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Vinte anos da queda do muro de Berlim : um debate interdisciplinar

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Academic year: 2021

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MUNDO NOVO

A obra Vinte anos da queda do muro de Berlim: um debate interdis-ciplinar busca retratar a necessidade da interdisciplinaridade para o en-tendimento do complexo mundo que se configurou desde o acontecimento histórico. A queda do muro não signi-ficou apenas uma mudança na políti-ca internacional, mas, sobretudo, uma mudança de postura de Estados, orga-nizações e pessoas no intuito de redefi-nirem suas prioridades, linhas de ação e ideologias, imensamente sacudidas. As perguntas que não cessaram, em vinte anos, nos remetem a pensar sobre o fim da história, o fim das ideologias, a era das Organizações Internacionais, do encontro de culturas, do choque de civilizações, do começo do fim do ca-pitalismo ou de sua eterna hegemonia. Os Cursos de Administração, Re-lações Internacionais e Turismo da Unisul, Campus Norte da Ilha, em Florianópolis, buscaram, a partir da formação e atividades do Gipart, pro-porcionar um debate interdisciplinar que abarcasse partes importantes des-se cenário após 20 anos. O Seminário Interdisciplinar de Pesquisa nestas áreas e afins abre um novo espaço de divulgação de estudos e pesquisas, na tentativa de entendimento e troca de experiências do que está ocorrendo neste mundo em rápidas e constantes transformações.

OS ORGANIZADORES Nilzo Ivo Ladwig possui Bacha-relado e Licenciatura em Geografia, Mestrado e Doutorado em Engenha-ria Civil. Atualmente é professor da Universidade do Sul de Santa Catarina e professor adjunto da Universidade do Extremo Sul Catarinense. Tem ex-periência na área de Engenharia Civil, com ênfase em Planejamento Am-biental e Gestão Territorial, atuando principalmente nos seguintes temas: desenvolvimento sustentável, cadas-tro técnico multifinalitário, turismo e meio ambiente e planejamento sus-tentável em turismo.

Rogério Santos da Costa, Douto-rando em Ciência Política – Política In-ternacional, Mestre em Administração, Graduado em Economia, Coordenador do Gipart – Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Administração, Relações Internacionais e Turismo, Professor da Unisul no Curso de Relações Inter-nacionais, Pesquisador nas áreas de Integração Regional, com ênfase na América do Sul e Organizações Interna-cionais, particularmente em Segurança Internacional. É membro da Associação Brasileira de Relações Internacionais - ABRI e membro da Associação Brasilei-ra de Ciência Política - ABCP.

Vi nt e an os d a qu ed a d o m ur o de B er li m | u m de ba te in te rdis cip lina r | n ilz o iv o la dw ig e ro ri o sa nt os d a C os ta (o rg an iz ad or es )

A queda do muro de Berlim sinalizou o alvorecer de uma era mar-cada pela transição de paradigmas e evidenciou a configuração de um ce-nário, cujas dimensões não cabem no contexto de explicações monolíticas. A falência dos modelos socialistas provocou uma infinidade de crises teóricas, ao mesmo tempo em que desempenhou um papel decisi-vo para a disseminação e robustecimento do fenômeno da Globalização hegemônica do capitalismo, processo que tem esculpido a nova face das Relações Internacionais e que espraia seus efeitos nas searas políticas, eco-nômicas e sociais.

O mapa-múndi ganhou novos contornos e o planeta tornou-se completamente interligado. Essa aura de interdependência, entre os atores nacionais e internacionais, impôs a necessidade de revisitar e repensar con-ceitos clássicos das Ciências Humanas e Sociais. O estudo interdisciplinar de ciências como Direito, Economia, Turismo, Administração já espelha as incongruências e coerências derivadas desse processo inconcluso, em ace-lerada marcha, cujas implicações sinalizam a constituição de uma categoria com significados múltiplos.

Nesse ambiente de mutações e aproximações, a sociedade interna-cional figura como o epicentro de profundos câmbios. Uma intrincada teia formada por novos e antigos atores, munidos de diferenciados instrumen-tos de cooperação e inter-relação, tem conduzido à formação de organi-zações internacionais, de novos movimentos sociais e de inúmeros acor-dos de integração regional como é o caso do Mercosul e a União Europeia. Por conseguinte, as mais relevantes transformações atacam diretamente o coração do Estado-nação e redimensionam as condições do seu papel de centralidade, nas Relações Internacionais. Os Estados têm sentido os refle-xos da concorrência estabelecida com as múltiplas entidades, que passam a atuar nas recém-formadas redes de interconexões transnacionais.

Este é um cenário complexo, multidimensional, cuja dinâmica con-fere ritmo transnacional a todos os níveis de relações. Tudo o que antes se apresentava como nacional desempenha, agora, função global: bens, tecno-logia, trabalho, organizações, transportes, movimentos de pessoas. Do mes-mo mes-modo, também se projetam em escala planetária a pobreza, a violência, os mecanismos de exclusão e dominação. Também se evidenciam a exacer-bação das alteridades e a construção de novos muros reais e imaginários.

Enfim, a data de 09 de novembro de 1989 descortinou uma nova etapa na história, revelando o surgimento de perplexidades que ainda ocu-parão o centro das atenções mundiais durante muitos dos anos vindouros. Profª drª. Karine de souza silva Titular da Cátedra Jean Monnet da União Europeia

Nilzo Ivo Ladwig

Rogério Santos da Costa

(organizadores)

Vinte anos da queda

do muro de Berlim

um debate

interdisciplinar

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VINTE ANOS DA QUEDA DO

MURO DE BERLIM

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(4)

um debate

interdisciplinar

VINTE ANOS DA QUEDA DO

MURO DE BERLIM

Nilzo Ivo Ladwig

Rogério Santos da Costa

(organizadores)

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Reitor da Unisul Ailton Nazareno Soares

Vice-Reitor Sebastião Salésio Herdt Pró-Reitor Acadêmico Mauri Luiz Heerdt Pró-Reitor de Administração

Fabian Martins de Castro Chefe de Gabinete Willian Corrêa Máximo

Diretor dos Campi de Tubarão e Araranguá Milene Pacheco Kindermann

Diretor dos Campi da Grande Florianópolis e Norte da Ilha

Hércules Nunes de Araújo Diretora do Campus UnisulVirtual

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APRESENTAÇÃO

O

livro “Vinte anos da queda do muro de Berlim: um

de-bate interdisciplinar” traz à tona uma certeza, a de que o mundo nunca mais será o mesmo após este acontecimen-to histórico. Nesse sentido, o leiacontecimen-tor não encontrará aqui um foco único nas causas da queda do muro, nem em suas repercussões para a Política Internacional ou para a humanidade. O objetivo do livro não é expor a Guerra Fria como o debate centralizador, mas as consequências para o mundo, com o fato e as transfor-mações que se sucederam. É muito controversa a problemática política da queda, mas é incontestável que o acontecimento cau-sou mudanças profundas nas diferentes partes do mundo e em diferentes áreas.

A administração, as relações internacionais e o turismo fa-zem parte desta história, e nos últimos vinte anos, a aceleração da globalização impacta de diferentes formas nessas áreas.

O fim da Guerra Fria teve um papel singular na adminis-tração, em função das perspectivas de mais informação e fluxo de informações a serem tratados, do aumento da flexibilidade organizacional e dos novos desafios que as instituições têm, em consequência das ações dos impactos ambientais.

Ao turismo, os últimos vinte anos trouxeram uma sequ-ência de mudanças muito significativas, passando pela abertura dos países do leste, do aparecimento dos países asiáticos como

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destino e origem, proporcionando o encontro de culturas e a misci-genação de informações, mas também encontrando retrações impor-tantes após o 11 de setembro, que, só a pouco tempo, está se tornando algo do passado, apesar de trazer muitas preocupações.

As Relações Internacionais tiveram, igualmente, suas mudan-ças, principalmente pelo fato da queda do muro significar o fim da ordem bipolar e o aparecimento de uma nova ordem, ainda por ter uma definição substancialmente aceita, pois é possível classificá-la desde multipolar, até unipolar ou, ainda, de polaridades indefinidas.

Particularmente, para a região sul do Brasil e para o Estado de Santa Catarina, a presente obra significa um passo importante na con-solidação de áreas de pesquisa e de pesquisadores em uma instituição, a Unisul, que a cada dia revela-se ávida por continuar a trilhar os ca-minhos do conhecimento, do debate, da contribuição à sociedade, em entender e encaminhar seus principais problemas e desafios. Nesse ca-minho, a Unisul, o Gipart, dentre muitas instituições, grupos de pesquisa e pesquisadores, continuam a contar com o forte incentivo da Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica de Santa Catarina – Fapesc. Muitas pessoas e instituições foram responsáveis pela criação do Gipart, pelo I SPI e por este livro, a elas somos extremamente gratos. Se não nos faltar a memória e já pedindo desculpas por algum esque-cimento, queremos agradecer, especialmente, aos colaboradores deste livro que, com suas palestras e apresentações, trouxeram muita satisfa-ção aos objetivos do Gipart e do 1 SPI. Agradecemos também à Fapesc, pelo incentivo financeiro, aos Coordenadores dos Cursos envolvidos, Professora Silvia Back, José Tavares, Eliza Bianchini Dallanhol Locks, Thiago Sardá, Carlos Montenegro e Zacaria Nassar, aos professores Ál-varo Souto, Márcio Voigt, Kristiane Sanches e Victor Ferreira, do comitê técnico-científico, ao Diretor da Editora da Unisul, Raimundo Caruso e sua equipe, aos alunos do Centro Acadêmico de Relações Internacio-nais, ao pessoal do setor de eventos da Unisul, Professor Geraldo Cam-pos, Isabel Scafuto e equipe, à professora Claudia Gohr e Ana Dutra, pela importante participação na fundação do Gipart, ao pessoal do SIC da Unisul, em especial Sabrina Faraco e Alessandra Turnes, ao Costão do Santinho, ao Hotel Cecontur e ao Restaurante Freguesia, pelo apoio.

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PREFÁCIO

T

erminada a Segunda Guerra Mundial, duas superpotências, os

Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socia-listas Soviéticas dividiam o poder militar, político e econômi-co. Os Estados Unidos lideravam o bloco de países capitalistas e a União Soviética o bloco socialista.

A corrida armamentista criava tensão permanente entre esses rivais caracterizando a época como sendo o período da Guerra Fria. Durante a disputa política o mundo viveu o perigo de uma nova guer-ra mundial. Em nossos dias o Turismo de Guerguer-ra não tem por foco viagens a lugares em guerra deflagrada. Do mesmo modo, a viagem pelas paginas de 20 anos da queda do muro de Berlim, não transporta o leitor somente a fatos e lugares aonde ocorreram tais conflitos, e que hoje preservam fragmentos desses episódios para manter viva parte de sua história, em museus, mausoléus, cemitérios, monumentos, sí-tios arqueológicos, entre outros elementos constantes na paisagem.

Mais que visita a lugares, o incentivo a leitura é um convite para uma viagem a historia das mudanças significativas do mundo, trans-formações tecnológicas, culturais que desfilam diariamente na mídia ainda trazendo fragmentos da guerra fria. Sem notar, vivemos o impac-to e as conseqüências das causas nascidas da força social que derrubou o muro. O binômio queda do muro de Berlim – fim da guerra fria faz emergir muito do que se vive hoje nas novas relações de trabalho, rela-ções internacionais, empresariais, de negócios e, sobretudo culturais. É a descoberta que fará o leitor de 20 anos da queda do muro de Berlim.

Vinícius Lummertz

Secretário Especial de Articulação Internacional Governo do Estado de Santa Catarina

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SIC - Sistema Integrado de Comunicação Laudelino J. Sardá Editora Unisul Raimundo C. Caruso Secretárias Executivas Alessandra Turnes Deise Wernke Endereço Avenida Pedra Branca, 25

Fazenda Universitária CEP 88132-000 Palhoça- SC Fone (48) 3279-1088 e-mail editora@unisul.br Editoração Officio Revisão Monier dos Passos Júlio

e Joselane Theodoro

V79 Vinte anos da queda do muro de Berlim : um debate interdisciplinar. / organização Nilzo Ivo Ladwig, Rogério Santos da Costa. – Palhoça : Ed. Unisul, 2009.

183 p. : il. ; 23 cm ISBN 978-85-86870-91-0

1. Relações internacionais. 2. Guerra fria. 3. Integração econômica internacional. 4. Turismo. I. Ladwig, Nilzo Ivo, 1965-. II. Costa, Rogério Santos da, 1965-. III. Título.

CDD - 327

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INTRODUÇÃO

E

ste livro é o resultado do I Seminário de Pesquisa

Interdis-ciplinar – I SPI, realizado entre 22 e 24 de julho de 2009. O I SPI, por sua vez, é resultado de um trabalho iniciado em 2007, quando da organização e criação do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Administração, Relações Internacionais e Turismo – GIPART. Foram inúmeras reuniões de harmonização das diferen-tes linhas de pesquisa dos professores envolvidos, até se chegar a um denominador comum, que atendesse a todos, dando a confor-mação interdisciplinar para o grupo. Dessa forma, o I SPI é uma primeira aproximação do que quer o Gipart em termos de inter-disciplinaridade, e desta para ações de pesquisa e extensão, com retornos qualitativos ao ensino de graduação e pós-graduação.

O objetivo do I SPI foi disseminar pesquisas e debater, de for-ma interdisciplinar, tefor-mas gerais dentro das três áreas do Gipart, Administração, Relações Internacionais e Turismo, mas tendo como foco os vinte anos após a queda do muro de Berlim. Desse modo, os trabalhos apresentados e as palestras que estão aqui, em forma de ar-tigo, são construções que têm como prioridade, elencar as mudanças e o estado da arte de seus respectivos focos, a partir da visão de que o mundo sofreu grandes transformações após a queda do muro de Berlim.

O livro conta com 9 (nove) artigos. Os dois primeiros artigos se referem às palestras feitas durante o evento. O artigo do Embaixador Paulo Roberto de Almeida inicia traçando um panorama geral sobre a Guerra Fria, para depois se concentrar nas principais características

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das Relações Internacionais e a inserção do Brasil nesse ambiente. Além do já reconhecido rigor histórico conceitual do Professor Paulo Roberto de Almeida, sua experiência como Diplomata de carreira, dá um contorno especial ao seu artigo e uma importância muito grande para toda a obra. O artigo do Professor Mário Beni, da mesma forma. Convidado a palestrar, em função de sua trajetória na área do Turis-mo e Administração, o Professor Beni nos brindou com uma impor-tante análise da perspectiva interdisciplinar e de suas percepções e impactos nos últimos vinte anos, com foco todo especial nas áreas de Administração, Turismo e Relações Internacionais.

Os outros 7 (sete) foram os artigos apresentados no I SPI e se-lecionados para compor esta publicação. Paulo Roberto Ferreira faz uma análise das teorias de RI no contexto do pós-Guerra Fria, eviden-ciando os limites impostos ao realismo e liberalismo pela nova con-figuração do sistema internacional, ao mesmo tempo em que aponta as características do construtivismo, como arcabouço conceitual que se distingue das linhas teóricas tradicionais nas Relações Internacio-nais. No trabalho seguinte, três autores, Gizelli Alini da Cruz, Luiza Roberta de S. Pimentel e Rafael Gustavo de Lima dividem as respon-sabilidades em apontar como a ideia de economia solidária desafia a economia capitalista após a queda do muro de Berlim, apontando as características em relação ao mundo socialista do debate da Guerra Fria, bem como elencando a trajetória e os desafios dessa nova forma de fazer economia para o Brasil.

No artigo seguinte, Juliana Wüst Panceri traz um retrato da União Européia, no contexto das mudanças nas Relações Internacio-nais após o fim da Guerra Fria, evidenciando os dilemas enfrentados pelos integracionistas europeus e as ações que foram sendo tomadas para que o processo de integração tivesse continuidade, resultando numa dinâmica lenta, mas consistente de aprofundamento. Em se-guida Gustavo Gerlach da Silva Ziemath e Antônio M. Elíbio Júnior compartilham com o leitor as experiências de vida e estudo no leste europeu, particularmente naquela que era o grande símbolo da Guer-ra Fria e da divisão leste – oeste, a Alemanha, que após ver seus povos de ambos os lados derrubarem o muro de Berlim, assiste a uma rea-lidade desafiadora e longa de unificação.

Leandro Antônio Dariva escreve sobre as exportações de fran-go catarinense, com foco nas relações que o Estado de Santa Catarina

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estabelece com os Emirados Árabes Unidos, evidenciando uma das facetas do pós-Guerra Fria, que é a emergência de importantes ato-res governamentais e não governamentais no fenômeno conhecido como de paradiplomacia. No artigo seguinte o leitor poderá ver uma contribuição com enfoque interdisciplinar de Rafael Dall´Agnol, ava-liando uma metodologia de desempenho jurídico-ambiental empre-sarial, brindando o leitor com oportunidade ímpar de pensar estudos e ações administrativas e jurídicas, que tragam resultados positivos para as empresas e para o desenvolvimento sustentável mundial. Por fim, Eliza Bianchini Dallanhol Locks e Hernanda Tonini trazem ao leitor os resultados de suas pesquisas sobre o imaginário do turista italiano, quando o Brasil é seu destino imaginado, dando contribui-ção significativa para o entendimento das mudanças que a atividade do Turismo sofreu com a queda do muro de Berlim, o fim da Guerra Fria e a consequente aceleração do processo de globalização

Ao publicarmos esta obra, temos certeza de que estamos tri-lhando um caminho de construção de ensino, pesquisa e extensão com qualidade, contribuindo para alicerçar nossa sociedade com o que de melhor a interdisciplinaridade pode trazer. Temos a convicção de que o II SPI, no primeiro semestre de 2010 e seus resultados serão muito bem-vindos, contamos com todos.

Até o próximo e boa leitura!

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SUMÁRIO

O Brasil e as relações internacionais

no pós-guerra fria

15

Paulo Roberto de Almeida

A moderna Educação Superior e as exigências inter e transdisciplinares:

enfoque para as formações em administração, relações internacionais e turismo

39

Prof. Dr. Mário Carlos Beni

As teorias das relações internacionais no Pós-Guerra Fria: as teorias tradicionais e o Construtivismo frente aos novos temas

54

Paulo Roberto Ferreira

Vinte anos de unificação no leste alemão

71

Gustavo Gerlach da Silva Ziemath e Antônio M. Elíbio Júnior

Os reflexos do fim da guerra fria na estrutura

político-econômica da União Europeia

83

Juliana Wüst Panceri

A economia solidária no contexto

capitalista pós-queda do muro de Berlim

103

Gizelli Alini da Cruz, Luiza Roberta de S. Pimentel e Rafael Gustavo de Lima

Intercâmbio comercial entre Santa Catarina e os Emirados Árabes Unidos: análise do mercado exportador de frango catarinense

127

Leandro Antônio Dariva

Uma alternativa para a avaliação

jurídico-ambiental de uma organização

146

Rafael Dall´Agnol

Destino Brasil: o imaginário do turista italiano

166

(15)
(16)

O BRASIL E AS

REL AÇÕES INTERNACIONAIS

NO PÓS-GUERRA FRIA

Paulo Roberto de Almeida

1

RESUMO: Análise política e histórico-conceitual dos principais

de-senvolvimentos das relações internacionais desde o final da Guerra Fria, com ênfase nas posições do Brasil e o posicionamento de sua diplomacia no contexto da agenda política e econômica mundial do período recente. Depois de uma apresentação sumária sobre a era da Guerra Fria e as transformações ocorridas no sistema in-ternacional desde o seu término, apresentam-se os efeitos da nova conjuntura, ainda de transição, sobre o Brasil, bem mais impactado pelas consequências econômicas – retomada do processo de glo-balização – do que por eventuais mudanças no plano estratégico-militar. São discutidas as características principais da diplomacia brasileira na atualidade, destacando-se as mudanças em relação ao governo anterior.

PALAVRAS-CHAVE: Relações internacionais. Pós-Guerra Fria.

Diplomacia brasileira.

1 Doutor em Ciências Sociais, Mestre em Planejamento Econômico, Diplomata de carreira; Professor de Economia Política Internacional no Mestrado em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub). (www.pralmeida.org; pralmeida@mac.com). Nenhuma das opiniões e nenhum dos argumentos contidos no presente trabalho podem ser interpretados como representando posições ou políticas das entidades às quais se encontra vinculado o autor.

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1. BREVÍSSIMA SÍNTESE SOBRE A GUERRA FRIA

A Guerra Fria constituiu o elemento definidor por excelência das relações internacionais durante grande parte da segunda metade do século 20. Ela se estendeu, grosso modo, desde 1946, quando fra-cassou a conferência de Paris que deveria aplicar as decisões de Ialta e Potsdam relativas à reorganização democrática da Europa, até o ano de 1991, quando finalmente se desfez, por auto-implosão, o regime socialista, no seguimento de alguns anos de relativa abertura política (a chamada glasnost) e de tentativas de reforma do sistema econô-mico esclerosado (a perestroika), iniciadas por Mikhail Gorbachov

desde que ele assumiu a liderança do PCUS em 1985.2 O ato final

foi dado pela dissolução oficial da União Soviética, pela qual o novo regime russo, liderado por Boris Ieltsin, declarou a rejeição de setenta

anos de comunismo.3

O processo de transição da Guerra Fria para um regime (qua-se) normal de interdependência econômica, entre a Rússia e os países ocidentais, demoraria ainda alguns anos. Primeiro, passou pela ad-missão política da Rússia no G7 e nas instituições de Bretton Woods, na primeira metade dos anos 1990; depois, pelo seu reconhecimento, pelo G7, como uma ‘economia de mercado’, o que foi obtido na reu-nião de cúpula de Kananaskis, em 2002.4 Esses são,

cronologicamen-2 Sobre as origens da Guerra Fria, ver Daniel Yergin, The Shattered Peace: The

Origins of the Cold War and the National Security State (Boston: Houghton

Mifflin, 1978; edição revista: Nova York, Penguin Books, 1990). Para a sua fase final, ver Paulo Roberto de Almeida, “Neo-détente & Perestroika: Agendas para o Futuro”, Política e Estratégia (vol. 6, n. 1, janeiro-março 1988, p. 67-74), e “A Parábola do Comunismo no Século XX: A propósito do livro de François Furet:

Le Passé d’une Illusion”, Revista Brasileira de Política Internacional (vol. 38, n.

1, janeiro-junho 1995, p. 125-145). Para uma análise sobre o conjunto de trans-formações geopolíticas pós-Guerra Fria, ver o amplo estudo de Thierry Garcin,

Les Grandes Questions Internationales depuis la Chute du Mur de Berlin (2a.

ed.; Paris: Economica, 2009).

3 Cf. Paulo Roberto de Almeida, “As duas últimas décadas do século XX: fim do socialismo e retomada da globalização”. In: José Flávio Sombra Saraiva, Relações

internacionais: dois séculos de história, vol. II: Entre a ordem bipolar e o policen-trismo (1947 a nossos dias) (Brasília: Instituto Brasileiro de Relações

Inter-nacionais, IBRI; Fundação Alexandre de Gusmão, FUNAG; Coleção Relações Internacionais, 2001, vol. II, pp. 91-174).

4 Remeto a meus artigos “De Bretton Woods a Bretton Woods: a longa marcha da URSS de volta ao FMI”, Revista Brasileira de Política Internacional (ano 34,

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te, os marcos históricos extremos da Guerra Fria, muito embora ela tenha conhecido etapas distintas ao longo de seu desenvolvimento político-estratégico, cada qual com seu grau de acirramento na opo-sição fundamental entre, de um lado, os países capitalistas (e formal-mente democráticos) do chamado Ocidente e, de outro, os países so-cialistas, concentrados em uma imensa faixa territorial da Eurásia.5

Algumas dessas etapas foram caracterizadas pela exacerbação dos conflitos entre os principais contendores: os Estados Unidos, na liderança do Ocidente, e a União Soviética, comandando o que seria o bloco dos países socialistas, alegadamente destinados a superar o capitalismo, segundo velhas concepções doutrinais marxistas, que de fato nunca foram testadas na prática. Um desses episódios de ‘subida aos extremos’ foi, reconhecidamente, o enfrentamento diplomático e quase militar em torno dos mísseis soviéticos instalados em Cuba, em 1962, quando as duas superpotências chegaram a acionar seus dispositivos nucleares em caso de confrontação global. Outras etapas conheceram o que se convencionou chamar de détente, ou coexistên-cia pacífica, caracterizada por negocoexistên-ciações bilaterais ou multilaterais de redução de armamentos estratégicos e de contenção de armas nu-cleares, a exemplo do Tratado de Não Proliferação Nuclear (1968) ou dos acordos de limitação de mísseis balísticos dos anos 1970.6

ns. 135-136, 1991/2, p. 99-109); “Camaradas, agora é oficial: acabou o socialis-mo”, Espaço Acadêmico (ano 2, n. 14, julho de 2002; link: http://www.espacoa-cademico.com.br/014/14pra.htm).

5 O processo de transição política da antiga União Soviética, sob regime comu-nista, para uma Rússia formalmente democrática – mas ainda conservando traços da velha autocracia típica dos períodos czarista e comunista, o que leva alguns analistas a classificar a Rússia como uma ‘democracia de facha-da’, como o fez Max Weber, em 1917, a respeito do governo transitório saído da revolução de fevereiro – não será examinado neste ensaio. Embora essas características também tenham importância para as posturas internacionais da nova Rússia, um exame das peculiaridades – e sobretudo limitações – da democracia no país exigiria uma extensão bem maior do que a contemplada no presente ensaio, razão pela qual apenas os aspectos relativos às relações internacionais pós-Guerra Fria serão aqui considerados.

6 Cf. Paulo Roberto de Almeida, “Retorno ao Futuro: A Ordem Internacional no Horizonte 2000”, Revista Brasileira de Política Internacional (ano 31, n. 123-124, 1988/2, p. 63-75); “Retorno ao Futuro, Parte II”, Revista Brasileira

de Política Internacional (ano 33, n. 131-132, 1990/2, pp. 57-60); “Retorno ao

Futuro, Parte III: Agonia e Queda do Socialismo Real”, Revista Brasileira de

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Caberia também registrar o rompimento da unidade relativa do campo socialista, a partir dos conflitos político-ideológicos entre a União Soviética e a República Popular da China, entre 1958 e 1962, o que redundou num cenário mais complexo e difuso de relações entre os grandes centros de poder do que o maniqueísmo anterior poderia admitir. Na verdade, o campo socialista nunca foi perfeitamente uni-ficado. Mas os países da Europa central que permaneceram sob estri-ta dominação soviética correspondem aos mesmos que foram ocu-pados pelo Exército Vermelho, no final da Segunda Guerra Mundial.

As relações internacionais, em todo caso, sempre foram mais complexas e multifacetadas do que se poderia supor a partir de uma visão exclusivamente dicotômica daquilo que já foi chamado de ‘Ter-ceira Guerra Mundial’, ou seja, o impasse inconciliável, ainda que não levado ao abismo nuclear, entre os Estados Unidos e a União Sovié-tica. Caberia igualmente recordar que, na sua etapa de maior expan-são territorial e demográfica, os países socialistas, presumidamente empenhados em enterrar o capitalismo e as democracias ‘burguesas’, cobriam boa parte da superfície da Terra e de sua população, com-preendendo não apenas as ‘democracias populares’ do Leste Europeu e da China, mas outros países formalmente identificados como em desenvolvimento, na periferia capitalista.7

À exceção da crise dos mísseis soviéticos em Cuba, o Brasil e os países da América Latina, em geral, não tiveram maior envolvimento nos grandes lances estratégicos da Guerra Fria; estes se concentraram no coração da Europa, em especial na Alemanha dividida, e em partes da Ásia, aliás, a única região a conhecer a ‘guerra quente’, com os con-flitos da Coréia (1950-53, mas até agora ainda não pacificada) e do Vietnã (1965-1975, no período de envolvimento americano). A Amé-rica Latina quase inteira – com exceção de cubana – esteve sujeita ao que se convencionou chamar de hegemonia americana, embora o seu caráter fosse diversificado, em função dos interesses econômicos, políticos ou estratégicos em jogo em cada sub-região.8

7 Ver Paulo Roberto de Almeida, Os primeiros anos do século XXI: o Brasil e as

relações internacionais contemporâneas (São Paulo: Editora Paz e Terra, 2002); O Estudo das Relações internacionais do Brasil: um diálogo entre a diplomacia e a academia (Brasília: LGE Editora, 2006).

8 Ver José Flávio Sombra Saraiva (org.), Relações internacionais: dois séculos de

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O Caribe e a América Central, de toda forma, já tinham sido colocados sob o domínio americano desde o início do século 20, sen-do que os demais países tinham mais importância como fornecesen-do- fornecedo-res de matérias primas, como receptofornecedo-res dos investimentos diretos de empresas americanas e, adicionalmente, como mercados consumi-dores. A dimensão estratégica estava mais restrita à primeira região, o que não impediu a conclusão de um acordo de segurança coleti-va – o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (1947), base conceitual do tratado de Washington (1949), que criou a OTAN – e a participação americana em diferentes episódios de crises políticas que poderiam significar o descolamento de alguns países do círculo de influência dos EUA, como, entre outros, na Guatemala (1954), no próprio Brasil (1964) e no Chile (1973).

2. O PÓS-GUERRA FRIA: TRAÇOS GERAIS DO SISTEMA INTERNACIONAL

O que ocorreu na sequência da queda do muro de Berlim, em novembro de 1989, da implosão da maior parte dos regimes socialis-tas, entre essa data e 1991, e do próprio desaparecimento da União Soviética e unificação das duas Alemanhas, no mesmo intervalo, não foi tanto um ‘fim da História’, como pretendido por alguns, mas mais precisamente um “fim da Geografia’, esta representada pelo declínio irremediável do socialismo, enquanto alternativa ao modo capitalista de produção. A tese do ‘fim da História’, por sinal, não foi pensada exatamente em sua forma literal por Francis Fukuyama, que foi quem primeiro lançou a hipótese sob a forma de uma discussão conceitual, aliás, dotada do devido ponto de interrogação; quem a divulgou, de forma totalmente equivocada, foram seus críticos apressados, que obviamente recusam o argumento, mas incidiram na armadilha fi-losófica, que era propriamente marxista. Fukuyama não ‘decretou’ o fim da História; ele apenas questionou se o mundo não teria chegado ao esgotamento das alternativas às democracias de mercado, no que ele aparentemente tem razão, mas apenas no muito longo prazo, cabe sublinhar. Este é o destino inescapável das ditaduras ainda existentes – por mais que seus corruptos dirigentes ainda resistam aos avanços

(Brasília: Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, IBRI; Fundação Alexandre de Gusmão, FUNAG; Coleção Relações Internacionais, 2001).

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democráticos da sociedade civil – porque este é, como diria Marx, o ‘sentido da História’.9

O ‘fim da Geografia’, em todo caso, teve consequências mais impactantes do que seu pretenso equivalente histórico. Com efeito, enquanto, o socialismo se manteve presente como força política e militar, representado por duas grandes potências nucleares e certo número de outros países, mais ou menos arrastados para esse sistema de forma involuntária, o mundo esteve dividido e compartimentado entre dois sistemas de produção e de distribuição em grande medida incompatíveis entre si. Isso impedia a unificação planetária do mun-do sob o mesmo regime produtivo, o mun-do capitalismo ‘natural’, digamos assim, algo antevisto e desejado por Karl Marx e Friedrich Engels no Manifesto de 1848. De fato, esse panfleto revolucionário constitui, an-tes de tudo, um hino em louvor da globalização capitalista.10

Acontece que o socialismo era medíocre economicamente: ele tinha certa presença no mercado de matérias-primas, mas era pou-co pou-competitivo na indústria manufatureira e totalmente irrelevante nas áreas financeira e tecnológica. Sua componente mais importan-te seria a mão-de-obra, mas esta estava completamenimportan-te isolada da divisão internacional do trabalho por enormes ‘muralhas da China’ e ‘cortinas de ferro’, por força do sistema de escravidão oficializada que vigorava naquele regime. Quando esses regimes vieram a termo, por implosão ou autoesclerose econômica, o aporte para a economia mundial, em termos de PIB ou de fluxos de bens comercializáveis, não foi muito relevante e praticamente nulo na parte financeira e tec-nológica. Na vertente mão-de-obra, contudo, o efeito da incorporação

9 Cf. Paulo Roberto de Almeida, “A globalização e seus benefícios: um contra-ponto ao pessimismo” in Wagner Menezes (org.), O Direito Internacional e

o Direito Brasileiro: homenagem a José Francisco Rezek (Ijuí: Editora Unijuí,

2004), p. 272-284.

10 Marx, talvez para desespero de seus muitos órfãos da atualidade e dos antiglo-balizadores ingênuos que protestam contra esse fenômeno, foi essencialmente um globalizador capitalista, considerando que o acabamento desse processo apressaria a vinda milenarista do socialismo; para uma adaptação do Mani-festo aos tempos modernos, ver Paulo Roberto de Almeida, Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999); para os desenvolvimentos econômicos do processo, Almeida, “Dinâmicas da economia no século XX”. In: Silva, Francisco Carlos Teixeira da (org.). O Século Sombrio: uma história geral do século XX (Rio de Janeiro: Campus-Elsevier, 2004), p. 47-70.

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desse enorme exército industrial de reserva ao mercado mundial foi decisivo na retomada da globalização capitalista, interrompida seten-ta anos antes.

O fim da Geografia também significou, a partir da implosão do socialismo pela queda do muro do Berlim, a derrubada de uma outra barreira, simbolicamente identificada com o começo da Guerra Fria: a famosa ‘cortina de ferro’ que dividia a Europa de Stettin a Trieste, de acordo com a famosa imagem criada por Winston Churchill, no seu discurso de Fulton, no Missouri. Derrubada a nova muralha da China que dividia o continente, a Europa realizou, nos vinte anos se-guintes, seu movimento de unificação econômica e política, por meio da União Europeia e da OTAN, com uma pequena ajuda da OSCE. O processo ainda não está completo, mas as fronteiras foram, em gran-de medida, contornadas, ou superadas, segundo o caso: a integração de mercados e a gradual aproximação dos modelos políticos tornarão os conflitos militares, senão uma impossibilidade teórica, pelo menos uma ocorrência remota. A periferia russa, contudo, ainda tem alguns obstáculos a vencer.

Em qualquer hipótese, portanto, o pós-Guerra Fria represen-tou, acima de tudo, a terceira ou quarta onda da globalização plane-tária, alterando de maneira decisiva o equilíbrio econômico no mun-do, muito mais do que o equilíbrio geopolítico ou militar, que aliás foi relativamente reconcentrado em favor dos EUA, tendo em vista o encolhimento da Rússia e sua notável diminuição estratégica: ela perdeu a sua capacidade de projetar poder que tinha tido até a inva-são do Afeganistão, em 1979, e durante a fase de disputa estratégica com o Ocidente, pelo apoio que prestava a regimes ditos progressistas no Terceiro Mundo. Para todos os efeitos práticos, o sistema mundial virou temporariamente unipolar, com a presença indisputada e in-disputável dos EUA em todos os cenários estratégicos concebíveis, mesmo para operações que seriam normalmente deixadas para os pacificadores da Europa, como, por exemplo, o conflito nos Bálcãs ou guerras civis e massacres na África.11

De fato, os EUA emergem no período como um poder solitário por excelência: muito pela ausência de competidores à altura; pela

11 Cf. Paulo Roberto de Almeida, “A ordem internacional assimétrica e a reforma da ONU: uma perspectiva histórica”, in Wagner Menezes (org.), Estudos de

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autocontenção europeia em gastos militares; pela diminuição notá-vel da capacidade russa de aperfeiçoar seus equipamentos em face de orçamentos restritos durante os anos 1990; como também pela ausência chinesa em capacidade de projeção externa (porta-aviões ou forças aero-transportadas, por exemplo); um pouco pela própria disposição dos dirigentes americanos de continuar a modernização tecnológica dos seus arsenais; mas, sobretudo, pelo choque provoca-do pelos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 e o incremen-to extraordinário dos orçamenincremen-tos militares em seu seguimenincremen-to, sem deixar de mencionar a doutrina Bush e suas implicações guerreiras desde então, os EUA se distanciaram enormemente de qualquer ou-tro competidor estratégico.

Como escreveu um analista, “[o] final da Guerra Fria eviden-ciou aos EUA a necessidade de repensar sua inserção internacional. Ganhou destaque, o que Posen e Ross (2001) cunharam de Primazia, ou seja, a preponderância norte-americana no sistema internacional como ferramenta ideal para a manutenção da paz em todo o globo. O país não deveria almejar a mera posição de primus inter pares. Para sua própria segurança e para a segurança dos demais, os EUA deve-riam assumir sua posição de primus solus.”12 Na verdade, a concepção

12 Cf. Aureo de Toledo Gomes, “O Impacto do 11 de Setembro na formulação da Política Externa Norte-Americana”, Cena Internacional, (vol. 10, n. 2, 2008, p. 55-71), p. 62. Os autores citados são: Barry Posen e Andrew Ross, “Competing Visions for U.S. Grand Strategy”, in Michael Brown et al. America’s Strategic

Choices (Londres: The MIT Press, 2001). A nota a esta passagem informa

que: “Sinteticamente, as demais estratégias eram o neo-isolacionismo, que vaticinava um isolamento dos EUA; o Engajamento Seletivo, que salientava a

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estratégica da primazia militar dos EUA sobre qualquer outro com-petidor – amigo ou inimigo – data dos primeiros tempos da Guerra Fria, ainda no final dos anos 1940.

Em outros termos, até que a China, isoladamente, ou uma co-alizão formada por esta última e, eventualmente, a Rússia, com al-guns aliados ocasionais, decidam, hipoteticamente, contestar o poder solitário dos EUA, ou até que os próprios EUA não se decidam por algum outro tipo de arranjo cooperativo com seus tradicionais alia-dos da OTAN, é muito provável que o mundo tenha de conviver com a primazia militar americana pelo futuro previsível. Tendo em vista as concepções estratégicas ‘supremacistas’ dos EUA, independente-mente do tipo de governança política alternadaindependente-mente no poder – ou seja, uma orientação republicana supostamente mais unilateralista, ou uma administração democrata presumidamente mais aberta ao multilateralismo –, e levando em conta os instintos históricos pre-dominantemente westfalianos, que são a marca registrada dos EUA desde sempre, seja por predisposição cultural, seja por disposições constitucionais, é mais provável, de fato, que os EUA se mantenham isoladamente na dianteira estratégica, no horizonte histórico à frente. Em todo caso, eles farão todo o possível para jamais serem ultrapas-sados por quaisquer outros adversários e, a menos de uma decadên-cia econômica irresistível, tudo indica que conseguirão.13

3. O QUE O FIM DA GUERRA FRIA REPRESENTOU PARA O BRASIL?

Considerando que o foco geográfico principal da Guerra Fria era a Europa central e partes da Ásia e que, no plano estratégico glo-bal, o que estava em causa era, essencialmente, uma competição pela

importância da manutenção do equilíbrio de poder entre as grandes potên-cias, ainda que estas não pudessem competir com o poderio norte-americano; e a Segurança Cooperativa, que destacava a importância da colaboração do país com organismos internacionais.”; ibidem, p. 68.

13 Ver a esse respeito meus dois artigos seguintes: “O império americano em sete teses rápidas: uma hegemonia involuntária, envergonhada e não reconhecida”,

Via Política (20.04.2008; link:

http://www.viapolitica.com.br/diplomatizan-do_view.php?id_diplomatizando=65); “O império e sua segurança: quatorze novas teses sobre equilíbrio estratégico e auto-suficiência militar”, Via Política (27.04.2008; link: http://www.viapolitica.com.br/diplomatizando_view. php?id_diplomatizando=66).

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hegemonia mundial entre as duas superpotências, por meio de veto-res balísticos nuclearmente armados, era natural que o Brasil e gran-de parte da América Latina, irrelevantes nos dois terrenos, ficassem à margem de seus episódios mais importantes. Estes foram aqueles constituídos pela crise de Berlim (1948), pela guerra da Coreia (1950-53), pela guerra do Vietnã (1965-1975) e por diversos episódios lo-calizados no Oriente Médio, na África ou na Ásia-Pacífico, com a exceção já referida da crise dos mísseis soviéticos em Cuba (1962). Cuba permaneceu, aliás, o único ponto de contenção estratégica, pelo menos até 1991, num continente que se distinguia, sobretudo, pela pobreza disseminada, pelas desigualdades extremas, pela recorrente instabilidade política de muitos regimes e, principalmente, pela ad-ministração caótica das economias nacionais, regularmente marca-das por surtos inflacionários, por troca de moemarca-das, por planos eco-nômicos mirabolantes e inadimplências ocasionais nos pagamentos externos, bem mais, propriamente, do que pela disputa estratégica entre as duas grandes superpotências do período ou por conflitos en-tre os países (embora eles também tenham ocorrido).

O fim da Guerra Fria não representou, assim, nenhuma mu-dança fundamental para o Brasil, ou para a região, a não ser uma oportunidade para que sua diplomacia demandasse, de modo talvez idealista, que os ‘dividendos da paz’ fossem empregados para fins de desenvolvimento econômico e social dos países do Terceiro Mundo. Obviamente, nada mudou nesse plano e, se mudou, foi para pior, pos-to que na ausência de competição direta entre elas, as grandes potên-cias e os países avançados, de modo geral, diminuíram seu ímpeto na cooperação ao desenvolvimento, ou mesmo na simples assistência humanitária, cujos volumes de recursos direcionados, bilateralmente ou por meio de organismos multilaterais especializados, diminuíram absoluta e relativamente ao longo das últimas décadas.

Ocorreu aquilo que alguns observadores chamaram de “fadiga dos doadores”, inclusive porque os resultados efetivos de décadas de aju-da a título de cooperação ao desenvolvimento foram pífios, para dizer o mínimo, ou mesmo negativos, ao colocar muitos países objeto dessa ajuda na dependência estrita do socorro externo, quando não houve desvio de recursos para os bolsos e as contas externas de responsáveis menos escrupulosos. No plano estratégico, como os países periféricos deixaram de ser, momentaneamente, terreno de disputa por

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posições-chaves no grande xadrez da Guerra Fria, eles não mais precisam ser cortejados, comprados ou de alguma forma sustentados por algum dos contendores em conflito ideológico: o grande jogo tático resumiu-se, novamente, a conquistas puramente econômicas ou comerciais.

Os efeitos do fim da Guerra Fria para o Brasil foram, em gran-de parte, indiretos e se situam quase todos no novo impulso dado à globalização econômica em âmbito regional e mundial. Ou seja, a globalização ampliada pelo fim da Guerra Fria estimulou os esforços do Brasil em prol da integração regional e com vistas à inserção da economia brasileira nos grandes fluxos globais de comércio, de inves-timentos, de tecnologia e em outros circuitos relevantes da interde-pendência mundial. Essa inserção deve, contudo, ser vista pelos dois lados: ela tanto abriu o Brasil aos impulsos da competição mundial, abrindo novos mercados para os produtos nos quais o país apresen-ta vanapresen-tagens naturais ou adquiridas segundo os padrões típicos da teoria ricardiana, como submeteu a economia brasileira aos desafios de novos competidores inseridos nos circuitos mundiais de comércio pela globalização, a começar pela China e outros asiáticos.14

Esse processo começou ainda antes do término ‘oficial’ da Guerra Fria, posto que deslanchado logo depois da aprovação da nova Constituição brasileira, em outubro de 1988, que também coincidiu, ainda que não oficialmente, com o início da campanha eleitoral pre-sidencial, a primeira a ser livremente realizada desde 1960, depois de 21 anos de regime militar e de eleições indiretas para os princi-pais cargos executivos. Os dois principrinci-pais candidatos nas eleições de 1989, que disputaram o segundo turno do escrutínio, representavam, cada qual de seu lado, concepções opostas de política e de economia. Concorrendo pela primeira vez, Lula encarnava ainda as tradicionais propostas socialistas e estatizantes da velha esquerda (no seu caso da nova), as mesmas que estavam sendo enterradas nas ruínas do muro de Berlim; ao passo que um oportunista alegadamente modernizan-te, Collor de Mello, prometia retirar o Brasil da liderança dos países pobres para integrá-lo ao clube dos países ricos, mediante reformas profundas em sua estrutura econômica.

14 Cf. Paulo Roberto de Almeida, “A inserção econômica internacional do Brasil em perspectiva histórica” in Cadernos Adenauer: O Brasil no cenário

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De fato, independentemente da fraude política que o segundo candidato representou, uma vez empossado – e antes de ser impedi-do, dois anos depois – ele deu início ao único, ainda que inconsisten-te, processo de reforma radical que o Brasil conheceu em toda a sua história: reforma tarifária, redução do tamanho do Estado, abertura econômica e liberalização comercial, além da revisão completa da política nuclear herdada do regime anterior, começando pelo des-mantelamento do seu vetor militar. Ainda que de maneira relutan-te, o vice-presidente empossado, Itamar Franco, não obstaculizou o programa de privatização iniciado por Collor. O presidente Fernando Henrique Cardoso deu continuidade à reforma da Constituição, ao programa de desestatização e continuou o itinerário que levaria o Brasil à ratificação do Tratado de Não Proliferação Nuclear, recusado durante 30 anos. Collor de Mello foi, provavelmente, o presidente que terminou o equivalente da Guerra Fria no plano interno do Brasil, isto é, o ancien régime da velha economia estatizante e dirigista, assim como Cardoso, foi o presidente que inseriu o Brasil na globalização.15

Ambos os presidentes também deram impulso ao processo de integração regional consubstanciado no Mercosul, primeiro em for-mato bilateral, com a Argentina, depois quadrilateral, incorporando o Uruguai e o Paraguai. Collor de Mello foi ousado o suficiente para modificar a própria metodologia da liberalização comercial herdada do período anterior. Até então, ela era conduzida pela via gradual e flexível dos protocolos setoriais de complementação econômica e de redução paulatina das tarifas alfandegárias; pelo Protocolo de Buenos Aires (julho de 1990), o prazo estabelecido no Tratado de integração Brasil-Argentina, de 1988, para a conformação de um mercado co-mum bilateral, foi reduzido à metade (com o prazo final trazido de 1998 a 1994), assim como a metodologia de liberalização foi automa-tizada, sem qualquer dispositivo setorial, passando as tarifas a serem reduzidas linearmente de 7% a cada semestre, até alcançar 100% de preferência (ou seja, tarifa zero) em 31 de dezembro de 1994. Foi essa aceleração da integração Brasil-Argentina que determinou, de fato, a passagem do processo bilateral para um esquema quadrilateral, resul-tando na assinatura, em março de 1991, do Tratado de Assunção, que

15 Ver Paulo Roberto de Almeida, Relações internacionais e política externa do

Brasil: história e sociologia da diplomacia brasileira (2ª ed.: revista, ampliada e

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pretendia criar até 1994 um mercado comum entre os dois grandes e os dois pequenos do cone sul – Paraguai e Uruguai –, com a preserva-ção da mesma metodologia de liberalizapreserva-ção automática e completa.16

Esses avanços na integração sub-regional respondiam, na verdade, a iniciativas já tomadas no hemisfério norte no sentido de complementar o processo de globalização com o aprofundamento da regionalização: o Ato Único Europeu de 1986 fixou o acabamento do mercado unificado para 1992, ao mesmo tempo em que os EUA e o Canadá negociavam um acordo de livre comércio (1988), depois estendido também ao México, sob a forma do Nafta, consolidado em 1994. Todos esses esforços se inserem no novo padrão de relações internacionais pós-Guerra Fria, combinando avanços da integração de mercados – globalização – e impulsos discriminatórios e minila-teralistas, consubstanciados na regionalização.17

4. O QUE O FIM DA GUERRA FRIA PODERIA TER REPRESENTADO PARA O BRASIL?

O fim da Guerra Fria representou, igualmente, a esclerose con-ceitual das divisões artificiais entre os grupos de países, embora a maior parte dos atores seja conservadora a ponto de preservar as ve-lhas classificações onusianas, mesmo depois do desaparecimento do grupo socialista e a ascensão de alguns países em desenvolvimento ao grupo dos desenvolvidos (como a Coreia do Sul e o México, mesmo que, indevidamente, neste último caso). No plano doméstico, porém, alguns grupos políticos ainda se veem afetados de esclerose mental, ao persistirem nos mesmos modelos políticos e nas mesmas receitas econômicas ultrapassadas que levaram os países socialistas à bancar-rota: essa é uma característica que afeta a vários outros movimentos políticos na região, dominados da mesma forma por concepções re-gressistas de organização econômica – como um estatismo arraigado – e uma débil adesão aos princípios democráticos.

16 Ver Paulo Roberto de Almeida, Mercosul: Fundamentos e Perspectivas (São Paulo: LTr, 1998).

17 Cf. Paulo Roberto de Almeida, “Acordos minilaterais de integração e de liberalização do comércio: uma ameaça potencial ao sistema multilateral de comércio”. In: Sidney Guerra (org.), Globalização: desafios e implicações para o direito internacional contemporâneo (Ijuí: Ed. Unijuí, 2006), p. 187-203.

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O presidente Collor deu início ao processo de aproximação do Brasil à OCDE, que Fernando Henrique Cardoso teria continuado se o Brasil não se visse afetado pelas crises financeiras da segunda metade dos anos 1990. Tendo ingressado no Centro de Desenvolvimento da OCDE e no Comitê do Aço, o Brasil também foi aceito como observa-dor em diversos comitês da OCDE, o que poderia ter preparado o cami-nho da adesão, se não existissem conhecidas reticências políticas a essa passagem do grupo dos países em desenvolvimento para uma inserção num agrupamento conhecido como um ‘clube de países ricos’.18

O Brasil foi várias vezes solicitado a encetar o mesmo cami-nho da transição de uma economia em desenvolvimento para uma já desenvolvida, como realizado pela Coreia, o que ele simplesmente recusou, mais por razões de natureza política do que por algum im-pedimento de ordem econômica, já que é de fato, no plano industrial pelo menos, uma economia avançada para os padrões dos mercados capitalistas. Mas ele sempre recusou essa possibilidade, seja por con-servadorismo diplomático, seja por indecisões do seu establishment econômico, que prefere a conveniência do tratamento preferencial e mais favorável para países em desenvolvimento do que o mundo da competição global das economias de mercado.19

Em outros termos, o fim da Guerra Fria poderia ter representado para o Brasil uma oportunidade para seu reposicionamento no cenário internacional num sentido inédito em relação à sua história econômica passada, que suas equipes dirigentes poderiam ter aproveitado. A transi-ção do governo Fernando Henrique Cardoso para o governo Lula repre-sentou, contudo, em termos de posicionamentos externos, uma rever-são a padrões anteriores de inserção internacional, bem mais ancorados no velho terceiro-mundismo e na chamada dimensão Sul-Sul, do que orientados para uma adesão paulatina ao universo conceitual da OCDE. O pensamento político da política externa brasileira, no gover-no Lula, pode ser definido, por ordem aparente de relevância, como

18 Cf. Paulo Roberto de Almeida, “OCDE, UNCTAD e OMC: uma perspectiva comparada sobre a macroestrutura política das relações econômicas interna-cionais” in Paulo Borba Casella e Araminta de Azevedo Mercadante (coords.),

Guerra Comercial ou Integração Mundial pelo Comércio? a OMC e o Brasil (São

Paulo: Ltr Editores, 1998, p. 149-198).

19 Cf. Paulo Roberto de Almeida, “O Fim do Desenvolvimento (agora só falta me-lhorar socialmente o Brasil)”, Intellector (vol. 1, n. 2, janeiro-junho 2005; link: http://www.4shared.com/file/6388387/6f93ba6f/pauloralmeida.html).

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um híbrido conceitual entre: (a) posições e preferências políticas do Partido dos Trabalhadores; (b) preferências políticas pessoais dos atuais dirigentes da chancelaria (Ministro de Estado e Secretário Ge-ral, com maior incidência “teórica” deste último, um dos raros diplo-matas que escreve para um público mais vasto, com certa audiência nos círculos acadêmicos); (c) posturas e tradições diplomáticas estri-to senso, embora temperadas, estas últimas, pelas novas concepções e prioridades políticas dos dirigentes políticos; vêm por último, mas são operacionalmente importantes.

Obviamente, os dois primeiros conjuntos são mais impor-tantes no plano das definições políticas, do que o último, que tem um simples papel de assessoramento técnico ou de fundamentação operacional, atuando, portanto, mais no plano dos procedimentos do que no das grandes orientações a serem adotadas (ou já adota-das e em curso de implementação). Essas ideias e posições recupe-ram todo um estoque de políticas pertencentes ao arco desenvol-vimentista e nacionalista, tradicional no pensamento brasileiro de meados do século XX, acrescentadas de várias – mas não todas – contribuições da chamada esquerda brasileira em matéria de rela-ções internacionais. Essas contribuirela-ções têm como base o socialis-mo, embora temperado pelas experiências de derrota e fracasso nas várias tentativas ao longo do século XX, o que obviamente diminuiu o ímpeto para reformas ou orientações econômicas declaradamen-te estatizandeclaradamen-tes ou dirigistas. Mas permaneceu o apelo e o apoio a regimes de esquerda, na região e fora dela, em primeiro lugar o de Cuba, assim como foram preservados alguns “instintos básicos” da esquerda do passado.

Esses “instintos básicos” podem ser resumidos assim: (a) anti-capitalismo (agora moderado); (b) rejeição do mundo da al-ta-finança e das multinacionais (o que não impede posturas prag-máticas, mais por necessidade, do que por convicção); (c) anti-im-perialismo de velha inspiração leninista (mas carente de maiores reflexões sobre o que ele significa, na verdade, na atualidade); (d) antiamericanismo ingênuo (na medida em que os EUA estariam supostamente não apenas comprometidos com o apoio a regimes de direita, a ditaduras militares, o embargo a regimes socialistas e a preferência pelo capital, em lugar da classe trabalhadora, mas tam-bém pelo fato de os EUA se apresentarem como a maior potência

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capitalista do planeta, ipso facto oposta ao “campo socialista”, que ainda recebia um apoio do princípio dos partidos de esquerda, in-diferentes ao totalitarismo); (e) estatismo exacerbado, que sempre ficou como uma marca registrada de movimentos supostamente de esquerda (e nisso não há qualquer recuo filosófico, apenas uma aco-modação temporária ou oportunista).

5. O QUE, DE FATO, MUDOU NA DIPLOMACIA BRASILEIRA NO PERÍODO RECENTE?

No plano diplomático, essas preferências e orientações – que correspondem a uma ideologia difusa, não formalizada em grandes obras teóricas ou reflexões mais elaboradas no plano histórico ou con-ceitual, mas apenas em programas e declarações partidárias, de frágil consistência analítica – se traduzem numa série de posturas, algumas velhas, outras novas, que caracterizam e definem as preferências atuais da diplomacia brasileira: (a) terceiro-mundismo instintivo (posto que o Brasil é definido como país em desenvolvimento, e aparentemente condenado a sê-lo); (b) soberanismo retórico, em grande medida agi-tado para fins de imagem política; (c) nacionalismo superficial (mas que encontra eco nos meios militares e em setores de opinião iden-tificados com velhas reações de introversão econômica); (d) desen-volvimentismo ingênuo do passado, pois que correspondendo a uma agenda típica do Brasil agrário, com tarefas industrializantes típicas do velho stalinismo em matéria econômica; (e) anti-hegemonismo infan-til, pois que justificando algumas “alianças estratégicas” com parceiros que não são exatamente modelos acabados de democracias ou de regi-mes comprometidos com uma gestão econômica de mercado; (f) ati-vismo em políticas setoriais, decorrente do instinto estatizante acima referido, o que se traduz em oposição de princípio a todo e qualquer avanço multilateral que implique regulação restritiva do ponto de vista das políticas públicas e setoriais, ou a regulação permissiva do ponto de vista das empresas e dos particulares em geral; (f) apoio a movi-mentos ditos progressistas, o que inclui governos, partidos, ONGs, com uma nítida prevalência de objetivos sociais ou políticos sobre metas econômicas ou comerciais, como revelado no caso dos organismos geneticamente modificados (OGMs), agricultura familiar, subsídios a programas sociais, mecanismos de correção de “assimetrias” etc.; (g)

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limitação da cooperação bilateral basicamente a países do Sul, ou coo-peração com o Norte apenas nos temas de interesse do Sul.

No plano da diplomacia prática, essas posturas redundaram em diversas iniciativas, aliás, múltiplas, num ativismo que parece ter sido feita expressamente para superar a diplomacia presidencial anterior, criticada como parte da “herança maldita” de suposta submissão a inte-resses externos, falta de soberania e de não defesa dos inteinte-resses nacio-nais. Três grandes temas foram colocados explicitamente no topo das prioridades da agenda externa, tal como declarados no início de 2003: (a) reforço e expansão do Mercosul, servindo como base da criação de um espaço econômico integrado na América do Sul, a partir de esque-mas de coordenação política, nos quais a liderança brasileira ficasse realçada naturalmente; (b) busca de uma cadeira no Conselho de Se-gurança da ONU, vista como uma das grandes “aspirações nacionais” e objetivo maior da diplomacia multilateral do Brasil, em função da qual foi montada a operação Haiti; (c) conclusão da rodada multilateral de negociações comerciais e busca de acordos comerciais, eventualmente de livre comércio (mas limitados em escopo), no âmbito regional ou multilateral, com a rejeição concomitante de acordos intrusivos com as grandes potências comerciais (ou limitando-os a meros acordos de acesso a mercados). Não é preciso dizer que nenhum desses objetivos foi alcançado ao longo do período, nem todos por incapacidade própria da diplomacia brasileira, mas por dificuldades estruturais que podem ter sido ampliadas pelo irrealismo dos métodos e procedimentos, sem descurar algum voluntarismo ideologicamente motivado.

Outras prioridades expressamente declaradas eram: (d) a di-namização e o estímulo à integração regional, com escassos resul-tados práticos, mas ainda assim com diversas iniciativas políticas e sociais (à falta de resultados tangíveis no terreno econômico e co-mercial); (e) as alianças seletivas no contexto da diplomacia Sul-Sul, ditas estratégicas: IBAS, cúpulas inter-regionais com África e países árabes, mas também os Brics; (f) o protagonismo mundial, para re-forçar as pretensões ao CS da ONU e para criar uma nova relação de forças no plano mundial; (g) a reforma das instituições econômicas internacionais, embora a agenda aqui seja pouco clara; (h) a preser-vação da agenda ambiental anterior, que de fato beneficia os maiores poluidores do mundo em desenvolvimento, e tentativa de transferên-cia dos custos da mitigação brasileira para os países mais

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desenvolvi-dos e as agências internacionais; (i) as iniciativas de combate à fome e de redução da pobreza, com mobilização de apoios internacionais, duplicação de esforços já mantidos pelas agências multilaterais e definição de mecanismos inovadores de financiamento (mesmo em contradição com os interesses do Brasil, posto que tendentes, num primeiro momento a fórmulas equivalentes à da Tobin Tax ou taxa-ção de transações específicas).

Com a possível exceção dos grandes temas da segurança in-ternacional – ainda assim, com o ativo envolvimento do Brasil nas questões multilaterais da área nuclear e de armas de destruição em massa, de modo geral, bem como por ocasião da presença ocasional no CSNU –, a diplomacia do Brasil tem buscado o envolvimento e maior presença em foros abertos à sua participação. Provavelmente, por orientação presidencial, o Brasil também buscou a liderança po-lítica em diversos órgãos do multilateralismo contemporâneo – BID, OMC, OMPI, OACI, UIT – ademais do já referido protagonismo re-gional, no âmbito do qual ele se ofereceu para “secretariar” a Casa, o foro de coordenação sul-americana que acabou sendo substituído pela Unasul.

Mesmo sem uma presença direta nas instâncias diretivas des-sas instituições, o grau de envolvimento brasileiro aumentou e – por força da candidatura ao CSNU – as obrigações financeiras foram, pela primeira vez, em muitos anos, regularizadas. Mais especificamente, ocorreu uma seleção de foros para a atuação prioritária da diploma-cia brasileira, bem mais identificados com os chamados interesses do Sul, do que com os da “interdependência capitalista”. Foram, assim, revitalizados os laços com mecanismos regionais ou de países em desenvolvimento e, de certa forma, rechaçados aqueles que tinham a ver mais diretamente com o “universo capitalista”, como a OCDE.

Mais ativamente ainda, a diplomacia brasileira forjou foros próprios de atuação, a começar do IBAS, das parcerias estratégicas, das reuniões de cúpula com os países africanos e árabes, ademais de um intenso programa de viagens e visitas presidenciais em todas as latitudes e longitudes, mas, em especial, no Sul e com grande ênfase na África. No contexto regional, os esforços foram ainda duplicados, ainda que os aspectos comerciais e econômicos, de modo geral, da integração regional não tenham conhecido progressos notáveis (tal-vez até mesmo estagnação, quando não retrocesso). O Mercosul foi

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“oferecido” a novos parceiros regionais: Chile, Bolívia, Equador e, so-bretudo, Venezuela, com uma perigosa diluição dos compromissos jurídicos e das regras pertinentes à união aduaneira. Foram especial-mente valorizados novos aspectos da integração regional, como os “políticos” – com a constituição de um Parlamento do Mercosul, su-perdimensionado – e “sociais” – igualmente com comissões e grupos de trabalho, envolvendo todo tipo de interlocutores nessa esfera.

O objetivo mais ambicioso, quiçá, foi a Casa, oportunamente substituída pela Unasul, num formato talvez não desejado inteiramen-te pelo Brasil, que inteiramen-teve de ceder espaços de administração e controle para outros parceiros (secretariado instalado em Quito, por exemplo). Também de iniciativa brasileira foi o Conselho de Defesa Sul-Ame-ricano, no âmbito da Unasul, instalado oficialmente por ocasião de reunião de cúpula deste organismo, em dezembro de 2008. Na mesma ocasião, foi concretizada outra iniciativa mais abrangente da diploma-cia brasileira, a Cúpula da América Latina e do Caribe (Calc), de nítido sabor anti-hegemônico, como, aliás, expressamente reconhecido pelos organizadores brasileiros: estes se orgulharam de que, em quase 200 anos de história independente, era a primeira vez que se fazia uma reunião de cúpula sem a presença de “potências tutelares”.

A reforma dos organismos internacionais e, em especial, das instituições financeiras internacionais, já fazia parte do programa do PT desde praticamente a sua origem, não sendo de se estranhar que o tema reaparecesse de maneira mais enfática na presente fase da di-plomacia brasileira. Além da demanda, porém, não existe uma visão muito clara sobre como devem ser feitas essas reformas, a não ser pelo desejo genérico de que a presença e a capacidade decisória dos países em desenvolvimento, em especial a do Brasil, sejam reforçadas. Tendo em vista que o processo é necessariamente lento, a despeito dos esfor-ços conduzidos, havendo a consciência de que, dificilmente, se conse-guirá romper o monopólio das grandes potências nessas instâncias, a diplomacia do Brasil tem-se voltado para a constituição de instâncias paralelas, ou informais, que possam lhe trazer presença internacional, sem ter de passar pelos mecanismos de controle dos países mais ricos.

Em consequência, o formato dos grupos tem sido realçado e pri-vilegiado, desde o G3 (IBAS), até o tradicional G77, passando pelo G4 (reforma do CSNU, com os outros três candidatos assumidos), pelo G20 comercial (que o Brasil liderou desde o início), pelo G20 financeiro (que

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assumiu maior importância com a crise financeira), pela eventual trans-formação do G8 em G13 (com a incorporação do chamado Outreach-5: Brasil, China, Índia, África do Sul e México) e por uma miríade de outros grupos mais ou menos informais. Alguns são discretamente abandona-dos – como o foro iberoamericano, em função, justamente, da presença das ex-metrópoles coloniais – enquanto outros são revitalizados e refor-çados, como o Grupo do Rio – que estava praticamente desativado, mas que foi “renascido” para acolher Cuba numa instância de diálogo latino-americana (já que seria difícil incorporá-la diretamente ao Mercosul; seu ingresso nesse grupo, aliás, foi apresentado como um grande feito). Cuba foi objeto da atenção generosa de quase todos os latino-americanos, pres-surosos em anular sua expulsão da OEA (ocorrida em 1962), mas menos engajados, entretanto, em exigir-lhe o cumprimento das cláusulas demo-cráticas estabelecidas pela mesma OEA, no período pós-Guerra Fria.

De forma geral, todos esses grupos e instâncias de coordenação e de atuação em determinados foros – ONU, OMC, agências especializadas – visam a potencializar a ação da diplomacia brasileira, embora os fins explícitos e proclamados sejam o reforço da solidariedade dos países em desenvolvimento, para os objetivos tradicionais desses países: comércio, cooperação, transferência de tecnologia, reforma das instituições, etc. Esse ativismo brasileiro, por vezes, pode criar focos de fricção ou de re-sistência por parte de alguns parceiros, que se sentem melindrados com a desenvoltura diplomática do Brasil, ou até com o que eles possam clas-sificar como oportunismo e protagonismo excessivos. Tal ocorreu, por exemplo, com o impulso para o exercício de uma liderança regional bra-sileira, mal recebida em vários países da região sul-americana.

Os objetivos brasileiros, em cada uma das várias iniciativas di-plomáticas, podem ser específicos aos foros e temas envolvidos na agenda de cada uma dessas instâncias. Mas o objetivo geral parece ser um só, e é de natureza essencialmente política: realçar a presença do Brasil, provavelmente a do próprio presidente, no plano internacio-nal, como parte de um projeto de colocar o Brasil no círculo restrito das grandes potências mundiais (senão no terreno militar ou econô-mico, pelo menos nos planos político e diplomático). Em torno desse projeto, foram mobilizados grandes recursos materiais e humanos e é em função dele que é construída a agenda de viagens presiden-ciais. Os temas envolvidos em cada uma dessas iniciativas recebem um tratamento superficial no campo diplomático – posto que várias

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iniciativas carecem de estudos aprofundados para o seu adequado embasamento técnico, já que podem, inclusive, representar perdas econômicas para o Brasil – mas são sistematicamente apresentados como consistentes com o interesse nacional brasileiro. O problema da integração energética, na América do Sul, e a questão mais geral da cooperação Sul-Sul representam dois exemplos de investimentos políticos carentes de análises mais profundas no plano técnico.

6. CONCLUSÕES: O ATIVISMO DIPLOMÁTICO

BRASILEIRO NUMA CONJUNTURA DE TRANSIÇÃO

O governo dispõe, obviamente, de grandes recursos publicitá-rios e pode contar, em parte, com o desconhecimento ou alheamento do grande público – para nada dizer dos próprios jornalistas – em relação aos itens da agenda externa, dado que é notório o fato de o Brasil carecer de centros de pesquisa e de especialistas em temas in-ternacionais. O governo conta, assim, com grande latitude de ação, mas também com o respeito que a diplomacia profissional do Ita-maraty granjeou ao longo do tempo. Mais importante, talvez, para seus objetivos imediatos e de propaganda: ele conta com um grande capital de simpatia adquirida ou já ganha por antecipação, de muitos atores sociais, seduzidos pelo aparente progressismo de sua política externa, que atua como uma espécie de compensação prática para os aspectos mais conservadores de sua política econômica.

Existem poucas avaliações independentes e poucos estudos fi-áveis, inclusive envolvendo o lado do custo-benefício, da maior parte das iniciativas diplomáticas do governo. Alguns jornalistas bem in-formados, sobretudo na área econômica, exibem algum espírito crí-tico, mas são raros. Apenas o jornal O Estado de São Paulo tem exer-cido sua visão crítica sobre a diplomacia brasileira, acompanhado de maneira muito tênue pela Folha de São Paulo e O Globo. Não há pers-pectiva de que esse panorama pouco crítico – inclusive de escassa reflexão mais aprofundada – venha a mudar no horizonte previsível, o que permite supor a continuidade incontestada das grandes linhas da atual diplomacia brasileira.

Independentemente, porém, das ações governamentais, parece claro que o Brasil tem emergido como grande ator regional e, quiçá, internacional, em função da dimensão própria de sua economia, da

Referências

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