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Análise sumária de urina de rotina: porquê e para quê?

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Academic year: 2020

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*Assistente de Medicina Geral e Familiar - UCSP Barão do Corvo II (Afurada) - ACeS Grande Porto VII - Gaia

**Assistente de Medicina Geral e Familiar – USF Espinho – ACeS Grande Porto VIII – Espinho/Gaia

INTRODUÇÃO

O

pedido de análise sumária de urina é um acto rotineiro, realizado diária e repetida-mente. O seu uso visa o rastreio de bacte-riúria assintomática, hematúria e/ou pro-teinúria e inclui o exame físico, químico e microscópi-co da urina. São vários os parâmetros analisados, microscópi-como a coloração, a densidade, o pH, a hematúria, proteinú-ria, leucocitúria e glicosúproteinú-ria, entre outros. As diferen-tes alterações no exame poderão ser atribuídas ao uso de fármacos e a inúmeras patologias, entre as quais a diabetes mellitus, a tuberculose, a doença renal (glo-Carla Lopes da Mota,* Helena Paula Beça**

rotina: porquê e para quê?

RE SU MO

Objectivo:Determinar qual o benefício da análise sumária de urina no rastreio de adultos assintomáticos, à luz da melhor evi-dência disponível.

Fontes de dados:Cochrane Library, Trip Database, Dare, National Guideline Clearinghouse, Finland Evidence Based Medicine Gui-delines, PubMed, UpToDate, Index de Revistas Médicas Portuguesas e nas citações relacionadas.

Métodos de revisão:Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados citadas, utilizando os termos MeSH urinalysis e mass

scree-ning. A pesquisa foi limitada aos artigos publicados até Março de 2012, em inglês e português. Para avaliar o nível de

evidên-cia e a força de recomendação foi utilizada a taxonomia SORT (Strength of Recommendation Taxonomy) da American Academy

of Family Physicians.

Resultados:Foram encontrados 459 artigos e seleccionados, por cumprirem os critérios de inclusão, uma revisão sistemática, dois artigos originais, duas normas de orientação clínica e um artigo de revisão. Após a sua análise, verifica-se que, apesar de ser um exame frequentemente pedido, a alteração à orientação clínica previamente definida ocorre em menos de 5% dos ca-sos, implicando nestes a realização de novos exames complementares de diagnóstico mais onerosos e invasivos sem benefício relevante para a maioria dos utentes.

Conclusões:O uso da análise sumária de urina, como teste de rastreio em adultos assintomáticos, não demonstrou benefício, pelo que não está recomendado (SOR A). A evidência contra o seu uso sistemático é clara, consistente e tem já várias décadas, como comprovado pela data de realização dos estudos apresentados e pela inexistência de estudos recentes. No entanto, em Portugal mantém-se a realização deste teste nas mais diferentes circunstâncias, como “rotina” ou estudo pré-operatório, pelo que se sugere a definição de novas regras na sua utilização.

Palavras-chave:Análise Sumária de Urina; Rastreio.

merulopatias) e a neoplasia e as doenças infecciosas do aparelho urinário (cistite, pielonefrite).1Apesar do seu baixo custo, o número de exames efectuados anual-mente pode ter um impacto significativo nos encargos associados à saúde e na qualidade de vida dos indiví-duos, porque os frequentes falsos positivos acarretam investigação adicional, o que aumenta os custos e im-plica riscos para o doente.

A Confederação Europeia de Medicina Laboratorial, através do European Urinalysis Group, publicou em 2000 uma guideline na qual estabelece que a análise su-mária de urina deve ser apenas solicitada por indica-ção clínica.2 O seu uso sistemático em determinadas populações deve ser sempre analisado numa perspec-tiva custo/benefício.2Poderá ser discutível, por exem-plo, nos doentes hipertensos ou diabéticos, já que ac-tualmente a determinação da microalbuminúria é o

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parâmetro mais importante e esta poderá ser efectua-da recorrendo a uma determinação específica (dosea-mento da razão albuminúria/proteinúria).3-4Também, nos indivíduos com factores de risco para a neoplasia da bexiga (fumadores, exposição a carcinogéneos quí-micos, entre outras condições) e, de acordo com a U.S.

Preventive Services Task Force, parece não existir

evi-dência de diminuição da mortalidade e/ou morbilida-de com o rastreio através da análise sumária morbilida-de urina, pelo que este não é recomendado.5

Perante estes dados, qual será então o benefício da realização da análise sumária de urina, de forma siste-mática, em adultos aparentemente saudáveis e sem fac-tores de risco, no que se refere à diminuição de morbi--mortalidade e melhoria da qualidade de vida?

Com este trabalho pretendeu-se determinar qual o benefício da análise sumária de urina no rastreio de adultos assintomáticos, à luz da melhor evidência dis-ponível.

MÉTODOS

Foi realizada uma pesquisa bibliográfica de meta--análises, revisões sistemáticas, ensaios clínicos alea-torizados e controlados, normas de orientação clínica e artigos de revisão, nas bases de dados Cochrane

Li-brary, Trip Database, Dare, National Guideline Clea-ringhouse, Finland Evidence Based Medicine Guideli-nes, PubMed, UpToDate, Index de Revistas Médicas

Por-tuguesas e nas citações dos artigos encontrados, utili-zando os termos MeSH urinalysis e mass screening. A pesquisa foi limitada aos artigos publicados até Março de 2012 em inglês e português. Para avaliar o nível de evidência e estabelecer a força de recomendação foi utilizada a taxonomia SORT (Strength of

Recommenda-tion Taxonomy) da American Academy of Family Physi-cians.6

Foram seleccionados os artigos que incluíam indiví-duos adultos, assintomáticos, que tinham realizado a análise sumária de urina sem indicação clínica. Os

out-comes avaliados foram a percentagem de análises

anor-mais, alteração na conduta clínica (acarretando mais exames, por vezes invasivos), efeitos adversos para o doente e diagnóstico precoce com melhoria da morbi-mortalidade. Foram excluídos os artigos repetidos ou que não cumpriam os critérios de inclusão no que se refere à população, comparação ou outcomes.

RESULTADOS

Foram encontrados 459 artigos e seleccionados, por cumprirem os critérios de inclusão, uma revisão siste-mática, dois artigos originais, duas normas de orienta-ção clínica e um artigo de revisão (Quadro I).

A revisão sistemática, de Munro J et al (1997), incluiu 11 estudos. Em sete destes a amostra era constituída por indivíduos adultos, sendo que em todos foi analisada a percentagem de resultados anormais, em cinco a alte-ração da conduta clínica e em dois os efeitos adversos para os indivíduos com resultados anormais. Dois tra-balhos foram realizados na admissão a um serviço de urgência de medicina e os restantes em condições pré--operatórias. De uma forma global foram realizados 6740 testes, sendo apresentados os resultados no qua-dro I. Analisando-os, verifica-se que em cerca de um terço dos casos foram encontrados resultados anor-mais, sendo que a grande maioria destes foi ignorada pelos médicos, uma vez que a alteração na conduta clí-nica foi rara (0,1% a 2,8%). Esta diferença, entre o nú-mero de resultados anormais e as intervenções subse-quentes, poderá estar relacionada com a heterogenei-dade da população estudada, assim como com as pos-síveis classificações de resultados anormais utilizadas. Outra explicação poderá ser a importância dúbia atri-buída pelos clínicos a este exame como rastreio de doença. Nenhum dos estudos demonstrou qualquer evidência de que uma análise sumária de urina anor-mal, pré-operatória, esteja associada com algum even-to adverso peri ou pós-cirurgia, não sendo preditivo de complicações.7Apesar de não ser objecto desta revisão, destaca-se o facto de ausência de benefício parecer ser independente da idade, de acordo com este trabalho.

Quanto aos artigos originais, Ruttimann S et al (1994) comparou a realização da análise sumária de urina com e sem indicação clínica, na admissão a uma clínica de Medicina Interna (que incluía actividades preventivas e serviço de urgência). Consultando o quadro I, verifi-ca-se que, em 427 doentes, apenas 0,7% foram subme-tidos a alteração da conduta clínica (3 doentes).8No se-gundo artigo original, Pashayan N et al (2002) realizou um estudo retrospectivo referente ao uso da análise su-mária de urina com e sem indicação clínica na admis-são a um serviço de Medicina e Cirurgia no Líbano, onde as actividades preventivas estão sub-desenvolvi-das e a prevalência de doença renal parece ser

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diferen-te da registada no ocidendiferen-te, de acordo com os autores. Participaram 462 doentes, tendo sido alterada a con-duta clínica em apenas 2 doentes que realizaram o exa-me como rastreio e em 26 que o fizeram com indicação clínica. Comparando com a realização por rastreio, a análise sumária de urina efectuada por suspeição clí-nica apresentava uma probabilidade duas vezes supe-rior de ser anormal, três vezes maior dessa anomalia ser

investigada e 19 vezes superior de produzir um novo diagnóstico.9

No que diz respeito às normas de orientação clínica, as Finland Evidence Based Medicine Guidelines (2010) estabelecem que a análise sumária de urina deve ser um teste considerado de forma individual, de acordo com a indicação clínica, com uma força de recomendação A.10O Institute for Clinical Systems Improvement (2010)

Tipo de Exposição/

Autor, ano estudo /Comparação Outcomes Resultados NE/FR

Munro J, Revisão Realização de análise Percentagem de resultados Resultados anormais em 1

et al,7 sistemática sumária de urina (ASU) anormais e de resultados 1 a 34,1% dos doentes

1997 11 estudos no pré-operatório anormais clinicamente Alteração da conduta

(n = 147 a significativos clínica em 0,1 a 2,8%

3987) Alteração da conduta clínica dos doentes

Incidência de efeitos adversos Efeitos adversos em nos doentes com teste anormal 0-0,6% dos doentes com

teste anormal

Ruttiman Estudo coorte Realização ASU com Alteração da conduta clínica ASU sem indicação 2 S, et al,8 prospectivo indicação clínica versus Percentagem de resultados clínica em 70% dos

1994 (n= 610) sem indicação clínica anormais casos

Resultados anormais em 17%

Alteração da conduta clínica em 0,7% dos doentes

Pashayan Estudo coorte Realização de ASU com Frequência de ASU sem ASU sem indicação 2

N, et al,9 retrospectivo indicação clínica versus indicação clínica clínica em 70% dos casos

2002 (n= 462) sem indicação clínica Investigação de resultados 37% resultados anormais,

anormais apenas 22% investigados

Alteração na conduta clínica Alteração terapêutica em 1%

Autor, ano Tipo de estudo Recomendação NE/FR

Finland Evidence Based Norma de A ASU deve ser considerada de forma individual de acordo com a A Medicine Guidelines,102010 Orientação Clínica indicação clínica

Institute for Clinical Systems Norma de Contra o pedido de ASU sem indicação clínica A Improvement,112010 Orientação Clínica

Kiel D, et al,121987 Artigo de revisão Não existe evidência na literatura que suporte o pedido de ASU 3

não sistemática em indivíduos assintomáticos

QUADRO I. Resultados.

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considera que não existe evidência que suporte o uso da análise sumária de urina sem indicação clínica, emi-tindo uma recomendação contra o seu pedido como teste de rastreio (força de recomendação A).11

O artigo de revisão incluído, de Kiel D et al (1987), re-fere que não existe evidência na literatura que suporte o pedido de análise sumária de urina em indivíduos as-sintomáticos (Nível de evidência 3).12

CONCLUSÕES

A análise sumária de urina é um teste simples, não invasivo e pouco dispendioso, o que pode contribuir para a sua realização de forma rotineira e sem critério clínico e para explicar o reduzido investimento em es-tudos recentes que determinem o benefício real deste teste em indivíduos assintomáticos. No entanto, após a análise dos resultados obtidos nesta revisão, a evi-dência contra o uso sistemático da análise sumária de urina está claramente demonstrada em estudos reali-zados há várias décadas. Foi também perceptível o bai-xo valor que os clínicos atribuem a este exame, igno-rando na grande maioria os seus resultados, indepen-dente de anormais ou não.

No entanto, são ainda necessários mais estudos para clarificar se o uso da análise sumária de urina diminui a morbi-mortalidade em populações seleccionadas, como os diabéticos ou os hipertensos, assim como de-terminar se a ausência de benefício é independente da idade, como parece demonstrar a literatura.7

Como em Portugal persiste a sua realização, muitas vezes sem critério clínico adequado, sugere-se a defi-nição de novas orientações no seu pedido.

Em conclusão, o uso da análise sumária de urina como teste de rastreio em adultos assintomáticos não traz qualquer benefício, pelo que não está recomenda-do (SOR A).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Simerville JA, Maxted WC, Pahira JJ. Urinalysis: a comprehensive review. Am Fam Physician 2005 Mar 15; 71 (6): 1153-62.

2. European Confederation of Laboratory Medicine. European urinalysis guidelines. Scand J Clin Lab Invest Suppl 2000; 231: 1-86.

3. Direção-Geral de Saúde. Norma de Orientação Técnica nº 037/2011: Exames laboratoriais na gravidez de baixo risco. Lisboa: DGS; 2011. 4. Direção-Geral de Saúde. Norma de Orientação Técnica nº 08/2011:

Diagnóstico sistemático de nefropatia diabética. Lisboa: DGS; 2011. 5. U.S. Preventive Services Task Force. Guide to Clinical Preventive

Ser-vices. Rockville, MD: Agency for Healthcare Research and Quality; 2012. 6. Ebell MH, Siwek J, Weiss BD, Woolf SH, Susman J, Ewigman B, et al. Strength of recommendation taxonomy (SORT): a patient-centered ap-proach to grading evidence in the medical literature. Am Fam Physi-cian 2004 Feb 1; 69 (3): 548-56.

7. Munro J, Booth A, Nicholl J. Routine preoperative testing: a systemat-ic review of the evidence. Health Technol Assess 1997; 1 (12): 1-62. 8. Rüttimann S, Clémençon D. Usefulness of routine urine analysis in

medical oupatients. J Med Screen 1994 Apr; 1 (2): 84-7.

9. Pashayan N, Khogali M, Major SC. Routine urinalysis of patients in hos-pital in Lebanon: how worthwihle is it? J Med Screen 2002; 9 (4): 181-6.

10. Finland Evidence Based Medicine Guidelines. Urinalysis and bacterial culture. 2010. Disponível em: http://ebmg.onlinelibrary.wiley.com/ ebmg/ ltk.koti [acedido em 01/03/2013].

11. Institute for Clinical Systems Improvement (ICSI). Preventive Service for Adults. Bloomington (MN): ICSI; 2010.

12. Kiel DP, Moskowitz MA. The urinalysis: a critical appraisal. Med Clin North Am 1987 Jul; 71 (4): 607-24.

CONFLITO DE INTERESSES

As autoras são editoras da Revista Portuguesa de Medicina Geral e Fami-liar e não participaram no processo de edição deste artigo.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

Carla Lopes da Mota Rua 37

4500-333 Espinho

E-mail: carlalopesmota@gmail.com

Recebido em 18/06/2012

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ABSTRACT

ROUTINE URINALYSIS: WHY AND WHEN?

Objectives: To determine the benefit of urinalysis in screening asymptomatic adults from the best evidence available.

Data Sources:Cochrane Library, Trip Database, Dare, National Guideline Clearinghouse, Finland Evidence Based Medicine Guide-lines, PubMed, UpToDate, Index of Medical Portuguese Journals and related citations.

Review Methods:Search for articles and related citations using the MeSH terms urinalysis and mass screening, published un-til March of 2012, in English and Portuguese. The Strength of Recommendation Taxonomy (SORT) scale of the American

Acade-my of Family Physicians was used for assigning levels of evidence and the strength of recommendation.

Results:The search produced a total of 459 articles. Six met the inclusion criteria. These included one systematic review, two original studies, two clinical practice guidelines, and one review article. Although urinalysis is frequently ordered, a change in management occurs in less than 5% of the cases after the test. It may lead to the ordering of other more expensive and inva-sive diagnostic tests.

Conclusions:Urinalysis as screening test in asymptomatic adults is not beneficial for patients. It is not recommended as a screening test (SOR A). The evidence against systematic use has been clear for several decades. In Portugal it is commonly re-quested as a «routine» or preoperative test. In the light of published evidence, new guidelines seem necessary.

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