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4. IGUALDADE, DIREITOS FUNDAMENTAIS E A INCLUSÃO DAS PESSOAS

4.3. A NATUREZA SOCIAL DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

Inaugurada como o documento que marca a era democrática no Brasil, a Constituição Federal de 1988 é a Lei Maior de nosso ordenamento jurídico. Para Walber Agra158, as normas agasalhadas pela Constituição Federal desempenham a

função de força motriz, contribuindo para a conformação do tecido social. Segundo o autor, tal comportamento evita fissuras e o desenvolvimento de tensões. Constitui-se no mínimo denominador comum da sociedade, no núcleo normativo em que cada cidadão se reconhece como membro da coletividade.

A Constituição de 1988 inaugurou a abordagem de temas eminentemente sociais em seu texto. Ainda que constituições nacionais anteriores tenham tratado também de assuntos de fundo social, a Carta de 1988 foi a primeira a prever um título específico159 para os chamados direitos e garantias fundamentais160.

O segundo capítulo do aludido título concentra-se nos direitos sociais, de forma que possui seis artigos que versam sobre direitos trabalhistas, previdenciários e de

157 SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 27.

158 AGRA, Walber de Moura. A Constituição Cidadã como pacto vivencial da sociedade. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (Org.) Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 17-22.

159 Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 24 out. 2018). 160 SARLET, Ingo Wolfgang. Notas introdutórias ao sistema constitucional de direitos e deveres fundamentais. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/almedina, 2018. p. 185-213.

participação social, além dos direitos relativos à educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, e assistência aos desamparados, todos apresentados no caput do seu primeiro artigo161.

A opção do legislador em conceder um caráter mais provedor ao texto constitucional tem fundamento histórico, forte influência do momento pós Segunda Guerra, e seguia uma tendência mundial, de edição de textos normativos que privilegiassem a justiça social162.

A esse respeito, ressalte-se a orientação preambular da Constituição brasileira, que destacou como objetivo elementos como direitos sociais, bem-estar e igualdade163.

Para Ingo Sarlet164, o preâmbulo constitucional “evidencia o forte compromisso

da Constituição e do Estado com a justiça social” e tal comprometimento é reforçado pelos princípios fundamentais do Título I da Constituição Federal.

O supracitado título define as características republicana e democrática do Estado, além de demarcar a separação dos poderes e estabelecer os objetivos fundamentais da nação.

Dentre esses objetivos estão a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, e ainda a promoção do bem de todos, sem discriminação165.

161 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro

Gráfico, 1988. 292 p., art. 6º. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 24 out. 2018. 162 BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: Fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2016. p. 47.

163 Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 24 out. 2018. Preâmbulo.)

164 SARLET, Ingo Wolfgang. Notas introdutórias ao sistema constitucional de direitos e deveres fundamentais. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/almedina, 2018. p. 185-213.

Tais objetivos expressam-se em dimensão individual e coletiva, por exemplo, ao visar o bem de todos e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento nacional.

Há, portanto, uma recíproca complementaridade entre direitos individuais (direitos de liberdade) e direitos sociais (direitos de igualdade), conquanto em todos eles são densificadas parcelas do conteúdo e dimensões do princípio da dignidade humana, ainda que a ela não se reduzam166.

Nessa perspectiva, pode-se aferir que os direitos sociais são aqueles que cuidam em conferir ao seu beneficiário elementos úteis à vida cidadã, e mais que isso, à vida digna. Assim, aliados aos direitos de liberdade, os direitos de igualdade são indispensáveis à satisfação do princípio da dignidade humana.

Nesse espírito, e admitindo que todos os seres humanos são titulares de direitos fundamentais, sugere-se o caráter fundamental do direito de igualdade. A busca pela construção de uma sociedade justa e igualitária perpassa pelo reconhecimento de direitos universais e absolutos de proteção do indivíduo - inclusive da atuação estatal.

Assim, diante da demarcação constitucional, bem como da compreensão de que não há, no Brasil, igualdade material entre surdos e ouvintes, e a hipótese levantada de que o caminho para ela passa – necessariamente – pelo respeito e fomento dos direitos à educação e ao trabalho, propõe-se a seguir o estudo de importantes documentos de atenção às pessoas com deficiência e pessoas surda.

Será abordada a Constituição Federal, as principais normas infraconstitucionais desde a Carta Magna e, posteriormente, os tratados e convenções de Direito Internacional a respeito de direitos das pessoas com deficiência e, especialmente, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

166 SARLET, Ingo Wolfgang. Notas introdutórias ao sistema constitucional de direitos e deveres fundamentais. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/almedina, 2018. p. 185-213.