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Concepção do Contrato de Autonomia numa Visão de Reterritorialização

1.A Relação Contratual no Reforço da Autonomia Escolar

2. Concepção do Contrato de Autonomia numa Visão de Reterritorialização

Ao longo dos últimos vinte anos, tem-se assistido a reformas educativas que vão no sentido de dotar as escolas de mais autonomia, o que, na realidade, nem sempre se tem traduzido em resultados práticos (Barroso, 1998). Como refere o autor, “a falência das reformas que têm sido tentadas […] ficou a dever-se, muitas vezes, à adopção de uma perspectiva a-histórica, por parte dos políticos e dos reformadores que os leva a ignorar o carácter construído das instituições escolares e a origem das suas especificidades.” (ibidem: 19).

Nesta lógica, uma política que vise a promoção do sucesso educativo deve ter como instrumento essencial o reforço da autonomia das escolas, de modo a levar à construção de projectos com significado e impacto junto de cada comunidade educativa. Assim, a autonomia depende do contexto em que é exercida e das condições que a escola tem para a exercer, sendo que “Falar de «autonomia da escola» significa reconhecer a escola não só como «unidade administrativa», mas também como uma «unidade social».” (ibidem:26).

Formosinho e Machado (1999:114) defendem que um programa de reforço da autonomia, num contexto de territorialização das políticas educativas, deve assumir que “um processo de outorga de autonomia às escolas deve partir daquela que cada uma já dispõe e exerce, desenvolver-se de uma forma gradual, diversificada e sustentada e assumir um modelo do tipo contratual que, no quadro de um processo de descentralização, comprometa as partes contratantes…”.

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Neste sentido, o Decreto-Lei 115-A/98, que aprovou o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, prevê a “figura inovadora dos contratos de autonomia.” (preâmbulo). Considera-se ainda que se trata de “favorecer decisivamente a dimensão local das políticas educativas e a partilha de responsabilidades.” (ibidem).

De facto, “…o vetor principal da descentralização educativa é o da Territorialização da decisão, isto é, o reconhecimento de que os territórios são recursos instrumentais para a democratização e a eficiência. A crítica à homogeneidade e a defesa de uma democracia próxima dos atores, com competências para interpretar localmente as decisões centrais, são aspectos fulcrais das políticas descentralizadas.” (Pacheco, 2000:143).

Neste entendimento, a concepção inicial dessa política e, portanto dos contratos de autonomia, parece então integrar-se no contexto da territorialização das políticas educativas, no sentido em que se transferem poderes e funções “[…] do nível nacional e regional para o nível local, reconhecendo a escola como um lugar central de gestão e a comunidade local (em particular os pais dos alunos) como um parceiro essencial na tomada de decisão.” (Barroso, 1997: 9).

De facto, “Em Portugal, o discurso do poder político tem vindo a importar conceitos e preocupações, por vezes descontextualizados, produzindo uma retórica de territorialização, de contratualizadção, de autonomia, de parceria e de partenariado, etc., sem criar, no entanto, um contexto favorável e fomentador da diversidade e da iniciativa social autónoma.” (Formosinho e Ferreira, 2000:79).

Neste seguimento, os princípios emanados pelo actual Regime de Autonomia, Administração e Gestão das Escolas (Decreto-Lei n.º 75/2008), parecem conduzir também às visões de territorialização apresentadas por alguns autores (Barroso, 1997; Leite, 2005; Pacheco, 2000).

Ao perscrutar os princípios emanados pelo Decreto-Lei n.º 75/2008 (reforçar a participação das famílias e comunidades na direcção estratégica dos estabelecimentos de ensino, reforçar as lideranças das escolas e reforçar a autonomia das escolas), parece que estes conduzem à visão apresentada por Barroso em que

“O conceito de territorialização é utilizado para significar uma grande diversidade de princípios, dispositivos e processos, inovadores, no domínio da planificação, formulação e administração das políticas educativas que, de um modo geral, vão no sentido de

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valorizar a afirmação dos poderes periféricos, a mobilização local dos actores e a contextualização da acção política” (ibidem: 10).

De facto, neste decreto, o princípio da contratualização da autonomia assegura que “A celebração dos contratos de autonomia persegue objectivos de equidade, qualidade, eficácia e eficiência” (Art.º56º). Contrato esse que visa assegurar condições para o desenvolvimento do Projecto Educativo da Escola e o aprofundamento da autonomia, já que “o contrato só tem sentido como meio de assegurar as finalidades cívicas da educação, no quadro de um empowerment dos actores educativos.” (Sarmento, 1999:36).

Parecem coexistir algumas ambiguidades, e até mesmo alguma conflituosidade, no que concerne à sua tradução em diploma legal e à sua efectiva implementação, já que neste processo parecem surgir lugares ambíguos em que se assiste, por um lado, a uma lógica de mercado, e, por outro, ao reforço do peso e do papel da comunidade educativa (Magalhães e Stoer, 1998).

Na busca da promoção da qualidade escolar, entendemos que o reforço da autonomia das escolas em Portugal, nomeadamente pelo contrato de autonomia, tem apontado então para uma (re)territorialização, no sentido em que se (re)forçam os princípios da transferência poderes e de competências “do nível nacional e regional para o nível local, reconhecendo a escola como um lugar central de gestão e a comunidade local (em particular os pais dos alunos) como um parceiro essencial na tomada de decisão.” (Barroso, 1997:9). Mas, embora tenham sido transferidas algumas competências para as escolas através do CA, o reforço dos poderes locais não se tem verificado, tendo havido um reduzido impacto na capacidade decisória das escolas com contrato (Adão, 2009).

Assim, ao analisar o modo como estas políticas se concretizaram, atendendo ao hiato entre a sua concepção e a sua execução, os CA parecem inserir-se num contexto de (re)territorialização das políticas educativas, manifestando algumas contradições e ambiguidades entre os princípios e a sua efectiva implementação, “reconceptualizando a expressão „territorialização da política educativa‟ e associando-a, agora, não propriamente a uma democratização de poderes, mas antes a uma eficaz disseminação geográfica e a uma fiel realização das directivas centralmente produzidas para todos os territórios escolares.” (Lima, 2006:56).

Tendo em conta as considerações acima apresentadas, a contextualização dos contratos de autonomia numa visão de (re)territorialização das políticas educativas relaciona-se, por enquanto, apenas com a concepção inicial dos mesmos, na medida em

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que, por um lado, não se pretende “pôr em causa o papel do Estado na produção de uma identidade nacional e instância integradora da coesão social, no domínio da educação, mas permite que essa função do Estado se faça no respeito pelas identidades locais (e das suas autonomias) e em parceria com as comunidades locais” (Barroso, 1997: 12). Por outro, e segundo Formosinho e Machado (2000:109), o funcionamento das instituições educativas é caracterizado num contexto em que se assiste “a persistências de práticas centralizadoras da administração pública e, em particular, da administração educativa, independentemente da retórica que apela à autonomia dos actores locais”.

Trazendo a metáfora do Deus Jano31, Pacheco esclarece que

“… a territorialização incorpora, além da face independente, a face dependente, visível na contratualização, visto que não há autonomia sem dependência. Com efeito, o contrato traduz o esforço de integração, através da discussão e negociação, de interesses particulares nos interesses comuns e formaliza o conjunto de convenções destinadas a reduzir os conflitos que a liberdade e os propósitos particulares geram. A contratualização da política educativa impõe, por um lado, o compromisso e a reciprocidade, por outro, estabelece regras que delimitam a intervenção dos atores. Se esta contratualização é excessiva, então o território local pode não passar de uma peça local da política centralizada.” (2000:148-149).

Esta dúvida colocada pelo autor fundamenta-se no modo como o processo de construção e reforço da autonomia das escolas tem vindo a ser conduzido. De certo modo, Barroso (1998) alerta para a possibilidade de este processo poder transformar-se num simples expediente de transferência de responsabilidades da administração estatal para as organizações periféricas.

Sarmento (1999:33) aponta então a autonomia e os contratos de autonomia como estando “no coração das transformações reabilitadoras do espaço público educacional. Mas, o que se coloca então em causa “é a adopção das condições políticas e estruturais de realização pelas escolas de projectos educacionais capazes de promover as finalidades cívicas de educação pública, através da construção de uma acção educativa participada e adequada aos contextos concretos em que se realiza.”

Outros dispositivos foram já desenvolvidos no sentido de dotar as escolas de apoios mais específicos32. Mas os contratos de autonomia, ao estenderem-se à totalidade

31 Metáfora também trazida por Amaral e Magalhães (2001) na conceptualização da autonomia escolar. 32 Como por exemplo os projectos de escola apoiados pelo PEPT 2000. Ainda neste âmbito consideram-se

os programas TEIP (Território Educativo de Intervenção Prioritária) que têm vindo a ser alargados a várias escolas.

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das escolas, podem levar a que estes passem a ser a forma normal de administração e não uma forma adaptada a finalidades específicas e singulares.

A este propósito, Estêvão (2009)33 traz-nos também uma metáfora: a do paraíso relativamente aos contratos de autonomia. Se a autonomia aponta no sentido de alcançar o paraíso, então devemos ter cuidado porque depois surge a serpente. Neste sentido, “o contrato aparece, (…) como um instrumento aparentemente eficaz para gerir a “autonomia profissional” dos professores, num quadro de crise da regulação burocrática e da emergência de novas formas de governação, (governance), substituindo o controlo hierárquico pelo autocontrolo, a obrigação dos meios pela obrigação dos resultados, a regulamentação pela avaliação” (Barroso, 2006: 32).

Martins (2009:51), sobre a autonomia e os contratos de autonomia refere: “naturalmente que, em paralelo com este processo de “singularização” das escolas, terá de haver a descentralização administrativa (…). O triângulo descentralização, autonomia, democratização tem de ser respeitado escrupulosamente na vida educativa escolar – eis o que não poderá ser esquecido”.

Reconhece-se então que a administração do Estado se deva reforçar como garante da equidade, sendo que o CA implicará sempre duas partes – as escolas e o Estado. É assim que entendemos a questão da autonomia das escolas “como uma questão de iniciativa, na medida em que estão, fundamentalmente, em causa formas de mobilização e de autorização social.” (Formosinho e Machado, 2000:110). A contratualização da autonomia aparece de facto como um instrumento legitimador de práticas escolares eficazes para o cumprimento e a execução de normas centrais do Estado e não tanto como um instrumento privilegiado para a qualidade da autonomia na escola, baseada no projecto e na autoria. Isto é, o contrato cumpre a demanda da execução em vez da autoria.