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1.A Relação Contratual no Reforço da Autonomia Escolar

3. Processo de Contratualização da Autonomia em Portugal

3.1. Enquadramento dos Contratos de Autonomia nos normativos

Como referimos no ponto anterior, os CA celebrados entre as escolas e o Ministério da Educação foram assinados no ano 2005 (o primeiro CA, da Escola da Ponte), no ano 2007 (com 22 escolas) e no ano 2010 (com o AE Campo Aberto – Beiriz). Assim sendo, os primeiros 23 CA foram celebrados ao abrigo do Decreto-Lei n.º115- A/1998, contudo o da Escola da Ponte celebrou-se antes mesmo de ter sido publicada a matriz prevista nesse decreto (em anexo à Portaria n.º 1260/2007). O único CA celebrado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 75/2008 foi o mais recente, sendo que ainda não foi publicada nova portaria. Não obstante, os 22 CA celebrados em 10 de Setembro de 2007 apontavam ser já um ensaio para o actual regime de autonomia, administração e gestão das escolas.

Importa apontar que, segundo o 1º ponto da Portaria n.º 1260/2007, o contrato de autonomia será estabelecido entre as escolas e a respectiva Direcção Regional de Educação em “regime de experiência pedagógica”.

De acordo com o Decreto-Lei n.º 115-A/1998, “A autonomia da escola desenvolve-se e aprofunda-se com base na iniciativa desta e segundo um processo faseado em que lhe serão conferidos níveis de competência e de responsabilidade acrescidos, de acordo com a capacidade demonstrada para assegurar o respectivo exercício.” E ainda que “Os níveis de competência e de responsabilidade a atribuir em cada fase do processo de desenvolvimento da autonomia são objecto de negociação prévia entre a escola, o Ministério da Educação e a administração municipal, podendo conduzir à celebração de um contrato de autonomia, nos termos dos artigos seguintes.” (artigo 47º, n.º1 e nº2). Neste sentido, “Por contrato de autonomia entende-se o acordo celebrado entre a escola, o Ministério da Educação, a administração municipal e, eventualmente, outros parceiros interessados, através do qual se definem objectivos e se fixam as condições que viabilizam o desenvolvimento do projecto educativo apresentado pelos órgãos de administração e gestão de uma escola ou de um agrupamento de escolas.” (artigo 48º, n.º1).

Neste decreto, assim como acontece depois no Decreto-Lei n.º 75/2008, o desenvolvimento da autonomia das escolas é apresentado como um processo faseado,

44 Para uma leitura dos princípios e disposições gerais relativos aos normativos (Decretos-Lei n.º 115-

A/1998 e n.º 75/2008) e aos CA consultar Apêndice II. Ao elaborarmos a grelha que aí se apresenta, não se pretendeu comparar os documentos – até porque são de natureza distinta – mas antes permitir uma leitura síntese de algumas ideias que permitem compreender este enquadramento.

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como de resto havia sido proposto por Barroso (1997). Assim, há requisitos prévios a ser preenchidos pelas escolas para a apresentação da proposta do contrato de autonomia, numa primeira fase, o funcionamento dos órgãos de administração e gestão de acordo com o respectivo diploma e, numa segunda fase, uma avaliação favorável no final do contrato de autonomia da primeira fase, quanto à prossecução dos objectivos do projecto educativo e ao grau de cumprimento do plano de actividades e dos objectivos contratualizados (Decreto-Lei n.º 115-A/1998, art.º n.º4 e n.º5).

Se atendermos aos requisitos previstos no Decreto-Lei 115-A/1998, único normativo que regeu a celebração de contrato de autonomia com a “Escola da Ponte” (primeiro CA celebrado em 2005), percebemos que esta escola não se encontrava a funcionar com os órgãos de administração e gestão de acordo com o regime referido no diploma. Nem passou a reger-se. Aliás, como refere Martins (2009: 248) na análise desta contratualização, “o contrato de autonomia é uma forma de validar a morfologia em questão”, já que

“Apesar do reconhecimento público, expresso das mais variadas formas ao longo de mais de um quarto de século, da qualidade do Projecto e da coerência das práticas que dele decorrem, nunca a administração educativa procurou, até hoje, estabilizar a situação da Escola, reconhecendo-lhe formalmente um estatuto que delimitasse as fronteiras da autonomia que reivindica e, na prática, vem assumindo, que, em diversos aspectos, estão muito para além das que o próprio Decreto-Lei nº 115-A/98 consagra.” (CA, 2005: 1).

Assim, “a manutenção, em termos genéricos, da morfologia da Escola da Ponte deve-se, na nossa óptica, ao lugar que esta ocupa, possuindo uma história e cultura em termos de autonomia e, simultaneamente, possui também um capital no que se refere às negociações/reivindicações junto do Ministério da Educação” (Martins, 2009: 249).

Neste, que foi o primeiro e único contrato de autonomia em Portugal – até 2007, entende-se que este documento deve servir para reconhecer e legitimar a autonomia desenvolvida nesta escola mais até do que trazer meios para o seu reforço, já que

“o Projecto Fazer a Ponte vem sendo desenvolvido numa lógica de progressiva autonomia, antecipando, por um lado, inovações curriculares e pedagógicas que a administração educativa acaba, mais tarde, por acolher e, em parte, tentar generalizar ao todo nacional (…) e dando origem, por outro, a um modelo de organização de escola que, em muitos aspectos, diverge do modelo prevalecente de escola pública estatal.” (CA, 2005: 1).

Não obstante os requisitos definidos nesse diploma, a portaria n.º1260/2007 – que aprova a matriz dos contratos de autonomia – fixa as seguintes condições para a celebração dos mesmos:

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“a)Adopção por parte da escola de dispositivos e práticas de auto-avaliação; b)Avaliação da escola no âmbito do Programa de Avaliação Externa das Escolas; c)Aprovação pela assembleia de escola e validação pela respectiva direcção regional de educação de um plano de desenvolvimento da autonomia que vise melhorar o serviço público de educação, potenciar os recursos da unidade de gestão e ultrapassar as suas debilidades, de forma sustentada.” (artigo 3.º).

Ora, percebe-se que o hiato temporal (nove anos) entre o Decreto-Lei 115-A/1998 e a portaria que aprova os contratos de autonomia traz alterações no entendimento deste processo, não só no que respeita às condições necessárias para a celebração do contrato de autonomia, mas também no entendimento deste, já que “O contrato de autonomia preconizado no Decreto-Lei n.º 115-A/1998, de 4 de Maio, que implica compromissos e deveres mútuos nele acordados e consagrados, assume-se como um instrumento de gestão pivilegiado no sentido da oferta de melhores condições para a realização pelas escolas do serviço público que lhes está confiado.” (portaria nº1260/2007, preâmbulo). Este é então reforçado enquanto instrumento para a concretização, não só do projecto educativo da escola, mas do projecto público de educação, pois “O contrato de autonomia assenta no princípio de que a escola constitui um serviço responsável pela execução local da política educativa nacional e prestadora de um serviço público de especial relevância.” (ibidem, artigo 4.º, n.º1).

No que respeita ao desenvolvimento da autonomia, o Decreto-Lei n.º 75/2008 acrescenta que “A celebração de contratos de autonomia persegue objectivos de equidade, qualidade, eficácia e eficiência.” (art.º 56º, n.º3).

Aliás, uma forte componente que ressalta deste processo de contratualização é a preocupação com resultados mensuráveis e comparáveis, reforçando a ideia do “paradigma da educação contábil45” (Lima, 1997:43) que dá conta de uma diversidade de

práticas que privilegiam as políticas de mercado, da gestão da qualidade e das práticas mensuráveis. Uma educação contabilizada em números, congruentes com as políticas de educação gerencialista e que se conta, se traduz em mensurações, avaliações e inspecções referenciadas à modernização e à privatização da educação.

No que concerne aos princípios emanados nos CA, estes apontam, essencialmente no sentido da melhoria dos resultados, tendo em vista o sucesso educativo e a erradicação (ou diminuição) do abandono escolar, mas também surge a preocupação com o envolvimento da comunidade educativa no desenvolvimento do projecto educativo das

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Texto policopiado do trabalho apresentado pelo autor na XIX Reunião anual da ANPED, Caxambu, Setembro de 1996, entretanto publicado.

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escolas. A este propósito pode ler-se num dos CA, apontada como debilidade “a fortíssima atenção aos aspectos sócio-afectivos, com menor ênfase nos resultados académicos.” (CA, AE6: 2). O alargamento da oferta educativa e a organização de modelos alternativos de agrupamentos de alunos surgem essencialmente nos CA dos AE.

Os normativos especificam ainda os domínios em que a atribuição de competências se processa. No art.º 58º do Decreto-Lei n.º 75/2008 estão especificados esses domínios (que se aproxima do que estava previsto no decreto anterior):

a)Gestão flexível do currículo, com possibilidade de inclusão de componentes regionais e locais, respeitando os núcleos essenciais definidos a nível nacional;

b)Gestão de um crédito global de horas de serviço docente, incluindo a componente lectiva, não lectiva, o exercício de cargos de administração, gestão e orientação educativa e ainda o desenvolvimento de projectos de acção e inovação;

c)Adopção de normas próprias sobre horários, tempos lectivos, constituição de turmas ou grupos de alunos e ocupação de espaços;

d)Recrutamento e selecção do pessoal docente e não docente, nos termos da legislação aplicável;

e)Extensão das áreas que integram os serviços técnicos e técnico-pedagógicos e suas formas de organização;

f)Gestão e execução do orçamento, através de uma afectação global de meios; g)Possibilidade de autofinanciamento e gestão de receitas que lhe estão consignadas; h)Aquisição de bens e serviços e execução de obras, dentro de limites a definir;

i)Associação com outras escolas ou agrupamentos de escolas e estabelecimento de parcerias com organizações e serviços

Os CA são acompanhados pelos Planos de Desenvolvimento da autonomia (que enquadram a proposta do contrato, nomeadamente através da sua operacionalização). A avaliação da sua implementação deverá resultar na produção de Relatórios Anuais de Progresso pelas escolas, acompanhados de pareceres das Comissões de Acompanhamento Local.

Apesar das medidas regulamentares definidas nos contratos, tem-se verificado uma inércia no faseamento do processo de contratualização da autonomia.

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Capítulo III