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Socialização, inclusão e exclusão social e educacional dos surdos: um olhar sobre a identidade dos sujeitos participantes dos projetos EAMES e SABSocialization, inclusion and social educational exclusion of the deaf: a look at the deaf identity of the peo

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Academic year: 2021

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FÚLVIA VENTURA LEANDRO

SOCIALIZAÇÃO, INCLUSÃO E EXCLUSÃO SOCIAL E EDUCACIONAL DOS SURDOS:

UM OLHAR SOBRE A IDENTIDADE DOS SUJEITOS PARTICIPANTES DOS PROJETOS EAMES E SAB

Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Economia Doméstica, para obtenção do título de Magister Scientiae.

VIÇOSA

MINAS GERAIS – BRASIL 2017

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AGRADECIMENTOS

Enfim, chegou a hora de agradecer. Me sinto muito feliz e agradecida por chegar até aqui, por vezes achei que não conseguiria, mas graças a Deus e o auxílios de muitas pessoas venci mais essa etapa da minha vida.

Primeiro quero agradecer a Deus: autor e consumador da minha fé, a Ele a Glória, a força e o domínio pelos séculos dos séculos.

Minha família responsável pelo ser humano de bem que sou hoje. Ao meu marido Onésimo, que sempre me auxiliou e incentivou, acreditando que eu seria capaz de conquistar esse título, te amo! A minha mãe pelas orações a meu pai por acreditar em mim e por todo amor e cuidado que vocês me proporcionam sempre, amo vocês demais! As minhas irmãs Fernanda e Francielly por verem em mim qualidades que nem eu mesma vejo e ao meu lindo sobrinho Kauan, obrigada por existirem.

A minha orientadora Rita Farias por acreditar na proposta do meu trabalho, sem essa oportunidade e sem seu auxílio eu não teria chegado até aqui, de coração obrigada! As minhas coorientadoras: a doce Michelle, que é também minha amiga e a linda Nelmires, vocês foram aquele colo de mãe que a gente sempre precisa na academia, o auxílio de vocês foi imprescindível para a conclusão desta pesquisa.

Josiel e Cris, não poderia deixar de citar vocês nesse momento tão especial, afinal esse sonho surgiu a partir de vocês e hoje ele se torna real, obrigada amigos!

As companheiras de oração da minha mãe e a Nini e sua família linda que amo muito, obrigada pelas orações, com certeza elas me ajudaram a permanecer de pé. A todos os professores, funcionários e colegas de curso do Programa de Pós-Graduação em Economia Doméstica que me proporcionaram essa oportunidade e experiência desafiadora e satisfatória. Agradeço a comunidade surda por me deixar compartilhar um pouco de sua língua e história.

Agradeço à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela concessão da bolsa durante todo o período de realização deste mestrado.

Aos sujeitos dessa pesquisa que me permitiram entrar em suas casas e suas vidas, a fim de contribuir para essa pesquisa.

A todos que fazem parte da minha vida e que com certeza de alguma forma contribuíram para esse resultado, obrigada

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SUMÁRIO

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ... iv

RESUMO ... v

ABSTRACT ... vii

1. INTRODUÇÃO ... 1

1.1 O problema e sua relevância ... 2

1.2 A construção do objeto de estudo ... 3

1.3 Objetivos ... 7

1.4 Organização da dissertação ... 7

2. REVISÃO DE LITERATURA ... 8

2.1 A construção histórica, social e educacional dos surdos ... 8

2.2 Os Tratamentos Clínicos para a Surdez ... 15

2.3 Identidades: Reflexo da Diversidade Humana ... 19

2.4 As Identidades Surdas ... 22

3 PERCURSO METODOLÓGICO ... 36

3.1 Tipo da Pesquisa ... 36

3.2 Campo Empírico ... 37

3.3 Coleta e Análise dos Dados ... 40

3.4 Participantes da Pesquisa ... 42

4. IDENTIDADE, SOCIALIZAÇÃO, INCLUSÃO E EXCLUSÃO SOCIAL E EDUCACIONAL DOS SURDOS DO PROJETO EAMES ... 61

4.1 Sobre a surdez e o Implante Coclear ... 61

4.2 Comunicação Sociabilidade e Identidade dos Surdos do EAMES ... 64

4.3 Estigmas e preconceitos quanto à surdez ... 72

4.4 O surdo no mercado de trabalho ... 74

4.5. Inclusão advinda da aprendizagem de Libras pelos sujeitos ouvintes ... 77

5. A SURDEZ NA VISÃO DAS FAMÍLIAS DOS SURDOS ... 79

5.1 Reações e informações das famílias diante da surdez dos filhos e netos ... 79

5.2 Os tratamentos para a surdez ... 81

5.3. A comunicação e o significado da Libras para as famílias dos surdos ... 87

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 98

7. REFERÊNCIAS ... 103

APÊNDICES ... 113

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BERA – Brainstem Evoked Response Audiometry. BPC - Benefício de Prestação Continuada

CELIB - Curso de Extensão em Língua Brasileira de Sinais CF – Constituição Federal

ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio

EAMES – Ensino e Aprendizagem e Metodologias de Ensino para Surdos IC – Implante Coclear

INSS - Instituto Nacional do Seguro Social

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais

PNAS – Política Nacional de Assistência Social SAB – Sala de Aprendizagem Bilíngue

SUS – Sistema Único de Saúde

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RESUMO

LEANDRO, Fúlvia Ventura, Universidade Federal de Viçosa, junho de 2017. Socialização, Inclusão e Exclusão Social e Educacional dos Surdos: Um olhar sobre a identidade dos sujeitos participantes dos projetos EAMES e SAB. Orientadora: Rita de Cássia Pereira Farias. Coorientadoras: Michelle Nave Valadão e Nelmires Ferreira da Silva.

A presente pesquisa objetiva analisar a identidade surda pelos surdos participantes do projeto Ensino e Aprendizagem e Metodologias de Ensino para Surdos – EAMES e das famílias do projeto Sala de Aprendizagem Bilíngue-SAB, no sentido de negar ou aceitar a surdez e a Língua de Sinais - Libras. A motivação para o estudo surgiu, inicialmente, pela experiência minha com a comunidade surda de Viçosa/MG. Os participantes da pesquisa foram treze pessoas, sendo quatro surdos do projeto e seus respectivos familiares, além de seis membros das famílias de seis surdos do projeto SAB, já que os surdos participantes do projeto SAB são crianças, tornando inviável entrevistá-los visando obter as informações necessárias aos propósitos desta pesquisa. Em termos metodológicos, a pesquisa é do tipo qualitativa, constituída por um estudo de caso. Para a coleta de dados, utilizou-se entrevistas semiestruturadas, realizadas individualmente com os surdos e com o membro familiar mais próximo. Os dados revelaram que todas as famílias participantes da pesquisa desconheciam as especificidades da surdez e da língua de sinais, quando a surdez foi diagnosticada. Mesmo com a regulamentação da Língua Brasileira de Sinais, as famílias entrevistadas tinham poucos conhecimentos sobre suas particularidades. Entretanto, após o familiar surdo conhecer a Libras, ficou mais fácil aceitar a surdez. Os surdos entrevistados, por sua vez, conheceram a Libras na fase adulta. A maioria deles relatou situações de preconceitos decorrentes da surdez. Admitiram que mesmo conhecendo a Libras, ainda enfrentavam dificuldades de inserção na sociedade, dada aos problema de comunicação com os ouvintes. Em relação às identidades, dois dos surdos demostraram possuir inicialmente a identidade de transição, passando para o estágio da identidade surda propriamente dita. Os outros dois surdos possuíam a identidade de transição, porém apresentavam aspectos da identidade surda incompleta. Todos reconheceram que a Libras trouxe um novo significado para suas vidas. Em termos gerais, os surdos e suas famílias vivem em um contexto onde a negação e a aceitação da surdez estão relacionadas à interpelação do contexto

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vi inserido. Todos os sujeitos da pesquisa presumem que se a sociedade usasse a Libras como língua oficial do país, as experiências vivenciadas teriam uma conotação mais positiva.

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ABSTRACT

LEANDRO, Fúlvia Ventura, Universidade Federal de Viçosa, June, 2017. Socialization, Inclusion and Social Educational Exclusion of the Deaf: a look at the deaf identity of the people users of the projects EAMES and SAB. Advisor: Rita de Cássia Pereira Farias. Co-advisors: Michelle Nave Valadão and Nelmires Ferreira da Silva.

The present research aims to analyze the deaf identity of the deaf participants in the project named Teaching and Learning and Teaching Methodology for Deaf - EAMES and the families of the Bilingual Learning Room Project (SAB), in the sense of denying or accepting deafness and the Sign Language. The motivation for the study arose, initially, from my experience with the deaf community in Viçosa / MG. Thirteen people participated to the interview: four deaf people from the project and their respective relatives as well as six members of the six deaf families from the SAB project, since the deaf participants in the SAB project are children, making it impossible to interview them in order to obtain the necessary information for the purposes of this research. In methodological terms, the research is characterized as qualitative type, constituted by a case study. For data collection, semi-structured interviews were used and conducted individually with the deaf and with the closest family member. The data revealed that all the families participating in the research did not know the specifics of deafness and Sign Language when deafness was diagnosed. Even with the regulation of the Brazilian Sign Language, the families interviewed had little knowledge about their particularities. However, after the deaf familiar knew the Libras, it became easier to accept the deafness. On the other hand, the deaf people interviewed met the Libras in adulthood. Most of them reported situations of prejudice due to deafness. They admitted that even knowing the Libras, still faced difficulties of insertion in the society, given the problem of communication with the listeners. In relation to the identities, initially, two of the deaf ones demonstrated to possess the transition identity, passing later to the stage of the deaf identity itself. The other two deaf individuals had the transition identity, but they had aspects of incomplete deaf identity. Everyone recognized that Libras brought new meaning to their lives. In general terms, the deaf and their families live in a context where denial and acceptance of deafness are related to the interpellation of the inserted context. All the subjects of the research presume that if the society used

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viii Libras as the official language of the country, their lived experiences would have a more positive connotation.

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1. INTRODUÇÃO

Este trabalho trata de um estudo sobre a percepção de surdos e familiares sobre a surdez, a socialização, a inclusão social e educacional dos surdos e também sobre as interferências da Libras e da família na constituição das identidades desses sujeitos, no sentido de assumir ou negar a identidade surda.

Esta problemática é importante, uma vez que existem múltiplas identidades surdas que se formaram ao longo dos anos, decorrentes das representações que essas pessoas possuem de si mesmas e da forma como a família os representa, o que intervém na construção de sua imagem identitária.

Segundo a perspectiva socioantropólogica da surdez, defendido por Skliar (1998) e Teske (2013), os surdos são considerados como sujeitos bilíngues multicul-turais, que convivem com duas línguas (Libras e a Língua Portuguesa) e suas cultu-ras. A partir da forma como se relacionam com essa multiculturalidade, desenvolvem suas identidades. De acordo com os autores, tal multiculturalidade envolve tanto a historicidade do povo surdo em sua forma de ver e estar no mundo por meio da mo-dalidade linguística visual-espacial, quanto os valores, comportamentos e tradições. Dessa forma, as identidades surdas vão se formando e se moldando a partir desse multiculturalismo desse amálgama entre cultura surda e a cultura ouvinte.

Tais identidades envolvem questões complexas entre o indivíduo surdo e a sua família, pois além de conviverem em uma sociedade onde a maioria das pessoas é ouvinte e falante da língua oral, também estão sujeitos a representação que as suas famílias possuem da surdez, o que pode interferir na construção das suas identidades.

Há diferentes identidades surdas entre os membros da comunidade surda de Viçosa e região. São surdos que não tiveram contato com a comunidade surda no período da infância e, dessa forma, não assumiram como língua materna a Língua Brasileira de Sinais – Libras. Outros, mesmo conhecendo a língua de sinais e a comunidade surda tardiamente, assumiram a Libras como primeira língua e estão se aproximando da identidade surda. Assim, faz se necessário conhecer mais a problemática que envolve os surdos de Viçosa – MG.

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2 1.1 O problema e sua relevância

O número de indivíduos surdos ou que possuem algum grau de surdez no Brasil pode ser considerado alto. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, em 2010, havia aproximadamente 9,7 milhões de brasileiros que possuíam alguma alteração auditiva, o que representa 5,1% da população total. O número de surdos existente no Brasil é maior que a população total de países como Áustria, Israel e Paraguai, que é aproximadamente de 8,47, 8,059 e 6,8 milhões, respectivamente.

Em relação a quantidade de indivíduos surdos de Viçosa-MG, ainda não há dados oficiais, já que não existem trabalhos completos sobre o tema. Entretanto, esse número vem sendo contabilizado por meio de pesquisas desenvolvidas no Departamento de Letras da Universidade Federal de Viçosa (DLA/UFV), que conseguiu mapear até a ocasião da pesquisa 30 indivíduos surdos.

Essas pesquisas também demonstram que, apesar de existir uma comunidade surda em Viçosa, ela ainda não está organizada em associações, mas sim em projetos desenvolvidos na Universidade Federal de Viçosa (UFV). Os principais projetos são: Ensino, Aprendizagem e Metodologias de Ensino para Surdos - EAMES, Sala de Aprendizagem Bilíngue - SAB e o Curso de Extensão em Língua Brasileira de Sinais - CELIB1. Em geral, esses projetos reúnem o maior número de surdos locais e têm como objetivo apoiá-los em questões voltadas para o ensino e aprendizagem, difusão de ideias e princípios referentes à Libras e à comunidade surda. Diante disso, os surdos participantes desta pesquisa foram os que integram os projetos citados.

Nos projetos em que pude participar, EAMES, SAB e CELIB, observei diferentes identidades surdas. Dentre aqueles que não tiveram contato com a comunidade surda na infância, alguns deles não assumiam a língua de sinais como língua materna. Outros, mesmo conhecendo a língua de sinais e a comunidade surda tardiamente, como geralmente acontece com a maioria dos surdos, tinham a língua de sinais como primeira língua e expressavam, com orgulho, suas conquistas como surdos.

Diante dessa questão, esta pesquisa buscou responder às seguintes perguntas: Qual a percepção do sujeito surdo e de seus familiares sobre a sua surdez, a Libras, a

1 O CELIB é um curso de extensão ligado à UFV que oferece curso de Libras a todos interessados em

aprender a Língua. Além disso, o CELIB promove também eventos, oficinas e palestras contando sempre com a presença da comunidade surda, ouvintes e interpretes de Viçosa e região.

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3 socialização e a inclusão social e educacional dos surdos? Qual a percepção da família em relação ao sujeito surdo? Quais os fatores que contribuem para que o sujeito surdo assuma ou não a identidade surda?

O estudo pautou-se na necessidade de considerar a pessoa surda a partir do viés socioantropológico, defendido por Skliar (1998) ao argumentar que é possível aceitar o conceito de Cultura Surda, por meio de uma leitura multicultural, tendo em vista que os surdos possuem sua própria historicidade em seus processos e produções, e é por meio destas ações que se constrói a identidade desses sujeitos. Nesse sentido, a comunidade surda se constitui de um complexo de relações e interligações sociais, que se baseiam no uso da língua de sinais e nas experiências visuais e espaciais.

1.2 A construção do objeto de estudo

A motivação para pesquisar o tema surgiu, inicialmente, da minha experiência e convivência com a comunidade surda de Viçosa/MG. Este contato se deu principalmente por meio do projeto Ensino e Aprendizagem e Metodologias de Ensino para Surdos (EAMES), inicialmente desenvolvido pelo Departamento de Letras da UFV, que tem como finalidade a inclusão e formação de alunos surdos preparando-os para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). O contato estabeleceu-se no ano 2014 e me permitiu vivenciar experiências da vida cotidiana dos surdos e das relações com seus pares. Atualmente, também participo do projeto Sala de Aprendizagem bilíngue (SAB), desenvolvido pelo Departamento de Biologia, que tem como objetivo o ensino da Libras e da Língua Portuguesa na modalidade escrita para as crianças surdas de Viçosa - MG.

Estas experiências possibilitaram observar a existência de múltiplas identidades surdas, sendo muitas delas possivelmente influenciadas pela intervenção familiar. Ao perceber as questões complexas que envolvem a identidade do surdo e sua família, como a vivência em uma sociedade onde a maioria é ouvinte e falante da língua oral, houve uma motivação para compreender como a representação que a família possui da surdez pode interferir na construção das identidades dos surdos.

Posteriormente, ingressei como estudante não vinculada no Programa de Pós-graduação em Economia Doméstica da UFV, para cursar a disciplina Cultura, Identi-dade e CorporaliIdenti-dade com a professora Rita Farias. Nessa disciplina, pude

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compre-4 ender diversos aspectos da identidade, da cultura e da corporalidade que se aplicam aos surdos. Compreendi que existe a identidade do sujeito, que corresponde a forma como ele se percebe, mas existe também a identidade que o outro atribui a ele, que nem sempre é como ele se vê, e isso pode ser gerador de estigmas e preconceitos, principalmente no caso da Libras, cuja corporalidade expressa nos sinais e expres-sões faciais, dá visibilidade à condição social da surdez. Os estudos sobre cultura possibilitaram compreender melhor a identidade dos surdos, que envolve um modo especial de estar no mundo e atribuir significados a ele.

No contexto da cultura, várias são as representações que podem ser encontradas a respeito dos surdos. Strobel (2007), observa que geralmente os estereótipos que os representam são negativos, sendo denominados como mudos, deficientes, anormais, doentes, dentre outros. A autora menciona que “talvez, a mais ‘sofrida’ de todas, as representações no decorrer da história dos surdos, é a de ‘modelar’ os surdos a partir das representações ouvintes” (p. 23).

Em termos conceituais, as concepções sobre a surdez transcorrem por duas perspectivas distintas. A primeira é descrita como clínica ouvintista2, e prevê a recuperação da audição e da fala. Nessa perspectiva, a normalização cumpre um papel essencial de integração do surdo na comunidade ouvinte, para que tenha uma vida “normal” dentro da sociedade (STROBEL, 2007). A outra perspectiva refere-se ao paradigma social, cultural e antropológico da surdez. Nessa perspectiva, o surdo é compreendido como um sujeito linguisticamente diferente, que não vê a surdez como um problema a ser vencido, mas como uma diferença que é marcada por experiências visuais (PERLIN, 2013).

O conflito que envolve o indivíduo surdo, influencia sobremaneira na formação de sua identidade, possibilitando formar diferentes identidades, decorrentes das representações que o surdo possui de si mesmo, sendo influenciadas pela forma como a família o representa e intervém na construção de sua imagem identitária.

Pesquisas de Gladis Perlin (2013), primeira professora e doutora surda do Brasil, apontam que há múltiplas identidades relacionadas à surdez. A autora identifica cinco identidades entre os surdos, sendo elas: a Identidade Surda, em que os sujeitos aceitam-se como surdos, utilizam a língua de sinais e participam da comunidade surda ativamente; a Identidade Surda Híbrida, que são ouvintes que se

2O termo ouvintista reporta a “um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo

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5 tornaram surdos, conhecem a língua portuguesa falada e escrita assim como a língua de sinais; a Identidade Surda de Transição, relaciona-se aos surdos que conheceram a identidade surda tardiamente e foram oralizados, mas ao entrarem em contato com a identidade surda optaram pela língua de sinais como primeira língua; a Identidade Surda Incompleta, são surdos dominados por ouvintes, sem autonomia. Esses surdos geralmente não conhecem nem a Libras, nem o português, vivendo então uma relação de extrema dependência dos ouvintes; e a identidade Surda Flutuantes, são surdos geralmente oralizados e usuários de implantes e próteses auditivas, que não utilizam a língua de sinais e não participam da comunidade surda, seguem como modelo a identidade ouvinte.

Para a autora, os processos de constituição da identidade surda ocorrem principalmente em espaços de relações sociais. Trata-se de pontos de encontro, como associações de surdos, escolas, igrejas ou shoppings, organizados por surdos que compartilham os objetivos comuns de seus membros e praticam a língua de sinais de forma a garantir a disseminação da língua e sua legitimação social, conforme explicitado por Filho e Oliveira (2010).

Especialmente as associações de surdos apresentam fundamental importância para as interações entre os surdos. Nesse sentido, vale destacar que a primeira associação de surdos foi fundada no Rio de Janeiro e o seu percussor foi o professor Dr. Brasil Silvado Júnior, que em contato com as associações de surdos dos países da Europa trouxe a ideia para o Brasil (SILVA, 2013). A primeira reunião para a organização dessa associação aconteceu em 24 de maio de 1913 e, de acordo com Silva (2013), a maioria dos surdos residentes no Rio de Janeiro compareceram à reunião. Assim, deu-se início a primeira Associação Brasileira de Surdos-Mudos no Brasil. Strobell (2009) aponta que a associação iniciou diante de uma necessidade de povos surdos terem um espaço para se unirem e para resistirem contra as práticas ouvintistas que não respeitavam a cultura deles.

Atualmente, há dezenas de associações de surdos espalhadas pelo Brasil, todas com o objetivo de promover a integração dos surdos de várias localidades. Strobell (2009) observa que nas associações, os surdos participam e compartilham de interesses em comuns, como cultura, história, padrões de comportamentos, tradições, entre outros. Segundo a autora:

A Associação de Surdos representa importante espaço de encontro entre os sujeitos surdos da comunidade surda. Importantes

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6 movimentos em prol da causa de surdos se originaram e ainda se resultam das reuniões e assembleias nas associações de surdos que ocorrem por todo o Brasil. (STROBEL, 2009, p. 43)

As associações de surdos são formadas por surdos, familiares, simpatizantes e tradutores/intérpretes de Libras, sendo um importante espaço onde a identidade surda se constrói, por meio do contato surdo-surdo. Isso porque 95% dos surdos nascem em famílias ouvintes que não sabem a língua de sinais e apresentam dificuldades na comunicação com seus filhos surdos, desconhecendo os aspectos que envolvem e caracterizam a surdez (SACKS, 2010). Dessa forma, o contato da criança surda com a língua de sinais geralmente não acontece no núcleo familiar, mas no encontro com outros surdos que utilizam a língua de sinais. Portanto, tal encontro é essencial para que o surdo adquira a língua de sinais e desenvolva sua identidade surda.

A identidade, por sua vez, também é influenciada pela relação familiar. Assim, as diferenças que as famílias concebem e representam a surdez, irão influenciar a construção identitária dos surdos, pois os comportamentos e a personalidade dos indivíduos são baseadas em princípios, crenças, valores e papéis sociais ligados à família (NEGRELLI; MARCONI, 2006).

Importa destacar, conforme postulado por Bauman (2005) e Hall (2004), que o sujeito pós-moderno possui identidades múltiplas, conflituosas e em constantes transformações. Neste sentido, as mudanças identitárias estão ligadas às abordagens dos sistemas culturais em que o sujeito está inserido.

Considerando a identidade como algo mutável, as perspectivas que abordam a surdez podem se tonar um fator que produz identidades surdas diversas, divergentes e fragmentadas. Desse modo, o indivíduo surdo pode assumir identidades que muitas vezes não condiz com seus próprios interesses, mas podem retratar interesses familiares. Knobel (1992) observa que ao interagir com os filhos, a família influencia diretamente na formação de suas personalidades, determinando muitas de suas características pessoais e sociais. Assim, com base em Pacheco (1996) que constata que a relação familiar é a base para o desenvolvimento da identidade, este trabalho focaliza a família que influencia, que atua e interfere na identidade de seus membros, assim como também é modificada por eles numa relação dialógica.

Com base nestas discussões, consideramos importante refletir sobre a constituição das identidades apresentadas pelos surdos e as possíveis influências das famílias nesse processo.

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7 1.3 Objetivos

Esta pesquisa tem como objetivo geral compreender a percepção de surdos e seus familiares sobre a surdez, a socialização, a inclusão e a exclusão social e educacional dos surdos e as influências da Libras e das famílias na constituição das identidades dos surdos participantes dos projetos Ensino, Aprendizagem e Metodologias de Ensino para Surdos – EAMES e Sala de Aprendizagem Bilíngue – SAB, no sentido de assumir ou negar a identidade surda postulada por Perlin (2011).

Especificamente, propõe-se:

 Verificar as percepções dos surdos sobre a surdez;

 Identificar se os surdos assumem ou negam a identidade surda;  Identificar a percepção da família em relação ao sujeito surdo.

 Perceber em quais momentos a inclusão e a exclusão social e educacional se fazem presente na vida dos surdos;

1.4 Organização da dissertação

O presente trabalho está divido em seis capítulos. O primeiro é composto pela introdução, o problema e sua relevância e a apresentação dos objetivos.

No segundo capítulo temos uma revisão de literatura, perpassando pela construção histórico, social e educacional dos surdos desde da antiguidade até os dias atuais. Fizemos um levantamento sobre os principais tratamentos clínicos voltados para a surdez. Apresentamos uma revisão literária sobre os principais autores que argumentam sobre identidade surda e também trouxemos aspectos relacionados à família e ao surdo.

O capítulo três traz o percurso metodológico percorrido para a realização desta pesquisa, como o tipo de pesquisa, o campo empírico, a coleta e análise de dados e os aspectos éticos.

No capitulo quatro descrevemos sobre os projetos investigados: EAMES e SAB e contamos brevemente a história de vida de cada participante da pesquisa.

No capitulo cinco há as discussões e análises em torno das entrevistas com os surdos e também com suas famílias.

Por fim, traz-se as considerações finais, apresentando as limitações da pesquisa e sugestões para trabalhos futuros

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2. REVISÃO DE LITERATURA

A revisão de bibliográfica pautou-se em discussões sobre a construção histórica, social e educacional dos surdos, os tratamentos clínicos para a surdez, as identidades como reflexo da diversidade humana e as especificidades das identidades surdas

2.1 A construção histórica, social e educacional dos surdos

Estabelecer um diálogo sobre as especificidades dos surdos requer um olhar apurado sobre a construção social e histórica da realidade das pessoas surdas. Sacks (2010) elucida que:

A situação das pessoas com surdez pré linguística, antes de 1750 era de fato uma calamidade: incapazes de desenvolver a fala e portanto, “mudos’’, incapazes de comunicar-se livremente até mesmo com seus pais e familiares, restritos a alguns sinais e gestos rudimentares, isolados, exceto nas grandes cidades, até mesmo da comunidade de pessoas com o mesmo problema, privados de alfabetização e instrução, de todo o conhecimento do mundo, forçados a fazer os trabalhos mais desprezíveis, vivendo sozinhos, muitas vezes à beira da miséria, considerados pela lei e pela sociedade como pouco mais do que imbecis a sorte dos surdos era evidentemente medonha. (SACKS, 2010, p. 24)

Voltar ao tempo para compreender a história dos surdos é importante para fazer um paralelo sobre os acontecimentos do passado e as implicações desses para a vida atual dos surdos. A respeito dessa motivação, Perlin e Strobel (2008) ressaltam que a busca pela historicidade dos surdos faz-se necessária para melhor compreender os fundamentos filosóficos, históricos, sociológicos e econômicos que envolveram os surdos no passado e que implicam em suas vidas presentes.

A discriminação que os surdos sofreram ao longo da história está intrinsecamente ligada à concepção que a sociedade tinha deles, enquanto sujeitos que não passavam de criaturas desprovidas de inteligência e de conhecimento. Esses estereótipos estigmatizaram a vida dos surdos, por longos períodos de suas histórias, desde a antiguidade até a contemporaneidade.

De acordo com Nascimento (2006), a história dos surdos na antiguidade, principalmente na Grécia e Roma, era permeada por mortes e martírios. As crianças

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9 surdas, assim como as com deficiência intelectual, com deformidades física ou com algum sinal ou marca de “imperfeição” eram cruelmente mortas. Nesta época, somente o corpo perfeito era estimado. Berthier (1984) apud Nascimento, (2006, p. 235) observam que, “a infortunada criança era prontamente asfixiada ou tinha sua garganta cortada ou era lançada de um precipício para dentro das ondas. Era uma traição poupar uma criatura de quem a nação nada poderia esperar”.

No Egito antigo, ao contrário, os surdos eram concebidos como criaturas divinas e acreditava-se que sua comunicação era permanentemente com os deuses, razão pela qual eram respeitados e até mesmo temidos. Entretanto, levavam uma vida inativa sem grandes envolvimentos e participações sociais (CHOI et al., 2001).

Na Idade Média, os surdos eram vistos como seres excêntricos e despertavam curiosidade na sociedade. Porém, ainda sofriam martírios e eram cruelmente queimados em fogueiras (STROBEL, 2009). Com o decorrer dos anos, foram poupados da morte, mas continuaram proibidos de exercer direitos civis e religiosos como casar, votar e participar dos sacramentos religiosos. Para a sociedade, os surdos não tinham alma ou se a possuísse esta não tinha salvação, já que impedidos de falar não podiam confessar os pecados.

Esse cenário começa a mudar a partir do século XVI, quando o médico e filósofo Girolamo Cardano (1501-1576) acreditou na capacidade dos surdos para a aprendizagem. Ele defendia que “[…] a surdez e mudez não é o impedimento para desenvolver a aprendizagem e o meio melhor dos surdos de aprender é através da escrita [...] e que era um crime não instruir um surdo-mudo”. (sic)3 (GIROLAMO CARDANO 1500, apud STROBELL, 2009, p. 19)

Charles Michel de L’Epée um abade francês, também foi uma figura marcante para a educação dos surdos por meio do método gestual. Ele conheceu a língua gestual por meio do contato com alguns surdos que moravam em Paris. De acordo com Sacks (2010), L’Epée interessou-se pela vida dos surdos por se incomodar com o fato de que eles não tinham acesso à vida religiosa ativa. Assim, o abade começou a estudar os gestos que os surdos usavam para se comunicar nas ruas e percebeu que eles tinham potencial para exercer as mesmas funções que as línguas faladas oralmente. Esse foi o início para reconhecimento das línguas de sinais.

3Atualmente o termo surdo-mudo é ultrapassado para nomear uma pessoa surda, haja

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10 L’Epée foi o primeiro a vislumbrar na linguagem gestual, ainda imperfeita, formas consistentes e simples de comunicação. Havia possibilidades dos surdos serem educados na língua gestual:

[...] a partir do simples argumento que os surdos podem ser instruídos com o auxílio de gestos da maneira como instruímos outras pessoas usando os sons da voz, e que ambos os grupos podem aprender a linguagem escrita. O incansável l’Epée criou um novo mundo, toda uma geração (BERTHIER,1984, apud NASCIMENTO, 2006, p. 261).

Charles Michel de L’Epée contribuiu muito com a educação dos surdos, que pela primeira vez tiveram a oportunidade de serem instruídos em uma língua gestual e sem a auxilio da língua oral. Embora com êxito, L’Epée enfrentou oposições dos que não concordavam com seu método. A esse respeito Berthier (1984, apud Nascimento, 2006, p. 181) comenta que “certamente esse grande trabalho de reconstrução não foi realizado sem fortes ataques pelos teólogos, filósofos, acadêmicos de todos os países que alegavam que sinais representativos não ajudariam a alcançar ideias metafísicas dentro da mente da pessoa surda.”

Este momento em que os surdos puderam utilizar a língua de sinais foi extremamente importante para seu desenvolvimento linguístico e social. Dessa forma, Silva (2009) observou que no século XVIII os surdos se sentiam mais livres e autônomos e estavam vivendo o vislumbre de uma nova história em que podiam se assumir enquanto surdos.

Até a sua morte, em 1789, L’Epée estabeleceu 21 escolas para surdos na França e seu sucessor, Abbé Sicard, deu continuidade ao seu trabalho escrevendo dois livros sobre a educação dos surdos (SILVA, 2009).

Nessa mesma época, a primeira escola para surdos foi criada em um monastério na Espanha, cujo responsável era o monge Beneditino Pedro Ponce de León, que utilizava a língua de sinais e a escrita com os surdos, com o propósito de alfabetizá-los na língua oficial do país. As famílias nobres da época contrataram Leon a fim de instruir seus filhos surdos para que estes não fossem excluídos da herança familiar. A este respeito, Moura (2000, p. 18) constata que “a possibilidade do surdo falar implicava no seu reconhecimento como cidadão e, consequentemente, no seu direito de receber a fortuna e o título da família”.

No século XVII começou a ser concebida a possibilidade de reabilitação auditiva dos surdos, tendo em vista a era da ciência moderna que presumia:

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11 Que todos os fenômenos naturais pudessem ser explicados a partir da matéria em movimento e que o universo é uma máquina, cujo sistema de funcionamento é mecânico e trabalha da mesma forma que as engrenagens de um relógio. (SILVA, 2006 p. 28)

Diante desse olhar mecanicista, o mundo passa a ser compreendido como uma grande máquina que pode ser decifrada pelo homem. Silva (2006) destaca que nessa época os corpos humanos foram concebidos como máquinas, cujo funcionamento poderia ser compreendido por meio de estudos e desenvolvimentos médicos.

Embasados nos princípios da ciência mecanicista, inicia-se então a possibilidade da cura auditiva com o aporte da medicina. Assim, os profissionais da educação e os familiares de surdos viram a possibilidade deste ouvir e falar.

Sobre a história dos processos de reabilitação da audição, Bernardes (2014) destaca que os primeiros aparelhos auditivos surgiram no século XVII e eram semelhantes a uma trombeta, possuindo diversos formatos, tamanhos e confeccionados em diversos tipos de materiais como ferro, prata, madeira, conchas de caramujos e até mesmo chifres de animais. Já os amplificadores elétricos surgiram aproximadamente no início do século XX.

Com a possibilidade e a expectativa da inserção e da participação dos surdos na sociedade ouvinte, decorrente do uso desses aparelhos, pessoas interessadas em sua educação começaram a surgir no mundo inteiro. Nesse cenário, destacaram-se o Johann Conrad Amman, que foi o percussor da proposta pedagógica que visava a recuperação da fala, e Samuel Heinecke, que deu continuidade ao seu trabalho com o método oralista fundando a primeira escola pública para surdos na Alemanha (SILVA, 2006).

Alguns desses educadores defendiam a língua oral como metodologia ideal para a educação dos surdos, outros acreditavam que a língua gestual era a melhor forma para educá-los. Esse contexto oralista chegou até o Instituto Nacional de Surdos- Mudos, quando Jean Marc Itard, se dedicou a descobrir as causas da surdez e a sua cura.

Para realizar seus estudos, ele dissecou cadáveres de Surdos e tentou vários procedimentos: aplicar cargas elétricas nos ouvidos de Surdos, usar sanguessugas para provocar sangramentos, furar as membranas timpânicas de alunos (sendo que um deles morreu por este motivo). Fez várias experiências e publicou vários artigos sobre uma técnica especial para colocar cateteres no ouvido de

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12 pessoas com problemas auditivos, tornando-se famoso e dando nome à Sonda de Itard (MOURA, 2000 apud SILVA, 2009, p. 15).

Embora seu método de educar surdos por meio da oralização4 tenha fracassado, Itard alegava que os surdos seriam bem-sucedidos na oralização se não tivessem conhecido a língua gestual.

Nesse momento da história, uma divergência entre a língua gestual e o oralismo instaurou-se entre os educadores de surdos do mundo todo. A partir daí, começou um verdadeiro conflito entre qual seria o melhor método para a educação dos surdos: a língua gestual ou a língua oral.

Frente a essas divergências quanto ao processo educacional dos surdos, aconteceu o congresso de Milão, nos dias 06 a 11 de setembro de 1880, que teve como objetivo principal definir algumas questões que envolviam a educação e a vida dos surdos. Participaram 182 pessoas vindas de países como Bélgica, França, Alemanha, Inglaterra, Itália, Suécia, Rússia, Estados Unidos e Canadá, a maioria defensora do oralismo puro. Assim, ficou estabelecido que a fala oral era incontestavelmente superior aos sinais e o método do oralismo venceu quase que por unanimidade. A língua de sinais foi considerada inapropriada para a educação dos surdos e ficou estabelecido que eles deveriam aprender a falar oralmente para se integrar à sociedade (SACKS, 2010). Esse congresso teve grande impacto na educação dos surdos.

Nenhum outro evento na história de surdos teve um impacto maior na educação de povos surdos como este que provocou uma turbulência séria na educação que arrasou por mais de cem anos nos quais os sujeitos surdos ficaram subjugados às práticas ouvintistas, tendo que abandonar sua cultura, a sua identidade surda e se submeteram a uma ‘etnocêntrica ouvintista’, tendo de imitá-los. (PERLIN; STROBEL, 2008, p.26)

Sacks (2010) considera que o resultado do congresso em Milão foi um retrocesso na vida dos surdos, pois a autonomia pessoal e social que haviam conquistado por meio da língua de sinais foi interrompida. O autor considera que “nada disso teria importância se o oralismo funcionasse. Mas o efeito, infelizmente foi contrário ao desejado, pagou-se um preço intolerável pela aquisição da fala” (SACKS, 2010 p. 35).

O oralismo perdurou por aproximadamente cem anos. Excluídos da sociedade, os surdos não participavam mais dos processos educativos e foram

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13 concebidos novamente como deficientes, dada a sua incapacidade para a oralidade. A imposição pela língua oral revelou uma nova identidade para os surdos, que deveriam se espelhar no modelo do indivíduo ouvinte como padrão de pessoa normal e ideal. Prillwits (1990 apud Capovilla 2000) constata que essa concepção levou os surdos a se sentirem incapazes e doentes, porque não conseguiam ser e agir como os ouvintes.

Em consequência dessa imposição oral, as escolas se transformaram em salas de tratamento, uma vez que todo o esforço era voltado para ensinar o surdo a falar. Segundo Silva (2009, p. 25), “enquanto crianças ouvintes em escolas comuns aprendiam conteúdos relacionados à idade e série em que estavam, os surdos tinham seus preciosos horários gastos em exercícios que auxiliassem a oralidade”.

O método consistia no uso de aparelhos de amplificação sonora, e no treinamento da audição e da fala. Vale destacar que o método foi também impulsionado pelo avanço da tecnologia, especialmente dos aparelhos auditivos, que se tornaram menores, sendo que os primeiros aparelhos de bolso surgiram na década de 1940. Em seguida, o aparelho preso à orelha, intitulado de retroauricular, foi disponibilizado na década de 1960.

Frente a essa situação, entre as décadas de 1960 a 1970, professores, psicólogos, surdos e suas famílias começaram a questionar a ineficácia do oralismo, observando tardiamente que a maioria dos surdos, além de não conseguir falar oralmente eram também analfabetos. A partir de então, surge uma nova proposta para a educação do sujeito surdo, denominada comunicação total que, de acordo com Capovilla (2000), utilizava como metodologia a combinação de vários procedimentos como a fala, os sinais, as mímicas, enfim, tudo que pudesse facilitar a compreensão e o entendimento dos surdos, ainda mantendo-se o objetivo de aquisição da língua oral.

Os resultados da comunicação total foram considerados melhores que os do oralismo, porém tratava-se de um método incompleto e inconsistente pela utilização e combinação de várias metodologias concomitantemente. Dessa forma, os surdos entraram em conflito de identidade, pois não se espelhavam nem no modelo oral, nem no gestual, dada a ausência de referência (CAPOVILLA, 2000).

Em 1960, o linguista Stokoe, por meio de pesquisas e estudos linguísticos na Universidade Gallaudet, em Washington, comprovou pela primeira vez que a língua de sinais possuía todos os elementos de uma língua natural, portanto efetivamente se

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14 tratava de uma língua como qualquer outra. Após a comprovação oficial do status de língua, conferido a língua de sinais, o bilinguismo foi implantado na década de 1980 e está vigente até os dias atuais. O objetivo é oferecer ao surdo a oportunidade de utilizar a língua de sinais de forma natural como sua primeira língua e a língua do país de origem como segunda língua. Sobre isso, Capovilla (2000) observa que:

No bilinguismo, o objetivo é levar o surdo a desenvolver habilidades em sua língua primária de sinais e secundária escrita. Tais habilidades incluem compreender e sinalizar fluentemente em sua língua de sinais, e ler e escrever fluentemente o idioma do país ou cultura em que ele vive. (CAPOVILLA, 2000, p. 109)

Segundo Capovilla (2000) o primeiro país a oficializar o bilinguismo foi a Suécia, sendo o precursor em reconhecer os surdos como um grupo minoritário, linguisticamente diferente e assegurando-os com direitos legais e políticos. A partir daí, a maioria dos países definiu a sua própria língua de sinais, reconhecendo os surdos como uma comunidade linguisticamente diferenciada. No Brasil esse reconhecimento se deu a partir da Lei 10.436, de 24 de abril de 2002 que reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio legal de expressão e comunicação das comunidades surdas Brasileira (BRASIL, 2002).

Outra conquista da comunidade surda foi o reconhecimento da profissão de intérprete de Libras por meio da regulamentação da Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010, que permite que os surdos exijam a presença deste profissional em qualquer local público. Em relação à questão do trabalho, a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, estabelece que os indivíduos com deficiência, e também os surdos, possuem o direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em local acessível e inclusivo, com igualdade de oportunidades com as demais pessoas. A lei prevê ainda que toda empresa com 100 ou mais funcionários deve destinar de 2% a 5% dos postos de trabalho a pessoas com alguma “deficiência”.

Além disso, é oportuno destacar também outras leis que são essenciais para autonomia e acessibilidade dos surdos: A Lei n°1791, de 30 de setembro 1999, que instituiu o Dia dos Surdos e permitiu celebrar e rememorar todo contexto histórico-social vivenciado por eles (BRASIL, 1999); A Lei nº10.048 de novembro de 2000, concedeu atendimento prioritário aos idosos e as pessoas com deficiência; e a Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabeleceu normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade (BRASIL, 2000);A Lei nº 4.304, de 07 de

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15 abril de 2004 que dispôs sobre a utilização de recursos visuais, destinados às pessoas com deficiência auditiva na veiculação de propaganda oficial (BRASIL, 2004); O Decreto nº1.592, de 15 de maio de 1998, que definiu que a concessionária deverá assegurar condições de acesso ao serviço telefônico para deficientes auditivos e da fala: tornar disponível centro de atendimento para intermediação da comunicação (BRASIL, 1988); a Lei nº 2.089, de 29 de setembro de 1998, institui a obrigatoriedade de inserção, nas peças publicitárias para veicularão em emissoras de televisão, da interpretação da mensagem em legenda e na Língua Brasileira de Sinais – Libras (BRASIL, 1998).

Todas essas leis são conquistas importantes que legitimam a língua de sinais e amparam os direitos da comunidade surda. Entretanto, vale lembrar que embora as conquistas dos surdos sejam legalmente reconhecidas, nem sempre são socialmente aceitas. A situação do indivíduo surdo ainda é bastante peculiar, considerando que a maioria provém de famílias ouvintes que utilizam apenas a língua oral como forma de comunicação e de interação. Neste trabalho assume-se o conceito de comunicação verbal, trata-se de um processo de relação no qual os sujeitos compartilham mensagens, ideias, informações, afetos e emoções, que podem influenciar suas condutas e que, por sua vez, irão responder a partir de suas crenças, princípios, história de vida e cultura (SILVA et al, 2000)

2.2 Os Tratamentos Clínicos para a Surdez

Em relação aos níveis auditivos, Freire (2003) classifica a surdez em cinco níveis: normal, leve, moderada, severa e profunda. Entre os surdos em estudo, três deles possuem surdez profunda, ou seja, não conseguem ouvir sons cotidianos como televisão e telefone, e necessitam de apoio visual para conversar. Um dos entrevistados possui surdez moderada e consegue ouvir alguns desses sons. A Figura 1 ilustra a relação entre os diferentes níveis de perdas auditivas (leve, moderada, severa e profunda) e sua relação com os sons ambientais.

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16 Figura 1: Graus de perdas auditivas e relação com detecção de diferentes sons

Fonte: Freire (2003)

A figura de Freire (2003) mostra que, de acordo com os níveis de perdas auditivas, as pessoas podem detectar diferentes tipos de sons. A legenda da figura acima está descrita da seguinte forma nas palavras do autor: Quando há perda auditiva leve, a dificuldade aparece em algumas situações onde há mais ruído. Em geral, o volume da televisão é um pouco mais elevado e para falar no telefone não há problema. No caso de perda auditiva moderada, a dificuldade aparece em mais situações. Em geral, o volume da televisão precisa ser mais elevado, a pessoa não consegue entender o que é falado ao telefone e em conversas, mesmo em locais silenciosos. Quando há perda auditiva severa, a dificuldade é evidente. Em geral, mesmo com o volume da televisão muito elevado, a pessoa ainda não se entende o que é falado. Além disso, não é possível falar ao telefone e conversar sem que a outra pessoa grite. No caso de perda auditiva profunda, a dificuldade é evidente. Em geral, não é possível escutar a televisão, falar ao telefone e conversar sem apoio visual.

Como o avanço constante da tecnologia acerca dos aparelhos auditivos tem crescido rapidamente, nos dias atuais eles funcionam com tecnologia digital, sendo equipados com potentes chips de computador (BERNARDES, 2014). Diversas são as

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17 intervenções clínicas sugeridos para o tratamento da surdez ou de prevenção a ela. A princípio, todos os recém-nascidos devem ser submetidos a uma triagem auditiva neonatal, conhecida como teste da orelhinha, que é realizada no segundo ou terceiro dia de vida do bebê. O objetivo principal do teste é identificar se o bebê possui surdez ou alguma perda auditiva. Escobar (nda) observa que ao ser constatado algum problema auditivo, a família, é orientada a procurar um acompanhamento específico do médico Otorrinolaringologista e do Fonoaudiólogo, para que seja iniciado o processo de protetização e de terapia. É esperado que a criança com seis meses de idade já esteja protetizada e recebendo intervenção fonoaudiológica.

Entre os diversos dispositivos eletrônicos aplicados à surdez da atualidade, destaca-se o Implante Coclear (IC), conhecido também como ouvido biônico, que surgiu como possibilidade de reabilitação auditiva. Os primeiros indícios do IC foram detectados há mais 200 anos, porém tratavam-se apenas de pequenas tentativas, incomparáveis com a modernidade dos aparelhos atuais. À vista disso, Mangili (2014) aponta que foi no século XVIII que os primeiros passos foram realizados rumo à complexidade tecnológica do IC.

De acordo com Mangili (2014), o início do IC surgiu com o inventor da primeira pilha elétrica, o italiano Alessandro Volta. O cientista, em 1800, colocou em seu próprio ouvido duas placas de metal, fazendo surgir entre elas uma corrente de 50 volts. Ele não obteve muito sucesso, pois acabou desmaiando com o impacto. Antes do desmaio, porém, Alessandro Volta descreveu ter ouvido um ruído semelhante ao de água fervente, que parou assim que a corrente foi desligada.

Nos anos posteriores, outros cientistas procuraram repetir o experimento de Alexandra Volta, provocando diferentes estímulos na audição. Contudo, apenas no dia 25 de fevereiro de 1957 foi descrita a primeira experiência de estimulação do nervo auditivo, por meio da introdução de um eletrodo no ouvido de um sujeito surdo. O paciente implantado foi capaz de identificar palavras simples, perceber o ritmo da fala, além de relatar que o implante o auxiliava na leitura labial. O responsável por tal proeza foi o francês Andre Djourno (MANGILI, 2014).

Baseado no sucesso do francês, Mangili (2014) descreve que na década de 1960 outros pesquisadores e cientistas interessaram-se por pesquisar o desenvolvimento do IC. A autora destaca ainda que os primeiros aparelhos foram nomeados de monocanais e tratavam de aparelhos simples que permitiam ao implantado identificar apenas alguns sons da fala, e não eram tecnologicamente

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18 suficientes para permitir que o deficiente auditivo fosse capaz de distinguir as palavras e entender o que era pronunciado.

Foi somente na década de 1980 que o implante conquistou sua eficácia e se tornou semelhante aos dos dias atuais. Desde do início dos implantes multicanais, que possibilitavam uma percepção melhor dos sons, o IC se desenvolveu e se popularizou. No Brasil, o primeiro implante coclear com tecnologia avançada aconteceu no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais de Bauru/SP, em 1990 (MANGILI, 2014).

Atualmente, há no país 28 centros e hospitais que realizam a cirurgia de IC pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e há mais de 7 mil pacientes implantados no Brasil, número que tende a crescer a cada dia mais, conforme discutido por Bernardes (2014).

O implante coclear tende a aprimorar a percepção e produção da fala, viabilizada pela comunicação cotidiana e pelo programa de reabilitação auditiva. Conforme Bernardes (2014, p. 8), crianças implantadas antes dos 6 anos de idade mostram-se mais habilidosas na produção de consoantes e vogais, na entoação e no ritmo. Sobre isso, Capovilla (1998) explica que os IC auxiliam os surdos que desejam ouvir, mas seus usuários precisam ter alguns cuidados como não praticar

[...]Esportes de contato físico como futebol, basquete, voleibol e outros, já que uma pancada na cabeça pode fazer com que o implante deixe de funcionar. Ela deve remover todos os componentes externos antes do banho ou natação, e deve carregar sempre um conjunto extra de baterias, já que a autonomia das recarregáveis é de apenas 10 a 12 horas de operação contínua. (CAPOVILLA, 1998, p. 81)

Estima-se que existem mais de 100.000 pessoas no mundo utilizando o IC e em sua maioria com sucesso. O implante coclear tende a aperfeiçoar a percepção e produção da fala, ocasionada pela comunicação habitual e o programa de reabilitação auditiva necessária aos implantados. O dispositivo não reverte a surdez, fazendo com que um surdo passe a ser ouvinte. No entanto, cerca de 5% dos implantados conseguem conversar normalmente sem necessidade de leitura labial. O resultado mais comum é o desenvolvimento na habilidade de leitura labial, além de uma melhora significativa na naturalidade de percepção do som (BERNADES, 2014).

O IC estimula diretamente o nervo auditivo por meio de pequenos eletrodos que são posicionados dentro da cóclea. Assim, o nervo leva estes sinais para o

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19 cérebro, produzindo a experiência de som e melhorando o desempenho auditivo (CAPOVILA, 2000). “É um aparelho muito sofisticado que foi uma das maiores conquistas da engenharia ligada à medicina”.

O implante é recomendado para indivíduos cuja perda em ambos os ouvidos é tão profunda ou severa que elas não podem ser favorecidas pelos aparelhos auditivos tradicionais de amplificação sonora (CAPOVILLA, 1998). Recomenda-se que seja realizado em crianças antes dos 6 anos de idade, que apresentam maior habilidade na produção de consoantes e vogais, na entoação e no ritmo. Para Capovilla (1998), o ganho no desempenho auditivo nessa idade é maior do que quando ele é realizado em adolescentes e adultos.

Em função desses avanços, o desenvolvimento da oralidade ainda hoje é fortemente estimulado entre os profissionais da saúde, especialmente fonoaudiólogos e médicos, embora não mais com o sentido de proibição da língua de sinais, como foi no passado, na época do Congresso de Milão.

Face a isso, os surdos podem ter diferentes percepções em relação a sua surdez, pois o contato deles com a maioria ouvinte, que fala oralmente, e convive com surdos, que se comunicam por meio da língua de sinais, pode resultar em conflitos de identidade que pode ser heterogênea e apresentar diferentes facetas (GESUELI, 2006). Essas especificidades e diversidades podem ser encontradas nas diferentes identidades surdas propostas por Perlin (2013) em que o surdo se aproxima ou distancia da identidade surda a depender do contexto inserido.

2.3 Identidades: Reflexo da Diversidade Humana

O conceito de identidade é amplo e, neste trabalho, pretende-se ir além da identidade descrita em dicionários e enciclopédias que apontam a identidade como “conjunto de caracteres próprios e exclusivos de uma pessoa (nome, idade, sexo, estado civil, filiação, etc.)” (KOOGAN, 1995, p. 80). Com o propósito de expandir o tema, buscamos em nosso estudo investigar a identidade relacional, a identidade que apresenta a cultura, as relações sociais (intrapessoal e interpessoal), a identidade repleta de símbolos que está ligada a condições sociais e materiais da vida.

Para Berger e Luckmann (2004, apud Berlatto, 2009), a identidade é resultado do processo de interação entre o indivíduo e seus relacionamentos pessoais e interpessoais. Conforme Hall (2004), a identidade é construída na relação entre eu e

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20 o outro, que é diferente de mim. Dessa forma, as relações sociais contribuem para a formação da identidade de um sujeito.

Segundo Berlatto (2009), uma identidade pode ser afirmada ou reprimida dependendo do contexto social em que o sujeito está inserido. Sua construção ocorre no interior de contextos sociais que determinam a posição dos sujeitos, orientando suas representações e suas escolhas. Nesse sentido, um indivíduo pode ocultar sua identidade em função do grupo social em que está inserido, de igual modo, pode também demonstrá-la sem constrangimento, uma vez que o grupo social compartilha dos mesmos interesses.

De acordo com Bauman (2005), as identidades podem estar ligadas a duas formas de grupos: a primeira quando os membros vivem juntos em um mesmo espaço físico. Nesse âmbito, possuem um elo e uma entidade que os representam. A família representa bem esse primeiro grupo, sendo a primeira instituição em que um indivíduo mantém um relacionamento social. A outra forma são os grupos ligados por ideias e princípios em comum. Os grupos se caracterizam, assim, por afinidades em que os indivíduos demostram possuir identidades convergentes que são regidas por princípios e valores.

Por isso, tanto a influência de grupos internos, como a família, ou de grupos externos que compartilham princípios em comum, auxiliam na formação das identidades dos sujeitos. Nesse contexto, a identidade não é estática, sendo então, móvel e flexível, possibilitando a apresentação de várias identificações em um mesmo indivíduo, de acordo com as formas em que é abordado pelo meio social.

Bauman (2005) considera que as identidades estão à disposição dos sujeitos sendo, portanto, resultados das escolhas de cada um ou influenciadas e impostas pelas pessoas dos grupos sociais as quais os indivíduos pertencem. Desse modo, o indivíduo pode apresentar uma identidade que não condiz com sua maneira de pensar e estar no mundo, mas pode ser resultado da imposição de algum grupo social.

Segundo Branco Filho (2011), os estudos sobre identidade possuem duas subáreas: a identidade pessoal e a identidade social. A identidade pessoal refere-se à suposição de que o indivíduo é um ser único, diferente de todos os outros, produzindo, assim, uma história contínua e singular. Esse pensamento está atrelado a maioria dos sujeitos, é a sensação de pessoa única e que possui uma “identidade própria”.

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21 A identidade social é formada individualmente e coletivamente, permitindo a identificação de um sujeito com determinados grupos sociais. Dessa forma, não só um indivíduo, mas todo grupo social possui uma identidade que está em harmonia com a definição social estabelecida pelo grupo “Assim, a identidade social é ao mesmo tempo inclusão – pois só fazem parte do grupo aqueles que são idênticos sob certo ponto de vista – e exclusão – visto que sob o mesmo ponto de vista são diferentes de outros” (BERLATTO, 2009, p. 142).

Goffman (2004) ainda subdivide a identidade social em duas formas distintas: a identidade social virtual e a identidade social real. A primeira refere-se às exigências que o conjunto social faz em torno daquilo que o indivíduo deveria ser perante ele; e a segunda constitui o conjunto de características reais que o indivíduo possui. Essas identificações fazem com que a identidade real ou virtual de um determinado indivíduo satisfaça ou não as expectativas do grupo ao qual o sujeito pertence.

Bauman (2005) considera que essas identificações podem ser percebidas como dois polos em que, de um lado, estão os indivíduos que possuem um pouco mais de autonomia e conseguem construir e desarticular as suas identidades “mais ou menos” de acordo com a sua própria vontade e, de outro, encontram-se indivíduos subordinados a uma identidade a qual não lhes pertence:

No outro polo se abarrotam aqueles que tiveram negado o acesso à escolha da identidade, que não têm direito de manifestar as suas preferências e que no final se veem oprimidos por identidades aplicadas e impostas por outros – identidades de que eles próprios se ressentem, mas não têm permissão de abandonar nem das quais conseguem se livrar. Identidades que estereotipam, humilham, desumanizam, estigmatizam[...] (BAUMAN, 2005, p. 44).

Para Brandão (1986), a identidade está condicionada às expectativas que um grupo social possui com o indivíduo. Assim, o processo de construção da identidade ocorre na medida em que a identidade social é elaborada e conferida socialmente a alguém. Logo, a identidade do indivíduo vai sendo constituída a partir de sua experiência, observação e reflexão, sendo que todos estes elementos constituem um processo que também é social e no qual o indivíduo julga a si próprio a partir do julgamento dos outros (VIANA, 2009).

A identidade possui um caráter dinâmico e multifacetado, daí a existência da pluralidade de identidades. Hall (2004), observa que a identidade está sujeita ao

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22 contexto em que está inserido o indivíduo, ressaltando que as transformações ocorridas no mundo moderno, em todas as esferas sociais, culturais e econômicas, desestabilizaram as identidades integradas fazendo com que muitos teóricos acreditassem que o mundo estava vivendo uma verdadeira crise de identidade.

Baseando-se nessas ideias, Hall (2004) traçou três concepções de identidades: a do sujeito do iluminismo5, do sujeito sociológico6 e do sujeito pós-moderno7. Neste trabalho, importa-nos especificamente a identidade do sujeito pós-moderno, pois é essa identidade que atravessa os sujeitos surdos.

Tal identidade compreende um indivíduo sem uma identidade estável e única, sendo que o sujeito se modifica a partir do que o meio requer dele e, por isso, ela não é inata, mas construída historicamente. Assim, concordamos com Hall (2004, p.13) ao definir que “a identidade torna-se uma ‘celebração móvel’ transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados pelos sistemas culturais que nos rodeiam”. E também com Bauman (2005, p. 17) ao argumentar que “o pertencimento e a identidade não tem a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis” (BAUMAN, 2005, p. 17).

Assim, a identidade é resultado de uma construção social e pertence a complexas relações sociais, considerando dessa forma que há múltiplos processos de identidade existentes em toda a sociedade, conforme defendido por Berlatto (2009).

2.4 As Identidades Surdas

As identidades surdas são marcadas basicamente pela diferença entre surdos e ouvintes. Martins (2004) aponta que há um jogo dialógico em que de um lado tem-se o desejo e a necessidade de acesso à língua majoritária do país, e de outro lado o convite a uma língua gesto-visual utilizada basicamente entre os pares surdos.

5 O sujeito do Iluminismo se baseava numa concepção da pessoa humana como um indivíduo

integralmente centrado em si mesmo, consistia numa essência interior que aparecia quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, porém essa essência interior permanecia a mesma - contínuo ou "idêntico" ao sujeito - ao longo de sua existência.

6 O sujeito sociológico compreendia que a essência interior do sujeito não era independente e

autossuficiente, mas era construído na relação e interação entre o sujeito e a sociedade em que está inserido.

7 O sujeito pós-moderno é definido historicamente, e não biologicamente, o sujeito assume múltiplas

identidades em diferentes momentos. A identidade converte-se numa "celebração móvel": constituída e modificada constantemente de acordo com as formas pelas quais somos representados ou

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23 Para compreender a identidade surda em sua plenitude, faz-se necessário considerar a surdez a partir do paradigma social, cultural e antropológico. Nesta perspectiva, o surdo é compreendido como um sujeito com uma diferença linguística e cultural, em que a surdez não está localizada no campo da deficiência, mas deve ser vista como uma diferença linguística marcada por experiências visuais e culturais (PERLIN, 2013).

Gladys Perlin é a principal pesquisadora das identidades surdas no Brasil. Em seus estudos, a autora busca compreender as identidades surdas e suas especificidades. Ela observa que a identidade surda geralmente é reprimida dentro da lógica ouvinte que estabelece o padrão de pessoa ideal: aquela que ouve e fala oralmente.

Também para Silva (2010), as identidades surdas são resultado de uma construção imperativa de identidade cultural dos sujeitos com suas particularidades e singularidades que vão além dos aspectos clínicos – patológicos. Segundo Perlin (2013):

É evidente que as identidades surdas assumem formas multifacetadas em vista das fragmentações a que estão sujeitas face a presença do poder ouvintista que lhes impõe regras, inclusive, encontrando no estereótipo surdo uma resposta para a negação da representação da identidade surda ao sujeito surdo. (PERLIN, 2013, p. 62).

Ainda para Perlin (2013), as identidades surdas são heterogêneas e múltiplas podendo ser categorizadas em cinco classificações a saber: Identidades surdas: essa identidade está relacionada ao surdo usuário da língua de sinais e participante da comunidade surda, que recria a cultura visual reclamando à história a alteridade surda; Identidades surdas híbridas: os surdos que se enquadram nesta categoria são surdos que nasceram ouvintes, conseguem se comunicar por meio do português e por algum motivo posterior se tornaram surdos. Tais pessoas, ao conhecerem a comunidade surda, passam a utilizar a língua de sinais como sua primeira língua; Identidades surdas de transição: compreende os surdos que sofreram uma dominação dos ouvintes e por muito tempo foram submissos ao “mundo ouvinte” sem ter contato com seus pares. A transição acontece quando esse surdo consegue se desprender da identidade ouvinte e passa a assumir a identidade surda; Identidades surdas incompletas: essa identidade é concebida por surdos que são dominados pela ideologia ouvinte, dependentes e sem autonomia para reivindicar seus desejos. Nessa

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