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Direitos humanos das pessoas surdas: instrumentos de promoção da igualdade à luz dos tratados internacionais e da legislação brasileira

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

ANA PRISCYLA BRAGA LIMA

DIREITOS HUMANOS DAS PESSOAS SURDAS: instrumentos de promoção da igualdade à luz dos tratados internacionais e da legislação brasileira

NATAL 2019

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DIREITOS HUMANOS DAS PESSOAS SURDAS: instrumentos de promoção da igualdade à luz dos tratados internacionais e da legislação brasileira

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientadora: Professora Doutora Yara Maria Pereira Gurgel

NATAL 2019

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Lima, Ana Priscyla Braga.

Direitos humanos das pessoas surdas: instrumentos de promoção da igualdade à luz dos tratados internacionais e da legislação brasileira / Ana Priscyla Braga Lima. - 2019.

120f.: il.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Natal, RN, 2019. Orientador: Profa. Dra. Yara Maria Pereira Gurgel.

1. Direitos Humanos - Dissertação. 2. Pessoa com deficiência - Dissertação. 3. Pessoa surda - Dissertação. 4. Direitos Fundamentais Dissertação. 5. Convenção Internacional -Direitos das Pessoas com Deficiência - Dissertação. I. Gurgel, Yara Maria Pereira. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/Biblioteca do CCSA CDU 32.7-056.264

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

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Dedico esta produção a todos os surdos que vivem no Brasil e lidam, todos os dias, com as diferentes barreiras existentes em nossa sociedade.

Meu desejo é que as informações reunidas nesta pesquisa sejam úteis a informar, sensibilizar e empoderar.

Informar a todos, para que, conhecendo um pouco mais a realidade e particularidades dos surdos, possamos caminhar na construção de um país mais justo.

Sensibilizar os ouvintes. Que passem a perceber como é a vida numa percepção espaço-visual e não auditiva; que esse exercício incentive a empatia e, além, a busca de soluções.

Empoderar os surdos. Que conhecer seus direitos os aproxime da concretização desses; que as portas das escolas estejam abertas a vocês; as universidades, prontas a recebê-los; e o mercado de trabalho tenha o privilégio de abarcar seus talentos e profissionalismo, na área em que vocês escolherem!

Dedico este trabalho, especialmente, a meus colegas e professores do curso de graduação em Letras-Libras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Entre nós, surdos e ouvintes, fluentes e iniciantes em Libras, as barreiras são superadas todos os dias em espírito de cooperação.

Conhecer e conviver com vocês tornou muito mais fácil acreditar sinceramente no alcance de uma sociedade equânime para os surdos, que valorize o ser humano e compreenda as diferenças como elemento essencial ao sucesso de uma sociedade plural e solidária.

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Um dos textos bíblicos que eu mais gosto é um convite à felicidade. Eclesiastes 11:9 diz: “Seja feliz o teu coração nos dias da sua juventude! Siga por onde seu coração mandar, até onde a sua vista alcançar”. E como sou grata a Deus por esse conselho, pela liberdade contida nele e por saber que tem sido realidade em minha vida.

Sou grata ao meu Senhor porque mesmo quando minha visão é limitada e meu coração só arrisca pequenos passos, Ele me surpreende com oportunidades e alegrias inesperadas. Foi assim nesta caminhada do mestrado. Da aprovação à defesa, os desafios que se apresentaram foram suavizados pela confiança de que Ele é “poderoso para fazer infinitamente mais do que pedimos ou pensamos” (Efésios 3:20).

A meu marido, Abner Braga, toda minha gratidão pela compreensão e incentivo ao longo deste mestrado. Sua crença em mim – neste percurso em que encontrei inseguranças que desconhecia – foi fundamental para a conclusão deste trabalho. Obrigada pela certeza de que este caminho é nosso, apesar de algumas tarefas parecerem ser só minhas, e outras, só suas. Estou sempre disposta a andar a segunda milha contigo.

Àquela que me ensinou a ler e escrever, além de ter-me ensinado a amar, respeitar e viver, meu muito obrigada. Maria Auxiliadora Braga, sua leveza e dedicação ao compartilhar as lições mais importantes da existência me incentivam a enxergar o mundo com esperança. A senhora foi a primeira a me mostrar que as dificuldades são passageiras e as diferenças não existem para criar abismos, mas para nos mover a novos lugares e experiências.

Ao meu pai, Antônio Augusto Lima, minha gratidão pelas lições de fé e independência; elas são muito estimadas por mim. Agradeço também por sempre ter dado o exemplo de amor pela leitura, e por nunca censurar, mas sempre instigar minha curiosidade, afinal, “quem pergunta, aprende mais”.

Sou grata a Thynna Braga Lima, minha amada irmã caçula, que sempre viveu o conceito mais autêntico de não-discriminação que conheço. Seu anseio por justiça e igualdade é nítido e sua alegria em tratar todos com dignidade é contagiante!

Aos “de Santana Lima”, agradeço por compartilharem das histórias e vida comigo. A generosidade de vocês abraça, e a força, ensina. Wannine, Wannise, Tito,

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minha admiração.

Agradeço especialmente a Wannise Lima e meu cunhado Nivaldo Vasconcelos que são entusiastas incuráveis da educação e da academia. Suas orientações são sempre certeiras e amorosas. Obrigada pelas revisões, sugestões e palavras de incentivo; foram essenciais para este trabalho.

Agradeço a meus cunhados e sobrinhos, que trazem tanta alegria a nossas vidas, e especialmente a Isadora, que foi grande incentivadora desta pesquisa, me apressando, sempre que me via, a escrever logo a dissertação.

Meu muito obrigada a meus queridos sogros, Edison Vicente do Nascimento e Valdice Braga do Nascimento. Suas orações, conselhos e pastoreio foram e sempre serão muito importantes para mim. Agradeço o cuidado integral que têm comigo e por comemorarem conosco cada conquista.

Agradeço, na pessoa de Libânia Maria Braga, às minhas tias, que são exemplo de coragem, força e perseverança. Obrigada por terem lutado tanto pela educação em nossa família. Os resultados desta geração foram plantados por vocês.

Sou grata por todo o apoio que recebi e recebo de todos os meus amigos, especialmente das amigas que fazem meu coração sorrir. Ana Luíza Böhme; Tacyla Ribeiro e Talita Tavares, a amizade de vocês é um presente inestimável.

Agradeço a todos os membros da Primeira Igreja Batista de Natal, minha casa há mais de vinte anos. Tenho certeza do papel determinante da igreja em minha caminhada acadêmica. Obrigada por serem também minha família.

Ao meu orientador durante a graduação no Centro Universitário do Rio Grande do Norte (UNI-RN), minha gratidão. Prof. Marcelo Maurício da Silva, obrigada pela generosidade e entrega ao compartilhar saberes.

À minha orientadora de mestrado, Yara Maria Pereira Gurgel, minha gratidão pela condução deste trabalho com responsabilidade e liberdade. Obrigada por compreender a importância deste tema pra mim e me guiar ao alcance dos objetivos. Agradeço, por fim, à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, ao seu Programa de Pós-graduação em Direito, todos os professores e amigos da turma de 2017.2. É uma honra ser aluna desta instituição e contar com professores tão preparados, ao lado de pessoas tão talentosas.

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Que a paz de Cristo seja o juiz em seu coração, visto que vocês foram chamados para viver em paz, como membros de um só corpo. E sejam agradecidos. Colossenses 3:15

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Cerca de dez milhões de pessoas no Brasil são surdas ou têm perda auditiva. Mundialmente, a perspectiva é que novecentos milhões de pessoas venham a ter perda auditiva incapacitante até 2050. Tais números destacam a importância de se refletir sobre a participação social das pessoas surdas interna e internacionalmente, e o acesso dessas pessoas aos direitos fundamentais, como o direito à educação e ao trabalho. Nesse sentido, importa conhecer os principais aspectos sociais que dizem respeito aos surdos no Brasil; estudar a igualdade e os direitos fundamentais, inclusive na perspectiva da Constituição Federal brasileira que declara, logo no início de seu texto, que se destina a assegurar a igualdade, e de que todos são iguais perante a lei; e analisar as normas e jurisprudência nacionais e internacionais, além de documentos de cara relevância aos direitos das pessoas surdas e das pessoas com deficiência, notadamente as declarações e tratados que versam sobre direitos humanos. Com base nesses documentos, propõe-se aqui, através do estudo comparativo, a aplicação do método exploratório para delinear o caminho mais eficaz para a concretização da igualdade material entre surdos e ouvintes no Brasil, baseado nos direitos fundamentais - notadamente os sociais de educação e trabalho - e nos direitos humanos, através do estudo do sistema internacional de proteção dos direitos humanos. Como resultado, observa-se que os compromissos internacionais e nacionais assumidos pelo Brasil em tratados e normas internas visam a proteção dos direitos humanos das pessoas surdas e contam com arrojada previsão normativa, especialmente no que diz respeito ao acesso à educação e trabalho, no entanto, percebe-se que as diretrizes de inclusão das pessoas surdas carece de efetividade conquanto a implementação dessas tem sido feita por meio de ações programáticas que demonstram falhas na continuidade, o que exige um acompanhamento mais rigorosa do Poder Executivo e da sociedade civil.

Palavras-chave: Pessoa com deficiência; pessoa surda; Direitos Humanos; Direitos Fundamentais; Convenção Internacional sobre os direitos das Pessoas com Deficiência.

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About ten million people in Brazil are deaf or suffer from hearing loss. Worldwide, the perspective is that nine hundred million people come to suffer from disabling hearing loss until 2050. These numbers enhance the importance of reflecting upon deaf people’s internal and international social participation, and their access to fundamental rights, like the right to education and to work. In this sense, it’s important to know the main social aspects that relate to deaf people in Brazil; study the equality and fundamental rights, including in the Brazilian Federal Constitution’s perspective, which declares, right in the beginning of its text, that it aims to assure the equality, and that everyone is equal towards the law; and analyze the national and international norms and jurisprudence, beside documents of sheer relevance towards the rights of deaf and disabled people, notably the declarations and treaties that discourse about human rights. Based on these documents, it’s hereby proposed, through comparative study, the application of the exploratory method in order to outline the most effective way for the materialization of the substantial equality between deaf people and hearers in Brazil, based on the constitutional fundamental rights – notably the social ones about education and work – and on the international human rights protection system. As result, it can be observed that the international and national commitments made by Brazil in intern norms and treaties seek deaf people’s human rights’ protection and count on edgy normative forecast, specially when it comes to the access to education and work, however, it’s noted that the inclusion guidelines for deaf people lack effectiveness although their implementation is being made through programmatic actions that show flaws in their continuity, demanding a stricter supervision by the Executive Power and the civil society.

Key-words: Person with disability; deaf person; Human Rights; Fundamental Rights; UN Convention on the Rights of Persons with Disabilities

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Figura 1 - População brasileira, por deficiência... 19 Figura 2 - Pirâmide etária comparativa da população geral e população com deficiência auditiva ... 20 Figura 3 - Pessoas com deficiência auditiva, por grupos de idade... 21 Figura 4 - População com deficiência, por nível de instrução ... 22 Figura 5 - Pessoas com deficiência auditiva, por alfabetização e grupos de idade... 23 Figura 6 - População com deficiência auditiva, por ocupação, por idade ... 24 Figura 7 - População com deficiência auditiva, por classes de rendimento nominal mensal de todos os trabalhos (salário mínimo) ... 25

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AEE Atendimento Educacional Especial

CDDPH Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana

CDPD Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

CF Constituição Federal

CNE Conselho Nacional de Educação

CONADE Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência

DUDH Declaração Universal dos Direitos do Homem ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IES Instituição de Ensino Superior

LBI Lei Brasileira de Inclusão

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação LIBRAS Língua Brasileira de Sinais

MEC Ministério da Educação e Cultura MTE Ministério do Trabalho e Emprego OEA Organização dos Estados Americanos OMS Organização Mundial da Saúde

ONU Organização das Nações Unidas

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PNDH Programa Nacional de Direitos Humanos PNE Plano Nacional de Educação

PNEDH Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos

SDH Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e

a Cultura

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1. INTRODUÇÃO ... 10

2. AS PESSOAS SURDAS NO BRASIL: ASPECTOS SOCIAIS ... 17

3. A NORMA INTERNACIONAL E AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ... 28

3.1. A CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ... 32

3.2. DIREITOS DA PESSOA SURDA NA CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ... 48

4. IGUALDADE, DIREITOS FUNDAMENTAIS E A INCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ... 52

4.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE A IGUALDADE ... 52

4.2. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS: DEFINIÇÕES E PAPEL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA ... 60

4.3. A NATUREZA SOCIAL DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA ... 66

5. DIREITOS DAS PESSOAS SURDAS NAS NORMAS BRASILEIRAS ... 69

5.1. DIREITOS DAS PESSOAS SURDAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ... 69

5.2. DIREITOS DAS PESSOAS SURDAS NAS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS ... 71

6. AS AÇÕES BRASILEIRAS DE PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DAS PESSOAS SURDAS ... 88

6.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DIREITOS HUMANOS ... 88

6.2. AÇÕES PROGRAMÁTICAS PARA A PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DAS PESSOAS SURDAS NO BRASIL ... 94

7. CONCLUSÃO ... 104

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1. INTRODUÇÃO

A realidade do indivíduo surdo em todo o mundo é marcada por tratamentos e comportamentos muito distintos, a depender da época. Numa história mais remota, crianças gregas que nasciam surdas eram mortas. Depois, essas crianças puderam crescer, mas geralmente extirpadas do convívio social.

Na Idade Média, os surdos eram tratados como objetos de curiosidade da sociedade e muitos foram queimados em fogueiras. Também existiam leis que os proibiam de receber heranças, votar e exercer outros direitos que os ouvintes podiam. Entre as primeiras décadas do século XV foi estabelecida a primeira escola para surdos. Ela funcionava em um monastério e tinha dois alunos: irmãos surdos, filhos de aristocratas espanhóis. São da Idade Moderna os primeiros registros de emprego de oralismo1, leitura labial2 e língua de sinais3 entre os surdos.

Em 1857, ainda no período imperial brasileiro, foi fundada a primeira escola para surdos no país, no Rio de Janeiro. Usava-se a língua de sinais numa mistura entre a língua de sinais francesa e sinais já utilizados em regiões brasileiras.

Diante da expansão dos institutos para alunos surdos ao redor do mundo, aconteceu, em 1880, o Congresso Internacional de Surdo-Mudez, em Milão. Nesse evento aconteceu algo que impactaria abruptamente a educação dos surdos: o método oral foi votado como o mais adequado ao ensino e, por isso, incidiu a proibição oficial de uso da língua de sinais, por se entende que essa língua destruía a capacidade de fala dos surdos, que se acomodavam no uso das línguas sinalizadas.

Na ocasião, os professores surdos presentes no Congresso foram impedidos de votar. Os 164 professores ouvintes votantes optaram pelo uso do oralismo e proibição das línguas de sinais em 159 favoráveis. Os cinco votos contrários foram de professores estadunidenses.

É por isso que há, entre o campo que estuda a educação de surdos, uma divisão da história desse povo em três grandes fases: revelação cultural, isolamento

1 Oralismo é um método de ensino para surdos, no qual se defende que a maneira mais eficaz de ensinar o surdo é através de da língua oral, ou falada. Surdos que utilizaram deste método de ensino são considerados surdos oralizados.

2 A leitura labial é uma técnica aplicada principalmente por surdos, em que sons e palavras emitidas pelo interlocutor são captadas pela leitura (interpretação) dos movimentos de seus lábios.

3 Língua composta por estrutura linguística de modalidade espaço-visual que permite a comunicação entre surdos através de sinais feitos com as mãos e expressões faciais e corporais.

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cultural e o despertar cultural. Durante a fase de isolamento, os surdos foram impedidos de usar a língua de sinais por mais de 100 anos.

É a partir dos anos sessenta, no século XX, que a nova fase de aceitação da língua e cultura surda se inicia. Em nossos dias, tem sido vivido o despertar cultural e, com ele, o despertar legal de atenção aos surdos, suas demandas e direitos.

No Brasil, a realidade do surdo era, num passado bem recente, a da marginalização. Os problemas comunicativos começavam em casa, obstando assim o desenvolvimento daquele indivíduo em vários aspectos, como o comunicacional, educacional e até afetivo. A não-participação da pessoa surda em ambientes sociais acabava por prejudicá-la e afastá-la cada vez mais dos desenvolvimentos considerados naturais.

Nos últimos dias, graças à luta da comunidade surda, às conquistas legislativas e avanços nas discussões e pesquisas em torno dos temas sociais que a envolvem, a realidade da pessoa surda conta com contornos mais dignos. Os surdos têm se organizado e ocupado os espaços sociais a fim de fortalecer essa participação cada dia mais.

Direitos elementares que, por muito tempo foram inalcançáveis para as pessoas surdas, têm-lhes sido garantidos através de importantes documentos produzidos em plano internacional e também interno.

Nesse sentido, internacionalmente há a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que, realizada em 30 de março de 2007 em Nova York, inaugurou um importante marco para os 155 países signatários dessa Convenção, incluindo o Brasil, que a ratificou em agosto de 2009, por meio do Decreto nº 6.949.

Tal Convenção, baseada nos ideais de dignidade, liberdade, justiça, paz, não discriminação, universalidade, indivisibilidade, interdependência e inter-relação dos direitos humanos e liberdades fundamentais; esteada, dentre outros, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos, preocupa-se em reconhecer que deficiência é um conceito em evolução e que é preciso se conceder igualdade de oportunidades entre todas as pessoas da sociedade.

Para tanto, o texto da aludida Convenção institui mecanismos e ações para a promoção da igualdade, desde o empenho em conscientização popular e criação de comitê específico à proteção de pessoas com deficiência, passando por diretrizes

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mais objetivas de valorização do direito à vida, saúde, educação e trabalho, por exemplo.

Em relação aos direitos da pessoa surda, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 2007 preocupa-se em mencionar especificamente ações relacionadas a acessibilidade, liberdade de expressão e de opinião e acesso à informação, educação e participação na vida cultural e em recreação, lazer e esporte.

No plano interno, considerando a história brasileira a partir da Constituição Federal de 1988, é possível identificar leis e decretos, além de documentos pedagógicos, produzidos pelo Ministério da Educação, de atenção às pessoas com deficiência e às pessoas surdas.

O estudo desses documentos é de cara importância para um adequado delineamento histórico de como o Brasil tem conduzido suas políticas públicas - especialmente as relacionadas a educação e trabalho - de atenção às pessoas com deficiência e, notadamente, as pessoas surdas.

Destaque aqui para o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência) que, instituído em julho de 2015, possui claríssimas referências a perspectivas adotadas pela Convenção de Nova York de 2007, inclusive em relação à alteração do regime de capacidades, o que culminou na alteração do Código Civil de 2002.

Tal Estatuto não menciona especificamente a pessoa surda em nenhuma parte de seu texto, no entanto, faz várias menções à inserção, uso e obrigatoriedade da Língua Brasileira de Sinais em capítulos como educação e acesso à informação.

Esses pontos afins tendem a sinalizar os progressos que têm sido traçados na promoção da justiça social em relação à pessoa surda no Brasil, no entanto, por si só, não garantem o pleno cumprimento dos compromissos internacionalmente assumidos.

É por isso a importância de se pesquisar a relação entre os documentos e ações brasileiras e internacionais, levando em consideração as tendências da sociedade internacional, a fim de conhecer a situação atual e sugerir caminhos eficazes na construção de um processo de promoção de dignidade à pessoa surda.

Ao defender que tal ideia de dignidade relaciona intrinsecamente com o princípio da igualdade o qual, por sua vez, só pode ser alcançado na forma material através do acesso e eficácia dos direitos sociais de educação e trabalho, propõe-se

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aqui uma reflexão sobre os direitos das pessoas surdas no Brasil, a partir do retrato social estatístico, levando em consideração dados relacionados à educação e trabalho, a fim de averiguar existência de uma desigualdade material entre surdos e ouvintes no Brasil.

Isto posto, calcada na hipótese de que o direito internacional tem atuado como vanguardista na proteção dos direitos humanos, tem-se como problemática da presente pesquisa delinear o caminho mais eficaz para a concretização da igualdade material entre surdos e ouvintes no Brasil, baseado nos direitos fundamentais - notadamente os sociais de educação e trabalho - e no sistema internacional de proteção dos direitos humanos.

Sendo o objetivo geral apontar meios úteis à promoção da igualdade material entre surdos e ouvintes no Brasil, os objetivos específicos são: i) apresentar os dados atuais da comunidade surda brasileira no que diz respeito à fruição dos direitos sociais de educação e trabalho; ii) estudar o princípio da igualdade e relacioná-lo com os dados concernentes às pessoas surdas, em comparação às ouvintes; iii) analisar os direitos fundamentais constitucionais e a evolução dos direitos das pessoas surdas; iv) apresentar aspectos históricos de impacto para a construção da natureza social estatal, e a relação dessa com Estado brasileiro; v) examinar tratados de direito internacional dos direitos humanos, com ênfase nos direitos das pessoas com deficiência e, em especial, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; vi) examinar a legislação brasileira, com destaque à proteção e promoção dos direitos das pessoas surdas; vii) apresentar jurisprudência nacional e internacional relacionada à proteção dos direitos das pessoas com deficiência e pessoas surdas; viii) analisar a relação entre a eficácia dos direitos sociais das pessoas surdas e os Direitos Humanos.

Para tanto, estudar-se-á o princípio da igualdade, suas dimensões formal e material e a relação desse princípio com os direitos fundamentais de segunda geração - os direitos sociais.

Partindo-se da temática direitos dos surdos no Brasil, a pesquisa desenvolvida pauta-se na busca de respostas que ajudem a traçar o caminho eficaz para a concretização de igualdade material entre surdos e ouvintes. Para o desenvolvimento deste trabalho, fez-se uso de método exploratório de pesquisa4, calcado na análise

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crítica dos pensamentos de autores nacionais e estrangeiros que guardem pertinência temática com o problema proposto e com os objetivos a serem alcançados.

Quanto aos procedimentos, foi realizado um estudo comparativo com vistas a ressaltar as diferenças e as similaridades entre surdos e ouvintes com base na análise estatística com dados do último censo do IBGE sobre pessoas com deficiência5, a

declarações e tratados internacionais relativos às pessoas com deficiência, além da legislação nacional.

Nesse contexto, serão estudados os direitos fundamentais, seu conceito, história e importância, e também o caráter social do estado brasileiro.

Sedimentada a ideia de legitimidade estatal para a provisão de igualdade material entre surdos e ouvintes, passar-se-á à análise das principais declarações e tratados internacionais de atenção às pessoas com deficiência, seguida de um detido estudo das normas brasileiras sobre o tema, notadamente os dispositivos relacionados às pessoas surdas.

Ao final, pretende-se relacionar as lições de direitos humanos com os estudos anteriores de direitos fundamentais do Estado social brasileiro e, na convergência desses saberes, propor uma resposta à problemática posta.

Tal relação se deve ao fato do tema - direitos humanos - se apresentar como elemento central de algumas das normas estudadas, especialmente a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e as produções brasileiras influenciadas por esse ou outros tratados de direitos humanos.

Trazer para o campo jurídico esta discussão protagonizada pelos indivíduos surdos é de grande importância para a promoção de uma visão ampliada dos direitos dos surdos e para a reflexão de como oferecer dignidade e justiça, através da igualdade material, a uma parte da sociedade que representa mais de 5% da população mundial6 e 5,2% da população brasileira7.

5 BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Resultados Gerais da Amostra - Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. 2012. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html. Acesso em: 6 fev. 2019.

6 OMS - Organização Mundial de Saúde. Deafness and hearing loss. 2019. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/deafness-and-hearing-loss. Acesso em: 8 jun. 2019. 7 BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Op. cit.

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A necessidade do Direito pensar sobre os temas em torno das pessoas surdas é urgente – em razão das pessoas que já lidam com essa realidade – e premente, ao considerar as estimativas de aumento da população surda nos próximos anos.

Segundo a OMS, a estimativa é que mais de 900 milhões de pessoas tenham perda auditiva incapacitante até 20508. Esse dado deve mobilizar diversas ciências e

é importante que o direito, enquanto ciência social, volte suas atenções, logo de forma vanguardista, a uma realidade que impacta nas dinâmicas da vida em sociedade.

A maioria das produções acadêmicas sobre a pessoa surda é desenvolvida no campo da educação ou ciências sociais como serviço social e sociologia. Não há, ainda, produções jurídicas que façam coro à necessidade de se garantir e entregar determinados direitos às pessoas surdas9.

As pessoas surdas são sujeitos de direito que há muito têm buscado seu espaço na sociedade. Na caminhada pela promoção da igualdade e não discriminação, é indispensável que a comunidade surda ao redor de todo o planeta seja valorizada, especialmente no que toca à garantia de seus direitos humanos. Isso impacta nos ordenamentos jurídicos internos e impacta também no Direito Internacional.

Para o atingimento do escopo propugnado e com vistas a tentar comprovar a hipótese que lastreia a tese, o trabalho foi dividido em seis capítulos.

No capítulo 2, um panorama sobre as pessoas surdas no Brasil e os aspectos sociais que lhe dizem respeito, especialmente no que tange aos índices de educação e trabalho, a fim de apresentar um retrato da realidade enfrentada pelos surdos neste país.

O terceiro capítulo define o marco internacional desta dissertação: As declarações e tratados internacionais de direitos humanos, especialmente, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (subtítulo 3.1). Ao apresentar os principais pontos da Convenção e discorrer sobre eles, o capítulo também dedica uma atenção concentrada aos direitos das pessoas surdas presentes no texto internacional, tema do subtítulo 3.2.

8 OMS - Organização Mundial de Saúde. Deafness and hearing loss. 2019. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/deafness-and-hearing-loss. Acesso em: 8 jun. 2019. 9 Na Plataforma Sucupira, repositório da CAPES, o resultado para busca de teses e dissertações sobre as pessoas surdas apresenta 624 resultados para produções da grande área de Ciências Humanas e apenas 40 para a de Ciências Sociais aplicadas. Das 40, apenas 3 são do curso de Direito. Endereço: https://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/

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O capítulo 4 tem como propósito demarcar a abrangência constitucional do texto. Estudar-se-á a igualdade e os direitos fundamentais da Constituição Federal brasileira de 1988, bem como o caráter social do Estado brasileiro.

O capítulo 5 apresentará as normas brasileiras de atenção às pessoas com deficiência e, especialmente, às pessoas surdas. Esse apanhado é feito a partir de 1988, tomando por ponto de partida a Constituição Federal brasileira e seguindo até o ano de 2018. É o registro de 30 anos da produção legislativa brasileira de atenção ao surdo desde a Constituição.

O sexto capítulo apresentará o sistema internacional de proteção dos direitos humanos, com ênfase no sistema regional da Corte Interamericana dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é parte. Da explanação dessas estruturas de proteção, depreender-se-á sobre a necessidade de se promover os direitos das pessoas com deficiência numa perspectiva de direitos humanos. Ademais, será analisada a aplicabilidade dos direitos humanos das pessoas com deficiência e surdas no Brasil através de documentos oficiais que definem ações programáticas10 de promoção

desses direitos. Com base nas informações obtidas, inferir-se-á sobre a internalização e efetividade dos direitos humanos do público estudado.

Por fim, o sétimo capítulo apresentará a conclusão do trabalho com uma reflexão acerca dos direitos humanos, suas bases e fundamentos. A conclusão retomará as discussões dos capítulos anteriores a fim de inferir sobre a aplicação dos direitos humanos como caminho adequado à promoção dos direitos sociais de educação e trabalho às pessoas surdas, como forma de se alcançar a igualdade material entre surdos e ouvintes no Brasil, além de analisar formas aplicadas pelo país para a consecução dos objetivos de direitos humanos, e os resultados já alcançados. Dessa forma, pretende-se, com a presente pesquisa, alcançar resultados no tocante à eficácia dos direitos humanos das pessoas surdas no Brasil; conhecer os direitos positivados, a natureza jurídica desses e sua aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro. A partir daí, então, almeja-se identificar potencialidades e carências na promoção desses direitos humanos das pessoas surdas pelo Estado brasileiro, e assim ser capaz de emitir um diagnóstico e propor medidas para a melhor promoção desses direitos.

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2. AS PESSOAS SURDAS NO BRASIL: ASPECTOS SOCIAIS

Este capítulo apresenta dados e conceitos relacionados às pessoas surdas no Brasil e tem o objetivo de esclarecer como essa população tem acessado direitos fundamentais constitucionais, especialmente os sociais de educação e trabalho.

Ao longo da história, o povo surdo foi alvo de discriminação e retrocessos em todo o mundo. Na Grécia Antiga, as crianças surdas eram mortas tão somente por terem nascido sem ouvir11. Quando, posteriormente, por forte influência da Igreja

Católica, as crianças surdas puderam viver, mas a exclusão e marginalização da pessoa com surdez passou a ser a regra12.

A literatura registra o isolamento do povo surdo em relação aos ouvintes13, até

mesmo em casa, vivendo entre pessoas que se comunicavam entre si, mas raramente com eles14.

Nos dias atuais, entretanto, percebe-se a organização dos surdos e seus relativos em torno da chamada comunidade surda15.

Entende-se por comunidade surda a reunião de indivíduos surdos e os ouvintes que os cercam, sejam família, intérpretes, professores, amigos e outras pessoas com afinidade de interesses, reunidas em torno de associações, federações de surdos,

11 BARROS, Alice Monteiro de, 1997, p. 1.115 apud GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos Humanos, princípio da igualdade e não discriminação: Sua aplicação às relações de trabalho. 2007. 311 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Pontífica Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível em: https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/7852. Acesso em: 10 abr. 2017.

12 GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos Humanos, princípio da igualdade e não discriminação: sua aplicação às relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2010. p. 172.

13 Há pessoas surdas em toda a parte do Brasil. Porém, muitos surdos são invisíveis à Sociedade, vivendo isoladamente, a) Nos Lugares Comuns (praças, bares, cinemas, clubes, etc.), b) Nas Associações de Surdos, c) Nas Escolas e Universidades, d) Nas Clínicas, e) Nas Igrejas (MONTEIRO apud STROBEL, Karin. História da Educação de Surdos. Universidade Federal de Santa Catarina.

Florianópolis, 2009. Disponível em:

http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/historiaDaEducacaoDeSurdos/ assets/258/TextoBase_HistoriaEducacaoSurdos.pdf. Acesso em: 12 fev. 2019).

14 O que mais os angustia com relação ao filho surdo não é a surdez, mas as dificuldades comunicativas acarretadas por esta. Infelizmente, os pais ainda sofrem por causa desse obstáculo existente na sua relação com o filho surdo, conseqüência do direcionamento oral, clínico e educacional inserido na vida da criança surda. (REIS, V.P.F. apud DIZEU, Liliane Correia Toscano de Brito; CAPORALI, Sueli Aparecida. A língua de sinais constituindo o surdo como sujeito. Educação & Sociedade. Campinas, v. 26, n. 91, p.583-597, ago. 2005. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 3 abr. 2019).

15 DIZEU, Liliane Correia Toscano de Brito; CAPORALI, Sueli Aparecida. A língua de sinais constituindo o surdo como sujeito. Educação & Sociedade. Campinas, v. 26, n. 91, p.583-597, ago. 2005. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 3 abr. 2019.

(22)

igrejas e outros ambientes16. Essa reunião tem o fim de refletir e valorizar as

peculiaridades desse público, além de ser sua principal organização social.

A união dos indivíduos surdos em torno de uma comunidade tem sido uma eficaz estratégia de organização, desenvolvimento e conquistas. A participação de outros interessados como a família, professores e intérpretes é importante no fortalecimento das reflexões e ações em benefício do povo surdo.

Dentro da comunidade surda, portanto, há o povo surdo, designação que segundo Strobel17 refere-se ao grupo de sujeitos surdos com as mesmas

peculiaridades, que compartilham costumes, histórias e tradições e constroem a própria concepção do mundo através da visão.

O povo surdo, ao lidar com o peso da discriminação e dificuldade de acessos, reconhece que a luta pela conquista de novos direitos e espaços que são indispensáveis ao oferecimento de uma vida em igualdade de condições entre surdos e ouvintes, muitas vezes encontra guarida em legislações e iniciativas que se dedicam a proteger a pessoa com deficiência18.

Fala-se em deficiência por ser esta a terminologia adotada pelo último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e pela maioria dos documentos legais aqui estudados, mas é conhecida a compreensão em expansão no campo linguístico de que a surdez não é deficiência, mas especificidade19.

O referido censo demográfico se apresenta como o instrumento estatístico mais adequado a contextualizar a realidade das pessoas surdas no Brasil, pois – além de

16 STROBEL, Karin. História da Educação de Surdos. Universidade Federal de Santa Catarina.

Florianópolis, 2009, p.12. Disponível em:

http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/historiaDaEducacaoDeSurdos/ assets/258/TextoBase_HistoriaEducacaoSurdos.pdf. Acesso em: 12 fev. 2019.

17 Ibidem, p. 12.

18 São as normas sociais que “autorizam” essa separação, normas que organizam toda a nossa vida social, modos de falar, de vestir-se, de atuar no mundo, de pensar etc. O modo como a surdez vem sendo descrita está ideologicamente relacionado a essas normas. Assim como a luta política por novas normas: cultura e identidade surdas, inclusão do surdo nas minorias sociais, junto com os negros e índios. Essa luta pela inclusão é uma forma de “garantia” de afastamento da “anormalidade” e aproximação das minorias, normais embora diferentes (SANTANA, Ana Paula; BERGAMO, Alexandre. Cultura e identidade surdas: encruzilhada de lutas sociais e teóricas. Educação & Sociedade, Campinas, v. 26, n. 91, p.565-582, ago. 2015. Disponível em: https://www.cedes.unicamp.br/. Acesso em: 14 fev. 2019. p.566-567).

19 No bilinguismo, a surdez é compreendida como especificidade, e não como deficiência. Entende-se que o surdo é apenas usuário de outra língua, e o português escrito é a segunda língua utilizada, principalmente para a comunicação escrita (SANTOS, Tatiana dos; BARBOSA, Regiane da Silva. Educação inclusiva. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional Ltda., 2016. 236 p.).

(23)

não haver fontes estatísticas alternativas que considere os temas das pessoas surdas – o censo 2010 considerou aspectos de educação e trabalho que são úteis à presente pesquisa.

De acordo com o censo, que realizado em 2010, 24% da população possui algum tipo de deficiência. Auditiva, são 9,8 milhões de brasileiros, o que representa 5,2% da população brasileira. Desse total, 7,2 milhões apresentam grande dificuldade para ouvir e 2,6 milhões são surdos20.

A Figura 1 apresenta esses dados. Tal percepção não pode ter conteúdo meramente informativo, mas deve incomodar a sociedade a promover meios de garantia de direitos àqueles que percebem o mundo de maneira diversa da maioria.

Figura 1 - População brasileira, por deficiência. FONTE: IBGE, 2010.

Ao comparar, por faixa etária, o número de pessoas com deficiência auditiva com a população total brasileira (Figura 2), é possível inferir o crescimento da população com esse tipo de deficiência ao passar dos anos.

20 BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Resultados Gerais da Amostra - Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. 2012. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html. Acesso em: 6 fev. 2019.

145.149.751 76% 9.717.318 5% 35.888.730 19% 45.606.048 24%

População brasileira, por deficiência

Sem Deficiência Deficiência Auditiva Outra Deficiência

(24)

Tal constatação aponta para implicações de ordem diversas, desde previdenciárias e de cuidado à saúde, passando pela necessidade de condições de acessibilidade nos mais variados espaços e serviços.

Figura 2 - Pirâmide etária comparativa da população geral e população com deficiência auditiva. FONTE: IBGE, 2010.

Importa ressaltar que esse crescimento no número de deficientes auditivos é uma tendência atual de ordem mundial. Hoje, são cerca de cerca de 466 milhões de pessoas em todo o mundo com deficiência auditiva incapacitante. As crianças são 34 milhões desse total21. A estimativa da Organização Mundial de Saúde – OMS é que,

até 2050, mais de 900 milhões de pessoas tenham perda auditiva incapacitante22.

Assim sendo, percebe-se uma necessidade, e até urgência, em se pensar meios de atenção aos surdos, de modo que os espaços sociais sejam preparados para superar os obstáculos entre surdos e ouvintes, promovendo oportunidades iguais entre eles.

Quando vista a partir da distribuição etária, os dados demonstram que a maioria da população surda brasileira possui 50 anos ou mais (Figura 3) e 38% das pessoas

21 OMS - Organização Mundial de Saúde. Deafness and hearing loss. 2019. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/deafness-and-hearing-loss. Acesso em: 8 jun. 2019. 22 Ibidem. 60% 40% 20% 0% 20% 40% 60% 0 e 9 anos 10 a 19 anos 20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 49 anos 50 anos ou mais

Pirâmide etária comparativa da população geral e população com deficiência auditiva

Total

(25)

surdas têm até 49 anos. Esse dado demonstra que educação e trabalho são direitos fundamentais demandados por esse público e, portanto, devem ser garantidos pelo Estado.

Isso porque, como se vê da Figura 3, pelo menos dois milhões, setecentos e oitenta e oito mil, trezentos e sessenta e quatro pessoas, que correspondem a 16% da população surda (de 20 a 50 anos) encontra-se em plena idade laboral e, assim, devem ter acesso ao mercado de trabalho em igualdade de oportunidades, tendo em vista o caráter social do Estado brasileiro.

Ademais, quando a atenção se volta aos indivíduos surdos com menos de 20 anos, tem-se quase um milhão23 de crianças e adolescentes em idade escolar, que

devem receber guarida do Estado para ter acesso a uma educação de qualidade, capaz de preparar os alunos para o mercado de trabalho e, assim, gozar de uma vida digna.

Figura 3 - Pessoas com deficiência auditiva, por grupos de idade. FONTE: IBGE, 2010.

Ao analisar os dados referentes à educação, tem-se que mais de 60% das pessoas com deficiência (não apenas auditiva) não possuem instrução fundamental completa e apenas 7% chega a concluir o ensino superior (Figura 4).

23 Pessoas surdas de 0 a 19 anos: 905.424 (novecentos e cinco mil, quatrocentos e vinte e quatro) 79 042 1% 233 395 3% 592 987 6% 708 100 7% 880 127 9% 1 200 137 12% 6 023 529 62%

Pessoas com deficiência auditiva, por grupos de idade

0 a 4 anos 5 e 9 anos 10 a 19 anos 20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 49 anos 50 anos ou mais

(26)

Figura 4 - População com deficiência, por nível de instrução. FONTE: IBGE, 2010.

Dentre as pessoas com deficiência auditiva, o Censo mostra um número de alfabetizados maior do que os de não alfabetizados em todas as faixas etárias (Figura 5). É possível que essa reação (demonstrada em 2010) deva-se à Política Nacional de Educação Especial e às Diretrizes e Bases da Educação (LDB) que datam, respectivamente, de 1994 e 1996 e serão oportunamente abordadas neste trabalho.

De todo modo, ainda que os deficientes auditivos sem alfabetização sejam centenas de milhares no Brasil, é certo que as políticas públicas de atenção à educação dos surdos e deficientes auditivos são importantes para a melhora desses índices. 25.766.944 61% 5.967.894 14% 7.447.983 18% 2.808.878 7% 154.947 0%

População com deficiência, por nível de instrução

Sem instrução e fundamental incompleto

Fundamental completo e médio incompleto

Médio completo e superior incompleto

Superior completo Não determinado

(27)

Figura 5 - Pessoas com deficiência auditiva, por alfabetização e grupos de idade. FONTE: IBGE, 2010.

Não obstante os positivos números de alfabetização de pessoas com deficiência auditiva, o indicador de ocupação os não acompanha. A Figura 6 mostra que, entre os deficientes auditivos, 47% da população a partir de 20 anos não possuía qualquer ocupação à época da pesquisa.

É certo que parte desse público pode estar em situação de aposentadoria, no entanto, o dado – que se refere a qualquer ocupação, seja formal ou informal – deixa claro que existe, no Brasil, mais pessoas com deficiência auditiva sem exercer uma atividade profissional do que exercendo.

Isso instiga a curiosidade de como têm se dado os processos de inclusão das pessoas surdas e deficientes auditivas nos sistemas de ensino e no mercado de trabalho brasileiro, já que a qualificação adequada é fator determinante para a inserção de profissionais nas atividades laborais.

5 e 9 anos 10 a 19 anos 20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 49 anos Não Alfabetizada 86.989 53.446 67.120 123.373 208.212 Alfabetizada 146 406 539 541 640 980 756 755 991 925 200 000 400 000 600 000 800 000 1 000 000 1 200 000 1 400 000

Pessoas com deficiência auditiva, por alfabetização e grupos de idade

(28)

Figura 6 - População com deficiência auditiva, por ocupação, por idade. FONTE: IBGE, 2010.

Tão intrínseca quanto a relação entre educação e trabalho, é ainda a relação educação-trabalho-renda. Nessa perspectiva, cabe aqui a análise da Figura 7, que apresenta a distribuição de renda entre os deficientes auditivos. São 49% que recebem até 1 salário mínimo. Dentro desse recorte estão os 26% que recebem mais de meio salário, 11% que recebem até meio, e 12% que não possuem qualquer rendimento.

Esses números sugerem que, mesmo as pessoas com deficiência auditiva que trabalham, recebem, em sua maioria rendimentos menores ou iguais a dois salários mínimos. Apenas 23% da população com deficiência auditiva recebe acima de dois salários mínimos. Isso certamente tem relação com a desigualdade social que acomete o Brasil, independentemente da situação de deficiência, mas não se pode ignorar como as barreiras de acesso à educação e profissionalização prejudicam as possibilidades de desenvolvimento escolar e profissional do indivíduo.

20 365 963 46% 3 253 631 7% 1 810 208 4% 1 678 806 4% 2 863 978 7% 14 100 790 32% 23 707 414 54%

População com deficiência auditiva, por ocupação, por idade

Ocupadas

Não ocupadas - 10 a 19 anos Não ocupadas - 20 a 29 anos Não ocupadas - 30 a 39 anos Não ocupadas - 40 a 49 anos Não ocupadas - 50 anos ou mais

(29)

Figura 7 - População com deficiência auditiva, por classes de rendimento nominal mensal de todos os trabalhos (salário mínimo). FONTE: IBGE, 2010.

A persistência dessas barreiras, que provocam consequências em cadeia (a educação, que impacta no trabalho, que impacta nos rendimentos), acaba por ferir direitos e princípios muito importantes para o indivíduo e também para o Estado.

Nessa relação, onde direitos tão elementares como educação e trabalho estão sendo considerados, é preciso trazer ao centro da discussão os direitos fundamentais, a igualdade material e o papel do Estado diante de tudo isso.

Partindo desse pressuposto, esses temas serão trazidos adiante, nos próximos capítulos. A intenção é apresentar informações que embasem uma discussão dos Direitos Humanos da pessoa surda à luz da Convenção Internacional sobre direitos das pessoas com deficiência e do Estatuto brasileiro da pessoa com deficiência, além de demais normas brasileiras.

Esses documentos referem-se à comunidade surda, especialmente à proteção e disseminação da língua de sinais como meio adequado e indispensável à inserção social das pessoas surdas.

440.250 12% 417.278 11% 947.600 26% 1.044.413 28% 577.811 16% 172.144 5% 57.825 1% 26.2221%

População com deficiência auditiva, por classes de rendimento nominal mensal de todos os trabalhos (salário mínimo)

Sem rendimento Até 1/2 Mais de 1/2 a 1 Mais de 1 a 2 Mais de 2 a 5 Mais de 5 a 10 Mais de 10 a 20 Mais de 20

(30)

A esse respeito, vale a lição de Lodenir Karnopp24, sobre a qual a língua própria

da comunidade surda é elemento fundamental à tradição e cultura desse povo. Para ela, a língua de sinais foi indispensável para marcar a diferença linguística e cultural das pessoas surdas.

Para a autora, isso permitiu uma afirmação da cultura surda e, a partir daí, a promoção de discussões no campo político e a mobilização de pessoas em torno de uma proposta política, tudo fortalecido por manifestações de movimentos surdos, que possibilitaram a elaboração de outras representações de experiências linguísticas e culturais de pessoas surdas25.

Faz-se coerente falar das línguas de sinais neste ensejo de reconhecimento e anseios da comunidade surda porque, certamente, este elemento é o mais determinante entre as necessidades e peculiaridades desse grupo.

Se o que difere ouvintes de não ouvintes é a forma de comunicação – oral ou visual – é de fundamental importância para o surdo que lhe seja assegurado o acesso, aprendizado e interpretação à sua língua.

Segundo a World Federation of Deaf - WFD26, a língua de sinais é a língua

natural para os surdos e faz parte do patrimônio linguístico, cultural, social, histórico e religioso da comunidade surda.

Nos textos jurídicos que serão abordados adiante, percebe-se a preocupação em possibilitar o acesso do surdo à língua de sinais e a tradução da língua oral para a de sinais sempre que necessário.

O cuidado da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e do Estatuto da Pessoa com Deficiência com tal acesso perpassa capítulos sobre educação, acesso à informação, acessibilidade e participação na vida cultural e em recreação, lazer e esporte.

Sendo a opção desta produção firmar-se em base de direito internacional e constitucional para desenvolver a problemática proposta, além de concentrar a atenção nos direitos sociais de educação e trabalho destinados aos surdos no Brasil,

24 KARNOPP, Lodenir Becker. Produções culturais de surdos: análise da literatura surda. 2010. Cadernos de Educação: Pelotas, RS. p. 157. Disponível em: http://projetoredes.org/wp/wp-content/uploads/Lodenir-Karnopp.pdf. Acesso em: 28 abr. 2019.

25 Ibidem, p. 157.

26WORLD FEDERATION OF DEAF. Como entender os direitos dos surdos? 2017. Disponível em:

https://blog.surdoparasurdo.com.br/como-entender-os-direitos-dos-surdos-ad2a5f8a4c99. Acesso em: 12 jun. 2019.

(31)

apresenta-se, no capítulo a seguir, um panorama da norma internacional e a relação dessa com as pessoas com deficiência. Compreende-se como norma internacional – aqui – o conjunto de declarações, tratados e convenções relacionados ao tema da pessoa com deficiência ou ainda, aos direitos humanos como um todo.

(32)

3. A NORMA INTERNACIONAL E AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Como visto no capítulo antecedente, longo é o caminho que ainda precisa ser percorrido para que as pessoas surdas tenham acesso a direitos elementares e, com isso, conquistem maior e mais digna representação social. Ainda que o plano de fundo dessa dissertação seja o Brasil, é certo que os surdos do mundo inteiro travam lutas de reconhecimento e acesso aos direitos e garantias fundamentais.

É por isso, então, que o tema dos direitos das pessoas com deficiência e das pessoas surdas tem sido discutido e construído em torno da norma internacional. Importa que se conheça os caminhos demarcados na comunidade internacional a fim de avaliar seus efeitos a nível interno e compará-los com as disposições brasileiras.

Para tanto, examina-se, neste capítulo, as principais normas internacionais relacionadas ao tema das pessoas com deficiência e, mais detidamente, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Falar de norma internacional, especialmente de norma internacional relacionada às pessoas com deficiência implica em, necessariamente, falar em direitos humanos e sistema de proteção dos direitos humanos.

Como se verá também nos capítulos seguintes, a reunião dos Estados em torno de uma organização internacional passou a acontecer após os grandes conflitos armados. O sistema internacional qual hoje conhecido, tem suas bases no período pós Segunda Guerra Mundial e nasceu como uma resposta às atrocidades praticadas e sofridas durante o confronto27.

Logo em 1948, então, foi promulgada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que declara, em seu primeiro artigo28, a liberdade e igualdade de e entre

todos os humanos. O segundo artigo garante que todos têm capacidade para gozar os direitos e as liberdades posta na Declaração, sem qualquer distinção29.

27 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. 4 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 41. 28 Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade (ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf. Acesso em: 24 jan. 2019).

29 Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição (ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf. Acesso em: 24 jan. 2019).

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Assim, fica nítido que a Declaração reconhece os direitos de igualdade e liberdade das pessoas com deficiência e, além disso, diz que essas têm capacidade de gozá-los.

Os artigos iniciais, portanto, já dão o tom da Declaração que, ainda que sem força jurídica obrigatória e vinculante, é instrumento que atesta o reconhecimento universal dos direitos humanos fundamentais e se consagra como um código comum a ser seguido por todos os Estados.

Anos mais tarde, em 1966, dois tratados internacionais foram produzidos, a partir das ideias da Declaração Universal: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – PIDESC.

Recepcionado pelo Brasil em 199230, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e

Políticos vinculou o Estado brasileiro ao sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos. Com isso, o Brasil declarou que reconhece a dignidade inerente a todos os membros da família humana e os direitos iguais e inalienáveis de todas as pessoas, com ou sem deficiência31.

O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, por seu turno, surgiu para fortalecer o sistema normativo global de proteção dos direitos humanos e foi incorporado ao ordenamento brasileiro também em 1992, através do Decreto nº 591/9232.

Com ênfase especial nos direitos sociais, o PIDESC estabelece vários direitos de ordem educacional e profissional, como direito ao trabalho, a condições justas de trabalho; direito à educação com a obrigatoriedade e gratuidade da educação primária; além de direitos relacionados a saúde, previdência, cultura e ciência33.

30 BRASIL. Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre

Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Brasília, Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm. Acesso em: 2 mar. 2019.

31 ATIQUE, Andraci Lucas Veltoni; VELTRONI, Alexandre Lucas. A pessoa portadora de deficiência e a educação no Brasil In PIOVESAN, Flávia; GARCIA, Maria. Org. Grupos Vulneráveis. Coleção doutrinas essenciais – Direitos Humanos – v. 4. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 907-941, p. 916.

32 BRASIL. Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Promulgação. Brasília, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm. Acesso em: 2 mar. 2019.

(34)

A referência específica a esses temas se mostra importante porque denota o reconhecimento, pela Convenção, desses enquanto direitos humanos. A exemplo, o texto declara que a educação deve “visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais”34.

Ora, se a educação é meio para a constituição do indivíduo, desenvolvimento da igualdade e fortalecimento dos próprios direitos humanos, é certo que o acesso a educação deve ser garantido a todos e, muito mais, às pessoas que convivem com alguma deficiência, posto que sua participação na sociedade é indispensável à remoção das barreiras que enfrenta.

Ainda sobre a educação, o PIDESC fala em acessibilidade35. Essa

característica que deve acompanhar a estrutura educacional dos países signatários do Pacto é re querida tanto na educação primária, quanto secundária e superior e, por mais que não se dedique a dispor especificamente sobre as pessoas com deficiência, a previsão de acessibilidade é suficiente para sustentar a obrigação estatal de oferecer condições que favoreçam a educação das pessoas com deficiência, conquanto são titulares legítimas desse direito humano.

Sobre o trabalho, o PIDESC prevê o direito de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho, de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis e de ter assegurada igual oportunidade para todos de serem promovidos36.

A dignidade de um ser humano relaciona-se diretamente com a capacidade desse em manter-se e cooperar para o sustento da família. Pessoas com deficiência que não tenham o devido acesso a educação, são também prejudicadas no mercado de trabalho e, muitas vezes, acabam tendo o sustento de salários insuficientes ou parcos benefícios previdenciários.

Logo, é preciso que essas condições de trabalho justas e favoráveis alcancem as pessoas com deficiência e assim promova desenvolvimento pessoal e social à

34 BRASIL. Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Promulgação. Brasília, art. 13, 1. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm. Acesso em: 2 mar. 2019.

35 2. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem que, com o objetivo de assegurar o pleno exercício desse direito: a) A educação primaria deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos (Ibidem, art. 13, 2, a).

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medida que o trabalho confere maior espaço ao trabalhador e aos que com que ele convive.

Pelo que acima discutido, a contribuição do PIDESC para o ordenamento brasileiro e para o sistema internacional de proteção aos direitos humanos é inegável. Ele normatizou elementos fundamentais à dignidade do se humano, sem fazer distinção de natureza alguma. Essas ideias foram essenciais à elaboração de outros tratados e reforçam os direitos sociais constitucionais brasileiros.

A nível regional, é importante registrar que o Brasil, enquanto membro da Organização dos Estados Americanos – OEA, é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, de 1969. O Pacto, ratificado pelo Brasil em 199237, elenca importantes direitos civis e

políticos e baseia-se na democracia, regime de liberdade pessoal e de justiça social e respeito dos direitos essenciais do homem38.

A importância dessa Convenção para as pessoas com deficiência no Brasil reside no fato da reafirmação dos direitos civis e políticos de forma universal, reforçando as ideias de direito à integridade e liberdade pessoal.

De especial importância para a presente pesquisa, a Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, também chamada Convenção da Guatemala, data de 1999 e foi recepcionada pelo Brasil em 200139.

Ao internalizar essa Convenção, o Brasil adotou, com ela, as definições de deficiência e discriminação apresentadas pelo tratado.

Entendida ainda como uma restrição física, mental ou sensorial, a deficiência é conceituada, pela Convenção, como um limitador da capacidade de exercício das atividades essenciais à vida diária e considera o ambiente econômico e social como um possível causador ou agravador da deficiência.

Como se verá a seguir, essa definição não mais se coaduna com as políticas e normas de proteção às pessoas com deficiência, ainda assim, a Convenção apresenta

37 BRASIL. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Brasília, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm. Acesso em: 2 mar. 2019. 38 Ibidem, Preâmbulo.

39 BRASIL. Decreto nº 3.956, de 8 de outubro de 2001. Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/d3956.htm. Acesso em: 26 abr. 2019.

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importantes medidas que devem ser tomadas pelos Estados a fim de prevenir e eliminar todas as formas de discriminação e favorecer a plena integração das pessoas com deficiência à sociedade.

Dentre ações de acessibilidade e incentivo à independência da pessoa com deficiência, a Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência teve especial relevância ao trazer destaque à discussão do tema entre os Países-parte da OEA.

Os debates intra organização e também internamente, nos países, são sempre importantes para a promoção de maior visibilidade e pluralidade na construção das normas e compromissos que impactam na vida das pessoas com deficiência.

E é por isso que se apresenta adiante um outro documento de direito internacional muito importante para as pessoas com deficiência e toda a sociedade.

3.1. A CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Destacando-se como principal documento de ordem internacional sobre o tema, esta Convenção se revela como importante instrumento para a promoção de direitos das pessoas com deficiência e surdas. Dessa forma, é aqui estudada a fim de apoiar a construção de conclusões sobre o alcance de igualdade material entre surdos e ouvintes no Brasil.

Adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) em 13 de dezembro de 2006, a resolução que estabeleceu a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência apresentava como principal objetivo “proteger e garantir o total e igual acesso a todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, e promover o respeito à sua dignidade”40, ou ainda “promover,

proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”, como posto na tradução para o português41.

40 ONU (Brasil). ONU lembra 10 anos de convenção dos direitos das pessoas com deficiência. 2016. Disponível em: https://nacoesunidas.org/onu-lembra-10-anos-de-convencao-dos-direitos-das-pessoas-com-deficiencia/. Acesso em: 10 nov. 2018.

41 BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York,

(37)

O Brasil, que é signatário da Convenção, a assinou em 30 de março de 2007, em Nova Iorque, e em seguida, em 9 de julho de 2008, o Senado Federal, a partir do Decreto Legislativo 186/0842, aprovou o texto da Convenção e seu Protocolo

Facultativo que, em 25 de agosto de 2009, foi promulgado pelo Presidente da República43.

Essa foi a primeira vez que um tratado internacional de direitos humanos foi recepcionado no Brasil com equivalência à uma emenda constitucional44.

A possibilidade para tanto foi instituída pela Emenda nº 45, de 2004, que passou a conferir esse status supralegal a tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que sejam aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros45.

Tendo passado pelo mencionado processo de internalização, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência contou, então, com uma posição inédita e privilegiada no ordenamento jurídico brasileiro.

Se equivalente a Emenda, a Convenção passa a ser parte do texto constitucional, tem posição hierárquica superior às demais normas do sistema e passa a disciplinar e influenciar a legislação ordinária, revogando implícita e imediatamente qualquer norma anterior à Convenção que não se alinhar com os valores lá constantes, além de impor seus princípios como fundamentos das atividades legislativa, judiciária e administrativa que se relacionem com os compromissos da Convenção46.

em 30 de março de 2007. Convenção Internacional Sobre Os Direitos das Pessoas Com Deficiência. Brasília, 2009.

42 BRASIL. Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008. Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova

Iorque, em 30 de março de 2007. Brasília, DF, Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/CONGRESSO/DLG/DLG-186-2008.htm. Acesso em: 25 nov. 2018. 43 BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Convenção Internacional Sobre Os Direitos das Pessoas Com Deficiência. Brasília, 2009.

44 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. TPI: Normas Internacionais Centrífugas (Supraconstitucionais?). Disponível em http://www.lfg.com.br. Acesso em: 10 jan. 2019.

45 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:

Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 24 out. 2018. 46 ARAÚJO, Luiz Alberto David. Princípios Gerais. In: Novos Comentários à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. 3. ed. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2014. p. 41-45.

Referências

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