• Nenhum resultado encontrado

Líquen plano oral: a propósito de um caso clínico

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Líquen plano oral: a propósito de um caso clínico"

Copied!
50
0
0

Texto

(1)

Faculdade de Medicina Dentária

Líquen Plano Oral:

a propósito de um caso clínico

Joana Marinhas da Silva

Dissertação

Mestrado Integrado em Medicina Dentária

(2)

""!

Faculdade de Medicina Dentária

Líquen Plano Oral:

a propósito de um caso clínico

Joana Marinhas da Silva

Dissertação orientada

Pela Dr.ª Ana Jácome

Mestrado Integrado em Medicina Dentária

2013

(3)

"""!

“Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos. Sem memória não existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir.” José Saramago (1922-2010)

(4)

"#! Muito especialmente, desejo agradecer à minha orientadora Dr.ª Ana Jácome, pela disponibilidade, atenção dispensada, paciência, dedicação e profissionalismo.

Uma palavra de agradecimento também à Dr.ª Anabela Cereceda, pela atenção, apoio e incentivo que sempre me deu.

Aos meus avós, à minha mãe e ao meu irmão, por terem estado sempre ao meu lado e terem contribuído para aquilo que eu sou hoje.

Ao Zé, pela ajuda que me deu no trabalho e por me fazer acreditar que era possível chegar com sucesso ao final desta etapa.

(5)

#! O líquen plano é uma doença dermatológica autoimune crónica relativamente comum e que muitas vezes afeta a mucosa oral. A maior parte dos pacientes com esta patologia são mulheres em idade adulta.

A relevância do estudo do líquen plano oral reside principalmente na sua prevalência elevada (1,27% na população geral) relativamente a outras patologias da cavidade oral, bem como na presença de sintomas que muitas vezes levam o paciente a procurar um profissional de saúde. Não existe um tratamento totalmente eficaz para as lesões de líquen plano oral, pelo que o objetivo principal quando se lida com estes pacientes é o alívio da sintomatologia que, na maior parte dos casos é feita com recurso aos corticosteróides tópicos. Embora constituindo ainda uma questão controversa, a Organização Mundial de Saúde classifica o LPO como uma “alteração da mucosa oral potencialmente maligna”, pelo que estes pacientes devem estar sob estreita vigilância.

As manifestações clínicas de LPO podem ser suficientes para fazer um diagnóstico correto, principalmente se apresentarem a forma clínica reticular com uma distribuição bilateral. Contudo, a biópsia oral com avaliação histopatológica é recomendada para confirmar o diagnóstico e excluir displasia. As terapias propostas até ao momento para o LPO incluem uma variedade de fármacos. Contudo, e apesar de os corticoesteróides tópicos serem considerados o tratamento de primeira linha, não existe evidência científica que permita afirmar existir um tratamento de eleição.

Por tudo isto, torna-se de extrema importância o papel do médico dentista na deteção e diagnóstico deste tipo de lesões, bem como a correta monitorização e tratamento.

PALAVRAS-CHAVE:

Líquen Plano; Líquen Plano Oral; Alterações da mucosa oral potencialmente malignas; Carcinoma pavimentocelular; Corticosteróides.

(6)

#"! Lichen planus is a relatively common chronic autoimmune skin disease that often affects the oral mucosa. Most patients are adult women.

The relevance of the study of oral lichen planus primarily lies in its high prevalence (1.27% in the general population) with respect to other diseases of the oral cavity, as well as the presence of symptoms that often lead the patient to seek a health professional. There is no fully effective treatment for lesions of oral lichen planus, whereby the main objective when dealing with these patients is the relief of symptoms which in most cases is done with use of topical corticosteroids. Although it is still a controversial issue, the World Health Organization classifies OLP as a "potentially malignant disorder", so these patients should be under close supervision.

Clinical manifestations of OLP may be sufficient to make a correct diagnosis, especially if they have a clinical reticular form with a bilateral distribution. However, the oral biopsy with histopathological evaluation is recommended to confirm the diagnosis and to exclude dysplasia. Previously proposed therapies to OLP include a variety of drugs. However, despite topical steroids being considered state of the art treatment, there is not enough scientific evidence to acknowledge them as such.

Taking all of the above into account, the role of the dentist in the detection and diagnosis of this type of injury, as well as proper monitoring and treatment, is of the highest importance.

KEY-WORDS

Lichen Planus, Oral Lichen Planus; Potentially malignant disorders of the oral mucosa; Squamous cell carcinoma; Corticosteroids.

(7)

#""!

1. Introdução 1

2. Líquen Plano Oral

2.1. Epidemiologia 3

2.2. Etiopatogénese 4

2.3. Formas Clínicas 7

2.4. Diagnóstico e Características Histopatológicas 9

2.4.1. Diagnóstico Diferencial 11

2.5. Monitorização e Tratamento 12

2.6. Prognóstico e Potencial de Malignização 17

3. Caso Clínico 19

3.1. Anamnese 19

3.2. História Pregressa 19

3.3. Exame Objetivo 20

3.4. Diagnóstico e Evolução da Lesão 20

3.5. Propostas Terapêuticas 22

4. Conclusões 24

5. Referências Bibliográficas 27

(8)

#"""!

Anexo 1 – Critérios de diagnóstico para o líquen 33 plano oral e lesões liquenóides orais

Anexo 2 – Locais de ação dos fármacos utilizados 34 no tratamento do líquen plano oral baseados nas suas

propriedades

Anexo 3 – Protocolo de atuação no líquen plano oral 35

Anexo 4 – Modelo inflamatório preneoplásico do 36 líquen plano oral

Anexo 5 – Caso clínico: fotografias de 2002 37

Anexo 6 - Tabela de Classificação quantitativa 39 de líquen plano – índice REU

(9)

"$!

ADN – Ácido desoxirribonucleico CPC – Carcinoma pavimentocelular

HLA - Human Leukocyte Antigen; Antigénios leucocitários humanos HPV – Vírus Papiloma Humano

HSP – Heat Shock Protein; Proteína de choque térmico ICAM-1 – Molécula de adesão intercelular

IFN-! – Interferão – ! IL-2 – Interleucina-2 LP – Líquen plano LPO – Líquen plano oral

MHC-II – Complexo major de histocompatibilidade classe II MMP – Metaloproteinases da matriz

OMS – Organização Mundial de Saúde RLO – Reação liquenóide oral

TNF- " – Factor de necrose tumoral-"

VCAM – Molécula de adesão celular vascular VHC – Vírus da Hepatite C

(10)

'

9'

1. INTRODUÇÃO

O líquen plano (LP) é uma doença inflamatória, de etiologia desconhecida, que afeta o epitélio pavimentoso estratificado (Pindborg et al., 1997; Farhi & Dupin, 2010). O termo líquen plano foi utilizado pela primeira vez em 1869 pelo médico inglês Erasmus Wilson, que terá descrito uma condição cuja etiologia seria decorrente de “tensões nervosas”. Considerou-a a mesma patologia que a leischen ruber descrita previamente por Hebra (Montenegro & Azul, 1997; Canto et al., 2010). A primeira variante de LP foi referida por Kaposi em 1892 sob a designação de lichen ruber

pemphigoides (Montenegro & Azul, 1997). Louis-Frédéric Wickham acrescentou à

descrição da lesão stries et punctuations grisatres (estrias e pontos acinzentados), denominadas, posteriormente, estrias de Wickham, em 1895 (Canto et al., 2010). Envolve, preferencialmente, a pele e a mucosa oral, podendo também atingir outras localizações como as unhas, o couro cabeludo, o esófago e as regiões anogenitais (Le Cleach & Chosidow, 2012).

O líquen plano oral (LPO) é uma condição relativamente comum, que pode aparecer isolado ou associado ao LP cutâneo, havendo, no entanto, diferenças significativas na sua evolução e manifestações clínicas (Nico et al., 2011). A prevalência do LP cutâneo é desconhecida, mas estima-se que ocorra em menos de 1% da população. Pensa-se que seja menos frequente do que o líquen plano oral (LPO) isolado, que afeta cerca de 1 a 2% da população. Os estudos variam quanto à prevalência da doença em diferentes populações, contudo, parece não existir um padrão racial (Carrozzo & Thorpe, 2009).

Apesar de encontrarmos mais de 7000 artigos quando procuramos por “líquen plano” na base de dados MEDLINE, muitos aspetos da doença estão, por enquanto, longe de estarem totalmente clarificados.

Embora o LPO seja muitas vezes assintomático, a forma atrófico-erosiva pode causar sintomatologia que varia de sensação de ardor à dor severa, podendo interferir com o bem estar geral, nomeadamente com a fala, alimentação e deglutição (Lodi et al., 2005; Cheng et al., 2012). Assim, o principal objetivo quando lidamos com doentes com LPO é torna-los assintomáticos, o que pode ser alcançado pela promoção da cicatrização dos tecidos (Kuo et al., 2013).

(11)

'

7' A causa exata para o aparecimento de LP é desconhecida (Le Cleach & Chosidow, 2012). Existe evidência de que a imunidade mediada por células, possivelmente iniciada por fatores endógenos naqueles geneticamente predispostos para o desenvolvimento da doença, seja crucial na sua patogénese (Gümrü, 2013).

Em 1910, François Henri Hallopeau relatou o primeiro caso de carcinoma oral associado ao LPO. A percentagem de transformação maligna do LPO tem sido relatada em 0% a 10% dos pacientes, variando de acordo com as características da amostra e desenho do estudo, após seguimento médio de 1,5 a 10 anos (Farhi & Dupin, 2010). Embora reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o potencial de malignização do LPO é ainda uma questão muito debatida.

A hipótese atual que explica a relação do LPO com o carcinoma pavimentocelular (CPC) baseia-se na ideia de que a inflamação crónica provoca um dano profundo no ADN celular, o qual ao longo do tempo resulta no desenvolvimento de uma neoplasia. Os primeiros estudos que investigaram a relação entre o LPO e o CPC eram maioritariamente estudos clínicos retrospetivos. Nos últimos anos foi obtida uma grande quantidade de informação sobre a malignização do LPO, principalmente a partir de estudos moleculares (Georgakopoulou et al., 2012).

As terapias atualmente propostas para o LPO incluem uma grande variedade de fármacos e são focadas no controlo sintomático da doença. Um estudo recente concluiu que não existe evidência científica que permita afirmar a existência de um tratamento de eleição (Arduino et al., 2013).

O interesse em estudar esta patologia reside na sua prevalência relativamente elevada, na presença de sintomas e na ausência de um tratamento eficaz das lesões, para além da preocupação com o potencial de transformação maligna (Gümrü, 2013). Deste modo, torna-se fulcral o papel do médico dentista no correto diagnóstico, monitorização e tratamento deste tipo de lesões.

A escolha deste tema surgiu devido ao número relativamente elevado de pacientes que compareceram nas consultas da Clínica de Cirurgia e Medicina Oral da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa durante os anos letivos 2011/2012 e 2012/2013, os quais apresentavam lesões compatíveis com líquen plano. Dos pacientes acompanhados na faculdade foi selecionado para apresentação deste caso clínico um dos que apresentava mais tempo de seguimento. Neste contexto, o presente

(12)

'

:' trabalho tem como principal objetivo destacar a importância da identificação deste tipo de alterações da mucosa oral potencialmente malignas, através de uma revisão da literatura acerca do LPO e da apresentação de um caso clínico demonstrativo dessa mesma patologia, por forma a complementar a informação recolhida.

2. LÍQUEN PLANO ORAL 2.1. Epidemiologia

Foram realizados em diversos países por todo o mundo vários estudos epidemiológicos e clínicos detalhados de LPO. Em todos eles se observam semelhanças na natureza desta doença, confirmadas em diferentes populações, como a predileção pelo sexo feminino, idade média de início da patologia na quarta e quinta décadas de vida, e a mucosa jugal sendo o local mais comummente afetado (Gümrü, 2013).

A incidência de doentes com LPO varia consoante os diversos estudos que foram realizados nesta área, sendo que na maior parte deles os valores dizem respeito a 1-2% da população geral. Carrozzo (2008) calcula, a partir de uma meta-análise, a incidência do LPO em 1,27% na população geral (0,96% no sexo masculino e 1,57% no feminino) (Georgakopoulou et al., 2012; Carrozzo, 2008). Apenas um dos estudos incluídos nesta meta-análise continha dados suficientes sobre os seus métodos e resultados que permitissem fazer uma estimativa da prevalência de LPO na população. No entanto, neste estudo não se fez a distinção entre LPO e as reações liquenóides orais (RLO). De acordo com Carrozzo (2008) são necessários mais estudos, com métodos e critérios padronizados, realizados em diferentes populações.

Diversos estudos apontam para uma maior prevalência de LPO no sexo feminino, predominantemente nas mulheres pós-menopausa (Farhi & Dupin, 2010), numa razão mulher/homem que varia entre 1,5 a 3, sendo que a idade de aparecimento da primeira lesão varia entre os 30 e os 60 anos de idade podendo, contudo, aparecer em qualquer idade (Kassem et al., 2011).

A OMS classifica o LPO como uma alteração da mucosa oral potencialmente maligna. De acordo com os estudos mais recentes, 1-2% dos doentes com LPO desenvolvem CPC no decurso da doença (Georgakopoulou et al., 2012).

(13)

'

;'

2.2. Etiopatogénese

O LPO é uma patologia autoimune de etiologia desconhecida, que se caracteriza por uma reação imunológica mediada por células T a uma alteração antigénica induzida em pacientes susceptíveis (Carrozzo & Thorpe, 2009). Embora a etiologia não tenha sido claramente identificada, a patogénese está hoje em dia bastante bem definida (Canto et al., 2010).

A patogénese do LPO é extremamente complexa e envolve uma possível apresentação de antigénio pelos queratinócitos do epitélio oral, podendo este ser de origem exógena ou endógena. Esta apresentação de antigénio é acompanhada por uma resposta inflamatória mista que envolve principalmente as células T, macrófagos e mastócitos, bem como as citocinas e moléculas citotóxicas associadas (Georgakopoulou

et al., 2012). Vários tipos de células, proteínas de matriz extracelular e quimiocinas,

contribuem para o início do LPO através da ativação de diferentes vias. A presença de células que envolvem migração e ativação de células T e morte dos queratinócitos produzem uma resposta imune antigénio-específica mediada por células; por outro lado, o desempenho das metaloproteinases da matriz, quimiocinas e mastócitos é responsável pela resposta imune inespecífica. Por último, autoanticorpos circulantes para a desmogleína 1 e 3 e a identificação de IgA e IgM sugerem um papel da imunidade humoral na patogénese do LPO (Payeras et al., 2013).

Um evento precoce no mecanismo da doença envolve a expressão do antigénio pelos queratinócitos ou a deteção de um antigénio que pode ser um péptido próprio ou uma proteína de choque térmico (HSP – Heat shock protein). Posteriormente, as células T CD8 + (a maior parte, e algumas células CD4 +) migram para o epitélio (Roopashree

et al., 2010; Lavanya et al., 2011). As células T CD8+ ativas destroem os queratinócitos

basais através do fator de necrose tumoral ! (TNF-!), por Fas-FasL ou através da indução da apoptose pela granzima B ativada (Lavanya et al., 2011).

A evidência mostra que uma complexa rede de citocinas desempenham um papel importante na exacerbação e perpetuação do LPO. Desta forma, o TNF-! e o interferão " (IFN-") têm sido extensamente estudados e foram comprovados por muitos investigadores como tendo um papel chave na regulação da imunopatogénese do LPO. Sendo uma citocina Th1, o IFN-" está envolvido na ativação das células T citotóxicas CD8 +, e mantém a expressão do complexo major de histocompatibilidade classe II (MHC-II) dos queratinócitos, contribuindo assim para a cronicidade da doença (Ghallab

(14)

'

<'

et al., 2010). O aumento geneticamente induzido da produção de citocinas Th1 é um

acontecimento chave no início do desenvolvimento do LPO, e os polimorfismos genéticos de citocinas parecem conduzir ao desenvolvimento de lesões somente na cavidade oral (relacionado com IFN-") ou na cavidade oral e pele (relacionado com TNF-!). As células T ativas são então atraídas e migram para o epitélio oral, onde se fixam através dos mecanismos das moléculas de adesão intercelular (ICAM-1 e VCAM) e da supra-regulação das proteínas da matriz extracelular da membrana basal, incluindo o colagénio tipo IV e VII, laminina e integrinas (Scully & Carrozzo, 2008).

Embora a etiologia do LPO seja ainda incerta, acredita-se que as lesões podem resultar de uma ampla variedade de fatores, nomeadamente fatores genéticos, imunológicos e ambientais (Sugerman et al., 2002). Como referido anteriormente, as manifestações clínicas são o resultado da resposta imunológica desencadeada por um antigénio que altera os queratinócitos basais da mucosa oral, tornando-os suscetíveis à resposta imune mediada por células. Induz a ativação de linfócitos T CD4 + e T CD8 + e a produção de citocinas, tais como interleucina-2 (IL-2), IFN-" e TNF, os quais determinam a apoptose dos queratinócitos (Lodi et al., 2005; Ismail et al., 2007; Farhi & Dupin, 2010). O antigénio que desencadeia esta resposta inflamatória é ainda desconhecido, podendo ter uma origem intrínseca ou extrínseca. Nalguns casos, os antigénios extrínsecos podem incluir restaurações dentárias e fármacos, especialmente antimaláricos, agentes cardiovasculares, sais de ouro, antiinflamatórios não esteróides, e hipoglicemiantes (Payeras et al., 2013). Nesses casos, apesar de as lesões se apresentarem com características clínicas e microscópicas muito semelhantes às do LPO (Ismail et al., 2007), são preferencialmente chamadas de reações liquenóides orais (RLO) (Scully & Carrozzo, 2008). Assim, o diagnóstico deve ser baseado no reconhecimento das alterações clínicas, bem como na realização de uma história clínica com o objetivo de encontrar uma possível relação de causa-efeito (Payeras et al., 2013).

O LPO apresenta-se clinicamente com algumas características de doença autoimune, incluindo a cronicidade, o aparecimento no adulto, predileção pelo sexo feminino, as células T autocitotóxicas, e uma natureza cíclica, indicando que a autoimunidade pode ser uma possível causa para o LPO (Sugerman et al., 2002; Wu et

(15)

'

=' Vários estudos têm apontado para uma possível associação entre o LPO e determinadas infeções virais (Lodi et al., 2005; Payeras et al., 2013). Os vírus mais amplamente estudados na etiologia do LPO são o vírus do papiloma humano (HPV) e o vírus da hepatite C (VHC). Os estudos recentes têm mostrado uma elevada prevalência de HPV em lesões de LPO e avaliações sistemáticas recentes mostram a forte associação entre estas duas entidades. Além disso, provou-se que a prevalência do HPV aumenta gradualmente com o aumento da severidade das lesões (Payeras et al., 2013). Estes resultados sugerem que o HPV pode desempenhar algum papel etiológico no LPO, mas também ser associado com a sua progressão maligna. No entanto, acredita-se que lesões ulcerativas recorrentes de LPO, que as tornam mais suscetíveis à infecção pelo HPV, ou o uso crónico de corticoesteróides podem aumentar a replicação do vírus HPV. Sendo assim, é difícil afirmar que a presença deste vírus isolado está associado à etiologia do LPO, bem como com a sua transformação maligna, mas sim que a sua presença pode aumentar o efeito dos agentes carcinogéneos, aumentando o risco de transformação maligna (Syrjanen et al., 2011).

Resultados epidemiológicos de mais de 90 estudos em todo o mundo sugerem fortemente que o VHC possa ser um fator etiológico no LPO. A associação parece ser mais evidente no sul da Europa, Japão e EUA, quando comparada com outras regiões do globo, sugerindo uma possível heterogeneidade geográfica (Lavanya et al., 2011; Georgakopoulou et al., 2012; Payeras et al., 2013). A hipótese de que os pacientes infetados com o VHC possuem maior risco de desenvolver LPO ou que os pacientes com LPO têm maior risco de desenvolver a infecção pelo VHC aguarda ainda uma forte confirmação experimental. A relação patogenética entre LPO e VHC permanece controversa e necessita de estudos prospetivos e de intervenção para uma melhor compreensão (Lavanya et al., 2011; Payeras et al., 2013).

No que diz respeito ao antigénio de origem intrínseca destaca-se a proteína de choque térmico (HSP) expressa por todos os tipos de células, funcionando essencialmente para a comunicação celular, diferenciação e crescimento, transdução de sinal e apoptose. O aumento da expressão desta proteína ocorre em resposta a vários agentes exógenos, tais como alteração de temperatura, medicamentos, vírus, privação de nutrientes e fatores de crescimento. A elevada expressão desta proteína no LPO sugere que esta possa ser um autoantigénio da doença. No entanto, como descrito acima, a superexpressão de HSP pode ocorrer devido a vários agentes exógenos e, por

(16)

'

>' conseguinte, ser um evento retardado e não o fator desencadeante da doença (Payeras et

al., 2013).

Distúrbios psicológicos, tais como depressão e ansiedade têm sido investigados na etiologia do LPO, uma vez que os pacientes com a doença relatam mais frequentemente desenvolvimento ou exacerbação de lesões durante os períodos de maior tensão emocional (Manolache et al., 2008). No entanto, os estudos têm mostrado resultados controversos. Alguns autores encontraram uma associação positiva entre a LPO e a presença de alterações psicológicas, enquanto outros não encontraram nenhuma associação desse tipo. Acredita-se que as situações de stress possam influenciar o desenvolvimento da doença, modificando e promovendo a desregulação da função imunitária, com alteração do equilíbrio das citocinas Th1/Th2 e aumento da resposta de Th2 (Payeras et al., 2013).

A predisposição genética tem sido também uma hipótese sugerida na etiologia do LPO. Neste contexto, muitos estudos têm-se centrado na relação entre HLA e LPO, demonstrando que o HLA-DR1 está frequentemente associado ao LP idiopático cutâneo, mas não ao LPO, e que o HLA-DR6 está habitualmente associado ao LPO associado ao vírus da hepatite C (Roopashree et al., 2010; Payeras et al., 2013). Além disso, têm sido estudados os polimorfismos das citocinas Th1/Th2. Entre elas, a IL-18 e IL-4, IL-6, TNF-!, IL-10, e INF-" parecem ter alguma influência na susceptibilidade e progressão do LPO (Payeras et al., 2013). Recentemente, foi identificada num estudo de análise de ligação genética uma mutação no cromossoma 3p14-3q13, que foi sugerida como um possível fator responsável pelo LPO numa família chinesa com cinco indivíduos afectados (Wang et al., 2011). No entanto, é ainda muito cedo para afirmar que o doença é geneticamente determinada uma vez que existe a necessidade de confirmação por outros estudos em diferentes áreas geográficas (Farhi & Dupin, 2010).

2.3. Formas Clínicas

O líquen plano oral pode apresentar-se sob várias formas clínicas, sendo que existem diversas classificações para as mesmas. Andreasen criou em 1968 uma classificação que divide as lesões orais em seis categorias: reticular, papular, em placa, atrófico, erosivo e bolhoso (Boorghani et al., 2010; Nico et al., 2011). A classificação é geralmente determinada pela forma clínica mais agressiva. Deste modo, um paciente que apresente lesões reticulares e erosivas estará mais bem classificado na forma

(17)

'

?' erosiva (Carrozzo & Thorpe, 2009). Em muitos pacientes o início do LPO é insidioso e os pacientes não têm conhecimento da sua condição oral. Alguns pacientes relatam sensação de rugosidade da mucosa oral, sensibilidade da mucosa para alimentos quentes ou picantes, ardor, placas brancas, ou mesmo ulcerações orais (Boorghani et al., 2010).

Uma classificação mais simplista das lesões de LPO utilizada em diversos estudos baseia-se na classificação de Bagán-Sebastián et al., (1992), e consiste na divisão das formas clínicas em dois grupos. Numa das categorias incluem-se as formas clínicas predominantemente brancas (lesões papulares, reticulares e em placa) e na outra categoria as formas clínicas predominantemente vermelhas (lesões atróficas/eritematosas e erosivas juntamente com lesões brancas) (Bagán-Sebastián et

al., 1992; Gümrü, 2013). Em 2005, Piboonniyom el al., criaram o índice REU, um

sistema de classificação quantitativo que divide o LPO em três apresentações clínicas: reticular/hiperqueratótico, erosivo/eritematoso e ulcerativo. As vantagens deste índice residem na incorporação da apresentação clínica da doença bem como do grau de envolvimento dos vários locais da mucosa oral, permitindo assim monitorizar a progressão da doença e/ou a resposta à terapêutica (Piboonniyom el al., 2005).

Estas distintas apresentações clínicas representam variações de intensidade e de duração do processo patológico. As diferentes formas podem apresentar-se simultaneamente e a morfologia clínica predominante pode mudar ao longo do tempo, num dado doente (Boorghani et al., 2010; Nico et al., 2011). As lesões de LPO são quase sempre bilaterais e simétricas, o que as diferencia das reações de contacto liquenóides da mucosa oral. Lesões unilaterais de LPO são raras e atípicas (Nico et al., 2011). Os locais mais acometidos pelo LPO são a mucosa jugal, gengiva, dorso da língua, mucosa labial e vermilion dos lábios (Carrozzo & Thorpe, 2009; Nico et al., 2011).

As lesões de LPO normalmente persistem por muitos anos, com períodos de exacerbação e quiescência. Durante o período de exacerbação tanto a área eritematosa ou ulcerada quanto a sensibilidade e dor aumentam. Exacerbações de LPO estão relacionadas com períodos de maior ansiedade e stress psicológico, bem como com trauma mecânico (fenómeno de Koebner). A irritação crónica de baixa intensidade proveniente da placa ou cálculo dentário também pode causar agudização do líquen plano gengival, assim como trauma mecânico de procedimentos dentários, calor e

(18)

'

@' irritantes do cigarro, fricção de cúspides cortantes, restaurações rugosas e determinados hábitos orais, tais como mascar pastilhas elásticas (Canto et al., 2010).

O sofrimento psicológico, emocional e físico associados ao LPO, principalmente no que diz respeito às formas erosivas e ulcerativas, pode ser bastante significativo nos indivíduos afetados (Cheng et al., 2012). É importante que os médicos dentistas sejam capazes de identificar os problemas psicológicos que surgem como resultado do LPO, encaminhando o doente para um especialista sempre que achem adequado.

Os sintomas variam de acordo com o local envolvido. Indivíduos com líquen plano oral (LPO) erosivo apresentam dor e dificuldade na alimentação. Em casos de doença moderada o desconforto é principalmente durante a ingestão de alimentos picantes ou ácidos. Na doença severa existem erosões dolorosas e persistentes na gengiva e úlceras na mucosa jugal, língua e mucosa labial (Roopashree et al., 2010). Dificuldade na alimentação resulta em perda de peso e deficiências nutricionais, tais como a deficiência de ferro. Erosões dolorosas levam a uma higiene oral deficiente e a um aumento das lesões de cárie dentária (Cheng et al., 2012).

2.4. Diagnóstico e Características Histopatológicas

As manifestações clínicas de LPO podem ser suficientes para fazer um diagnóstico correto, principalmente se apresentarem a forma clínica reticular com uma distribuição bilateral (Carrozzo & Thorpe, 2009). No entanto, a biópsia oral com avaliação histopatológica é recomendada para confirmar o diagnóstico clínico e para excluir casos de displasia e neoplasia (Lodi et al., 2012).

Assim, biópsias da mucosa jugal e gengival podem ser necessárias e costumam demonstrar similaridade patológica. Contudo, deve-se evitar biopsar a gengiva. Quando a mucosa gengival é biopsada, as características histopatológicas do LPO podem estar alteradas por uma gengivite inespecífica, complicando o diagnóstico. Neste caso, a imunofluorescência direta deve ser utilizada como meio auxiliar de diagnóstico (Canto

et al., 2010). A imunofluorescência direta pode ser útil quando há lesões

exclusivamente gengivais e/ou lesões predominantemente erosivas/ulcerativas, pois pode mostrar depósitos de fibrinogénio na membrana basal epitelial ou corpos colóides (corpos de Russell) (Carrozzo & Thorpe, 2009). A sensibilidade da imunofluorescência direta é positiva para 65,8% dos pacientes com LPO (Sano et al., 2008). As áreas intraorais com maior sensibilidade à imunofluorescência direta são o pavimento bucal,

(19)

'

98' mucosa labial superior, palato duro e mucosa jugal (Canto et al., 2010). Os piores locais intraorais para a realização do estudo de imunofluorescência direta são a gengiva e o dorso da língua (Sano et al., 2008).

Histopatologicamente, o líquen plano apresenta características típicas (Canto et

al., 2010). O exame histológico de LPO revela um denso infiltrado inflamatório na

lâmina própria superficial, que consiste principalmente em células T CD8+, degeneração ou liquefação dos queratinócitos basais e hiperqueratose ou atrofia da camada de queratina. Células CD4+ são observadas maioritariamente nas camadas profundas da lâmina própria (Georgakopoulou et al., 2012; Kuo et al., 2013).

A análise histopatológica dos espécimes de LPO nos vários estudos realizados nem sempre é homogénea (Nico et al., 2011). Van der Meij e van der Waal (2003) verificaram que em 42% dos casos nos quais houve plena concordância a respeito do diagnóstico clínico da doença, não existiu consenso em relação ao diagnóstico histopatológico. Por outro lado, em 50% dos casos em que se chegou a tal consenso, faltou concordância clínica (Nico et al., 2011). Segundo estes autores, o diagnóstico só é seguro se utilizarmos os critérios clínico-patológicos adequados, afastando outras hipóteses de diagnóstico (van der Meij & van der Waal, 2003; Nico et al., 2011).

Como não existem critérios de diagnóstico específicos universalmente aceites para o LPO, na maioria dos estudos o diagnóstico baseia-se apenas nos achados clínicos e exame histopatológico em casos de suspeita, não tendo em conta outras condições que apresentam uma aparência clínica semelhante, tais como leucoplasia, lúpus eritematoso e carcinoma pavimentocelular. Tendo em conta que a avaliação histopatológica de LPO parece ser bastante subjetiva (Van der Meij et al., 1999), algumas lesões orais diagnosticadas clinica ou histologicamente como LPO em estudos anteriores podem, na verdade, ter sido displasias liquenóides (Gümrü, 2013). Assim, os últimos critérios propostos por van der Meij e van der Waal (2003) baseados na definição clínica e histopatológica de LPO da OMS (1978) têm sido utilizados nos estudos mais recentes realizados nesta área. Ao ter sido reportada a grande variabilidade inter e intraobservadores no diagnóstico clínico e histopatológico de LPO utilizando estes critérios, os autores propuseram um conjunto de novos critérios de diagnóstico para o LPO e lesões liquenóides orais, com base na definição de LPO da OMS, incluindo aspetos clínicos, bem como histopatológicos (van der Meij & van der Waal, 2003) (ver

(20)

'

99' anexo 1). Estes critérios poderão, contudo, excluir um determinado número de pacientes que têm de facto a doença mas que não preenchem os critérios.

2.4.1 Diagnóstico Diferencial

O LPO do tipo erosivo ou atrófico que normalmente afeta a gengiva deverá ser diferenciado de penfigóide, já que ambos podem ter uma aparência clínica descamativa (Lavanya et al., 2011; Nico et al., 2011). Tanto o pênfigo como o penfigóide ocorrem como lesões eritematosas solitárias não associadas a qualquer estria branca (Carrozzo & Thorpe, 2009).

As lesões de LPO assemelham-se às reações liquenóides orais (RLO), sendo por isso necessário excluir prováveis RLOs ao fazer um diagnóstico de LPO (Sugerman et

al., 2002). Enquanto alguns autores não diferenciam entre estes dois tipos de lesão,

outros acreditam que as duas condições são distintas. Tanto o LPO como as RLOs são consideradas alterações da mucosa potencialmente malignas, pelo que é fundamental ser capaz de diagnosticar com precisão cada uma destas condições a fim de aplicar o tratamento mais adequado. As RLOs causadas por hipersensibilidade à amálgama normalmente têm uma relação anatómica direta com as restaurações de amálgama dentária (Thornhill et al., 2003), por isso são geralmente unilaterais e assimétricas. São mais comummente encontradas na mucosa jugal e na língua, locais em que a mucosa entra em contato com restaurações. A gengiva, palato ou pavimento da boca, sendo locais mais distantes de restaurações, raramente são afetados; os pacientes quase nunca têm associados sintomas cutâneos. Estas características clínicas ajudam a distinguir RLO de LPO, e de outras condições, mas é ainda difícil para o médico dentista fazer uma distinção clara entre as duas nos casos em que as restaurações de amálgama são abundantes na cavidade oral (McParland & Warnakulasuriya, 2012).

A análise histopatológica deste tipo de lesões nem sempre auxilia na distinção entre LPO e RLO. Um estudo realizado por Thornhill et al., (2003) confirmou a dificuldade em fazer a distinção entre LPO e RLO tendo por base critérios puramente histológicos. Neste estudo, os patologistas foram capazes de distinguir entre as duas condições apenas num terço das vezes (Thornhill et al., 2003; McParland & Warnakulasuriya, 2012). Ghalayani et al., (2012) estudaram a frequência de mastócitos desgranulados em pacientes com LPO reticular ou RLO e a sua relação com o TNF-! utilizando métodos imunohistoquímicos e coloração de azul de toluidina. Os autores

(21)

'

97' concluíram que o número de mastócitos desgranulados, a razão entre os mastócitos desgranulados e o número total de mastócitos, bem como os mastócitos desgranulados positivos para o TNF-! eram bastante superiores nas RLO quando comparados com os pacientes com LPO. Esta diferença poderá ser utilizada no futuro como um marcador no diagnóstico diferencial entre estas duas entidades (Ghalayani et al., 2012).

O teste de sensibilidade pode ser útil para identificar os pacientes com suspeitas de reações de hipersensibilidade à amálgama ou mercúrio. No entanto, os estudos que investigam a sua utilidade têm mostrado resultados contraditórios (Thornhill et al., 2003). A utilização de testes de sensibilidade de rotina para todos os pacientes com lesões de LPO deve ser evitada, uma vez que o teste propriamente dito é demorado e pode provocar sensibilização no paciente (McParland & Warnakulasuriya, 2012). Holmstrup (1992) listou as situações em que os pacientes poderão beneficiar da realização de testes de sensibilidade:

(1) presença de lesões na mucosa oral compatíveis com líquen plano ou mucosites resistentes ao tratamento,

(2) relação anatómica clara entre as lesões da mucosa oral e o material restaurador suspeito,

(3) falta de simetria dos locais afetados

Embora um teste de sensibilidade positivo possa facilitar o diagnóstico de RLO causada por uma reação de hipersensibilidade, esse facto só poderá provado se a resolução da lesão ocorrer após a remoção do material restaurador agressor (geralmente a amálgama) (McParland & Warnakulasuriya, 2012).

2.5. Monitorização e Tratamento

Até ao momento a abordagem do doente com LPO é maioritariamente empírica, não existindo estudos rigorosos ou grupos de controlo adequados. Além disso, embora os esteróides tópicos sejam considerados o tratamento de primeira linha para o LPO sintomático, não foi realizado nenhum ensaio clínico controlado que compare a utilização de corticoesteróides com placebo (Arduino et al., 2013). Tendo em conta que o LPO é uma doença crónica autoimune e a imunidade mediada por células T desempenha um papel fundamental, a maioria das intervenções terapêuticas são orientadas para o sistema imunológico e cada vez mais para tratamentos que reduzem a

(22)

'

9:' atividade das células T. A maioria dos clínicos usa esteróides tópicos e intralesionais como tratamento de primeira linha para o LPO (Cheng et al., 2012).

Têm sido utilizadas também outras modalidades de tratamento, tais como inibidores da calcineurina, retinóides, dapsona, hidroxicloroquina, micofenolato mofetil e enoxaparina, que têm contribuído significativamente para o controlo da doença (Sugerman et al., 2002; Roopashree et al., 2010). Outros agentes, tais como a azatioprina, metotrexato, ou a ciclosporina, podem ser utilizados. Na abordagem de casos refractários podem ser considerados os retinóides tópicos ou sistémicos, anti-maláricos, dapsona, PUVA (psoraleno + UVA), a talidomida, gel de aloe vera, tacrolimus, ou rapamicina tópica (Cheng et al., 2012).

Conforme referido anteriormente, o LPO é uma doença inflamatória crónica da mucosa oral mediada por células T, e os corticoesteróides têm tanto uma função anti-inflamatória, como uma função inibitória da reação imune mediada por células T (Kuo

et al., 2013). O propionato de clobetasol parece ser um dos corticoesteróides tópicos

mais eficazes, tendo levado à remissão completa em 56-75% dos pacientes com LPO sintomático (Lodi et al., 2013; Arduino et al., 2013).

No estudo recente de Kuo et al. (2013), 50 casos de LPO erosivo foram tratados com injeção local de 40mg de acetonido de triamcinolona uma vez por semana, durante 3 a 2 semanas, juntamente com administração oral de prednisolona uma vez por semana durante duas semanas. Após três semanas de tratamento, 45 dos 50 doentes com LPO erosivo não apresentavam lesões erosivas ou ulcerativas detetáveis, registando-se ainda a ausência ou regressão das lesões reticulares ou papulares. Segundo estes autores, uma cura rápida e completa das lesões de LPO erosivo pode ser conseguida num período de tempo relativamente curto, através da implementação do protocolo de tratamento acima descrito. No entanto, as lesões de LPO erosivo recorreram passado 3 a 24 meses (média de 12 meses) após remissão completa da lesão (Kuo et al., 2013).

Como foi referido, alguns doentes apresentam lesões de LPO refratárias aos corticóides tópicos. Por esse motivo, mais recentemente foram introduzidos no tratamento de LPO os inibidores tópicos da calcineurina, tendo como objetivo reduzir os sinais e sintomas associados ao LPO e, ao mesmo tempo, apresentar uma baixa incidência de efeitos adversos (Arduino et al., 2013). Entre eles, destaca-se a ciclosporina, um imunossupressor amplamente utilizado após transplante alogénico de órgãos para reduzir a atividade do sistema imunológico do paciente. Em casos de LPO,

(23)

'

9;' esta substância é aplicada sob a forma de bochecho, sendo que a absorção sistémica é muito baixa. No entanto, esta solução é bastante cara e deve ser reservada para casos altamente recidivantes de LPO. É conhecida por causar hiperplasia gengival relacionada com a dose, a qual reduz quando o fármaco é descontinuado (Lavanya et al; 2011). Pimecrolimus e tacrolimus são igualmente fármacos inibidores tópicos da calcineurina, dos mais estudados para o tratamento do LPO (Arduino et al., 2013) O tacrolimus é um agente imunossupressor tópico livre de esteróides aprovado para o tratamento da dermatite atópica. É 10-100 vezes mais potente do que a ciclosporina e tem uma maior absorção percutânea do que a ciclosporina, tendo sido usado com sucesso em casos de LPO recidivantes. A ação imunossupressora do tacrolimus é semelhante à da ciclosporina, apesar de ter uma maior capacidade de penetração na mucosa (Lopez-Jornet et al., 2010). A FDA (Food and Drug Administration) emitiu recentemente um aviso do potencial risco de câncro com o uso prolongado de tacrolimus e recomendou o seu uso por curtos períodos de tempo e não de forma contínua (Lavanya et al., 2011). O pimecrolimus inibe a ativação das células T através da inibição da síntese e libertação de citocinas pelas mesmas. Impede também a libertação de citocinas pro-inflamatórias e mediadores pelos mastócitos. O creme tópico de pimecrolimus a 1% tem sido utilizado com sucesso no tratamento de LPO. Pimecrolimus tem atividade antiinflamatória e capacidades imunomoduladoras significativas com baixo potencial de imunossupressão sistémica (Lavanya et al., 2011).

Como foi referido, os inibidores de calcineurina têm mostrado ter propriedades oncogénicas principalmente relacionadas com a produção de citocinas que promovem o crescimento tumoral, metástase e angiogénese. No entanto, são as formas sistémicas que são conhecidas por aumentarem o risco de malignidade, não existindo atualmente uma forte evidência de que as aplicações tópicas possam estar associadas com um risco aumentado de aparecimento de tumores (Arduino et al., 2013). São necessários mais estudos para obter evidência objetiva do benefício dos inibidores tópicos da calcineurina no tratamento das lesões da mucosa oral imunologicamente mediadas, tais como as lesões de líquen plano oral erosivo.

A eficácia dos retinóides tópicos como a tretinoína, isotretinoína e fenretinide, com as suas propriedades imunomoduladoras, tem sido relatada no tratamento do LPO. Reversão das estrias brancas podem ser alcançada com retinóides tópicos, embora os efeitos possam ser apenas temporários. Os retinóides sistémicos têm sido usados em

(24)

'

9<' casos graves de LPO com graus variáveis de sucesso. Os efeitos positivos dos retinóides devem ser pesados contra os seus efeitos adversos bastante significativos como queilite, elevação das enzimas hepáticas e dos níveis de triglicéridos e teratogenicidade (Lodi et

al., 2005).

No anexo 2 foi incluída uma representação esquemática dos locais prováveis de ação dos fármacos utilizados no tratamento do LPO (ver anexo 2).

A abordagem do doente com LPO poderá também incluir modalidades de tratamento não farmacológicas. A terapia PUVA consiste numa abordagem não-farmacológica que utiliza fotoquimioterapia com 8-metoxipsoraleno e luz ultravioleta (Thornhill et al., 2003). Os psoralenos são compostos encontrados em muitas plantas, os quais tornam a pele temporariamente sensível à radiação UV. Metoxipsoraleno é administrado por via oral, seguido por administração durante 2 horas de radiação UV intraoralmente nos locais afetados, tendo sido utilizada com sucesso no tratamento de casos graves de LPO (Lavanya et al., 2011).

Em pacientes que sofrem de LPO erosivo doloroso e não respondem aos corticosteróides tópicos superpotentes, o tratamento cirúrgico utilizando a criocirurgia e diferentes tipos de laser também constitui uma opção. Todos os tipos de laser destroem o epitélio superficial contendo os queratinócitos alvo através da desnaturação de proteínas. Um feixe mais profundamente penetrante, como o laser de díodo, destrói o tecido conjuntivo subjacente juntamente com a componente inflamatória ao longo do epitélio. A eficácia destas técnicas precisa ainda de ser comprovada (Lavanya et al., 2011).

O tratamento cirúrgico, como o laser de dióxido de carbono, crioterapia e excisão, não são recomendados devido à possibilidade de aparecimento de lesões (fenómeno de Koebner) e recorrência da doença inflamatória (Cheng et al., 2012).

Outras modalidades de tratamento

Nos últimos anos, foram publicados estudos sobre o uso de terapias biológicas, como efalizumab (Cheng & Mann, 2006) e alefacept (Chang et al., 2008). No entanto, a Agência Europeia de Medicamentos (EMEA), como entidade responsável pelo controlo da segurança dos medicamentos na União Europeia, recomendou a suspensão da autorização de comercialização do efalizumab (Raptiva) devido a possíveis ligações entre o fármaco e a leucoencefalopatia multifocal progressiva. Foram publicados

(25)

'

9=' recentemente uma pequena série de casos comparando alefacept com placebo, tendo concluído que o alefacept pode conferir uma resposta terapêutica moderada no LPO (Chang et al., 2008). O alefacept foi aprovado pela Food and Drugs Administration (FDA) nos EUA para o tratamento da psoríase, mas não foi aprovado no Reino Unido (Cheng et al., 2012). Em Portugal este fármaco não é comercializado.

Zhang & Zhou (2012) formularam a hipótese de que o consumo de chá verde poderia diminuir a incidência de LPO e fornecer uma estratégia terapêutica não tóxica e de baixo custo para esta patologia. Além disso, o chá verde poderia ser um possível agente para a prevenção de doenças malignas associadas ao LPO. O chá verde, especialmente a epigalocatequina-3-galato, possui propriedades anti-inflamatórias e quimiopreventivas. Inibe a apresentação de antigénio, a ativação, proliferação e migração de células T, apoptose dos queratinócitos, ativação do fator nuclear kappaB, atividade da MMP-9, e pode modular o desequilíbrio entre o TGF-# e a sinalização do interferão gama, mecanismos estes que estão envolvidos na patogénese do LPO. Contudo, seriam necessárias grandes quantidades de chá verde para alcançar os níveis plasmáticos necessários para obtermos um efeito imunosupressor da epigalocatequina-3-galato, sendo que deve existir precaução no consumo de grandes quantidades deste tipo de chá (Zhang & Zhou, 2012).

Numa revisão da Cochrane publicada em 2011 sobre "Intervenções para líquen plano oral" (Thongprasom 2011), os autores selecionaram 28 ensaios clínicos aleatorizados. Porém, devido à ampla gama de intervenções em comparação, não há provas suficientes para apoiar a eficácia de qualquer tratamento específico para o LPO como sendo superior. Outra revisão sistemática com foco em tratamentos utilizados no LPO erosivo (Zakrzewska 2005) concluiu que, devido ao tamanho reduzido das amostras dos estudos, existe uma falta de medidas de resultados padronizadas e uma alta probabilidade de viés nas publicações, sendo que os resultados podem não ser fiáveis (Cheng et al., 2012). Mais recentemente numa revisão da literatura realizada por Cheng et al., (2012), os autores chegaram a conclusões semelhantes em termos de falta de evidência na eficácia de qualquer um dos tratamentos atualmente existentes para o LPO. Os autores verificaram que existe fraca evidência de que o propionato de clobetasol 0,025% em microesferas lipídicas reduza significativamente a dor quando comparado com o creme convencional, num estudo com 50 participantes. A solução de ciclosporina reduziu significativamente a dor em comparação com acetonido de

(26)

'

9>' triamcinolona 0,1% num pequeno subgrupo de 11 participantes. O gel de Aloe Vera teve seis vezes mais probabilidade de produzir pelo menos 50% de melhorias ao nível da dor em comparação com placebo. Os ensaios clínicos aleatorizados incluídos eram heterogéneos na definição de LPO nas variáveis de resultado, escalas de medida, e nos intervalos de avaliação, sendo que a extrapolação de resultados não foi possível para meta-análise (Cheng et al., 2012).

Mittal et al., (2012) através de um estudo onde avaliaram o papel da angiogénese na patogénese do LPO utilizando métodos imunohistoquímicos com recurso ao anticorpo CD34, concluíram que a angiogénese desempenha um papel tanto na etiopatogénese como na progressão do LPO. Esta descoberta pode auxiliar na formulação de novas estratégias de tratamento do LPO utilizando fármacos antiangiogénicos (Mittal et al., 2012).

Depósitos de placa e cálculo estão associados a uma incidência significativamente maior de lesões de LPO gengivais eritematosas e erosivas, do mesmo modo que uma boa higiene oral é essencial e pode auxiliar na cicatrização das lesões. O trauma mecânico de procedimentos dentários, fricção de cúspides cortantes, restaurações dentárias rugosas, e próteses dentárias mal adaptadas, podem atuar como fatores exacerbadores do LPO sintomático e devem receber especial atenção (Lodi et

al., 2005).

Para além de avaliar se os tratamentos podem melhorar os sintomas a curto prazo, é também importante avaliar a gestão a longo prazo do LPO. Isto porque o LPO é uma condição crónica e o uso a longo prazo de alguns fármacos, como os corticosteróides tópicos potentes, pode ter efeitos adversos significativos (Cheng et al., 2012).

No anexo 3 encontra-se um quadro com um possível protocolo de atuação para o LPO (ver anexo 3).

2.6. Prognóstico e Potencial de Malignização

A OMS classifica o LPO como uma "alteração da mucosa oral potencialmente maligna" com risco de transformação maligna indeterminado e sugere que pacientes com LPO devem estar sob estreita vigilância (Warnakulasuriya et al., 2007). Cerca de 1 a 5% das lesões de LPO irá sofrer alteração maligna para CPC da mucosa oral (Cheng

(27)

'

9?' tabaco e o álcool, bem como as formas clínicas erosivas ou atróficas. Como localizações de maior risco consideram-se a língua, gengiva, ou mucosa jugal (Scully & Carrozzo, 2008). Não existem estudos que comprovem que o tratamento das lesões de LPO reduz o risco de malignidade (Cheng et al., 2012).

Como foi já referido, a possível natureza pré-maligna do LPO tem sido objecto de numerosos estudos e grandes controvérsias (Le Cleach & Chosidow, 2012). A terapêutica hoje utilizada no LPO é notavelmente insatisfatória; os corticoesteróides tópicos são a primeira escolha no tratamento e imunossupressores e corticosteróides sistémicos são os agentes de segunda linha, mas nenhum deles resulta num controlo significativo da doença a longo prazo. Os tipos de lesão erosiva severa, que provocam atrofia da mucosa e requerem tratamento sistémico, são descritos como os que apresentam maior risco de transformação maligna (Canto et al., 2010)

Não existe nenhum mecanismo definitivo de transformação maligna identificado no LPO. A hipótese corrente é a de que a estimulação crónica das células inflamatórias e do estroma fornece os sinais que levam à perturbação do controlo de crescimento das células epiteliais e, em cooperação com o stress oxidativo, provoca danos no ADN, o que em última instância resulta em alterações neoplásicas. Recentemente, o LPO tem sido proposto como um modelo ideal de neoplasia induzida por inflamação (Georgakopoulou et al., 2012) (ver anexo 4). Segundo este modelo, a hipótese que poderia explicar a carcinogénese do LPO defende que a sobre-regulação de p53 em resposta ao dano oxidativo contínuo do ADN replicativo protege as células afetadas pelo LPO de uma transformação maligna, através da ativação da paragem do ciclo celular, apoptose e/ou senescência. No entanto, a ativação sustentada da resposta a danos no ADN acabará por sobrecarregar a capacidade de reparo celular. Quando este mecanismo de reparação excede o seu potencial, a instabilidade genómica irá acumular-se gradualmente, levando eventualmente à fixação de mutações em genes críticos. Como resultado, as barreiras antitumorais diminuirão gradualmente e alterações displásicas assim como outras sequelas podem ocorrer (Georgakopoulou et al., 2012).

(28)

'

9@'

3. CASO CLÍNICO

Na elaboração deste trabalho utilizámos como paciente R.C.P, do sexo masculino, com 55 anos de idade na altura em que se apresentou pela primeira vez na consulta de Clínica de Medicina Oral da Escola Superior de Medicina Dentária de Lisboa, em Março de 1998. Nessa altura veio enviado pelo seu médico dentista, com uma lesão branca ao nível da mucosa jugal do lado direito. Desde então tem sido seguido nas consultas de Medicina Oral da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa. A apresentação deste caso clínico só foi possível após a assinatura do consentimento informado pelo paciente, possibilitando assim a divulgação de dados clínicos, laboratoriais e fotográficos referentes à patologia diagnosticada.

3.1. Anamnese

O paciente relata o aparecimento de uma “lesão redonda na bochecha direita”

(sic) no ano de 1997 (um ano antes da primeira consulta), tendo na altura recorrido a um

médico dentista particular que o informou tratar-se de uma leucoplasia, e tendo encaminhado o paciente para a consulta de Medicina Oral da Faculdade de Medicina Dentária de Lisboa para confirmação do diagnóstico.

Desde então, começaram a surgir outras lesões de aspeto esbranquiçado nesse mesmo local (mucosa jugal direita). Progressivamente, estas lesões foram afetando outros locais e adquirindo aspetos clínicos também eles diferentes. O paciente tem sido seguido nas consultas da faculdade, onde foram realizadas, ao longo dos anos, biópsias incisionais nos locais das lesões cujo diagnóstico histopatológico correspondeu a líquen plano.

A última consulta de controlo realizada até à data da elaboração deste trabalho foi no dia 28 de Junho de 2013.

3.2. História Pregressa

O paciente refere sinusite e úlcera gastroduodenal. Nega hábitos alcoólicos e toxifílicos. Refere hábitos tabágicos (30 cigarros por dia) desde os 13 anos. O paciente bebe cerca de 4 cafés por dia.

(29)

'

78'

3.3. Exame Objetivo

Ao exame extraoral, o paciente não apresenta assimetrias, fístulas ou tumefacções, nem linfadenopatia regional.

Em termos intraorais, o paciente não apresenta fístulas ou tumefacções; as mucosas apresentam-se, no geral, hidratadas e de coloração rosada; língua com mobilidade mantida; ausência de lesões no palato ou pavimento da cavidade oral. Apresenta lesão branca, em forma de placa, indolor, com aumento de espessura e aspecto difuso, ao nível da mucosa jugal do lado direito, desde a comissura labial até ao terceiro molar, na zona do plano oclusal dos dentes do primeiro e quarto quadrantes; lesões similares na mucosa do vestíbulo inferior direito e rebordo alveolar inferior esquerdo (distribuição multifocal). São indolores à palpação e não se desprendem à raspagem. O doente não refere sintomatologia.

3.4. Diagnóstico e Evolução da Lesão

Tendo por base os dados recolhidos na observação clínica efetuada na primeira consulta (1998), o diagnóstico provisório da lesão correspondeu a uma hiperqueratose traumática (uma vez que o paciente tinha o hábito de traumatizar a mucosa jugal com os dentes e por mastigar para o lado direito devido a ausência de dentes posteriores no terceiro quadrante) ou leucoplasia. O paciente foi então aconselhado a abandonar o hábito de mordiscar a mucosa jugal, bem como a descontinuar os hábitos tabágicos.

O paciente voltou à consulta passados 4 anos (2002), altura em que foram detetadas lesões brancas em placa ao nível da mucosa jugal do lado direito e do lado esquerdo, que se estendiam desde a comissura labial até à zona do último molar (ver anexo 5, imagens 1 e 2). Observou-se também a existência de lesões brancas de forma reticular no palato mole do lado direito e pilar amigdalino direito (ver anexo 5, imagem 3), bem como no pavimento bucal do lado direito. O paciente referiu ter deixado de fumar há cerca de um ano e diminuído o consumo de café. Foi realizada biópsia incisional na lesão localizada na mucosa jugal do lado direito na zona retrocomissural. O exame histopatológico revelou a presença de um epitélio estratificado pavimentoso queratinizado com papilomatose e um tecido conjuntivo com infiltrado em banda linfohistiocitário, tendo-se chegado ao diagnóstico definitivo de líquen plano. Nesta altura o paciente referiu história passada de lesões cutâneas pruriginosas.

(30)

'

79' Em Fevereiro de 2006 (quatro anos após a realização da primeira biópsia), efetuou-se uma nova biópsia incisional, com a recolha de mais duas amostras de tecido: uma amostra da lesão localizada na mucosa jugal do lado direito e outra numa lesão erosiva localizada na língua, e que se estendia por todo o seu bordo lateral direito. Após exame histopatológico o diagnóstico de líquen plano foi corroborado. Em termos histológicos, verificou-se uma hiperqueratose sem displasia epitelial e um moderado infiltrado inflamatório com predomínio de pequenos linfócitos no córion subepitelial, determinando assim a benignidade da lesão.

Em termos de evolução clínica observaram-se, ao longo dos 15 anos em que o doente foi observado nas consultas da faculdade, períodos de exacerbação associados a períodos de maior ansiedade na vida do paciente, bem como períodos de remissão em que o paciente se encontrava assintomático. As lesões foram alterando a sua localização bem como as suas características macroscópicas, alterando de formas reticulares e em placa, para lesões eritematosas e ulcerativas que mais tarde cicatrizaram e se tornam assintomáticas.

O estado ansioso do paciente, o qual afirma fazer medicação com diazepam antes de deitar, nos períodos de maior ansiedade, poderá ser um fator agravante para o desenvolvimento ou exacerbação de lesões que são observadas durante os períodos de maior tensão emocional. Também a ingestão de alimentos ácidos ou condimentados exacerba a sintomatologia, sendo que são alimentos que o paciente evita durante os períodos sintomáticos.

A partir de Fevereiro de 2007 foram preenchidas nas consultas de controlo tabelas de classificação quantitativa do líquen plano baseadas no índice REU (ver anexo 6). Este índice foi desenvolvido por Piboonniyom et al., e publicado em 2005, e tem como objetivo avaliar a severidade das lesões através da presença ou ausência de lesões reticulares e tamanho das erosões ou úlceras (em cm2). Porque cada tipo de lesão (reticular, eritematosa/erosiva ou ulcerativa) causa diferentes graus de dor e desconforto ao paciente, os autores calcularam o peso de cada uma delas, permitindo criar um valor total que traduzisse os achados clínicos a cada consulta. O facto de ter sido aplicado no caso clínico em questão possibilitou-nos monitorizar a progressão da doença e a resposta à terapêutica, levando-nos mais uma vez a concluir o carácter cíclico da

(31)

'

77' mesma, com períodos de grande sintomatologia, contrastando com períodos assintomáticos.

A consulta de controlo mais recente foi realizada em Junho de 2013, altura em que o paciente não apresentava sintomatologia. No exame intraoral observou-se a persistência das lesões brancas em placa localizadas na mucosa jugal do lado direito e esquerdo, na zona retrocomissural (ver anexo 7, imagens 4 e 5), bem como lesões reticulares localizadas no fundo do vestíbulo e mucosa jugal do lado direito, rebordo alveolar do terceiro quadrante, palato duro e gengiva maxilar (ver anexo 7, imagens 6 e 7). Observou-se um aumento de espessura da placa branca localizada na zona retrocomissural esquerda. O paciente voltou a referir que nas alturas de maior ansiedade começa a sentir ardor nas mucosas, começando de imediato a aplicar o fármaco que foi prescrito, sendo que na maior parte das alturas os sintomas desaparecem após três dias de tratamento.

3.5. Propostas Terapêuticas

Após as primeiras consultas, em Abril de 1998, e tendo em conta que o diagnóstico provisório na altura foi hiperqueratose traumática, o paciente não foi medicado com nenhum fármaco, tendo sido apenas aconselhado a abandonar o hábito traumático de mordiscar a mucosa jugal. Quatro anos depois e após ter sido efetuada uma biópsia incisional que conduziu ao diagnóstico de líquen plano, recomendou-se a aplicação de um queratolítico (tretinoína - Locacid®) em creme (0,5mg/g) e um corticosteróide tópico (clobetasol - Dermovate®), também em creme (0,5mg/g), para aplicação nos locais das lesões.

Dois meses depois, tendo-se constatado um aumento do número de lesões, a medicação foi alterada e foi introduzido Psodermil® (Betametasona + Ácido salicílico) 4 vezes por dia, e continuado a medicação com tretinoína. Uma semana após a implementação deste esquema terapêutico o paciente referiu grandes melhorias, com ausência da sensação de ardor. Clinicamente, observou-se que as lesões regrediram bastante, observando-se apenas lesões brancas muito ligeiras ao nível da mucosa jugal do lado direito e do lado esquerdo. O paciente continuou a fazer esta medicação por mais uma semana, tendo depois suspendido o tratamento após regressão da maior parte das lesões. Contudo, passado um mês as placas brancas voltaram a surgir nos mesmos locais onde antes foram observadas, tendo o paciente retomado a terapêutica inicial

(32)

'

7:' (Locacid® e Dermovate®). Durante os períodos de maior exacerbação, quando estavam presentes lesões erosivas, o paciente deixava de tomar o queratolítico, mantendo-se o clobetasol.

Em Maio de 2003 a medicação foi alterada, passando o paciente a fazer bochechos de Betametasona (Celestone®) três vezes por dia, durante dois minutos. No ano seguinte foi prescrito um preparado de Proprionato de Clobetasol 0,05% + Nistatina 100.000 ml/cm3 250 ml para bochechar três vezes por dia, durante 2 minutos. Desde essa altura e até 2006 foram prescritas nas consultas de controlo soluções de Nistatina por se suspeitar de uma sobre-infecção por candida.

Durante o tempo em que o paciente foi seguido nas consultas da faculdade, a medicação foi alterada várias vezes, mas incluindo quase sempre um corticosteróide tópico e um queratolítico e, por vezes, um anti-fúngico (Nistatina).

Em Setembro de 2012, as recomendações dadas ao paciente foram para aplicação de Clobetasol (Dermovate®) durante os períodos de exacerbação das lesões.

Na consulta de controlo mais recente, em Junho de 2013, o doente foi novamente visto. Não apresentava sintomatologia. Foi aconselhado a continuar a aplicação de clobetasol durante os períodos de maior exacerbação. Por apresentar um aumento de espessura da placa branca localizada na mucosa jugal esquerda, foi prescrita tretinoína para aplicação no local (três vezes por dia até verificar regressão da lesão). Volta à consulta de controlo em 6 meses.

(33)

'

7;'

4. CONCLUSÕES

O líquen plano é uma doença mucocutânea inflamatória crónica relativamente comum que afeta preferencialmente a pele e/ou a mucosa oral. O LPO tem uma distribuição bilateral e é geralmente assintomático. Contudo, quando existem áreas de erosão ou ulceração, o paciente pode sentir algum desconforto, sendo este particularmente evidente durante a ingestão de alimentos picantes ou ácidos. As apresentações clínicas de líquen plano oral são variáveis e incluem placas brancas, padrão rendilhado, erosões, úlceras e, muito raramente, bolhas.

Na maior parte dos casos os pacientes com LPO são tratados com fármacos que não foram desenvolvidos nem planeados para o tratamento de doenças orais, faltando por isso estudos de eficácia satisfatória nesta área. Os fármacos mais comummente utilizados no tratamento do LPO são os corticosteróides tópicos. No entanto, independentemente do princípio ativo utilizado, mais de metade dos pacientes que respondem ao tratamento acabam por voltar a ter algum tipo de sintomatologia, e provavelmente irão necessitar de uma nova abordagem terapêutica, confirmando a evolução de caris crónico do LPO.

Relativamente ao caso clínico apresentado, tanto a informação clínica acerca do paciente, como as características clínicas e histopatológicas da lesão branca nele presente permitiram chegar ao diagnóstico de líquen plano oral, com predomínio das formas clínicas reticular e em placa. O facto de o paciente ter 55 anos na altura do diagnóstico enquadra-se nas características apresentadas na literatura relativamente à idade média de aparecimento das lesões, ao contrário do que acontece com o género do paciente, uma vez que o LPO surge mais frequentemente em indivíduos do sexo feminino. Foi fumador pesado durante muitos anos (desde os 13 anos de idade) tendo descontinuado esse hábito após o aparecimento e percepção por parte do paciente das primeiras lesões de LPO. Apesar de não existir evidência científica da relação entre o tabagismo e o LPO, este pode ser considerado um fator que contribui para a exacerbação das lesões.

A ansiedade tem neste paciente um papel muito importante no que respeita à exacerbação das lesões, que se tornam muitas vezes sintomáticas nos períodos de maior tensão emocional.

(34)

'

7<' Em relação às características da lesão propriamente dita, a descrição da lesão e sua progressão, feita pelo paciente, bem como a regularidade com que compareceu nas consultas de controlo, foram de extrema relevância para o diagnóstico e acompanhamento do caso clínico.

A localização difusa e multifocal (mucosa jugal, língua, rebordo alveolar, gengiva, palato mole e palato duro) da lesão apresentada pelo paciente foi outro dos critérios de diagnóstico, já que as lesões de LPO se caracterizam por afetar vários locais da cavidade oral, preferencialmente a mucosa jugal, gengiva, dorso da língua e mucosa labial.

Também a presença de fatores que eventualmente provocavam algum tipo de trauma mecânico na mucosa oral, nomeadamente na zona da mucosa jugal ao nível do plano oclusal, bem como zonas de maior acumulação de placa, poderão ter contribuído para os períodos de exacerbação dos sintomas.

Em termos histopatológicos, o LPO é visto como um conjunto de lesões que apresentam características microscópicas típicas, que incluem um denso infiltrado inflamatório na lâmina própria, constituído maioritariamente por células T CD8+, degeneração dos queratinócitos basais e hiperqueratose ou atrofia da camada de queratina. Também a lesão em estudo apresentou mucosa com hiperqueratose e infiltrado inflamatório no córion subepitelial, com ausência de displasia epitelial, tendo sido o diagnóstico definitivo o de líquen plano oral.

O estabelecimento e a aplicação de critérios de diagnóstico bem definidos é da maior importância para o correto diagnóstico de LPO. Como tal, o diagnóstico da lesão baseou-se em critérios bem definidos na literatura. Assim, analisando o caso clínico em estudo, constata-se que preenche os critérios clínicos e histopatológicos de van der Meij e van der Waal (2003) para o diagnóstico de líquen plano oral, baseados naqueles da OMS.

O tratamento das lesões sintomáticas de LPO deve ser uma prioridade, tal como aconteceu neste caso clínico. No entanto, nenhuma das diversas terapêuticas instituídas, nomeadamente os corticosteróides tópicos e retinóides, mostrou ser suficientemente eficaz na completa eliminação das lesões de LPO.

Sendo o LPO classificado como uma alteração da mucosa oral potencialmente maligna pela OMS, e tendo sido o risco de malignização calculado em diversos estudos em cerca de 1 a 5% das lesões de LPO, torna-se muito importante o seu diagnóstico

Referências

Documentos relacionados

16 tências comuns do Enfermeiro Especialista (EE), as competências específicas do Enfermeiro Especi- alista em Enfermagem de Reabilitação (EEER) e as competências de mestre, que

Fez-se coleta de cigarrinhas, de duas em duas semanas, durante três anos- Con- tou-se o número de ninfas em áreas ao acaso, dentro de um metro quadrado, e os insetos adultos foram

En el resto de las cuestiones (2, 3 y 4), los niveles de respuestas más altos (respuestas adecuadas, o próximas a éstas) sólo fueron expresadas por algo más de la mitad de

[r]

cometidas por pessoas normais atuando em sistemas de organização complexa e que podem ser facilitadas por falhas latentes as quais só por si não ocasionam acidentes mas que

A utilização do exame clínico juntamente com os métodos auxiliares de diagnóstico das lesões leucoqueratósicas da mucosa oral (VELscope®, Azul de toluidina e Solução

Diversos autores e economistas dos principais organismos multilaterais, com destaque para o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BIRD), vem

Estudos encontraram o papilomavírus em lesões de mucosa oral, como: o líquen plano, hiperplasia epitelial focal, leucoplasia e câncer da mucosa oral, mas ainda não está bem