ..83

Índice de Quadros

Quadro 1: Distribuição das escolas e agrupamentos de escolas com contratos de autonomia pelas DRE ... 58

Quadro 2: Grelha síntese dos documentos recolhidos e analisados ... 69

Quadro 3: Distribuição dos entrevistados por género e tipologia de estabelecimento de ensino ... 73

Quadro 4: Definição das categorias na dimensão de análise “Autonomias” ... 78

Quadro 5: Definição das categorias na dimensão de análise “Natureza da Liderança” ... 78

Quadro 6: Definição das categorias na dimensão de análise “Exercício da Liderança” ... 78

Índice de Gráficos

Gráfico 1: Distribuição da idade e género dos inquiridos ... 75

Gráfico 2: Tempo de serviço prestado ... 76

Gráfico 3: Tempo de serviço prestado na escola ... 76

Gráfico 4: Área de formação e habilitação académica ... 76

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Lista de Apêndices

Apêndice I: Localização e lista das Escolas com Contrato de Autonomia Apêndice II: Ideias síntese dos normativos e dos CA

Apêndice III: Quadro com o corpus de análise Apêndice IV: Inquérito por Questionário Apêndice V: Guião da Entrevista

Apêndice VI: Análise estatística

Apêndice VII: Grelha com Análise de Conteúdo

Lista de Anexos

Anexo I: Decreto-Lei n.º 75/2008 de 22 de Abril – Regime de Autonomia,

Administração e Gestão dos Estabelecimentos Públicos da Educação Pré-escolar e dos Ensinos Básico e Secundário.

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Índice

Introdução Geral ... 10

Capítulo I– Autonomias e Lideranças: Perspectivas em torno da Agência Humana……16

Introdução ... 18

1.Políticas de Promoção da Autonomia Escolar na Europa ... 19

1.1.Entre uma Gestão Autónoma e uma Gestão da Autonomia ... 24

2.Sentidos e Entendimentos em torno da Autonomia Escolar ... 27

3.Perspectivas de Lideranças na Gestão Democrática ... 34

3.1.(Con)centração de Poderes na Figura do Director ... 39

Capítulo II– Contratualização da Autonomia na Escola Pública ... 46

Introdução ... 48

1.A Relação Contratual no Reforço da Autonomia Escolar ... 48

2.Concepção do Contrato de Autonomia numa Visão de Reterritorialização ... 52

3.Processo de Contratualização da Autonomia em Portugal...56

3.1. Enquadramento dos Contratos de Autonomia nos Normativos ... 59

Capítulo III– Implementação dos Contratos de Autonomia ... 64

Introdução ... 66

1.Fundamentação Epistemológica e Metodológica ... 67

2.Técnicas de Recolha de Dados ... 68

2.1.Recolha Documental ... 68

2.2.Inquérito por Questionário ... 69

2.3.Entrevista ... 72

3. Procedimentos de Análise e de Interpretação ... 73

3.1. Procedimentos de Análise: Estatística, Documental e de Conteúdo ... 73

3.2.Análise Interpretativa dos Dados ... 78

3.2.1. A coragem para “puxar a corda” ... 79

3.2.2. O contrato de autonomia enquanto meta final ... 86

3.2.3. “Formalmente sou eu que dou a cara” ... 91

Considerações Finais ... 98

1. Síntese Interpretativa: O (des)crer dos/das directores/as de escolas e agrupamentos de escolas na implementação dos Contratos de Autonomia ... 98

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Introdução Geral

O estudo do desenvolvimento da autonomia escolar assumiu-se como primeiro ponto de partida para esta investigação e foi-se delineando e afunilando1 ao longo da parte curricular deste mestrado, trazendo-nos a definição da problemática em torno do

reforço da autonomia escolar pelo contrato de autonomia.

Este afunilamento traduziu-se no interesse pelo estudo do reforço da autonomia escolar2 no processo de celebração e implementação dos contratos de autonomia celebrados entre as escolas ou agrupamentos de escolas e o Ministério da Educação, ganhando centralidade neste decurso como foco de estudo os/as directores/as de escolas3 que estão neste momento a executar o respectivo CA. Considerando que este contrato é apresentado nos normativos4 enquanto dispositivo primordial para o desenvolvimento e aprofundamento da autonomia das escolas, este surge como valoroso instrumento na direcção das escolas e agrupamentos de escolas com CA. Mas, atendendo ao fosso temporal existente entre as medidas legais e a celebração dos contratos de autonomia5, e pensando a escola enquanto organização complexa e específica e espaço relacional e afectivo por excelência, em que se assume a escola enquanto lugar de saberes possíveis e numa “ética da comunicação e da relação” (E. Ferreira, 2007) e numa unidade social que se constrói pela e na acção dos actores e no grau das relações e da coesão entre estes (Barroso, 1997 e Afonso, 2000), propusemo-nos reflectir sobre as possibilidades ou os constrangimentos que possam resultar da execução dos contratos de autonomia, especificamente ao nível da direcção e da gestão das escolas. Neste sentido, e pela crescente (re)centralidade da figura do/a Director/a nas escolas, questionamo-nos acerca

1 O afunilamento não corresponde ao fechamento ou enviesamento da temática, considerando os contributos

que pretendemos trazer “abrindo” o conhecimento nesta área. Tratar-se-á, então, de um funil que estreita, mas que aponta para um novo funil mas invertido, isto é, constrói-se uma “ampulheta de saberes” (E. Ferreira, 2010).

2 O normativo actual enuncia-se em torno de três reforços: “reforçar a participação das famílias e

comunidades na direcção estratégica dos estabelecimentos de ensino”, “reforçar as lideranças das escolas” e “reforço da autonomia das escolas” (ver Anexo I).

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Recorreremos à designação Director/a de uma forma abrangente, referindo-nos aos que desempenham essa função ou cargo equivalente (por exemplo: o Gestor Pedagógico, o Presidente do Conselho Executivo). Por outro lado, e de forma genérica, será mencionada a designação “escola” entendendo os estabelecimentos de ensino público.

4 Decreto-Lei n.º 115-A/1998 e Decreto-Lei n.º 75/2008.

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Lima (2006) afirma que estivemos muitos anos face a um “grau zero da autonomia contratualizada”. Efectivamente, de 1998 a princípios de 2005 não foi assinado um único contrato de autonomia. Este processo de contratualização da autonomia será retomado e desenvolvido no capítulo seguinte.

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das acções, ocupações e preocupações que estes actores desenvolvem na e para a sua prática (o agir organizacional) na execução do contrato de autonomia.

Por um lado, as razões deste interesse têm subjacentes motivações de natureza profissional da investigadora (professora do 1º Ciclo do Ensino Básico que, com apenas 7 anos de serviço, assistiu já a diversas alterações no campo educativo; mas, também, a uma “queixa” e simultânea “desculpa” permanente de falta de autonomia, que “não nos deixa fazer”). Por outro, pela relevância da actualidade temática, nomeadamente num momento de transição educativa (entre normativos, entre órgãos de administração e gestão das escolas, entre ministras da educação, entre processos de avaliação – dos docentes, das organizações, dos contratos de autonomia…), importa compreender as representações e os sentidos destes actores sobre a sua acção num quadro de autonomia.

De facto, os debates em torno da educação, por um lado, tendem a sustentar a reivindicação de maior autonomia e participação dos actores nas escolas e das organizações em si, apontando para uma necessidade de formular e reformular projectos próprios, únicos e singulares com base em realidades e objectivos específicos; por outro, reproduzem o desalento de que os discursos e as práticas políticas, administrativas e pedagógicas manifestam alguma saturação (Carvalho, Alves e Sarmento, 1999).

Trazendo a ideia de que a autonomia em acção deve ser posta em evidência, já que esta é actualmente, mais do que um conceito, uma “palavra-de-ordem”, Sarmento (2000b) defende que cada escola se pode legitimar para dentro, ou seja, constrói-se pela acção de quem lá trabalha.

Contudo, tem-se constatado que a retórica em torno da autonomia escolar resulta, em parte, do seu desenvolvimento que se tem configurado e limitado ao cumprimento das disposições legais, manifestando-se num longo e lento processo, como concluíram, entre outros, Barroso (2004), Lima (2006) e E. Ferreira (2007).

Aliás, investigações produzidas neste campo mostram a coexistência nas escolas de dicotomias, contradições e ambiguidades ponderando quer as margens de autonomia, entre o possível e o desejável, quer os modos de participação e de regulação dos diferentes actores (Barroso et al, 2006), quer ainda ao nível da liderança e gestão das mesmas (Campos, 2009), considerando-se que a escola poderá ser “locus” de reprodução de normas, mas também “locus” de produção de políticas e orientações (Alves, 1999a; Lima, 1996).

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Considerando o estudo exploratório realizado em 20096, verifica-se que os discursos produzidos em torno da contratualização da autonomia apontam para uma autonomia crísica (E. Ferreira, 2007), para uma reorganização da administração escolar pouco significativa e para o vincular de uma lógica de regulação. Ainda a este respeito, a dissertação de mestrado sobre a contratualização da autonomia (Adão, 2009) aponta precisamente no sentido de esta ser uma política que permite ao Estado manter o controlo sobre as escolas, formalizando apenas algumas práticas autónomas que já existiam, dentro de limites e competências comuns a todas as escolas contratualizantes. Deste modo, um instrumento para o reforço da autonomia que tende a burocratizar e estandardizar esse processo, parece ficar aquém do esperado.

Essencialmente nos últimos dois anos, foram realizadas pesquisas em torno dos contratos de autonomia exactamente pela pertinência actual deste processo7.

Estas investigações permitem entrever um certo hibridismo e até algumas contrariedades no modo como o processo de contratualização da autonomia escolar está a ser desenvolvido. Assim, parece-nos bastante pertinente aprofundar o conhecimento em torno da contratualização da autonomia escolar em Portugal, questionando, não a possibilidade e a natureza, mas antes o sentido e a implicação da acção autónoma na direcção destas escolas.

Neste sentido, e a partir de uma primeira questão orientadora sobre as

potencialidades ou constrangimentos que se apresentam na implementação do Contrato de Autonomia, (re)formulámos a nossa questão de partida centrando-nos nos sujeitos que

assumem o papel crucial, de liderança, no processo de implementação dos contratos de autonomia nas escolas – os/as directores/as:

Qual o sentido das acções e preocupações dos/as directores/as de escolas e agrupamentos de escolas na implementação do contrato de autonomia?

6 Intitulado “Governação das Escolas – A contratualização da Autonomia Escolar”, este estudo

exploratório foi realizado por Ana Isabel Silva e Carla Figueiredo, sob orientação da Prof. Doutora Elisabete Ferreira, no âmbito das Unidades Curriculares de Currículo, Gestão e Avaliação Educacional e Metodologias de Investigação em Educação do Mestrado em Ciências da Educação da FPCEUP – domínio Currículo, Escola e Gestão Educacional, entre Março e Junho de 2009.

7 Entre outros trabalhos, destacamos as dissertações de Mestrado intituladas “Contratos de Autonomia –

descentralização, desconcentração, (re)centralização. Que poderes conferiu às escolas? Estudo de caso” (Adão, 2009) e “Contratos de Autonomia das Escolas” (Magalhães, 2009). E ainda as

comunicações apresentadas no IX e X Congresso Internacional Galego-Português de Psicopedagogia:

“Contratos de autonomia para o desenvolvimento das escolas portuguesas” (Formosinho, Machado e

Fernandes, 2007) e “O primeiro ano de governação por contrato.” (Formosinho e Machado, 2009), respectivamente.

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A partir desta interrogação, e definido o objecto do estudo – Directores/as de escolas e agrupamentos de escolas a executar um Contrato de Autonomia – enunciaram-se algumas premissas que foram dando enunciaram-sentido ao estudo: Que formas de autonomia enunciaram-se têm desenvolvido nas escolas com contrato de autonomia? De que modo a contratualização da autonomia escolar contribui para o desenvolvimento de práticas auto-governadas na direcção das escolas? De que modo a liderança, depositada num órgão unipessoal – o/a director/a, contribui como condicionalismo e ou possibilidade no sentido de construção de uma acção autónoma num quadro de contratualização da autonomia? Quais os interesses, as preocupações e os saberes que são mobilizados na direcção das escolas com contrato de autonomia?

Pressupondo que a autonomia implica a descentralização de competências, portanto da tomada de decisão, sendo o contrato de autonomia um veículo privilegiado, mas conscientes da reconfiguração do papel do director das escolas, propusemo-nos então reflectir sobre os contributos das concepções em torno da autonomia e da liderança na compreensão da direcção escolar nas escolas com contrato de autonomia, compreender o sentido da acção dos/das directores/as das escolas com contrato de autonomia e identificar potencialidades e fragilidades na execução dos contratos de autonomia.

Nestas partidas e (re)encontros, importa também realçar que esta investigação propiciou a apresentação de duas comunicações8, permitindo momentos de reflexão intermédios que levaram ao seu redesenhar num vai-vém permanente entre a teoria e a empiria, entre o projecto inicial e os resultados parciais que se iam explorando.

De forma a sistematizar este trabalho, organizamos três capítulos que surgem após esta introdução. O modo como se organizou a apresentação deste trabalho não corresponde per se à dinâmica da investigação, já que os caminhos se foram percorrendo sem a rigidez e sem a ordem “pacífica” entre momentos.

No Capítulo I, apresentamos uma contextualização das políticas de promoção da autonomia escolar na Europa, considerando que estas têm sido desenvolvidas e implementadas nas últimas duas décadas numa lógica “top-down”. A descentralização é entendida como a face mais visível da autonomia, contudo ganha sentidos distintos e desenvolvem-se antes movimentos de desconcentração, centralização, recentralização. Consideramos entendimentos em torno da autonomia(s) e da liderança(s), que nos trazem

8 “Ética e administração da Educação”, apresentada no XVIII Colóquio AFIRSE - Deontologia, Ética e

Valores na Educação em 19 de Feveiro de 2010, e “O que é a Autonomia no Contrato de Autonomia da Escola Pública?”, apresentada no IX Colóquio sobre Questões Curriculares / V Colóquio Luso Brasileiro em 23 de Junho de 2010, ambas em co-autoria de Elisabete Ferreira e Ana Silva.

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o seu sentido plural, e defendemos o reforço da dimensão humana enquanto possibilidade de desenvolvimento da autonomia das escolas e agrupamentos de escolas geridas e dirigidas numa centralidade contida na figura do/a director/a.

Já o segundo capítulo conduz-nos pelo processo de contratualização da autonomia, destacando o carácter e as implicações híbridas e ambíguas da relação contratual na escola pública. A concepção de contrato de autonomia é entendida numa visão de reterritorialização pelas preocupações no reforço do poder e da participação dos actores locais, mas com sentidos “perversos” simultâneos pelo reforço de medidas de cariz empresarial. O processo de celebração de contratos de autonomia em Portugal é apresentado neste capítulo no enquadramento dos normativos que o regem – entre o Decreto-Lei n.º 115-A/1998, a Portaria n.º 1260/2007 e o Decreto-Lei n.º 75/2008.

Se nos primeiros capítulos trazemos o desenvolvimento de constructos teóricos para um entendimento em torno da nossa problemática, assim como um enquadramento do processo de celebração dos contratos de autonomia, no Capítulo III descrevemos o percurso desta investigação, em que assumimos o paradigma qualitativo numa postura interpretativa e fenomenológica no sentido de privilegiar a compreensão dos comportamentos a partir dos sujeitos, assim como de conhecer o significado que os acontecimentos e interacções têm para pessoas comuns em situações particulares (Bogdan e Biklen, 1994). Apresentamos então as nossas opções metodológicas e procedemos a uma análise e interpretação da informação recolhida. Num primeiro momento da investigação, procurámos recolher o máximo de informação sobre o tema9 de modo a imbricar-nos no estudo, depois, e com base na análise documental, construímos e aplicámos um inquérito por questionário e um guião de entrevista semi-directiva. Na confrontação dos dados, emergiram as preocupações dos/as directores/as das escolas na implementação do contrato de autonomia – marcadamente democráticas, mas com uma forte influência gestionária. O sentido do cumprimento das metas traçadas no contrato de autonomia contrasta com a (quase) imperceptível descentralização e a urgência de respostas adequadas e adaptadas a cada escola e a cada situação, ressaltando assim a necessidade de lideranças colaborativas e partilhadas por entre a clamação de lideranças eficazes.

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Capítulo I

Autonomias e Lideranças:

Perspectivas em torno da Agência Humana

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Introdução

“A necessidade de reforçar a autonomia das escolas tem sido reclamada por todos os sectores de opinião. A esta retórica, porém, não têm correspondido propostas substantivas, nomeadamente no que se refere à identificação das competências da administração educativa que devem ser transferidas para as escolas.”

(Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 75/2008)

Pensamos a escola num paradigma de “pluralismo conceptual” (Alves, 1999a:18) e consideramo-la na sua dimensão holística, pelo que são várias as razões que explicam a emergência e reivindicação de uma autonomia escolar (cf. Barroso, 1998; Alves, 1999; E. Ferreira, 2007). Apresentamos uma contextualização das políticas de promoção da autonomia escolar enquanto desenvolvimento numa cadência descentralizadora e ou desconcentrada, considerando que este movimento se tem desenvolvido na Europa numa lógica “top-down”.

Considerando o binómio autonomia e liderança, admite-se a emergência da participação enquanto balizadora destes, assumindo uma perspectiva que “[…] tende a reconhecer a centralidade da acção e das interacções e a inevitabilidade do conflito para a construção e reconstrução da ordem social.” (Alves, 1999a:18), ou seja, reconhece-se que “[…] a ordem social é mais determinada pelas acções, pelos interesses, pelos valores, pelas “culturas” das pessoas que trabalham nas organizações educativas do que pelo sistema legal, estrutural…” (ibidem).

Não obstante as possibilidades duais na concepção da autonomia escolar, temos presente a significativa importância e implicação da participação dos diversos actores e das lideranças nas escolas numa efectiva gestão democrática.

É neste sentido que entendemos que a liderança nas e das escolas assume um papel cada vez mais preponderante. Quer pela crescente responsabilização associada ao desenvolvimento da autonomia, quer pela função e poderes agora associados ao Director da escola ou agrupamento de escolas.

Importa pois considerar a escola enquanto «agência humana» (cf. E. Ferreira, 2007) em que as relações humanas não podem ser esquecidas nem minimizadas, sendo que destas depende a construção de um projecto comum baseado na co-responsabilização dos actores educativos e dos políticos.

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1.Políticas de Promoção da Autonomia das Escolas

Recorrentemente, autonomia e descentralização surgem como conceitos sinónimos, mas importa clarificar que, na génese de cada um destes processos, estão pressupostos distintos. Assim, com Fernandes (2005: 59) assume-se que a descentralização, sendo uma componente política visível da autonomia, quer como condição quer como efeito, não deve ser confundida com esta, já que autonomia “[…] envolve não apenas uma distribuição de atribuições e competências dentro de um sistema político ou administrativo mas mais directamente a capacidade de acção por parte dos titulares dessa distribuição.”

Não obstante, ao analisarmos os processos de autonomia das escolas em vários países da Europa, em particular nos 30 países que fazem parte do estudo da Rede Eurydice11, verifica-se que, de modo geral, as reformas empreendidas no sentido do reconhecimento e da atribuição de responsabilidades e poderes de decisão às escolas foram impostas num processo legislativo do topo para a base (Eurydice, a Rede de Informação sobre Educação na Europa, 2007), contrariando o próprio sentido da autonomia. Esta “[…] pressupõe a existência, fora do centro político e administrativo, de capacidades para movimentar acções políticas, desenvolver processos administrativos e aplicar competências científicas e técnicas. É neste pressuposto que um agrupamento territorial ou institucional reivindica o reconhecimento político e/ou administrativo dessa capacidade para se ordenar e dirigir a si próprio com independência.” (Fernandes, 2005:59).

Embora a autonomia se insira num movimento oposto ao da descentralização, devendo conceber-se como processo de configuração e não como o resultado de uma concessão política, esta surge normalmente contida ou reconhecida pela intervenção política. Para Barroso (2000: 168), o facto de a “autonomia” ter sido promovida e encetada pelos governos de vários países, numa lógica top-down, pode compreender-se, por um lado, “[…] como forma de introduzirem mudanças de gestão que permitam racionalizar recursos, aumentar a eficácia, aliviar a burocracia estatal, sem, ao mesmo tempo, perderem o controlo sobre o sistema, ao nível dos seus fins e resultados”, por

11

Bélgica, Bulgária, República Checa, Dinamarca, Alemanha, Estónia, Grécia, Espanha, França, Irlanda, Itália, Chipre, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Hungria, Malta, Países Baixos, Áustria, Polónia, Portugal, Roménia, Eslovénia, Eslováquia, Finlândia, Suécia, Reino Unido, Islândia, Listenstaine e Noruega.

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20

outro, admite-se que o reforço da autonomia das escolas é indispensável ao desenvolvimento da democracia, do sentido cívico e comunitário da escola.

Nesta lógica, compreende-se o carácter permutável entre os dois termos, já que

“Por um lado, a descentralização vai criar condições para a construção e a consolidação da autonomia e possibilitar um contexto para ela reivindicar um espaço mais lato. Por outro lado, a autonomia, além de ser uma condição sine qua non para que a descentralização não fique apenas no texto legal sem aplicação no terreno escolar, é que dá corpo à dinâmica local com repercussões na forma como a descentralização é interpretada e aplicada.” (Fernandes, 2005: 62).

Considerando que a autonomia das escolas se expande na Europa a partir dos anos 90 do século XX, sendo o seu alcance variável conforme os países, de tradição mais centralizada ou descentralizada, a tensão entre autonomia e descentralização verifica-se pela falta de correspondência entre ambas ou até mesmo pela sua subversão. Como Fernandes indica (2005: 61), exemplo destas tensões são as tendências manifestas nos países europeus para “[…] a regionalização, municipalização e autonomia escolar.”, muitas vezes numa tentativa de controlar e restringir movimentos de base sem o reconhecimento da escola enquanto centro de acção política ou educativa.

De modo a caracterizar estas tensões, Formosinho e Machado (1999:117) sublinham que a autonomia escolar em Portugal tem-se desenvolvido “tanto numa lógica de concentração desconcentrada em busca de maior eficácia administrativa, como numa lógica descentralizadora e autonómica…”.

Neste sentido, o processo de autonomia das escolas nos países europeus, entre movimentos de centralização e descentralização, resulta inevitavelmente dos diferentes percursos históricos, culturais e políticos dos diversos países.

De facto, no plano europeu, os países do norte e do centro da Europa apresentam uma tradição descentralizadora desenvolvida e firmada desde a expansão da instrução escolar. Contrariamente a esta tendência, os países do sul da Europa desenvolvem-se numa tradição centralista que, embora com nuances entre si, têm vindo a introduzir descentralizações ou desconcentrações.

Fernandes (2005) aponta para a existência de três níveis e modalidades de descentralização do sistema educativo na Europa: Descentralização regional, Descentralização local e Descentralização institucional. Estes reportam-se à descentralização de competências, no primeiro caso, ao nível dos estados federados, das regiões autónomas, das regiões administrativas, dos cantões, das províncias ou dos departamentos; no segundo nível, estamos perante uma descentralização que abarca as

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associações de municípios ou os distritos escolares; e, por último, a descentralização institucional engloba as escolas e agrupamentos de escolas.

No caso de uma descentralização regional, encontramos o exemplo da Alemanha, da Áustria ou da Suíça por terem uma estrutura a nível regional que reúne a maioria dos poderes da administração da educação, respectivamente os Laender12, as Regiões e os

Cantões, resultado da sua constituição federal. Particularmente no caso da Alemanha,

“Dada a sua autonomia legislativa e regulamentar, pode-se falar da existência de tantos sistemas de ensino quantos os Laender, dado que o Governo Federal, além de dar contributos financeiros, estabelece apenas algumas regulações em assuntos referentes a salários e pensões dos funcionários, bolsas para alunos, formação profissional e promoção da investigação científica e académica.” (Fernandes, 2005: 79), não estando previsto nenhum sistema de inspecção a nível federal. Neste modo de descentralização, os municípios e as escolas vêm a sua autonomia mais reduzida, saindo reforçada a tomada de decisão a nível regional.

Em países do norte da Europa, como a Inglaterra ou a Dinamarca, assistimos a uma descentralização local já que a escola surgiu no âmbito de iniciativas municipais ou de instituições locais, sendo a autonomia local bastante alargada (nos currículos escolares, no financiamento e gestão administrativa e organizativa, na nomeação de professores e directores de escolas). Particularmente na Inglaterra, existem as Local

Education Authorities (LEA) – autoridades locais que acompanham a administração

quotidiana das escolas e que “[…] respondem perante comissões de educação local compostas por representantes eleitos das câmaras municipais e membros cooptados. Isto define o sistema inglês como um sistema nacional localmente administrado.” (Fernandes, 2005: 78). Mas as LEA ficaram com menos autonomia desde a reforma de 1988, que limitou o poder das autoridades locais, impondo transferências a vários níveis para as escolas. Contrapondo-se a esta situação, na Dinamarca, o município tem um alargado leque de poderes na educação, desde o financiamento da escola – a Folkeskole13,

aprovação do calendário e horário escolar e dos programas específicos das escolas, supervisionar a organização da escola e nomear o director. Paralelamente, as Folkeskole têm bastante autonomia na elaboração e apresentação das propostas para aprovação do município.

12

Estados ou províncias que compõem a Alemanha.

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22

Em países como Portugal, Espanha, França, Bélgica e Itália nota-se tendências contrárias às que são descritas anteriormente devido a uma forte tradição de centralização nestes países. Se nos países do norte e do centro da Europa as orientações e decisões eram assumidas no nível local ou federal, nestes países do sul, foram centralizadas no Estado, o que levou à criação e desenvolvimento de um aparelho administrativo com grande peso, representado nestes países por um Ministério da Educação centralizador. Segundo Fernandes (2005), com as mudanças democráticas a partir de meados do século XX, começaram a surgir medidas descentralizadoras ou desconcentradas.

Na sequência de uma maior descentralização política e administrativa inscrita nas constituições e leis destes países de tradição mais centralizada, assiste-se ao vincular de lógicas descentralizadoras distintas, nomeadamente, a transferência de competências numa descentralização entre o nível municipal e o nível regional. Destes países, a Itália aponta para um maior distanciamento. “Trata-se aqui de uma descentralização selectiva que em pouco alterou as características centralizadoras do sistema.” (Fernandes, 2005:83).

Em Espanha, a reforma prevista com a Ley de Ordenación General del Sistema Educativo (LOGSE), em 1990, significou uma repartição de competências entre o Estado e as comunidades educativas que, figurando-se numa descentralização administrativa e política, proporcionou uma aproximação aos processos de descentralização e de autonomia escolar desenvolvidos nos países da Europa central. “Há uma vitalidade forte a nível municipal que contraria as tentações centrípetas das instâncias regionais.” (Fernandes, 2005:83)

No caso português, a partir da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) e dos trabalhos produzidos pela Comissão de Reforma do Sistema Educativo (CRSE), “(…) ocorre uma crítica crescente à burocracia centralizada do Ministério da Educação que, em alternativa, propõe uma administração descentralizadora e a “autonomia da escola” como princípio reformador.” (Lima, 2009:235). Mas as críticas à centralização e à burocracia, num aparente consenso, resultavam antes de lógicas distintas. Por um lado, alguns “legitimavam a introdução de novos sistemas de governo com maior autonomia face à tutela mas, internamente, orientados segundo padrões racionais e de modernização gerencial (…) com os olhos postos nas organizações empresariais e na gestão privada.” (ibidem:235-236). Por outro lado, insistia-se na “oportunidade de uma descentralização e de uma autonomia de carácter democrático e participativo, como aprofundamento de uma gestão democrática (…), exigindo agora, ao invés, uma efectiva descentralização e

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transferência de poderes que, não obstante, reforçasse o carácter público das escolas e as responsabilidades do Estado na sua co-governação.” (ibidem: 236). Daqui resultou um acentuado hibridismo nas políticas públicas da educação, levantando uma contradição quase permanente entre uma administração centralizada-desconcentrada e o novo discurso da autonomia das escolas, numa lógica de autonomia instrumental ou operacional. Assiste-se, então, a uma delegação de competências para as direcções regionais de educação, ao invés de uma transferência de competências para as escolas.

Para Lima (2006:45), a tónica é colocada na modernização da rede, na descentralização de competências para as autarquias locais, no processo de agrupamento de escolas, na avaliação das escolas, etc., sem proceder ao reforço da autonomia e sem assegurar processos de descentralização. Assim, e quanto à autonomia da escola, “continua profundamente subordinada a perspectivas técnico-instrumentais e a orgânica do ministério dificilmente suportará uma efectiva política de descentralização e de reforço de autonomia dos estabelecimentos de educação e ensino, mesmo que tal política constitua prioridade governativa” (ibidem: 52). Como era já o caso do Decreto-Lei n.º 115-A/199814, em que se pode ler no preâmbulo que “A autonomia das escolas e a descentralização constituem aspectos fundamentais de uma nova organização da educação, com o objectivo de concretizar na vida da escola a democratização, a igualdade de oportunidades e a qualidade do serviço público de educação.”

De acordo com o estudo “Eurydice, a Rede de Informação sobre Educação na Europa” (2007:10), “A autonomia das escolas inscreve-se, amiúde, no mesmo quadro legislativo da descentralização política […]”. Reconhece-se, actualmente, que a autonomia escolar deve ser (re)forçada a partir da transferência de competências e ou de responsabilidades sendo que “a autonomia das escolas é agora amplamente encarada como uma ferramenta a utilizar para melhorar a qualidade do ensino.” (ibidem). A par deste objectivo, a autonomia das escolas tem estado intimamente relacionada com a participação democrática e com a gestão eficiente dos fundos públicos.

Neste contexto, importa reconhecer que as reformas que visam a autonomia das escolas têm estado ligadas a um movimento bidireccional: a descentralização política e a aplicação da “Nova gestão pública” ou “novo gerencialismo” (cf. Lima, 2009: 237).

Entendendo que a descentralização e a (re)centralização se entrecruzam neste processo de desenvolvimento da autonomia escolar, assume-se sempre margens de

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autonomia que diferem em função das competências (re)conhecidas às escolas e das tensões entre dependências15 e interdependências geradas. Importa então compreender que

“A expansão e o reforço destas margens de autonomia relativa dos actores podem ser facilitados ou, pelo contrário, dificultados, não apenas pela sua acção e pela sua capacidade de intervenção e reinvindicação, mas também pelas próprias características das regras constantes dos «modelos decretados» e pelas práticas da administração central e das suas estruturas desconcentradas.” (ibidem, 1996a:16)

1.1. Entre uma Gestão Autónoma e uma Gestão da Autonomia

Atendendo aos contextos, aos fundamentos e aos modos como a autonomia escolar tem vindo a ser encarada e a expandir-se, parece-nos pertinente a questão que serve de mote a este ponto, afinal que critérios e entendimentos estão subjacentes nas políticas de promoção da autonomia? Trata-se de permitir e reconhecer uma gestão autónoma ou, ao invés, de encontrar formas para “gerir” a autonomia das escolas?

Entendemos que a autonomia tem vindo a ser gerida quer pela organização da administração tendencialmente centralizada-desconcentrada, quer pelos normativos que, invocando a descentralização e apontando a gestão autónoma como finalidade, consentem poucas margens de autonomia e enquadramentos mínimos muito limitados, conduzindo a uma autonomia enquanto norma.

Como Barroso (1997), defendemos a autonomia escolar como um meio e não como um fim em si mesma, pelo que não se trata de “dar” autonomia às escolas, mas antes de alargar a substância e a amplitude dos processos de decisão envolvidos (Afonso, 2000).

Assim, a política de promoção da autonomia pode definir-se como “[ …] as iniciativas que visam aumentar o poder de decisão localizado no interior da escola, por transferência de poder anteriormente localizado num qualquer nível da burocracia da administração educativa. […] e pode caracterizar-se em função de três critérios.” (ibidem:208). Quanto ao critério da substância, o conteúdo dos poderes transferidos para a escola podem situar-se ao nível da gestão orçamental, da gestão de recursos humanos e

15

A este propósito, Afonso (2000:205) refere quatro tipos de dependências na análise da autonomia da escola: de teor político, técnico e pedagógico; de natureza jurídica, administrativa e financeira; face à comunidade e à opinião pública; e das relações com o mercado.

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25

da gestão do currículo. O segundo critério, a magnitude desses poderes, permite considerar o volume de poder efectivamente transferido. O terceiro critério baseia-se no modo como os poderes transferidos serão exercidos no interior da escola, ou seja, na modalidade da transferência (Drury e Levin, 1994, cit in Afonso, 2000:208).

Neste sentido, o estudo “Eurydice, a Rede de Informação sobre Educação na Europa” (2007:17) apresenta níveis de autonomia que envolvem áreas de responsabilidade e graus de autonomia distintos. Assim, estes variam entre quatro categorias:

“[…] autonomia total ocorre quando uma escola toma decisões, dentro dos limites previstos na lei ou no quadro regulamentar geral relativo à educação, sem a intervenção de organismos externos (mesmo que tenha de consultar autoridades superiores), […]

autonomia limitada sucede quando as escolas tomam decisões no quadro de um

conjunto de opções pré-definidas por uma autoridade educativa superior ou têm de obter aprovação das mesmas junto de uma autoridade superior […], sem autonomia quando não tomam decisões numa determinada área.”

A quarta categoria definida neste contexto existe apenas nas estruturas organizacionais de alguns países, como nos Países Baixos, na Dinamarca ou na Finlândia, e refere-se à possibilidade do organismo administrativo ou autarquia local poderem delegar ou não nas escolas os seus poderes de decisão em certas áreas.

De facto, e não obstante o reconhecimento de áreas diversas de responsabilidade das escolas, como a utilização de fundos públicos, a angariação e utilização de fundos privados, em matéria de directores, de pessoal docente e não docente, o cerne da autonomia prende-se com o grau em que essas responsabilidades são atribuídas. Em Portugal, e por referência a cada uma das diferentes áreas, as escolas ou têm autonomia total ou não têm autonomia de todo.

Assumindo que a tradição portuguesa é caracterizada pela promiscuidade entre o político e o administrativo tanto na produção legislativa e normativa como nas práticas dos actores, Afonso (2000:211) assume que “[…] a iniciativa política de promoção da autonomia das escolas públicas se desenvolve no quadro de bloqueamentos estruturais significativos, tanto no que se refere à lógica de funcionamento da administração educativa, como no que diz respeito ao exercício do poder no interior da escola.”

De um modo geral, há uma tendência para que alguns países permitam mais autonomia do que outros nas áreas da gestão de recursos financeiros e humanos (Eurydice, a Rede de Informação sobre Educação na Europa, 2007). É o caso da Bélgica, da Irlanda, da Eslovénia, da Suécia e do Reino Unido e, ainda, embora com muitas

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decisões sujeitas a aprovação da autoridade superior, a Hungria e a Polónia. No sentido oposto a estes, temos países em que a autonomia outorgada é mais reduzida, é o caso da Alemanha, da Grécia, do Luxemburgo, de Malta, da Áustria, do Listenstaine e de Portugal. Há ainda o caso do Chipre em que não é concedida autonomia alguma.

De igual modo, é mais esperada a concessão de autonomia às escolas em certas áreas específicas de actividade do que noutras.

Tendencialmente, a gestão dos recursos financeiros (na aplicação destes) e a gestão dos recursos humanos (no recrutamento do pessoal docente e não docente) são as que se apresentam como áreas de decisão mais limitadas ou até inexistentes. Assim,“No que se refere aos recursos financeiros, a autonomia é mais frequente na utilização de fundos públicos em despesas de funcionamento, na angariação de fundos privados através de donativos e patrocínios, no arrendamento de instalações e na utilização de fundos privados na aquisição de bens móveis” (ibidem:27). Quanto à gestão dos recursos humanos, as escolas dispõem de mais autonomia na gestão do pessoal não docente do que na do pessoal docente. Aliás, a este respeito, Ortega(1999:34) refere que, em Espanha, a possível gestão de pessoal docente é praticamente nula, mas cabe ao director decidir manter (ou não) na escola os professores não efectivos; por outro lado, no que se refere à gestão económica a autonomia da direcção é também muito reduzida já que o orçamento global é definido pela administração.

Podemos então considerar que as políticas em causa encontram-se associadas “aos paradigmas que fundamentam as mudanças conservadoras na forma de pensar a sociedade e a gestão educacional. A estratégia usada tem até a aparência de novas políticas para melhorar a educação, mas a essência do discurso é facilmente desmitificada se questionarmos o seu carácter público e democratizante” (Melo, 2000:244, cit in Martins, 2009:71).

Neste entendimento, “o êxito que as propostas de descentralização têm tido nas agendas políticas dos últimos anos não se fica a dever à sua possível eficácia (aliás problemática e precária), mas sim à sua considerável utilidade política, enquanto forma de „gestão do conflito social‟ e forma de „legitimação compensatória‟. (Barroso, 2006:28).

Ainda quanto à possibilidade de “esbarrarmos” numa política de autonomia demasiado formalizada, E. Ferreira (2008) alerta para o facto de que a autonomia como uma solução não deve ser entendida nem analisada com base em discursos mais ou menos bem intencionados, referindo-se ao “processo de génese e implementação de uma

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autonomia crísica, no sentido em que se acentua a centralização e a burocratização do sistema educativo e aumenta o desânimo dos professores, obrigando-os a um sobre-esforço sem sentido” (ibidem:147).

Assim, a autonomia pensada e desejada por estas políticas pode ser vista, não como autogoverno (cf. Barroso, 1997) mas, ao invés, concede às escolas “algum grau de liberdade de execução, adaptação local e operacionalização contextualizada das orientações produzidas por outrem, mesmo assim de forma tutelada e fortemente regulamentada” (Lima, 2006: 8).

Assim, não surgem como fórmula inovadora, parecem antes irromper num contexto de debate em torno da educação em que, mais uma vez, “se promovem, discutem e aplicam medidas políticas e administrativas que vão, em geral, no sentido de alterar os modos de regulação dos poderes públicos no sistema escolar” (Barroso, 2003: 19), salientando-se o hibridismo e complexificação destas políticas educativas.

Mas, importa não dramatizar a crise na implementação destas políticas de reforço de autonomia, pois, se tivermos em conta que a autonomia das escolas tem vindo a propagar-se no seio do sistema educativo através de movimentações que traduzem uma efectiva expressão de uma autonomia não decretada mas praticada (E. Ferreira, 2008:145), poderemos aguardar a fim de verificar se esta é uma lógica crescente, no sentido de uma verdadeira gestão autónoma.

2. Sentidos e entendimentos em torno da autonomia escolar

A autonomia, assim como a descentralização, emergiram no contexto de reformas educativas que prometiam um «mundo educativo feliz»16. Neste sentido, a autonomia tendia a ser “proclamada” na retórica política como propiciando sobretudo benefícios – como a distribuição e democratização do poder, a promoção da eficácia, das culturas de aprendizagem e da formação centrada na escola. Aliás, Lima e Afonso (1995) referem mesmo que a autonomia surge como uma espécie de «Terra Prometida» e E. Ferreira (2007) acentua o carácter tendencialmente positivo que as pessoas conferem ao conceito

16

Conforme Estêvão assinalou na conferência “Algumas reflexões (quase) perversas sobre uma temática abençoada”, proferida na FPCEUP em Dezembro de 2009.

(29)

28

de acordo com a sua própria experiência de autonomia, isto é, um entendimento da autonomia dependente da realização humana17.

Mas, simultaneamente, o contexto em que ocorrem as propostas de autonomia enquadra-se num ressurgimento do liberalismo político e mercantil, de racionalismo económico. Assim, a reivindicação da autonomia traz razões contraditórias: por um lado, exigindo a desregulação, por outro, trazendo uma re-regulação.

Ora, este sentido sobre a escola realça a dimensão política e, como afirma Estêvão (2001:71), “também ética da escola, que justifica a sua compreensão como uma arena social e política, pelo relevo dado ao poder e privilégio, aos interesses e influências, às racionalidades e argumentações, às práticas (micro) emancipatórias ou de subjugação, às dinâmicas de coordenação da acção”. Ao salientarmos estes aspectos, questionam-se as possibilidades regulatórias e emancipatórias, que o processo de autonomia encerra, esclarecendo-as na perspectiva do desenvolvimento de uma escola mais ajustada, livre, justa e democrática.

Com Lima (2006: 56) pensamos que “Uma pedagogia da autonomia e da responsabilidade, (…) não é praticável à margem de escolas dotadas dos graus de autonomia indispensáveis ao exercício daquela prática pedagógica, ou seja, a constituição de sujeitos pedagógicos autónomos exige uma escola mais democrática e mais autónoma”.

Se quisermos, e nas palavras de Freire (1997:121), a autonomia é “amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladas de decisão e de responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas de liberdade.”. Deste modo, e seguindo E. Ferreira (2007 e 2009), a autonomia pressupõe desenvolvimento livre e capacidade para pensar, decidir e agir, de acordo com o sentido de liberdade e a responsabilidade de gerir as diversas dependências individuais ou grupais encontradas nos contextos sociais. De modo sinóptico, assume-se um entendimento da autonomia enquanto processo, vivência, política de vida – autoria.

Barroso (2000) afirma que, tanto a administração do sistema, como a gestão interna das escolas, são marcadas pelo reconhecimento formal de um maior grau de autonomia destas, ou seja, pela atribuição de competências e recursos às escolas.

Com este autor, assume-se que, na administração do sistema,

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29

“[…] a autonomia aparece ligada: à diminuição do controlo hierárquico sobre as escolas, com a consequente reconversão das funções da administração central e regional; à participação das escolas e dos seus membros na definição e execução das políticas educativas, através do alargamento do seu campo de decisão administrativa, pedagógica e da gestão dos recursos; ao desenvolvimento de redes de escolas.” (ibidem:173).

Quanto à gestão das escolas, “a autonomia aparece ligada à constituição de organizações pós-burocráticas, com reforço da participação dos diferentes elementos que formam esta organização, com o desenvolvimento de novos tipos de liderança, com a definição de projectos educativos no quadro de relações contratuais com a administração estatal.” (ibidem).

Já para Derouet (1992, cit in E. Ferreira, 2007:123), enfatizando a ideia de que a autonomia tende a favorecer os ideiais igualitários e democráticos, “A autonomia é a capacidade que a escola tem de construir uma definição de bem comum local, correspondente a ideiais de Democracia de criar debate democrático, disputa democrática, conquista de direito, conquista de bem comum.”

Normalmente, a autonomia surge então associada a formas de participação democráticas, contudo nem sempre esta emerge neste sentido.

Estêvão (2004:85) alerta assim para as diversas lógicas que podem estar na base da reivindicação da autonomia das escolas: a lógica do “mundo industrial” (rendimento máximo e racionalização da gestão), a lógica do “mundo cívico” (igualdade, democracia, participação e emancipação), a lógica do “mundo mercantil” (competitividade e concorrência), a lógica do “mundo doméstico” (maior relação e proximidade dos actores escolares) e a do “mundo mundial” (a relevância do local trazida pela globalização e pela transnacionalização).

Então, a autonomia pode surgir enquanto instrumento conservador, de carácter gerencialista e empresarial.

Mobilizada neste sentido, a autonomia adopta os preceitos da “ideologia do gerencialismo hierárquico”, ou seja, conserva uma ideologia hierárquica do sistema burocrático. A crise institucional da escola agrava-se pois com a presunção de que esta se solucionará a partir da introdução de métodos e técnicas de gestão com bons resultados nas organizações privadas, empresariais.

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30

Segundo Estêvão (2009)18, certas formas de autonomia podem constituir-se como “jaulas de ferro” que servem para integrar os actores educativos locais nas redes da ideologia do intervencionismo radical da nova direita.

Assim, com a autonomia, o controlo pode exercer-se quase perversamente, num controlo “sem mãos”. De facto, a tendência é para mobilizar uma linguagem que fala em incentivos, em auto-controlo, em lealdade para com a organização. Mas esta pode apresentar-se nos termos Foucaultianos da autonomia enquanto panóptico, ou seja, “A autonomia é uma tecnologia moral e uma prática disciplinadora: aumenta o poder dos indivíduos ao mesmo tempo que os torna mais dóceis – mais normalizados” (ibidem).

Ao nível curricular, a autonomia pode dar lugar ao desenvolvimento do currículo como um subtil mecanismo de legitimação e gestão dos próprios interesses da administração, ao serviço de propostas conservadoras. Ao nível da gestão, e sob a influência do liberalismo mercantil, os gestores educativos podem tender, numa urgência de responder a exigências vindas “de cima”, a abandonar o seu compromisso com a justiça social, preocupados com a excelência, a eficácia e a eficiência. Assim, a relação entre autonomia e justiça torna-se ambígua e complexa.19

Neste seguimento, a autonomia pode apresentar diversas faces, que variam consoante os princípios e racionalidades que são defendidas e praticadas e que cumprem vários fins.

Para Lima (1995), esta ambiguidade não pode ser resolvida em torno do desenvolvimento de processos e dispositivos de recentralização por controlo remoto, sendo que “…a escola não será apenas uma instância hetero-organizada para a reprodução, mas será também uma instância auto-organizada para a produção de regras e a tomada de decisões, expressão possível da actualização de estratégias e de usos de margens de autonomia dos actores.” (Lima, 1996:31).

De facto, algumas pesquisas produzidas em torno da autonomia escolar (Barroso, 1996, 1997 e 2004; Lima, 1996 e 2006; Sarmento, 2000b; E. Ferreira, 2004 e 2007) têm sugerido a existência de autonomias que resultam de diferentes recomposições da acção autónoma dos actores escolares, já que os diferentes usos que os actores fazem das suas

18

Conferência proferida na FPCEUP em Dezembro de 2009: “Algumas reflexões (quase) perversas sobre uma temática abençoada”.

19

O aumento da desigualdade é a tendência das reformas orientadas para a descentralização e a autonomia (por exemplo, entre os estados nos Estados Unidos da América).

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margens de autonomia, conferem à organização escolar uma autonomia relativa (Lima, 1996).

Considerando as diversas dimensões e princípios presentes no conceito de autonomia (Ferreira, 2007), reconhece-se a pluralidade deste conceito pois “…a autonomia é sempre uma palavra plural, relativa e por relação com, relacional…” (Ibidem:95). Salienta-se o seu carácter relativo e relacional e, portanto, a autonomia tem que ver com desenvolvimento humano e interacção social, pressupondo

“desenvolvimento livre e capacidade para pensar, decidir e agir, de acordo com o sentido de liberdade e a responsabilidade de gerir as diversas dependências, individuais ou grupais, encontradas nos contextos sociais. A autonomia pressupõe, em certa medida, autogoverno dos indivíduos e das organizações, no sentido que ambos se têm de reger por regras próprias, de acordo com as suas normas sociais.” (ibidem:118).

Numa dualidade implícita ao próprio conceito, alguns autores têm descrito a autonomia através de imagens, como Amaral e Magalhães (2001) com a metáfora da “Cabeça de Janus” e E. Ferreira (2007) com a “Lenda da Estátua com Pés de Barro”, simbolizando a confluência de lógicas contraditórias, entre as lógicas de regulação e emancipação e a promoção da descentralização e autonomia institucional.

Com Barroso (2004), reconhecemos a autonomia escolar como Ficção

Necessária,

“…uma ficção na medida em que raramente o discurso político e a sua aplicação esteve sempre longe da concretização efectiva das suas melhores expectativas. Mas ela tem sido uma “ficção necessária” porque é impossível imaginar o funcionamento democrático da organização escolar e a sua adaptação à especificidade dos seus alunos e das suas comunidades de pertença, sem reconhecer às escolas, isto é aos seus actores e aos seus órgãos de governo, uma efectiva capacidade de definirem normas, regras e tomarem decisões próprias, em diferentes domínios políticos, administrativos, financeiros e pedagógicos.” (49-50).

Baseada em perspectivas mais democráticas ou delimitando os direitos de cidadania, e no limite, a autonomia pode tender para a criação escolas de excelência por oposição a escolas ghetizadas, ou seja, “…a autonomia pode claramente levar a escola e os seus responsáveis a fecharem-se, concentrando-se apenas no que se passa no domínio restrito da escola, pondo de parte outras preocupações, designadamente as relacionadas com o contexto socioeconómico e político mais amplo” (Estêvão, 2004:88).

A autonomia das escolas é então entendida não só como um fim de natureza política e cívica, mas também como um meio para “[…] melhorar o serviço público de educação, potenciar o aperfeiçoamento e desenvolvimento profissional dos professores,

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