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Jovens, trabalho e futuro: dilemas e desafios

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-:

JUVENTUDE(S)

NOVAS

REALIDADES

NOVOS

OLHARES

Organização

Gitberta Pavão Nunes Rocha Rotando La[anda Gonçalves Pitar Damião de Medeiros

r tf...

lì¡lll¡ lr ttì tl rtt lttl ll¡ !t

(2)

r-INDICE

AVALIADORES CIENTíFICOS

Ana Cristina Palos

Centro lnterd isciplinar de Ciências Sociais

-

CICS. UAC/CICS. NOVA.UAc

Álvaro Borralho

Centro lnterd isciplinar de Ciências Sociais

-

CICS. UAc/ClCS. NOVA.UAc

7

lntrodução

Rolando Gonçalves / Gílberta Pavão Nunes Rocha / Pilar Damião de Medeiros

19

iovens, trabalho e futuro: dilemas e desafios

José Machado Pais

43

lnserção no mercado de trabalho: percursos de emprego e de vida

de jovens (lSEc-UL)

Ilona Kovócs

73

Acesso ao mercado de trabalho jovens com baixas qualificações

escolares e de contextos sociais desfavorecidos

Fernøndo Diogo / Patrícia Faria

103

Os desafios da reconversão profissional de jovens nas atividades

do setor primário: o caso do projeto Terra Nostra

-

capacitação

com raízes

Francisco Simoes

/

Rui Drumonde

123

Juventude(s) e escolhas de futuro: do risco ao arriscar

Maria Manuel Vieira

149

Praxes académicas: jovens e desafios de integração no ensino superior.

Suzana Nunes Caldeira / Osvaldo Silva / Maria Mendes / Susana Botelho

169

Perceção dos alunos universitários relativamente à adoção de crianças por famílias homossexuais

Osvaldo Silva / Áurea Sousa

183

A tutoria escolar como factor promotor do sucesso escolar

e do bem-estar de jovens: impactos de uma prática

Francisco Simões

209

A consciência geracional e continental nos jovens portugueses:

entre media e consumos os desafios para uma nova economia

cultural europeia

Vania Baldi

223

Cidadania global e os novos movimentos juvenis: lutas por redistribuição

e reconhecimento

Paulo Vitorino Fontes

243

Notas biográficas

Ana Nunes de Almeida

lnstituto de Ciências Sociais

-

Universidade de Lisboa

llona Kovacs

Centro de lnvestigação em Sociologia Económica e das Organizaçöes

(socruS) - rSEG-uL

Jorge Ávila de Lima

Centro I nterd isciplinar de Ciências Sociais

-

ClC5. UAc/ClCS. NOVA. UAc

José Machado Pais

Licínio M. Vicente Tomás

Centro lnterd isciplinar de Ciências Sociais

-

ClCS.UAc/CICS.NOVA.UAc

Manuel Carlos Silva

Centro lnterdisciplinar de Ciências Sociais

-

ClCS.NOVA.UMinho

Manuel Lisboa

Centro lnterdisciplinar de Ciências Sociais

-

CICS.NOVA I Faculdade de Ciências

Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

Piedade Lalanda

Centro lnterd isciplinar de Ciências Sociais

-

CICS. UAc/ClC5. NOVA.UAc

Rolando Lalanda Gonçalves

Centro lnterd isciplinar de Ciências Sociais

-

CICS.UAc/CICS.NOVA.UAc

Rui Brites

(3)

l-JOVENS,

TRABALHO

E

FUTURO: DILEMAS

E DESAFIOS

José Machado Pais

INSTITUTO O¡ CIÊITICINS SOCIAIS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA - ICS-UL

ESCOLARIZAÇAO: UM NOVO CICLO (REGRESSIVO)

Em plena segunda Guerra

Mundial,

pouco antes de falecer,

Karl

Man-nheim (1893-1947) publicou

um

estimulante

livro intitulado

Diagnós-tico

o

Nosso Tempo. Provavelmente,

Mannheim

não presumiria que o

livro

ficasse na

história

como uma profecia. Porém, alguns achados do seu diagnóstico

não

perderam validade. Escrevia, então, Mannheim: (1946 [1943): 41): 'A juventude pertence a essas forças latentes que cada sociedade

tem

à sua disposição e de cuja mobilização depende a sua

vitalidade'i

O

que

no

seu diagnóstico

Mannheim

nos sugere é que, em tempos de crise, os jovens podem desempenhar

um

papel relevante na revitalização da sociedade e

na

descoberta de novos

rumos

societais,

desde logo

no

questionamento de dilemas e desafios que a sociedade e

os próprios jovens enfrentam.

Assim aconteceu nos anos 60 do século passado, com uma avalanche de importantes movimentos juvenis em que os estudantes universitários assumiram

um

papel de liderança. Basta recordar as mobilizaçöes estu-dantis que se estenderam de Paris a Roma, passando por Varsóvia, Praga,

Berlim,

Madrid

e muitas outras cidades, como Coimbra e Lisboa. Facto surpreendente

foi o

de esses movimentos terem

ocorrido,

espontanea-mente, em diferentes contextos políticos, económicos e sociais. Em finais

de Março de 1968, Edgar

Morin,

numa célebre conferência realizada em M1láo ("Protesta e Partecipazione nella Gioventu

in

Europa") formulou

uma hipótese interessante para explicar essa coincidência: traços comuns

de um devir histórico teriam provocado isomorfismos em nações tão dis-tintas. Entre esses traços comuns, um deles sobressaía. Esses movimentos tinham uma vasta presença

e

liderança de jovens universitários.

(4)

JUVENTUDE(s): NOVAS REALIDADES. NOVOS OLHARES

De facto,

Morin

chamava-nos a atenção para uma acentuada

penin-sularização universitária, em que os jovens contestavam valores

domi-nantes da sociedade, ao mesmo tempo que reivindicavam

direitos

de

participação política até então reservados aos

adultos.

Foi deste caldo de

cultura

-

que

o mundo

estudantil então constituía

-

que

emergi-ram

importantes correntes juvenis contestatárias, com os jovens

uni-versitários numa posição de liderança. Não

por

acaso, a Ação Católica Portuguesa lançou na década 50 um

importante

e pioneiro Inquérito à

luventude Universitária, coordenado pelo Prof. A. Sedas Nunes. Sob sua

direção surgiram na década 60 outras investigaçóes sobre a juventude portuguesa, designadamente a universitária:

um

novo Inquérito sobre a Situação e Opinião dos Universitório$

um

conjunto de estudos sobre a

Universidade na Vida Portuguesa; e algumas importantes reflexões teó-ricas sobre a problemática das 'þerações" na sociedade de então.

Note-se que

a

geração dos jovens

universitários

dos anos 60-70 (nascidos na década de 40/50) fazparte de uma geração que,

por

toda a Europa, frequentou uma universidade em processo de democratiza-ção

(OCDE,2011). O

crescente acesso ao ensino secundário e

supe-rior

dos jovens portugueses, melhorou as suas condições de ingresso no mercado de trabalho,

originando

uma significativa mobilidade social, de sentido ascensional.

No

entanto, a crise de emprego que atualmente

afecta os jovens portugueses, mesmo os que têm elevadas qualiflcações

académicas, levanta imensos dilemas

e

desafros quando se discute o

futuro

dos jovens. É sobre estes dilemas e desafios que proponho algu-mas reflexões.

Como

reagem os jovens à situação? Em que medida o desemprego e a precariedade de

trabalho

os leva a inventar novas

for-mas de ganhar a vida? Surgirão novas culturas do trabalho? Coexistirão

estas com novas formas de exclusão social e de evasão ao trabalho? As

políticas públicas de combate ao desemprego são sensíveis a estas

reali-dades? Que respostas propöem?

Recentemente têm-se proclamado as chamadas engenharias da

sub-jetividade como estratégia de fuga ao desemprego (Pascual et al,2012). Elas radicam na vontade dos

indivíduos

para, autonomamente, forja-rem o seu

próprio

destino. Nelas surge a crença de que quem em suas decisões demonstra

uma

reflexividade

de

ação (Adams, 2003, 2006; Threadgold

e Nilan,

2009) está

muito mais

capacitado

a

fazer esco-lhas biográficas (Brannen e Nilsen, 2005) ou a gerir os riscos de

futuro

(Elliott,

2002; Laughland-Booy et al, 201 5), Estas engenharias dø subj

e-JOVENS, TRABALHO E FUTURO: DILEMAS E DESAFIOS

üvidade poderão estar redundando em inesperadas oportunidades de vida, balizadas

por

novas culturas de trabalho, onde se destacam

valo-res de autonomia, improvisação, criatividade, exp ertise, expressividade

e

ludicidade (Almeida e

Pais, 2013).

Um

sugestivo exemplo é

o

dos chamados jovens trendsetters. Apostados em

criar

novos estilos e

ten-dências, principalmente no

domínio

das chamadas indústrias culturais

(moda, design, novas tecnologias, música, etc'), muitos deles têm con-seguido esquivar-se aos dissabores do desemprego. E mais, capazes de

trilharem trajetórias de vida marcadas por escolhas biográficas, eles têm conseguido valorizar

o

trabalho como

domínio

de realização pessoal.

Para eles a profissão é, sobretudo, uma vocação. A sua criatividade é um

trampolim

para transcenderem

o

presente e se projetarem

no

futuro,

desse

modo tornando

presente

o futuro.

Porém,

a nattteza

estrutural

do desemprego continua a ameaçar muitos jovens, originando o bada-lado fenómeno dos nem-nem,jovens que nem estudam nem trabalham. Aliás, se a vontade dos indivíduos é determinante para, com autonomia, forjarem o seu

próprio

destino, não podemos menosprezar as condições sociais que criam ou bloqueiam as estruturas de oportunidade

-

sobre as quais as políticas de emprego não podem deixar de atuar. Tenha-se em conta que o desemprego tem duas faces: é uma realidade

individual,

subjetivamente vivida, mas é também uma realidade com

determinan-tes sociais.

DESEMPREGO JUVENIL:

UM

BREVE

BALANçO

Desde 2008, a Europa tem vindo a ser assolada por uma crise económica

e financeira que não deixa de se refletir nas difrculdades de inserção pro-fissional de muitos jovens (Cochard, 2010; Scarpetta et aI,2010). Entre

2008 e 2010 a Europa perdeu 5 milhões de empregos, tendo-se agravado

a situação de pobreza e exclusäo social entre muitas famílias. A crise que

se vive na Europa não é conjuntural, ela é de natureza estrutural e

por

isso mesmo persistente. Em Portugal, no ano de 2004 registou-se uma

inflexão na chamada curva de Beveridge, que nos dá a evolução da taxa de desemprego em relação à oferta de trabalho. O crescimento paralelo

de ambas as variáveis que a

partir

de então se registou foi um claro sinal

dos reais desajustamentos no mercado de trabalho (Dornelas: 201

l:

40),

(5)

JUVENTUDE(s): NOVAS REALTDADES. NOVOS OLHARES

O

emprego precário aumentou significativamente entre os jovens europeus, em paralelo com as taxas de desemprego

juvenil. O

desem-prego de longa duração também aumentou, ainda que subavaliado pelas

estatísticas

do

desemprego.

No

seu

todo,

não

é

fácil quantificar

o

real

volume

do

desemprego

juvenil,

frequentemente mascarado pelo facto de uma parte dos jovens desempregados se encontrar submergida na população não ativa. Como se sabe, da população ativa faz apenas parte

a população empregada e desempregada com mais de 15 anos. Contudo,

os desempregados invisíveis acabam por ser registados como população

não ativa. Estão neste caso jovens que se arrastam pelo sistema de ensino,

sem o levarem

muito

a sério. Outros, tendo-o abandonado, continuam a não ser apanhados pelas estatísticas

do

desemprego. Estes últimos, e

outros mais, fazem parte da controversa categoria, como adiante

vere-rnos,

dos chamados

nem-nem

(jovens que nem estudam nem

traba-tham)

e que,

em

2070,

representavam l2o/o dos jovens portugueses (L5-24 anos),ligeiramente abaixo (1370) da média europeia

(U827).

A

taxa de atividade da população jovem portuguesa

(Ii-z4anos)

-que,

aliás,

veio

decrescendo ao longo da

primeira

década do presente século

-

situava-se, em 2010, em37o/o, enquanto que na EU era de 43o/o.

Em contrapartida, a taxa de emprego dos jovens portugueses era apenas de 29o/o contra 34o/o da

EU

(dados do Eurostat). Considerando a redu-zida percentagem que em Portugal assume a população ativa juvenil,

as taxas de desemprego

juvenil

ganham

um

significado acrescido. Não

fosse o refúgio de alguns jovens no sistema educativo; não fossem os

flu-xos crescentes de emigração; não fosse o desemprego camuflado a que

as estatísticas não dão

visibilidade...

certamente que as taxas de

desem-prego

juvenil

seriam muito mais expressivas. Na viragem do século era

já notório o

misterioso desaparecimento de jovens das estatísticas do desemprego (Pais, 2001:

30-50).

Hoje, alguns jovens esquivam-se delas

por

simplesmente terem emigrado.

Por outro lado, o desemprego

juvenil

aparece associado a uma

cres-cente precariedade de emprego, também indiciada por algumas

estraté-gias de fuga ao desemprego que vão além dos ganchos e biscates (pais,

2001).

Alguns

jovens arriscam pequenos negócios mas

nem

sempre

com sucesso.

ou

seja, a crescente percentagem de jovens trabalhadores

por

conta própria nem sempre se traduz numa desejada independência económica. Aliás, não por acaso, Portugal é dos países europeus

(U827)

com mais trabalhadores

por

conta própria. Em 2009 eram 23o/o contra

JOVENS, TRABALHO E FUTURoj DILEIVIAS E DESAFIOS

I5o/o aníveleuropeu (Dornelas: 2011: 35). O fenómenodos "recibos

ver-des'l instituídos em 1978, não é alheio a uma precariedade que aparece

reforçada se levarmos em

linha

de conta o peso dos contratos a prazo

que em 2010 representavam, em Portugal, 23o/o do emprego total, contra

I2o/o da média da

OCDE

(Pernot,

20ll:75).

Em

2013,

o

desemprego

juvenil ultrapassava os 40%, atingindo jovens de elevadas qualificações académicas. Se

outrora

se questionava

a

inadequação

do

sistema de ensino ao mercado de trabalho, agora é pertinente questionar em que medida o mercado de trabalho estará apto a satisfazer uma procura de emprego francamente excedentária em relação às exigências do sistema

produtivo. E não é certo que a posse de

um

diploma universitário seja

um passaporte de imediato acesso ao mercado de trabalho, embora os jovens diplomados não sejam dos mais desarmados. O certo é que nem sempre encontram uma colocação profissional correspondente às suas

qualifr caçöes ou expectativas.

Os percursos de inserção profissional dos jovens do ensino superior

têm sido crescentemente problematizados.l Entre alguns licenciados o fenómeno

da

sobrequalificação, não sendo avassalador,

não

deixa de ser significativo, tendo em de conta o seu crescimento.

Com

efeito, se

em 2000 apenâs 11% dos licenciados dos 25 aos 34 se encontravam a

trabalhar em proflssões menos qualificadas, em 2009 eta

jâ de

l8o/o a

percentagem de licenciados inseridos em profissões pouco ou nada qua-lificadas

no

sistema de Classificação Nacional de Profissões: operários, artífices e trabalhadores similares; operadores de instalaçóes e máquinas e trabalhadores da montagem; trabalhadores não qualificados (Dorne-Ias,2011: 32).

No

entanto, considerando a taxa de emprego da

popula-ção dos 20 aos 64 anos, constata-se que ela é tanto mais elevada quanto

mais elevado o nível de habilitações académicas. Em Portugal, como na Europa (ErJ 27),ao longo da primeira década do presente século sempre

O Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais (GPERAI) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior tem publicado vários relatórios sobre

a procura de emprego dos diplomados com habilitação superior, explorando não apenas os recenseados inventariados anualmente pelas instituições de ensino superior, mas também

os inscritos nos Centros de Emprego pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional' No ICS-Ulisboa realizou-se recentemente um projeto de pesquisa sobre "Empregabilidade

e ensino superior em Portugal" (Cardoso et al,2012), que Procurou averiguar o modo como os graduados e diplomados obtêm ou consolidam as suas posições no mercado de

trabalho. Um outro projeto de investigação sobre "Percursos de inserção dos licenciados",

(6)

JUVENTUDE(s): NOVAS REALIDADES. NOVOS OLHARES

a taxa de emprego ultrapassou os 80% entre os detentores de diploma do

ensino superior. Todavia, a taxa de desemprego dos jovens portugueses licenciados (15-24 anos) é superior em relação à média dos jovens licen-ciados europeus.2

Como quer

que seja, entre os jovens portugueses (15-24 anos) o desemprego sofrido

por

aqueles que detêm habilitaçoes superiores e os

que detêm habilitaçöes básicas é qualitativamente

distinto. O

desem-prego de longa duração concentra-se, sobretudo,

em

sectores de tra-balho menos qualificado:

"indústrias transformadoras",'tomércio por

grosso e a retalho'l "reparação de veículos automóveis e motociclos" e

'tonstrução'

(Dornelas: 201 1: 40). As teses'tatastrofistas" que apontam

as dificuldades de inserção profissional dos diplomados do ensino

supe-rior

têm sido largamente discutidas e criticadas (Portugal, 2004; Chaves et

a\,2009;

Marques e Alves,2010). Estas críticas são justas sempre e

quando tais teses incorrem

num

equívoco metonímico, isto é, quando generalizam as reais dificuldades de inserção profissional de uma parte

de alguns jovens licenciados a todo o seu universo. Porém, esse

necessá-rio

sentido crítico, não nos autoriza a

eliminar

a parte da realidade que em alguns discursos mediáticos aparece empolada.

A

arte de persuadir que encontramos em alguns meios jornalísticos e académicos levanta recorrentemente

um

paradoxo

identificado por

Schopenhauer (1997) em alguns dos estratagemas

da

sua dialética erística. Refiro-me, desde logo, ao estratagema da ampliaçao indevida.

A

refutação

do

exagero de

uma

generalizaçã,o não pode, contudo, negar a realidade que lhe dá origem. Assim, se o desemprego e a pre-cariedade são fenómenos que efetivamente afetam alguns jovens licen-ciados não podemos negar essa realidade,

muito

embora,

no

seu todo, os jovens licenciados vivam uma situação menos desprotegida

do

que os não licenciados. Desde logo porque os seus níveis de rendimento são superiores, o que também não justifica os baixos salários que uma boa parte deles aufere. Daí resulta a sua frustração, suportada por evidências estatísticas. Por exemplo, 630/o d,os jovens licenciados pela FCSH-UNL (Chaves

et al,

2009:

89)

não aufere mais de

mil

euros, transcorridos

2

Tenha-se em atenção a complexidade de algumas correlações. Por exemplo, o número total de inscritos com habilitação superior nos centros de emprego em Portugal Conti-nental aumentou l6olo entre Dezembro de 2008 e Dezembro de 2009 (GPEARI, 2010).

No entanto, essa variação pode, em parte, ser determinada pelo aumento do número de

licenciados e não apenas por condições adversas do mercado de trabalho.

JOVENS, TRABALHo E FUTURo: DILEMAS E DESAFIOS

cinco anos após a obtenção da sua licenciatura Por outro lado, quando

se constata que Portugal é dos países europeus onde se verifica um maior

benefício remuneratório dos licenciados em relação aos não

licencia-dos, não significa, necessariamente, que os licenciados ganhem demais;

pode simplesmente acontecer que os não licenciados ganhem de menos.

À boleia das teses catastrofistas surge a ideia de que não vale a pena

frequentar

a

universidade

e

de que pouco

ou

nada se ganhou

com

a

democratização de acesso ao ensino universitário. É uma ideia falaciosa.

Porém, não podemos menosprezar as diflculdades de inserção

profissio-nal sentidas por alguns jovens licenciados e doutorados. Entre eles existe

um sentimento de grande frustração. Foi esse desencanto que despertou

uma consciência social que esteve na origem das várias manifestaçóes que

ocorreram em várias cidades portuguesas a 12 de Março de 201

I,

e outros mais protestos se seguiram,

com uma

grande participação de jovens.

Cartazes empunhados pelos manifestantes davam conta

da

desvalori-zaçäo das titulações académicas: "Qualificado e desempregado"; "Curso

superior em escravatura"; "Licenciada

=

desempregadd'; "Com licencia-tura, com mestrado, com namorado/ Sem emprego, sem casamento, sem

futuro'. Os cartazes também ecoavam sentimentos de revolta em relação ao trabalho precário:

'A

minha

crise é a precariedadd'; "Quero

o

meu contrato'; "Precariedade não nos dá estabilidadd'; 'Abaixo a precariedade e toda a exploração'; "Precários não são otários"; "Precariedade não é

futuro';

"Precários nos querem, rebeldes nos têm"; "Deixa passar, deixa

passar, eu sou precário e o mundo vou mudar" (Pais, 2014: 83).

Desencadeadas por sentimentos de indignação, estas manifestações

de protesto, como também aconteceu em Espanha, não podem disso-ciar-se da crise de desemprego e da precariedade

vivida

pelos jovens do sul da Europa. Nem

o

sistema educativo nem

o

mercado de traba-lho parecem capazes de garantir a realização das aspiraçoes de muitos jovens. Com dificuldades de inserção profissional, são então acossados

por

sentimentos

de

desilusão

e

descrença,

traídos na

capacidade de

imaginar

um futuro

com esperança (Pais, 2012). Entre os jovens gera--se então

um

sentimento de frustração relativa, conceito desenvolvido

por Gurr

(1970) para designar

um

estado de tensão associado a uma satisfação esperada e denegada,

um

descompasso entre expectativas e

recompensas. Provavelmente, estamos perante a

primeira

geração do pós-guerra (1939-45)

com

expectativas

de mobilidade

descendente

(7)

JUVENTUDEG): NOVAS REALIDADES. NOVOS OLHARES

Embora desencadeadas

por

sentimentos de indignação em relação

ao

desemprego

e à

precariedade laboral, estas manifestações juvenis reivindicam novas atitudes de vida e novos valores sociais, desafiando os marcos de participação

política

convencional

e

institucionalizada.

Na

acampadas de Lisboa (Pais,2014) e de

Madrid (Dagnaud,20ll),

em Maio de

2011,

eram

abundantes os

folhetos,

cartazes

e

cânticos reclamando uma nova ordem social, novas éticas de

vida,

novas

sen-sibilidades culturais: apelos à defesa

do meio

ambiente e dos produ-tos biológicos, com mostras de produtos naturais, hortas biológicas e

materiais reciclados; reivindicação do

"direito

à semente", do cuidar da

terra, de uma vida em comunidade; defesa de uma cultura da partilha, mesmo

no

campo gastronómico, com workshops e bancas

multicultu-rais de sabores; apologia dos

direitos

dos animais; murais com

men-sagens transformando

o

espaço

público numa

arena de comunicação;

apelos à defesa dos direitos dos imigrantes; defesa da liberdade sexual e

das minorias estigmatizadas; apelos aos valores do amor e da espiritu-alidade. Como é que na emergência destas novas correntes sociocultu-rais se posicionam os jovens quando se confrontam com os dilemas do desemprego? Em que medida os

múltiplos

rearranjos

no domínio

das profissões se associam a novos horizontes de realização pessoal e

profis-sional? Será que as trajetórias profissionais dos jovens, fragmentadas e

nem sempre sintonizadas com os capitais escolares adquiridos, suscitam

uma individualizaçã,o das estratégias de inserção no mercado de traba-lho? Estaremos perante novas culturas

do

trabalho? Coexistirão estas com formas de exclusão social que, em alguns casos, se traduzem numa

evasão ao trabalho? Em que medida as políticas públicas de combate ao

desemprego são sensíveis a estas novas realidades?

NOVAS CULTURAS DE TRABALHO: O CASO DOS JOVENS

TR¿NDSETTERS

Nos

últimos

anos reacendeu-se o debate sobre o

futuro

do trabalho, o seu sentido e valor, as suas transformações possíveis, a sua centralidade ou não na vida das pessoas. Mas o que está em jogo é o próprio conceito de trabalho (Jung, 2000:

1l).

Ao discutirem-se as novas culturas e traba-lho não podemos deixar de questionar, entre os jovens de hoje, o surgi-mento de

um

novo ethos

criativo

(Florida: 2002), outrora associado ao

JOVENS, TRABALHO E FUTURO: DILEMAS E DESAFIOS

rnundo das artes mas que agora marca presença em amplos segmentos

juvenis (Almeida e Pais,

2013; Canclini

e

Maritza,

2012). Estes jovens "criativos" laboram no campo das artes, dos livros, da música e das tec-nologias digitais, explorando redes de cooperação que prevalecem nas

chamadas indústrias culturais. São jovens que fazem parte de uma

cate-goria

particular

de trabalhadores, nem permanentemente assalariados

nem plenamente independentes.

Muitos

deles trabalham em projetos de curta duração, frequentemente mal pagos, intermitentes, sem con-tratos de trabalho, sem chegarem a estruturar as suas carreiras. Os

limi-tados ganhos que auferem,

por

falta de encomendas e de contratos de

ffabalho, obrigam-os a combinar, de forma intermitente, tarefas

criati-vas com atividades secundárias, como constatei numa pesquisa sobre

jovens criadores de banda desenhada (Pais,20l3). Os seus ganhos

espo-rádicos

têm

de ser escrupulosamente administrados para garantirem uma sobrevivência económica.

Noutros

casos, contudo, as

dificulda-des inicialmente experimentadas vão sendo ultrapassadas, revertendo em estimulantes

e

recompensadoras carreiras profissionais. Standing (2011) dá-nos

o

exemplo dos jovens proftécnicos

-

isto é, jovens que,

combinando capacidades profissionais e técnicas, atuam preferencial-mente como trabalhadores liberais, fazendo valer a sua expertise.

Uma boa parte destes jovens insere-se

no

universo dos chamados

trendsetters, jovens que, com criatividade, lançam novas tendências no

campo da moda, das artes

ou do

marketing. Caçadores de

oportuni-dades, deslocam-se continuamente de

um lado

para

o outro,

sem se

acomodarem a

um

emprego estável. Para alguns deles, a mobilidade profissional corresponde a uma escolha biográfica que não se circuns-creve à esfera profissional.

A

mobilidade é encarada como

um

modo de

vida, principalmente

se não

têm

responsabilidades familiares. Por serem detentores de importantes capitais escolares e culturais e

por

se

adaptarem bem à instabilidade

do

mercado de trabalho, alguns destes

jovens fazem parte de uma nova categoria social, os precórios de elite. Estas novas

culturas de

trabalho, baseadas

num

ethos

criativo e

em

novas concepções do trabalho, podem significar uma chave de sucesso

para alguns jovens empreendedores e criativos ainda que, nos seus

per-cursos profissionais, possa também haver lugar a intermitências e a uma

indesejada precariedade. Mas eles valorizam a flexibilidade e a natureza do trabalho, o ganho que significa não dependerem de horários rígidos. Podem até sentir-se confortáveis com trabalhos temporários que

(8)

inter-JUVENTUDE(s): NOVAS REALIDADES. NOVOS OLHARES

calam com viagens delazer, depois de algumas poupanças. Há mesmo quem apresente uma imagem romantizada destes jovens, tocados

por

um espírito aventureiro que recusa as normas do antigo operariado em

busca de um emprego para toda a vida ou do materialismo burguês dos

'tolarinhos

brancos" orientados

por

uma

vida

acomodada (Standing,

201 1). Esta rebeldia e inconformismo, tão presentes em amplos sectores

juvenis de hoje, constituem um traço cultural que não se pode desprezar, associado a valores pós-materialistas, onde avalorização da segurança

de emprego cede

em

relação à valorização

da

realização profissional, da autonomia, da liberdade de exercício de uma atividade profissional liberta da

tirania

do trabalho subordinado. As chamadas classes

criati-vas prezam estes valores (Florida, 2002).

Deste modo,

no

universo dos trabalhadores temporários e precá-rios há que

distinguir

entre os precários

por

opçao e os precários

por

exclusão, provavelmente

a maioria

deles.

No

entanto, mesmo entre

estes

últimos,

a criatividade não deixa de ser

um

apelo à

profissionali-zação (Pais, 2013) e não só entre os jovens trendsetters, mais ligados às

indústrias culturais.

Tome-se

o

exemplo de

um jovem,

companheiro de uma doutoranda brasileira que há tempos orientei. Ela veio parâ o

Instituto

de Ciências Sociais com uma bolsa de

curta

duração (bolsa sqnduiche,

como

se

diz no Brasil).

Agora

é doutorada, professora

universitária.

O

seu companheiro, Leonardo, também

sociólogo, sem bolsa de estudo,

nem

estudava nem

tinha

emprego. Poderia ser

levianamente classificado como

um

nem-nem. Na verdade, ajudava a

companheira nas lides domésticas,

particularmente

na confecção das refeições.

Como

bom

companheiro

virou cozinheiro

e

tomou-lhe

o gosto. Não só da comida, mas das artes de afazer. No

perfil

traçado no

seu blog,

Marido

Sanduiche,3 vemos como a sua passagem

por

Portu-gal

foi

determinante para acalentar uma vocação.

Foi

em Lisboa que

descobriu os sabores da

culinária

portuguesa e, a

partir

daí, decidiu

que o seu

futuro

profissional seria jogado no universo da gastronomia.

Passado um ano

voltou

com sua companheirapara Porto Alegre, onde

realizou

um

curso de cozinheiro. Depois seguiu-se

um

estágio no

res-taurante Chez Philippe,

um

dos mais conceituados restaurantes

fran-ceses

do

sul

do

Brasil. Agora vive

no

Rio.

tempos enviei-lhe uma

mensagem, perguntando-lhe como ia a vida. Respondeu-me:

"Minha

3

http://mâridosanduiche.blogspot.pt/, última consulta em 14 e Novembro de 2015.

JOVENS, TRABALHO E FUTURO: DILEMAS E DESAFIOS

formaçao acadêmica

facilitou muito minha inserção'no

mercado de trabalho. Meu blog

foi

fundamental para chegar onde cheguei.

Atual-rnente estou trabalhando

no melhor

restaurante português

do

Rio de laneiro, sou Subchefe lá.

Além

disso dou aula de cozinha portuguesa também. Estou adorando."

Uma mão na cozinha para ajudar a companheira abriu-lhe a porta

de acesso a uma inesperadarealização profissional. Provavelmente a arte

culinária acompanhá-lo-á para toda a

vida.

Estas estratégias de busca de emprego, aproveitando criativamente as oportunidades

contingen-ciais da vida, merecem reflexão quando debatemos as novas culturas do

trabalho.

A

enorme flexibilidade, instabilidade e imprevisibilidade do mercado de trabalho é propícia

ao

desenvolvimento destas estratégias. Que significado têm, por exemplo, as políticas de formação contínua ao longo da vida? Seguramente, uma necessidade de ajustamento da oferta educativa às rápidas mutações do mercado de trabalho, às transições de

vida não lineares (Pais, 2001; Raffe, 2003). É neste cenário de jogo que também aterram as artes do desenrascanço

(Pais,200l;2014),

estraté-gias de atuação que permitem a superação de situações difíceis a

partir

da improvisação.a

FUGAS AO TRABALHO E EXCLUSOES SOCIAIS

Há jovens para os quais

o trabalho

deixou de

ter

a centralidade que

outrora tinha, embora continuem a valorizá-lo. Outros, porém, Parece viverem apartados do mundo do trabalho, fazendo parte dos chamados nem-nem (jovens que nem estudam nem trabalham). Esta categoria está armadilhada de equívocos. As estatísticas do emprego e do desemprego nem sempre são rigorosas

na

quantificação dos nem-nem.

A

tendên-4

Não espanta, que os norte-americanos, sempre de olho nas mais prometedoras inovaçôes,

tenham descoberto as potencialidades do desenrascanço. Recentemente, num site norte--americano [www.cracked.com] apareceu uma listagem de palavras estrangeiras que mais

falta fariam à língua inglesa. À cabeça da lista aparecia: "desenrascanço". Não consegui-ram encontrar nenhuma palavra equivalente em língua inglesa. Mas lá se desenrascaram, ao proporem a expressão: "To pull a MacGlwer". Se bem se recordam, MacGlver era o

herói de uma série televisiva que resolvia problemas de forma inusitada. É esse engenho que se descobre no desenrascanço: "a arte de encontrar a solução para um problema à

última da hora, sem planeamento nem meios [...]. Enquanto a maioria de nós

Inorte-ame-ricanosl crescemos sob o lema dos escuteiros'sempre preparados', os portugueses fazem exatamente o contrário" Ihttp://www.cracked.com; consulta em 30 Outubro de 2014].

(9)

JUVENTUDE(s): NOVAS REALIDADES. NOVOS OLHARES

cia é para que o fenómeno seja empolado. Não apenas estatisticamente como, sobretudo, ideologicamente.

As

representações mediáticas que aparecem associadas aos nem-nem sugerem que os jovens resistem a

sair da chamada "zona de

conforto'familiar.

Deste modo, pode

gerar--se a representação de uma juventude alérgica aos estudos e ao trabalho

o

que não é certo, exceto para os que, deliberadamente, renunciam a

andar na escola ou a procurar trabalho.

A

questão a debater é a de saber se são os jovens que renegam o

trabalho ou

se são as estruturas de oportunidade

-

ot

melhor, a falta

delas

-

que os empurram para formas de vida cuja precariedade tende a

agravar-se

por

desânimo, frustração, ansiedade ou falta de motivação. Frequentemente, a categoria dos netn-nem dá acolhimento a jovens que

nela não deveriam ser considerados: jovens que não trabalham porque não conseguem encontrar trabalho

por muito

que se esforcem; jovens

cujos

problemas

de

saúde

os incapacitam de trabalhar; jovens

que realizam trabalhos de voluntariado; jovens que

cuidam

de familiares idosos

ou

enfermos; jovens que

trabalham

nas lides domésticas, etc.

Muitos destes jovens trabalham a valer mas nas malhas das estatísticas caem na categoria dos que não trabalham, como se fossem parasitas.

Desse modo, as estatísticas reforçam

um

estereótipo

juvenil

(Moreno,

2011), alimentando mais

teses catastrofistas.

Em

que

medida

a

representação estereotipada

em

relação aos jovens nem-nem

não estará a afetar,

por um

efeito metonímico, a representação que se tem

dos jovens de hoje?

Como quer que seja, há jovens que efetivamente

vivem

apartados

do mundo do

trabalho sem que, aparentemente, procurem formas de

inserção profissional.

De

seguida apresentam-se

dois

casos extremos que ilustram novas atitudes e novos modos de vida que se traduzem em

fugas ao trabalho e em exclusões sociais: num caso, tipificado peloslazy

beggars, o que os jovens buscam é uma milagrosa independência

eco-nómica, sendo manifesta a sua alergia

ao

trabalho ou, pelo menos, ao

trabalho considerado

num

sentido

tradicional; noutro

caso renega-se o trabalho à sombra dos suportes familiares, numa persistente depen-dência económica. Estão neste

último

caso os jovens YASP (Vagabun-dos Anónimos Sustentødos pelos Pøls). Como veremos, convirjam numa comum alergia ao trabalho, os modos de vida dos jovens tipificados

por

estes dois estudos de caso são distintos entre si, sobretudo do ponto de

vista das atitudes, dos valores sociais e das éticas de vida.

JOVENS, TRABALHO E FUTURO: DILEIVAS E DESAFIOS

Os lazy beggars (vagabundos vøgos)t integram

um

grupo de jovens adultos, de nacionalidades diversas, que deambulam

por

várias

cida-des da Europa, entre as quais Lisboa. Cultivando uma ociosidade

rela-tivamente

criativa,

eles descobriram

uma forma original de

inventar dinheiro. Vejamos como se identificam:

Basicamente somos unos vagabundos muy vagos; en el sentido tradicional

(vivimos en la calle y pedimos dinero) y tambien en el poco tradicional

(como para ser sinceros y hacer reir a la gente).

Oh si; tambien tenemos pagina web. Bienvenidos al siglo XXI

Pedimos para Comida,

Vino,

Porros

y

Cocaina

(la

version original)

?para Cerveza, Vino, Whisky y Resaca ( la version light ). Por lo menos

somos sinceros...

Hemos utilizado los carteles por mas de cinco años viajando por las calles

y haciendo reir a la gente.

Y despues de unos cuantos años tenemos website (recuerda Internet es Ia

calle mas larga). Esperamos hacerte reir. esperamos hacerte pensar.

espe-ramos fazer-te generoso.

Estaremos perante

uma nova cultura de

trabalho

ou

ante uma cultura de vida assente na negação do trabalho? Vagabundos pedintes

sempre os houve ao longo da história, mas estes são diferentes. Para já

apresentam-se como "vagabundos

muito

vagos". E embora também se

afirmem vagabundos no sentido tradicional do termo ("vivemos na rua e

pedimos dinheiro") não deixam de reivindicar um estatuto diferente: são

"vagabundos num sentido pouco tradicional" pois são "sinceros","fazem

rir

a gente" e até possuem uma página web. E mais. Defendem uma ética

de trabalho que,

por um

lado, se nega a si mesma,

por

ser esquiva ao trabalho; e que,

por

outro lado, se transcende a si

própria, por

se afir-mar, sobretudo, como uma ética de vida. Esta não se expressa apenas por valores individuais, como o da sinceridade pessoal.

A

ética de vida que abraçam está alinhada com valores sociocêntricos: o

riso

social, o questionamento da

vida,

a generosidade, a solidariedade: "esperamos

fazer-le rir, esperamos fazer-te pensar; esperamos fazer-te generoso'.

Quando Dostoievsky (1960

[1864]), em

suas Nofes

from

Under-ground,nos mostrou como algumas condutas de risco entre os

vagabun-5

http://www.lazybeggers.com , última consulta em 30 de Outubro de 2015.

(10)

JUVENTUDEG): NOVAS REALIDADES. NOVOS OLHARES

dos apareciam associadas à libertinagem, ao impulso de transformar o previsível em

arbitrário,

ao desafio de desafiar

o

risco, apontava uma associação

entre

vadiagem

e

delinquência,

posta

aliás

em

evidência

por muitos

géneros de literatura, da clássica à de cordel. Para

o

peri-odo do

Antigo

Regime veja-se a obra de Roger Chartier (1987), dando--nos conta das representações literárias dos marginais, falsos mendigos, ladrões e vagabundos usurpadores

da

caridade pública.

No

caso dos lazy beggars, a odisseia de desafiar o risco persiste, mas estes vagabun-dos pós;modernos não são necessariamente delinquentes. Eles apenas

exploram,

à

sua maneira, algumas características da vagabundagem: inconsistência,

instabilidade, errância

-

características

que,

quando aplicadas ao

mundo do

trabalho, ganham

no

jargão sociológico, uma denominação: precariedade.

Quem

são estes

lazy

beggars?

Só muito

vagamente

o

sabemos.

Tome-se

o

autorretrato biográfico de Lyndon.

Confessa

ter

trinta

e

"picos anos", ainda que pense ter uns 15. Quando ainda jovem, ao

sen-tir-se

um

velho careta, decidiu viajar

um

pouco, antes de ingressar na universidade que abandonaria logo que começou a aprender

malaba-res e a

tomar

o gosto de viajar à boleia. fá engenheiro

informático,

ou

engenhocas

lunático, diz ter

trabalhado em bancos e multinacionais, viajando muito. Queixava-se então da carga de trabalho, das obrigações profrssionais

que

ofuscavam

os horizontes culturais,

lamentando-se: 'das cidades só consegui ver táxis, hotéis, aviöes, etc. mas nada da forma

de ser dos povos e suas gentes". Depois decidiu viajar à sua maneira pela

Europa, com os seus malabares, até que em Granada encontrou outros vagabundos,

como

José e

Nemo

'b

cachorro mais preguiçoso jamais visto'. Vive com outros vagabundos há vários anos. Aparentemente, em busca de

um modo

de

vida distinto

daquele

em

que a

vida

se perde quando se tenta ganhá-la.

No

site dos lazy beggars, ao qual não falta a possibilidade de anga-riação de donativos por Pay Pall, dão-se ideias para se inventar dinheiro:

por exemplo , a guitørrø de ør: "vai para uma rua concorrida (simulando

tocar numa guitarra

inexistente)

com

um

cartaz dízendoi

para

uma

guitarra

nova".

Outra

ideia, a fonte dos desejos:'Arranja

um

recipiente transparente (recicla

um,

cortando o gargalo de

uma

garrafa de água)

deita-lhe uma porção de água e algumas moedas e escreve num cartaz: reqliza um desejo". Enfim, um rol de ideias para inventar dinheiro, como

as baladas ou as artes circenses de rua, onde a ociosidade prevalece sobre

JOVENS, TRABALHO E FUTURO: DILEIVIAS E DESAFIOS

o trabalho. Que gente é esta com muitos picos de anos,'que envelhecem biologicamente mas persistem em não perder uma condição jovenil?

No

modelo laboral fordista,

o

ciclo de vida estava estruturado em

torno do

trabalho.

A

preparação para a

vida

profissional, através da formação e da escolarização, ocorria na juventude; o exercício de uma atividade profissional dava-se na vida adulta; o abandono da vida ativa sobrevinha na velhice. O trabalho normølizava as fases de vida, linear-nente sequenciadas. A centralidade do trabalho, como núcleo central da

vida humana, pressupunha uma contraposição entre trabalho e tempo

livre

-

isto é,

livre

de trabalho. Hoje,

o

trabalho

não aparece como núcleo de socialização e estruturação dos cursos de vida de uma forma linear. Os cursos de vida segmentaram-se, flexibilizaram-se, desestrutu-raram-se. As trajetórias de vida inscrevem-se em processos de reversi-bilidade, volteios de vida que se traduzem nvma yoyogeneização dessas

mesmas trajetórias (Pais, 2001). Por outro lado, a crise de desemprego

tem gerado formas atípicas de emprego, novas modalidades de trabalho independente e de trabalho clandestino. E também tem originado a

pro-liferação de vagabundos mais ou menos vagos, muitos deles com traba-lhos precários.

A

literatura sociológica começa a ecoar a representação dos jovens precários como uma "nova classe perigosa']

título

de um dos

últimos livros de Guy Standing (2011), Perigosa em dois sentidos.

Num

caso porque há jovens precários que ousam indignar-se, ocupando as

ruas com manifestações e acampamentos, clamando por trabalho e por

uma nova ordem social. São os jovens indignados (Van de Velde, 2011;

Pais, 2014). Eles são olhados como perigosos

por

quem teme que as

suas manifestações desemboquem

numa

alteração

da ordem

social.

Noutro

caso,

jovens

que

são considerados perigosos

porque

são

vagos, muito vagos mesmo. Os lazy beggars são um curioso exemplo de

jovens aparentemente sem

rumo

que troçam de uma sociedade que os empurra para a exclusão.

Passando agora aos chamados jovens YASP (Vagabundos Anónimos

Sustentados pelos País) eles não integram nenhum movimento social.

A

designação surgiu no Brasil, nas redes sociais, e o seu interesse

socioló-gico justifica-se

por

a jocosa rotulagem retratar, efetivamente,

um tipo

de jovens que se esquivam ao desemprego - alguns esquivam-se,

sobre-tudo, ao trabalho

-

dado contarem com o suporte económico da famí-lia. Eles abraçam uma ética de

vida

que, em furais

do

século passado, atraiu também os jovens slacker, retratados no filme e no

livro

de

(11)

Linkla-JUVENTUDE(s): NOVAS REALIDADES. NoVoS oLHARES

ter (1992), com o mesmo nome. Os vagabundos anónimos sustentados pelos pais,

tal

como os slackers,

têm

dificuldades em assumir respon-sabilidades e obrigaçoes, seja

no

campo profissional

ou

conjugal. Estes

jovens são considerados indesejáveis não apenas

por

constituírem

um

pesado fardo para os pais que os sustentam, frequentemente solicitados

a abonar as suas despesas lúdicas. dado que alguns deles vivem ociosida-des noctívagas associadas a vários vícios, são também vistos como uma

ameaça pública. O rapper brasileiro Gabriel, O Pensador, caracteriza-os

emRetrato de um Playboy: "[...] Sou

plaÈoy,filhinho

de papai / Eu tenho um

pitbull,

e eu

imito

o que ele faz

/

Sou

playbo¡ filhinho

de papai / Eu era um debilóide, fiquei ainda mais / O papai e a mamãe me dão do bom

e do melhor

/

E quando eles viajam eu fico com a vovo'. Genericamente,

são jovens que partilhando da apatia dos jovens da chamada Geração X, dos anos 90

(Holtz,

1995), vivem

um

prolongado período de incerteza em relação ao

futuro,

sem que sejam obrigados a penar em trabalhos precários e desqualificados (Ortner, 1998:429), dado o suporte familiar.

CONCLUINDO

COM MAIS ALGUNS DILEMAS E DESAFIOS

Vimos que

o

desemprego

e a

precariedade

laboral atingem

amplas

camadas juvenis, independentemente dos seus capitais escolares ou

cul-turais.

O

fenómeno manifestava-se

a finais

do

século passado (Pais,

2001), tendo-se acentuado a

partir

da crise financeira de 2008.

A

situa-ção de precariedade laboral que já se vivia a finais do século passado não

passou despercebida a

Bourdieu

(1998) quando em seu

livro

Contre--feux, escreveu

um

capítulo significativamente

intitulado

"La précarité est aujourd'hui partout".

A

precariedade estava

por

todo o lado, é certo, mas

os

trabalhadores precários

não

revelavam

uma

consciência de

classe para si como nos

últimos

anos vem acontecendo entre os jovens.

Por isso, os jovens precários passaram

a

ser vistos

como uma

"nova

classe perigosa" ou por virem para a rua, em numerosas manifestações

de protesto, como aconteceu com os jovens indignados; ou por se entre-garem a uma ociosidade rebelde, como no caso dos lazy beggars; ou

por

se esquivarem ao desemprego, vivendo indolentemente à custa dos pais, como no caso jovens Vagøbundos Anónimos Sustentados pelos Pais.

Quer os jovens vagabundos vagos (lazy beggars), quer os

que

são sustentados pelos pais, quer ainda os jovens indignados, todos eles são

JOVENS, TRABALHO E FUTURO: DILEMAS E DESAFTOS

olhados como potenciais perturbadores da ordem sociâI, gerando algum pânico social. Os

primeiros por

estarem fortemente conectados com a

marginalidade e a toxicodependência; os segundos por, pretensamente, se acomodarem à chamada"zona do

conforto]

sustentados pelos pais.

Porém, entre alguns jovens que

vivem na

dependência dos

pais

há também os que se afundam no desânimo por não conseguirem encontrar trabalho. Trabalho remunerado. Trabalho que lhes permita tornarem,se economicamente independentes. Trabalho que lhes dê sentido de vida.

Estes últimos jovens, com toda a sua frustração, engrossam a fileira dos

jovens indignados, também

vistos com

suspeita

por

alguns sectores mais conservadores da sociedade.

A

crença de que a sociedade pós-in-dustrial seria

um

oásis onde se trabalharia cada vez menos e de forma

cadavez mais qualificada e enriquecedora tem dado lugar, na realidade,

a desemprego, subemprego, e trabalho precário, especialmente entre os

jovens.

A

significativa participação de jovens universitários nas

mani-festações dos chamados jovens indignados é um corolário da frustração

sentida

por

falta de reconhecimento dos investimentos realizados no percurso escolar.

Existem outras várias possibilidades de resposta em relação ao des-compasso

entre

expectativas

e

recompensas

(Melucci,

2001: 58-60).

Uma delas é a resposta violenta, como aconteceu nos

motins

e

pilha-gens dos subúrbios de Londres e outras cidades, em Agosto de 2011,

com jovens encapuzados,

incendiando

carros

e

edifícios, saqueando

lojas

e

arremessando

à

polícia

garrafas, pedras,

tijolos

e

cocktails molotov.

Outra

resposta é a resignação, a desistência, a apatia, como aparentemente acontece com os jovens YASP (Vagøbundos Anónimos

Sustentødos pelos Pøis). Existe ainda

outra

resposta de natureza

subli-mar, conjugável com as anteriormente descritas. Ela consiste na mobi-lização de recursos simbólicos orientados para a produção celebrativa de uma identidade

(individual

ou grupal), como parece acontecer com os lazy beggars (vagabundos vagos). Entre estes

últimos,

a sacralização da celebração grupal é assegurada

por

consumos (bebidas e drogas) e

fachadas corporais (tatuagens, piercings, barbas, roupas), fenómenos

que dão razã,o a Peter Burke (2009: 198) quando nos sugere a

neces-sidade de uma "teoria

política

da moda" para

melhor

percebermos a natureza dos conflitos sociais,

que as identidades sociais aparecem ritualizadas nos modos

de

ser

e

aparentar,

por

efeito de políticas de "submissão' ou de resistência'l

(12)

JUVENTUDEG): NOVAS REALIDADES. NOVOS OLHARES

Contudo, também

vimos que

estão

emergindo novas

culturas de trabalho, onde a

intermitência

dos trabalhos não é vista de forma necessariamente negativa.

É

o

que acontece

com

os jovens trendset-ters ao

valorizarem

a autonomia proporcionada pelos trabalhos oca-sionais.

É

certo que a crise que vivemos

origina

riscos, mas também gera oportunidades.

O próprio

empreendedorismo caminha de braço dado com o risco. Se o risco é um problema, uma ameaça, uma fonte de

insegurança, também pode proporcionar prazer e ganhos de liberdade, como vimos

no

caso dos precários elitistas, trendsetters e profitécnicos.

Não

por

acaso,

em

sociedades pré-modernas

a imprevisibilidade

do

futuro

era equacionada em termos de aventura e

fortuna

(Reith, 2004).

Contudo, algumas políticas de ativação de emprego

criam

a ilusão de que

o

empreendedorismo está ao alcance de qualquer

um,

exceto dos

fracassados.

A

condição de desempregado seria desse

modo

culpa do

próprio.

A

questão a

discutir

é a de saber se os jovens conseguem ou não viver a crise com inovação e criatividade. A

partir

dos tipos analisa-dos poderíamos antecipar três possibilidades: há jovens que conseguem desenhar

o futuro na

deriva

da

sua instabilidade e imprevisibilidade (trendsetters);

outros,

decididamente, falta-lhes

espírito de

iniciativa, chegando mesmo a explorar os pais, quando estes se veem obrigados

a passar dificuldades para satisfazer as reivindicações consumistas dos

filhos

(jovens VASP); outros, finalmente, sobrevivem

com

estratégias

de desenrascanço, mesmo em rotas de exclusão social, assumidas como

uma opção de vida, assim parecendo acontecer com os lazy beggars.

No universo dos

trabalhos temporários

e

precários

há pois

que

distinguir

entre os precários

por

opçao e os precários por exclusão, os desempregados sem esperança.

Ao

trabalhar

o

conceito de

anomia,

Durkheim

referia-se justamente a uma passividade decorrente da falta

de esperança, associada à perda de identidade que, no caso dos

desem-pregados, se intensifica com buscas de

trabalho

fracassadas.

A

apatia

aparece associada à desistência, a uma existência afetada

por

derrotas

sucessivas e frustrantes, onde a sobrevivência aparece ancorada a

traba-lhos eventuais e mal pagos. Neste caso podemos falar de precários

por

exclusão. E,

no

entanto, sobre eles recaem também os estereótipos da preguiça, da irresponsabilidade, da desmotivação, da indolência, como

no

caso dos falsos nem-nem. Convém

no

entanto não esquecer que

'b

fenómeno da precariedade laboral não pode entender-se apenas como

uma

disfunção,

uma

regularidade resultante

de

desajustamentos no

JOVENS, TRABALHO E FUTURO: DILEMAS E DESAFIOS

novo cenário pós-fordista: pelo contrário, é

um

fator'essencial para o

seu funcionamento

ótimo'

(Alonso e Férnandez, 2013: 120). Os precá-rios constituem um novo exército de reserva que assegura formas subtis de exploração'

No

estudo das transições

juvenis

é frequente questionarem-se os

seus destinos. Para onde apontam essas trajetórias? Mas

sociologica-mente é também relevante saber de onde elas partem.

A

metáfora dos

itinerários reflete o discurso individualista dos debates políticos e cien-tíficos atuais, desvalorizando-se, frequentemente, a estrutura social de oportunidades e as desigualdades sociais (Raffe, 2003). As escolhas

bio-gráfrcas não deixam de estar condicionadas pelas estruturas de

oportu-nidade.

A

retórica centrada nas incapacidades individuais, se levada ao

extremo, isenta de responsabilidade as políticas falhadas de criação de

emprego. Em que medida é que as políticas públicas poderão explorar o

domínio das subjetividades, alavancando-as para a busca de emprego?

Nas políticas de emprego,

continua

a ser bastante questionado o "paradigma da ativação' (Dean, 1995, Born e Jensen

2}l},Pascual

et al, 2012), orientado para a formação, a orientação profissional e os incen-tivos à contratação. Neste paradigma, os desempregados de longa

dura-ção tendem a ser vistos como padecendo de uma "patologia da vontade"

(Pascual et

al,20l2i

33). Neste modelo, as políticas de emprego deixam

de se centrar no mercado de trabalho para valorizarem tudo o que possa

contribuir

para o favorecimento da adaptabilidade e da autonomia dos

trabalhadores e desempregados. Considera-se também que as

políti-cas de proteção social engendram uma dependência aditiva, potencial

armadilha

para

trabalhadores precários

e

desempregados.

O

Estado,

emvez de defender a dependência, deveria combate-la, deixando-se de atitudes paternalistas, passando a promover buscas autónomas de tra-balho. Nesta filosofia,

o

combate contra

a

pobreza e a exclusão social deveria transformar-se numa

luta

contra a dependência em relação ao Estado Social.

A

função deste passaria assim a ser não tanto a proteção contra o risco inerente a uma economia de mercado, como a criação de condições e atitudes adequadas para a adaptação dos trabalhadores a uma economia de fluxos indeterminados (Pascual et

al,20l2i

46). Neste paradigma, a aposta passaria pela promoção da adaptabilidade das

pes-soas a

um.mercado

de

trabalho

fortemente flexibilizado,

de forma

a

(13)

jUVENTUDE(s)r NOVAS REALIDADES. NOVOS OLHARES

Eis-nos perante mais

um

dilema.

Qual o melhor

caminho?

O

da

proteçao social dos desempregados devido à sua condição de

mlnerabi-lidade ou

o

das políticas ativas que reforcem a autonomia dos trabalha-dores e desempregados, bem como a sua empregabilidade? Ou haverá uma terceira via no quadro da qual emergem,

por

exemplo, as políticas de emprego orientadas pela flexisegurança? Neste caso, as políticas de

ativação seriam acompanhadas por políticas de proteçao dirigidas a

pes-soas

-

principalmente no desemprego

-

com dificuldades de adaptação

à mudança: não uma proteção contra o risco mas, antes, uma proteção para, ativamente, se enfrentar

o

risco.

A

noção de segurança passaria

então a ser

definida

como

uma

capacidade de adaptação à mudança, alicerçada na autonomia e nas "engenharias da subjetividade" (Pascual et al,2012). Estas construçoes da subjetividade são possíveis a

partir

da reflexividøde dos sujeitos, isto é, de uma capacidade de aprendizagem, a

partir

das experiências vividas, que se

projetariam

na descoberta de novos rumos de existência. É nesta reflexividade que assenta

o

empo-deramento (empowerment):

o

poder de atuar sobre si, o poder de atuar

sobre a realidade, o poder de adaptação às mudanças sociais, o poder de

afirmar uma autonomia numa teia de heteronomias que ora funcionam como constrangimentos ora como oportunidades. De qualquer forma,

as engenhariøs dø subjetividøde operam

num

complexo social sobre o qual as políticas de emprego não podem deixar de atuar. De que modo? Fomentando a ativação nos domínios das subjetividades mas, ao mesmo tempo, atuando sobre as estruturas sociais que

criam

ou bloqueiam as

oportunidades. O desemprego tem duas faces: ele é uma realidade

indi-vidual, subjetivamente vivida, mas também é uma realidade social.

As políticas de emprego têm sido, regra geral, políticas de remen-dagem.

Ora

se

dirigem ao funcionamento do

mercado

de

trabalho, promovendo,

por

exemplo,

uma maior flexibilização contratual,

ora se orientam para uma formação compensatória cujos reais efeitos não têm sido devidamente avaliados. Faltam políticas criativas que tomem

os jovens

como

agentes de inovação e mudança social, políticas que não se

limitem

a fr,car amarradas às persistências

do

mercado de

tra-balho mas que atuem fora dele para que nele

melhor

se possam

reper-cutir.

Refiro-me a políticas económicas e

culturais

que, articuladas às

ciências

e

às tecnologias, se

orientem por

desafios

de criatividade

e

que, se bem-sucedidas, acabarão

por impulsionar

novos rumos

socie-tais e

novos

horizontes

profissionais.

É

neste

campo

que os jovens

JOVENS. TRABALHO E FUTURO: DILEMAS E DESAFIOS

poderão ter

um

papel relevante, como parece

já estar

acontecer com

os jovens trendsetters.

Voltando

a Mannheim

e

ao

seu estimulante

livro

Diagnóstico da

Nosso Tempo. Para

Mannheim,

especialmente em tempos de crise, os

jovens são potenciais agentes da mudança social. Eles desafiam-nos a

questionar a realidade muito para além do que a pressupomos. No con-texto de uma crise económica e social que tanto tem afetado os jovens, estaremos

na

senda

de uma

nova geração eþtiva?

Não

estamos em condiçoes de

dar uma

resposta conclusiva, embora os jovens de hoje

pareçam liderar novas correntes socioculturais e abraçar novas culturas

de trabalho, principalmente os mais qualificados. Para

Mannheim,

há um fator determinante na transformação de uma geração potencial em

geração efetiva: a participação no destino comum de uma unidade

his-torica e social. Para o efeito, não basta que os jovens

partilhem

de uma mesma situação de geração. Nessa situação, eles apenas conseguiriam

ser tragados pelo redemoinho das transformações sociais.

Como

quer

que seja, é em resultado de uma aceleração

no ritmo

das

transforma-ções sociais e culturais que se

criam

condiçoes de possibilidade para

que surja o que

Mannheim

(1982: 92) designou de nova entelequia de

geração, tomando

o

conceito de entelequia

no

sentido aristotélico do

termo, isto é, com

um

estado de ser em ato, e não apenas em potência, distinção que era cara a Leibniz. Será que estamos perante uma geração em potência capaz de se transformar numa entelequia de geração?

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