• Nenhum resultado encontrado

Vista do O sertão é o mundo

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Vista do O sertão é o mundo"

Copied!
19
0
0

Texto

(1)

O sertão é o mundo

RESUMO

Riobaldo, durante três dias, narra a um misterioso ouvinte suas memórias pontilhadas de inquietações. Possivelmente o próprio Guimarães Rosa, que, como Hitchcock, inseria-se às vezes, por diversão, nas histórias. O relato de Grandes Sertões: Veredas, aparentemente confuso, é uma travessia pelo caráter ambíguo do homem, traço barroco na literatura de Rosa. Riobaldo – ele mesmo Guimarães Rosa, um pouco – transforma sua vivência individual na experiência humana universal (“o sertão é o mundo”). Se o sertão é o mundo, se o jagunço é o sertão, se o sertão está em todo lugar, como diz Riobaldo, portanto o jagunço não é somente o homem de Minas, mas o homem do mundo. Em suma, o homem é o mundo. Guimarães Rosa conseguiu conjugar os confl itos do ser humano, projetando a busca do sertanejo para fazê-lo conquistar dimensão universal. Em síntese, escancarando as dúvidas e certezas do habitante do sertão das Gerais, o escritor acaba mostrando que o homem é o homem, mesmo igual, assinzinho mesmo, no sertão de Minas ou em qualquer outro lugar do mundo.

ABSTRACT

Riobaldo, for three days, tells a mysterious listener his memories dotted with uneasiness. Possibly Guimarães Rosa himself, who, like Hitchcock, sometimes inserted himself, for fun, into the stories. Th e account of Grandes Sertoes: Veredas, apparently confused, is a crossing through the ambiguous character of man, Baroque trait in Rosa's literature. Riobaldo - himself Guimarães Rosa, a little - transforms his individual experience into the universal human experience ("the sertão is the world"). If the sertão is the world, if the jagunço is the Sertão, if the sertão is everywhere, as Riobaldo says, so the jagunço is not only the man from Minas, but the man from the world. In short, man is the world. Guimarães Rosa was able to combine the confl icts of the human being, Th e search of the sertanejo to make it conquer universal dimension. In short, by widening the doubts and certainties of the inhabitant of the hinterland of the Gerais, the writer ends by showing that man is man, even the same, even in the backlands of Minas Gerais, or anywhere else in the world.

PALAVRAS-CHAVE

Riobaldo; Guimarães Rosa; Grande Sertão: Veredas; Barroco; Sertão das Gerais.

KEYWORDS

Riobaldo; Guimarães Rosa; Grande Sertão: Veredas; Baroque; Sertão das Gerais.

Joaquim Maria Guimarães Botelho

Jornalista, ansaista e escritor, bacharel em Comunicação Social pela Casper Libero, Mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP, especialista em Jornalismo Literacional pela University of Wisconsin EEUU, presidiu por 5 anos a União Brasileira de Escritores.

(2)

LITERA

TURA

E COMUNICAÇÃO

Riobaldo, durante três dias1, narra a um misterioso ouvinte suas memórias pontilhadas de inquietações. Possivelmente o próprio Guimarães Rosa, que, como Hitchcock, inseria-se às vezes, por diversão, nas histórias (“Miguilim”, de Corpo de Baile). O relato de Grande Sertão: Veredas, aparentemente confuso, é uma travessia pelo caráter ambíguo do homem, traço barroco na literatura de Rosa.

Riobaldo – ele mesmo Guimarães Rosa, um pouco – transforma sua vivência individual na experiência humana universal

(o sertão é o mundo)2.

Se o sertão é o mundo, se o jagunço é o sertão, se o sertão está em todo lugar, como diz Riobaldo, portanto o jagunço não é somente o homem de Minas, mas o homem do mundo. Em suma, o homem é o mundo.

Guimarães Rosa conseguiu conjugar os confl itos do ser humano, projetando a busca do sertanejo para fazê-lo conquistar dimensão universal. Em síntese,

escancarando as dúvidas e certezas do habitante do sertão das Gerais, o escritor acaba mostrando que o homem é o homem, mesmo igual, assinzinho mesmo, no sertão de Minas ou em qualquer outro lugar do mundo.

E disto trata a primeira parte de Grande Sertão: Veredas. Uma robusta sequência de questionamentos fi losófi cos, em que talvez o mais abrangente de todos seja este:

Eu queria decifrar as coisas que são importantes. E estou contando não é uma vida de sertanejo, seja se for jagunço, mas a matéria vertente.

Na busca de decifrar essa matéria fundamental, Riobaldo refl ete sobre a vida, sobre a origem de todas as coisas, e sobre o bem e o mal, esses vestidos fi gurativamente de Deus e de Diabo, e de novo os contrastes de fundo barroco emergem.

Ao fi nal da narrativa, vencidos os três dias, Guimarães Rosa, pela boca de Riobaldo, encerra o romance com um corolário fi losófi co do livre arbítrio:

Amável o senhor me ouviu, minha ideia confi rmou: que o Diabo não existe. Pois não? O senhor é um homem soberano, circunspecto. Amigos somos. Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é o homem humano. Travessia.

Afonso Arinos dizia que Guimarães Rosa tinha um estilo quase gongórico de escrever.

O Barroco foi a primeira manifestação romântica de quebra da ordem, da medida, da proporção, da contenção, enfi m, dos parâmetros da arte clássica na Renascença. Abandonava-se, então, a busca neoplatônica do Belo ideal, da correção humana dos

erros da tola mãe-Natureza. No Barroco,

pela primeira vez, a arte interage com o espectador, como quer Umberto Ecco.

Ariano Suassuna, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo3, ratifi cou a afi rmativa de Afonso Arinos, ao comentar

https://thedeviltopayinthebacklands.fi

(3)

LITERA

TURA

E COMUNICAÇÃO

“o estranho e grande mundo que João Guimarães Rosa alicerçou e construiu”.

(SUASSUNA, Folha Ilustrada, 2000).

O Brasil nasceu quando séculos de cultura já estavam instalados na Europa, em que o chamado Renascimento apresentava sintomas de crise, vindo a desembocar no momento genericamente chamado de Barroco, esta insígnia cultural assinalada pela oscilação dicotômica entre Deus e o Diabo (o sagrado e o profano, o sublime e o grotesco, a resignação e a revolta, ou a aristocracia e a burguesia, o ideal e o mercadológico), em busca de uma síntese em um homem que descobre, acima de tudo, o jogo como forma de articular os pólos antagônicos, pela linguagem, pela argumentação, pelo raciocínio. Jogo de poder e de anulação da diferença.

Darcy Ribeiro, em Povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, traça uma comparação interessante entre os colonizadores portugueses e espanhóis da América Central e do Sul e os colonizadores ingleses da América do Norte. Do ponto de vista estético, somos barrocos, enquanto os norte-americanos são góticos. Os góticos são sérios, vetustos, radicais, despojados, retilíneos, escuros, até mal-humorados.

O barroco busca a síntese entre os opostos, mesmo sabendo ser ela impossível, a não ser por uma solução na linguagem. Longe de escolher a via do mito (lembremos que, para Lévy-Strauss, o mito é uma narrativa a juntar pólos antagônicos), que é um discurso do poder, na medida em que

acalma as consciências, a solução barroca

será sempre a construção via linguagem de modo a mesclar as duas cenas, mantendo-se, no entanto, visível a tensão entre elas. Assim, pela construção barroca passamos a conviver não propriamente com uma síntese acabada de uma construção metafórica, mas com metonímias. Deus e Diabo perdem sua definida identidade e assumem novos traços. A partir daí temos a possibilidade de um Deus diabólico e um

Diabo divino, convivendo, ambos, nesse

meio-termo híbrido.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O RISÍVEL A arma de que se valeram alguns autores da literatura do Barroco foi o humor. Em Dom Quixote o cômico predomina. Na poesia de Gregório de Mattos, a picardia, a lascívia e a maledicência sobrepujam a melancólica simetria clássica. Essa contradição é por si dialética e por si barroca.

Heloísa Vilhena de Araújo defende a aproximação da obra de Guimarães Rosa à figura do deus Hermes, o pícaro, o ladino, deus dos ladrões e das meias verdades, inventor da lira (que depois trocou com Apolo) e também deus da diplomacia – em última análise, a arte de refrear a ira das pessoas com os malfeitos pela doçura da palavra. Para dar um exemplo, a autora reproduziu uma carta escrita por Guimarães Rosa, em Paris, a Jorge Kirchhoffer Cabral, então servindo como cônsul brasileiro em Frankfurt, na Alemanha. (Cf. ARAUJO, 1987).

Cônsul Caro Colega Cabral,

Compareço, confirmando chegada cordial carta. Contestando, concordo, contente, com cambiamento comunicações conjunto colegas, conforme citada Consolidação Confraria Camaradagem Consular. Conte comigo. Comprometo-me cumprir cabalmente, cabralmente, condições compendiadas cláusulas, contexto clássico código. (Contristado, cumpre-me cá conjecturar – cochichando, como convém –: conseguirá comezinha Consolidação coligar cordialmente conjunto colegas?... Crês?... Crédulo!... Considera:... ‘cobra come cobra!’ Coletividade de cônsules compatrícios contém, corroendo carne, contubérnios cubiçosos, clãs, críticos, camarilhas colitigantes... Contrastando, contam-se claro corretos corretos contratipos, capazes, camaradas completos.) Concluindo: contentemo-nos com correspondermo-nos, caro Cabral, como coirmãos compreensivos, colaborando com companheiros camaradas, combatendo corja contumaz!..

(4)

LITERA

TURA

E COMUNICAÇÃO

Este é apenas um trecho de uma carta cheia de verve, que segue em mais outras cinco páginas, com todas as palavras iniciando-se pela letra c.

Nas obras de Guimarães Rosa que analisamos para este trabalho, em alguns momentos é pelo divertimento que o texto se constrói. Rir é quase sempre uma atividade associada ao exercício da imaginação e da reflexão – proporcionar o divertimento é quase como a busca da sanidade, coisa fácil de ser perdida naqueles sertões, ambiente árido, cheio de disputa pelo poder, de mortes, matanças, traições.

Vingar, digo ao senhor: é lamber, frio, o que o outro cozinhou quente demais.

Couro ruim é que chama ferrão de ponta. Para as coisas que há de pior, a gente não alcança fechar as portas.

Cipó não trepa em pau morto.

O romance tem seus lances de bom humor. Anotamos a seguir algumas frases humorísticas que compilamos em Grande Sertão: Veredas. Tencionamos, com isso, em primeiro lugar estabelecer os traços da estética barroca presentes na obra, e em seguida evidenciar o processo de quebra da pesada e atristonhada narrativa a que se dispôs o escritor mineiro, com o uso de axiomas rearranjados, provérbios torcidos ou revirados, e muita verve, como este:

Pão, pão, beijo, beijo.

As frases que selecionamos são, como diria Paulo Rónai, milagres de síntese em

miniatura.

Note-se que os elementos envolvidos nesse pacto narrativo evidenciam-se no jogo proposto pelos axiomas ou pelos ditados. A brincadeira com a linguagem é a tônica, na qual se cria um clima de jogo e busca de sentido de palavras, tenham elas ou não algum significado implícito.

A farinha tem seu dia de feijão. Sua alma, sua calma.

Pior cego é o que quer ver. Quem desconfia, fica sábio.

Quem mói no asp’ro, não fantaseia.

Fomos buscar em Walter Benjamin uma frase que chama a atenção para o papel do riso como ponto de partida para o pensamento, referindo-se ao teatro épico de Brecht:

Seu objetivo não é tanto alimentar o público com sentimentos, ainda que sejam de revolta, quanto aliená-lo sistematicamente, pelo pensamento, das situações em que vive. Observe-se que não há melhor ponto de partida para o pensamento que o riso. (BENJAMIN, 1986, v. 1)

Entender que o riso proporciona uma possível base para a reflexão significa valorizá-lo também como um fim em si mesmo, como pura diversão. O cômico, segundo Henri Bergson, é inconsciente. Em seu livro sobre o riso (Cf. BERGSON, 1983), considera que o cômico é um mecanismo utilizado pela sociedade para corrigir os seus vícios e impedir que os indivíduos se deixem conduzir pelo automatismo fácil dos hábitos adquiridos. Observa ainda que uma personagem é cômica na exata medida em que se ignore como tal, isto é, o cômico é inconsciente. Por meio do riso, ocorre uma tomada de consciência e uma vez reconhecendo-se como ridículo, o indivíduo tende a modificar-se, pelo menos exteriormente. Nesse sentido, o riso castiga os costumes (ridendo castigat mores). (Cf.

BERGSON, 1983, P.18)

Pois não é ditado: ‘menino – trem do diabo’?

A abelha é que é filha do mel. Perto de muita água, tudo é feliz.

(5)

LITERA

TURA

E COMUNICAÇÃO

É célebre a observação de Marx ao constatar que a história se repete, sendo a primeira vez vivida como tragédia e a segunda, como farsa. O riso, então, conduz a um afastamento quase alegre em relação ao passado (o morrer de rir), que também é uma tomada de consciência do tempo histórico presente, evitando melancólicas visões de mundo.

Sossego traz desejos.

Toda saudade é uma espécie de velhice.

Em Grande Sertão: Veredas o herói é tristonho porque a sua história é tristonha. Mas suas ações, situações e ideias, expostas ao grupo, à plateia, que são os leitores, assumem em momentos o seu tanto de risível – como pudemos ver nos exemplos de axiomas citados na página anterior, ou como neste outro exemplo:

No sistema dos jagunços, amigo era o braço, e o aço!

Viver é um descuido prosseguido.

De todos os recursos do cômico – paródia, ironia, humor, grotesco – vemos que Guimarães Rosa prefere a ironia, que é o humor disfarçado de amargor, ou vice-versa, mas de qualquer forma a síntese dos opostos, barroco outra vez. Não lhe dá, ao humor, em momento algum, o papel principal, nem lhe celebra o poder. Mas pontilha o texto de Grande Sertão: Veredas de exemplos de ironia matuta e sagaz. E com isto desmascara mitos e ideologias, porque privilegia o brincante e o lúdico do espírito caboclo.

Paciência de velho tem muito valor.

Guimarães Rosa não usa o tom do humor com o fundo moralizante dos romances realistas, nem o riso desmascarador, repressivo e humilhante, como concebe Bergson. Prefere o riso corretivo, como

em Molière, Balzac e Eça. E o faz não pela fi gura do narrador, um senhor muito sério e muito culto, mas pela boca da personagem Riobaldo, que muitas vezes ri de si mesmo, de sua gente e de sua própria identidade. Sombra e persona.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O VISÍVEL Em O Espelho, Guimarães Rosa apresenta um narrador sem nome, mas com identidade. É um novo modus narrandi utilizado pelo autor, segundo Paulo Rónai, no prefácio do livro Primeiras Estórias.

A colocação do conto no livro imita interessantemente um espelho concreto. É o décimo primeiro conto de um conjunto de vinte e um: antes dele estão dez contos, depois dele outros dez. O espelho é o espelho do livro, refl etindo, para frente e para trás, dez unidades narrativas.

https://thedeviltopayinthebacklands.fi

(6)

LITERA

TURA

E COMUNICAÇÃO

EXEMPLOS DA PRESENÇA DO MITO EM O ESPELHO

O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha ideia do que seja na verdade – um espelho? (p. 61)

Reporto-me ao transcendente. Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo. (p. 61)

Como é que o senhor, e eu, os restantes próximos, somos, no visível? (p. 61)

Se nunca atentou nisso, é porque vivemos, de modo incorrigível, distraídos das coisas mais importantes. (p. 61)

Sou do interior, o senhor também; na nossa terra, diz-se que nunca se deve olhar em espelho às horas mortas da noite, estando-se sozinho. (p. 63)

Sendo talvez meu medo a revivescência de impressões atávicas. (p. 63)

Eu não tinha formas, rosto? Apalpei-me, em muito. Mas, o invisto. O ficto. O sem evidência física. Eu era – o transparente contemplador? (p. 66)

E a terrível conclusão: não haveria em mim uma existência central, pessoal, autô-noma? Seria eu um... des-almado? (p. 67)

E o julgamento-problema, podendo sobrevir com a simples pergunta: - Você chegou a existir? (p. 68)

Como os sertanejos, de primitiva e atávica pureza, heróis prediletos de Guimarães Rosa, os índios não conheciam o espelho.

Em uma palestra realizada na Universi-dade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, o pro-fessor Ivo Luchesi comentava que a imagem, para os índios, era dada pelas águas mutan-tes dos rios, ou, principalmente, pelo corpo do outro. O canibalismo, portanto, segundo ele, era de dupla ordem: devorar a carne para incorporar a força e, ao mesmo tempo, afir-mação de um poder e destruição da diferen-ça sobre o outro, na medida em que o outro é o eu. Não haveria, como na nossa cultura, o canibalismo enquanto uma reação ao su-blime e à ancestralidade, mas nada impede que coloquemos no cerne da questão essa visão, pela via da consciência arcaica (que não pode ser confundida com o inconsciente coletivo, de Jung). Talvez por aí se explique nosso imenso fascínio pela televisão, já que é espelho da diferença a ser vencida.

Se vivemos essa mutilação trágica, a opção assumida é a da fantasia.

Antropofagia!4, bradou Oswald de Andrade,

único a tomar como modelo um índio não tão bem comportado, diferente do que buscavam todos os românticos e modernistas, a reproduzir o mito do bom selvagem – Peri, de José de Alencar, por exemplo – , tirado dos manuais da exemplar educação de Rousseau.

Em um trabalho sobre Grande Sertão: Veredas, Eduardo Coutinho5 tem uma abordagem algo especular sobre a figura de Riobaldo, e que podemos aproveitar como elemento que une o romance ao conto O espelho. O estudioso baiano tenta demonstrar que o mundo de Riobaldo divide-se entre duas esferas: a ordem mítico-sacral (do sertanejo inculto) e a lógico-racional (do homem urbano). A oposição entre mythos e logos serviria para demonstrar o chamado

realismo mágico do romance, isto é, a oscilação entre pares opostos (enquanto o realismo atende à esfera do logos, o mágico

estaria caracterizado pelo mythos). Segundo

Coutinho, na esfera do mythos apresenta-se

também uma oscilação barroca entre Deus e o Diabo, sem que isto se resolva.

Não resistimos aqui a fazer a aproximação do conto O espelho com o romance Grande Sertão: Veredas: porque

(7)

LITERA

TURA

E COMUNICAÇÃO

nos parece que a “travessia” sobre o abismo que nos separa da identidade é nossa única condição, isto é, continuamos índios primitivos, como os aqui encontrados, sem espelhos e sem conseguir ver: nonada.

PRESENÇA DO MITO

GRANDE SERTÃO: VEREDAS

Alan Viggiano, em sua dissertação de mestrado pela Universidade de Brasília (Hermes versus Afrodite em Grande Sertão: Veredas) dá um exemplo da presença do

mito no romance de Guimarães Rosa:

À primeira vista, o mito de Afrodite, a Vênus dos gregos, parece distante de um envolvimento com as personagens de Grande Sertão: Veredas. No entanto, este mito está intimamente ligado à novela, de forma ideológica e através do processo lúdico de palavras. Daremos um exemplo, a título de ilustração: se tomarmos a palavra Afrodite e antepormo-la à palavra Diadorim, veremos que sobrariam: do lado de Afrodite, as letras FTE; do lado de Diadorim, DIM. Tomemos a palavra Afrodite e anteponhamo-la à palavra Riobaldo. Sobrarão, do lado de Afrodite, o mesmo grupo de letras: FTE; do lado de Riobaldo, o grupo BLO. Tomemos a palavra Diadorim e anteponhamo-la à paanteponhamo-lavra Riobaldo: restarão do anteponhamo-lado de Diadorim o grupo DIM, o mesmo que sobrou em confrontação com Afrodite; do lado de Riobaldo: BLO, o mesmo grupo que resultou da comparação com Afrodite.

O escritor e professor Eduardo Portella, ex-ministro da Educação, precocemente desaparecido em acidente de avião, costumava dizer que Guimarães Rosa é o mais solitário dos nossos narradores. Coisa que Rosa parece confirmar nessa passagem da página 233 de Grande Sertão: Veredas:

[...] liberdade – aposto – ainda é só alegria de um pobre caminhozinho, no dentro do ferro de grandes prisões. Tem uma verdade que se carece de aprender,

do encoberto, e que ninguém não ensina: o beco para a liberdade se fazer.

(Assoma à lembrança a frase de Thomas Hobbes, em Leviatã: E a vida do homem, solitária, pobre, sórdida, brutal e curta.)5

Dizia ainda Portella que Rosa era ele próprio o grande sertão, atravessado por todas as veredas, o masculino/feminino, o herói menos a façanha apenas individual e mais o impulso ético. E sentenciava:

Deus e o diabo, porém o sol encoberto pelas diferenças – pelas diferenças que foram crescendo no abismo sempre maior. A hora e não a vez, o muro e não a liberdade; que parecem afogadas nas águas repentinamente poluídas do grande rio – do grande sertão? – nacional. Resta ainda a “terceira margem”. E ele soube antever, antes de qualquer outro comandante. Os poetas, ninguém se engane, adivinham – inventando o caminho, perpassando. Por isso pode falar, falando-nos: Nonada. O

diabo não há: É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia.

E o poeta adivinha mesmo. E avisa que tem esse poder, como aqui: Eu me

lembro das coisas, antes delas acontecerem.

(GUIMARÃES ROSA, 1986, p. 22)

Ou como aqui: ... o que mão a mão diz é

o curto: às vezes pode ser o mais adivinhado e conteúdo. (GUIMARÃES Rosa, 1986, p. 108)

Para Adonias Filho, acima de todas as contribuições técnicas e de todos os elementos de renovação, que compõem o processo revolucionário,

[...] o grande e estranho poder de Guimarães Rosa reside na compre-ensão da criatura no destino e na condição. É essa compreensão que responde por sua participação na comunidade que une os verdadei-ros artistas de um tempo.

(8)

LITERA

TURA

E COMUNICAÇÃO

BEM E MAL

[...] pois, num chão, e com igual formato de ramos e folhas, não dá a mandioca mansa, que se come comum, e a mandioca brava, que mata?

Deus é paciência. O contrário, é o diabo. (p.10)

A discussão que Rosa aponta é, metaforicamente, a existência do bem e do mal em pessoas, sob aparência igual. A personagem Riobaldo manifesta a necessidade de clara separação entre essas aparências:

[...] eu careço de que o bom seja bom e o ruim ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero os todos pastos demarcados... Como é que posso com este mundo! [...] Ao que, este mundo é muito misturado...

Ou, como sintetizaria Santo Tomás de Aquino, na Suma Teológica:

Como é que se pode gostar do verdadeiro no falso?

Já encontramos em Plotino que os atos da alma têm natureza dual – o lado superior da alma como que ilumina o lado escuro, e essa iluminação se dá pelo perdão, o começo da existência física, em verdade um desejo descontrado do Bem. A alma encontra a sua plenitude pelo ato da contemplação, mas em geral somente aquelas afetadas pela fonte da infelicidade, do ódio, enfim, do Mal

(kakon).

A dualidade da alma está manifesta em praticamente todas as filosofias e, consequentemente, em todas as religiões, como podemos ver pela existência de deuses antagônicos como Arid e Ormuz, Thor e Lock, Osíris e Karnak, Deus e o Diabo.

O problema ontológico da fonte do Mal é evitado por Plotino, ao considerar que o mal afete apenas a alma, causando uma decadência que é a contrapartida da matéria. E já que a alma é, ao mesmo tempo, contemplativa e ativa, é capaz de cair, pela fraqueza ou a contradição da sua função dual, na armadilha do caos da pura passividade que é a matéria. O Mal, no entanto, não é irremediável, e pode ser curado pelo Amor.

No estudo de Heloísa Vilhena de Araújo (1996, p. 121), Riobaldo vai aprendendo, levado por Diadorim em suas viagens pelo sertão, os indícios da existência de Deus encontrados na natureza e nos homens. Ao mesmo tempo, encontra os indícios da inexistência do demônio, contrário de Deus. E esta inexistência manifesta-se, principalmente, nas mudanças, na mobilidade.

Segundo Regis Jolivet, professor das Faculdades Católicas de Lyon, em seu Curso de Filosofia, podem-se distinguir dois grupos de provas da existência de Deus:

[...] o das provas metafísicas e o das provas morais, segundo estas partam da realidade objetiva do universo, ou da realidade moral. (JOLIVET, 1957, 1957, p. 314)

[...] Na realidade, qualquer prova de Deus é metafísica, uma vez que a existência de Deus não é, propriamente falando, objeto de apreensão intuitiva e não pode ser demonstrada a não ser com a ajuda de princípios metafísicos. (JOLIVET, 1957, p. 311)

Em resumo, essas provas metafísicas são o fato do condicionamento universal: tudo o que vemos e que a ciência nos ensina, é um encadeamento de seres ou fenômenos que se sucedem e se implicam uns nos outros e assim formam séries com anéis solidamente articulados. Há a causa primeira incondicionada (para haver séries de coisas, necessariamente chega-se a uma causa primeira, colocada fora da série

(9)

LITERA

TURA

E COMUNICAÇÃO

causal – o movimento das bolas de bilhar é explicado não pelo número de bolas no conjunto, mas pela mão, que imprimiu o primeiro impulso), e a causa universal absolutamente primeira (que precisa ser única, senão não seria primeira).

Riobaldo, segundo Heloísa Vilhena de Araújo, na obra citada, segue Santo Tomás de Aquino no que se refere à não-atualidade da potência, mas à sua espécie de existência. O princípio do movimento, que não se restringe ao deslocamento de um lugar para outro, mas toda passagem da potência ao ato, é a base do pensamento de Santo Tomás de Aquino. Para esse doutor da Igreja, a questão está na inteligibilidade do vir a ser, já que tudo o que se move é movido por outro. Quer dizer: nada passa da potência ao ato a não ser sob a ação de uma causa já em ato, ou seja, nada pode ser a causa de si mesmo. Portanto aí está o princípio do primeiro motor. Que é Deus. Deus, para Santo Tomás de Aquino, é o primeiro motor imóvel, um ser imutável na perfeição que lhe pertence por sua própria essência.

Kant, no entanto, levantou contra o valor das provas da existência de Deus uma objeção geral: o princípio da causalidade não tem valor, a não ser na ordem da existência sensível. Essas provas de Deus são, então, ineficazes. Mas esqueceu-se, Kant, de que o princípio da causalidade serve apenas para provar que existe uma causa, e não para provar quem ou o quê é essa causa. Além disso, o princípio da causalidade não é uma forma subjetiva – a priori e arbitrária, de nossa razão – mas uma evidência objetiva, adquirida pela experiência, pelos sentidos.

As provas morais da existência de Deus podem ser reduzidas a quatro divisões:

1. pela obrigação moral (nossa ação no mundo não caminha e não pode caminhar ao acaso; portanto, a obe-diência ao dever é essencialmente a procura perseverante de um ideal de perfeição moral, ao Bem trans-cendente);

2. pela inquietação humana (pela

sen-sibilidade e pela razão, o homem exige uma ordem moral que admita um Bem supremo e uma Providên-cia que assegurem justiça);

3. pelo consentimento universal (Deus é uma ideia universal, no tempo e no espaço, de todos os homens, e não está restrita aos filósofos) e 4. pela existência mística (pessoas

afirmam ter entrado em contato experimental com Deus, como São Paulo, São Francisco de Assis, Santa Teresa e outros, e toda experiência do divino é inexplicável sem recor-rer a Deus).

Mas Kierkegaard defendia ardentemen-te a ideia de que o homem, no mundo, per-cebe aquilo que ultrapassa a sua finitude, ou seja, a divindade. E dizia que, portanto, a individualidade não deve ser entendida como um conceito lógico, mas como a soli-dão característica do homem que se coloca como finito perante o infinito. É a individu-alidade definindo a existência.

Nietzsche diz que não é a altura que aterroriza: o que aterroriza é o declive!

O declive donde o olhar se precipita para o fundo, e a mão se estende para o cume. É aqui que se apodera do coração a vertigem da sua dupla vontade. (Cf. 2001)

Nietzsche é insuperável em seu discernimento e sua crítica poderosa do ambiente moral no século XIX. Ele enfatiza

o desejo de poder que é a base da natureza

humana, o ressentimento que nasce quando é negada essa base na ação, e a corrupção da natureza humana encorajada por religiões como o cristianismo, que se alimentam do ressentimento. Ele introduziu também o conceito do Ubermensch (o Sobre Humano)

ou Super-homem - aquele que tem o domínio

sobre suas paixões, superou a agitação sem rumo da vida comum e deu ao seu próprio caráter um estilo criativo e individual.

(10)

LITERA

TURA

E COMUNICAÇÃO

Aristóteles também se refere (Ética a Nicômaco) às virtudes éticas (liberalidade, prazer, magnanimidade, entre outras) e aos vícios (defeitos) da alma.

IMANÊNCIA, TRANSCENDÊNCIA

Eu me lembro das coisas, antes delas acontecerem. (p. 22)

Aprender é lembrar-se, dizia Sócrates, segundo Platão. É novamente o mito da reminiscência, base argumentativa para tentar entender a mensagem de Guimarães Rosa.

As noções de Platão acerca da transitoriedade da matéria e da permanência das ideias também têm seu débito com Heráclito, assim como (mais indiretamente, porém) os sentimentos do sábio Eclesiastes, da Bíblia, cujo sonoro verso, para tudo existe um tempo, é apenas mais um dos seus toques gregos.

Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe pra gente é no meio da travessia. (p. 52)

Depois de Descartese de Malebranche, os pensadores consideravam poder reduzir todas as teorias à afirmação de um princípio comum a todas. Esse princípio consiste em dizer que o homem não conhece direta e imediatamente a não ser seu próprio pensamento (ou suas ideias, de onde o nome de idealismo). O princípio da imanência do conhecimento é considerado pelo Idealismo como evidente, no entanto o problema crítico é saber se as coisas que existem fora de nosso pensamento correspondem às ideias que temos delas. E este foi também o questionamento de Schopenhauer.

Mas Kant, com o seu Idealismo formal, passa a reconhecer a existência necessária de objetos independentes do espírito, e exteriores a ele (que o idealismo material não admitia), mas declara-se ao mesmo

tempo absolutamente incognoscíveis em si mesmos. Esses objetos não nos apareceriam, segundo Kant, a não ser revestidos das formas a priori de nossa razão e de nossa sensibilidade. Mais ou menos como se todas as coisas nos devessem aparecer vermelhas e deixar-nos na ignorância absoluta de sua cor verdadeira, como se nossa visão projetasse, por um efeito de sua estrutura a cor vermelha (cor a priori) sobre todos os objetos que lhe fossem dados. Em resumo, o universo do conhecimento, para Kant, é, na sua forma, obra do espírito. Ou seja, baseado em Locke e em Hume, assegura que todo conhecimento não pode vir senão dos sentidos. E, como os sentidos não conhecem mais do que objetos singulares, sensíveis e inteligentes, segue-se daí que nossas ideias, que se referem a objetos universais, são sensíveis e necessárias (a ideia de homem, a ideia de causa, a ideia de liberdade, os princípios primeiros etc.), são puras construções da razão e, não, dados objetivos.

A noção de imanência e de transcendência são aspectos inevitáveis de uma noção de Deus. Vamos acompanhar o raciocínio em Régis Jolivet (1957, p. 343):

Sem a imanência, Deus seria estranho ao universo, e Ele não seria, por conseguinte, nem infinito, nem perfeito: a ideia de Deus se torna contraditória. Sem transcendência, Deus é idêntico ao universo, e de novo aparece como imperfeito, potencial e em transformação. A noção de Deus se torna ainda contraditória.

DESCONHECIDO

Qual o caminho certo da gente? (p. 78) Platão não achava que este fosse o melhor dos mundos. É uma espécie de prisão, escreveu ele, onde estamos trancafiados em escuridão e sombras. Mas

(11)

LITERA

TURA

(12)

LITERA

TURA

E COMUNICAÇÃO

além dessa prisão reside um brilhante e esperançoso mundo de verdades que ele chamou de ideias ou ideais, e é por isso que chamamos essa doutrina de Idealismo.

Platão desenvolve suas doutrinas idealistas de forma notável em A República, onde seu porta-voz, como de hábito, é seu mestre, Sócrates.Sócrates compara nosso mundo cotidiano a um abrigo subterrâneo, uma caverna onde somos mantidos acorrentados. À nossa frente ergue-se uma parede e atrás de nós, uma fogueira. Incapazes de virar a cabeça, vemos somente as sombras projetadas na parede pelo fogo. Nada conhecendo além disso, naturalmente tomamos essas sombras por realidade. Os seres humanos, nossos companheiros, assim como todos os objetos da caverna, para nós não passam de sombras; não têm, para nós, outra realidade além dessa.

Mas se pudéssemos nos libertar das correntes, se pudéssemos ao menos nos virar para a entrada da caverna, poderíamos constatar o nosso erro. A princípio, a luz direta nos seria dolorosa e perturbadora. Porém, logo nos adaptaríamos e começaríamos a perceber as pessoas e objetos reais, que só conhecíamos em forma de sombras. Mesmo assim, devido ao hábito, nos agarraríamos às sombras, ainda acreditando que elas fossem reais, e suas fontes, apenas ilusões. Mas se fôssemos tirados da caverna para a luz, cedo ou tarde chegaríamos à visão correta das coisas e lamentaríamos nossa antiga ignorância.

A analogia de Platão é um ataque aos nossos hábitos de pensamento. Estamos acostumados, diz ele, a aceitar os objetos concretos que nos cercam como reais. Mas eles não são. Ou melhor, eles são só cópias imperfeitas e menos reais de formas imutáveis e eternas. Essas formas, como Platão as define, são as realidades permanentes, ideais e originais a partir das quais (de alguma forma) são construídas cópias concretas imperfeitas e corruptíveis. Por exemplo, cada cadeira em nosso familiar mundo de objetos é meramente uma imitação, ou sombra, da Cadeira Ideal. Cada escrivaninha é uma cópia da

Escrivaninha Ideal, que nunca muda, que existe pela eternidade, e na qual você nunca pode derramar café.

Essas cadeiras e escrivaninhas ideais, segundo Platão, não são fantasias; elas são de fato mais reais que suas imitações materiais, porque são mais perfeitas e universais. Entretanto, como nossos sentidos corrompidos têm sido sempre enganados, nós somos cegos para o mundo dos ideais. Nossas mentes estão escravizadas a imitações que nós, desta maneira, confundimos com a realidade. Somos prisioneiros em uma caverna filosófica.

No mundo do conhecimento, a ideia do bem aparece por último e é percebida apenas com esforço; mas, quando percebida, torna-se claro que ela é a causa universal de tudo que é bom e belo, o criador da luz e o senhor do sol neste mundo visível.

[...] E agora, deixa-me mostrar, por meio de uma comparação, até que ponto nossa natureza humana vive banhada em luz ou mergulhada em sombras. Vê! Seres humanos vivendo em um abrigo subterrâneo, uma caverna, cuja boca se abre para a luz, que a atinge em toda a extensão. Aí sempre viveram, desde crianças, tendo as pernas e o pescoço acorrentados, de modo que não podem mover-se, e apenas veem o que está à sua frente, uma vez que as correntes os impedem de virar a cabeça.

Acima e por trás deles, um fogo arde a certa distância e, entre o fogo e os prisioneiros, a uma altura mais ele-vada, passa um caminho. Se olhares bem, verás uma parede baixa que se ergue ao longo desse caminho, como se fosse um anteparo que os animadores de marionetes usam para esconder-se enquanto exibem os bonecos.

[...] Pois esses seres são como nós. Veem apenas suas próprias som-bras, ou as sombras uns dos outros,

(13)

LITERA

TURA

E COMUNICAÇÃO

que o fogo projeta na parede que lhes fica à frente. (PLATÃO, livro 7)

As indagações acerca do conhecimento permanecem, com algumas variações, em autores mais modernos. Kant, por exemplo, colocou no centro das suas preocupações o problema da ação: queria assegurar o domínio da inteligência sobre os homens e as coisas. Vejamos como pensava:

A experiência é a origem do conheci-mento, mas a sua validade só pode ser as-segurada pela razão. Os elementos do co-nhecimento são oriundos de duas fontes: a) uns dependem do próprio objeto e são a matéria do conhecimento; b) outros depen-dem do sujeito e constituem a forma do co-nhecimento. Conhecer consistirá então em unir uma matéria com uma forma; aquela, porque depende do objeto, será variável de objeto para objeto e só pode ser fornecida a posteriori; esta, porque depende do sujeito, é sempre a mesma e é a priori. O espírito im-põe as suas formas ao objeto e este tem de se lhes conformar, porque de outro modo não o poderíamos conhecer.

O conhecimento científico explica-se por juízos sintéticos a priori. Estes juízos são simultaneamente universais, necessários e extensivos. Não se podem fundamentar na experiência, porque só a razão pode ser a fonte de proposições universais e necessárias. Conhecer, então, consistirá numa síntese entre a forma universal, própria do sujeito, e uma matéria fornecida pela experiência.

Embora seu trabalho seja mais recente do que as baldeações de Riobaldo, e ainda que desvinculado da questão regionalista, o pensamento de Pierre Lévy assume, como o sertão de Guimarães Rosa, um caráter coletivo e universal.

Lévy costuma debater o que poderíamos chamar de as camadas do conhecimento. Segundo ele, talvez a crise

atual dos pontos de referência e dos modos sociais de identificação indique o surgimento, ainda mal percebido, de um novo espaço antropológico, o da

inteligência e do saber coletivos que comandaria os anteriores, mas não os faria desaparecer. A novidade, nesse domínio, é tripla: deve-se à velocidade de evolução dos saberes, à massa de pessoas convocadas a aprender e produzir novos conhecimentos e ao surgimento de novas ferramentas (a Internet, por exemplo) que podem fazer surgir, por trás do nevoeiro informacional, paisagens inéditas e distintas, identidades singulares, específicas desse espaço, novas figuras sócio-históricas.

Citando Pierre Lévy:

Inteligência Coletiva é uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências. Sua base e objetivo são o reconhecimento e o enriquecimento mútuos das pessoas, e não o culto de comunidades fetichizadas ou hipostasiadas.

E da Internet fazemos a volta para o início dos tempos da filosofia, para lembrar Horácio.

Carpe Diem tornou-se um convite

de tamanho apelo que a gente acaba se desapontando com o original de Horácio. O poeta aconselha seu amigo não a ir à luta e conquistar o mundo, mas sim a voltar ao trabalho de sempre.

Ninguém sabe o que os deuses lhe reservam, assegura Horácio; então, a melhor coisa é parar de sonhar com o futuro, admitir que a vida é curta, e colher os frutos de hoje. (HORÁCIO, Livro I, 0 de 11)

Enfim, o viver prudente e organizado é a mesma recomendação a Riobaldo, à página 366 de Grande Sertão: Veredas:

[...] existe uma receita, a norma dum caminho certo, estreito, de cada

(14)

LITERA

TURA

E COMUNICAÇÃO

pessoa viver – e essa pauta cada um tem – mas a gente mesmo, no comum, não sabe encontrar; como é que sozinho, por si, alguém ia poder encontrar e saber? Mas, esse norteado, tem. Tem que ter. Se não, a vida de todos ficava sendo sempre o confuso dessa doideira que é.

DESTINO

O que se assenta justo é cada um fugir do que bem não se pertence. Parar o bom longe do ruim, o são longe do doente, o vivo longe do morto, o frio longe do quente, o rico longe do pobre. (p. 294)

Esta frase parece remeter à dialética dos opostos de Hegel. Se Deus é a tese e o Diabo a antítese, não seria o homem a síntese?

Thomas Hobbes descreve o homem em seu estado natural, como egoísta, egocêntrico e inseguro, que não conhece leis nem tem conceito de justiça; que segue os ditames de suas paixões e desejos temperados com algumas sugestões de sua razão natural.

Onde não existe governo ou lei, os homens naturalmente caem em contendas. Desde que os recursos são limitados, ali haverá competição, que leva ao medo, à inveja e à disputa. Os homens também naturalmente buscam a glória, derrubando os outros pelas costas, já que, de um modo geral, as pessoas são mais ou menos iguais em força e inteligência, nenhuma pessoa ou nenhum grupo pode, com segurança, reter o poder. Assim sendo, o conflito é perpétuo, e

cada homem é inimigo de outro homem. Assim

é em Grande Sertão: Veredas.

Nesse estado de guerra nada de bom pode surgir. Enquanto cada um se concentra na autodefesa e na conquista, o trabalho produtivo é impossível. Não existe tranquilidade para a busca do conhecimento, não existe motivação para

construir ou explorar, não existe lugar para as artes e letras, não existe espaço para a sociedade só medo contínuo e perigo de morte

violenta. Então a vida do homem nesse

estado é, segundo a famosa frase de Hobbes,

solitária, pobre, sórdida, brutal e curta.

Tal visão, que é de conformidade com a desconfiança, desespero da época, obvia-mente dispensa qualquer referência a Deus. Em particular, ela dispensa qualquer refe-rência ao papel de Deus no governo, que Hobbes via como um produto humano. O governo surge quando o homem, impulsio-nado pela razão, busca uma boa maneira de evitar seu desesperado estado natural de conflito e medo, esperando atingir a paz e a segurança. O homem escolhe reconhecer um poder comum, contanto que seu vizi-nho faça o mesmo, porque só tal coisa pode manter a ordem. Esse poder, então, tem a obrigação de manter a segurança comum; sua ação é através da lei e sua expressão é força incontestável. Pois à medida que o po-der é repartido, o conflito vai surgir.

Por isso Hobbes pensava na monarquia como a melhor forma de governo: só um poder como o Leviatã, que está acima da lei - e portanto sujeito a nenhuma autoridade maior - pode realmente, e efetivamente, manter uma nação. É claro que os reis vão provocar brigas com outros reis mas, mesmo admitindo isso, Hobbes não advogava um governo mundial centralizado. A seu ver, contanto que as coisas estejam estáveis em casa, é bom que os reis busquem glórias no estrangeiro.

Infelizmente, as ideias de Hobbes virtualmente não fizeram ninguém feliz. Ele era monarquista demais para o pessoal do contrato social e, para os monarquistas, era influenciado demais pelo contrato social; além do mais, seus pontos de vista chocaram muitas pessoas que os consideraram ateístas, embora Hobbes negasse a acusação. O fato é que seu pensamento era complicado e idiossincrático demais para qualquer um engolir facilmente. Contudo, influenciaria a filosofia e a ciência política por gerações. (Spinoza é um dos discípulos notáveis de Hobbes.)

(15)

LITERA

TURA

E COMUNICAÇÃO

JUSTIÇA

... que, por todo o mal, que se faz, um dia se repaga, o exato. (p. 14)

Matar, matar, sangue manda sangue. (p. 21) Embora as assertivas acima remetam a Talião, Aristóteles (1995) fala da justiça distributiva. Na terceira parte do Livro V, ao discorrer sobre a equidade como virtude:

Se as pessoas não são iguais, não receberão coisas iguais; mas isso é origem de disputas e queixas (como quando iguais têm e recebem partes desiguais, ou quando desiguais recebem partes iguais). Ademais, isso se torna evidente pelo fato de que as distribuições devem ser feitas de acordo com o mérito de cada um, pois todos concordam que o que é justo com relação à distribuição, também o deve ser com o mérito em um certo sentido.

E não há como ignorar que, dentro dos códigos sociais apontados por Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas, as personagens em geral são profundamente justas, a ponto de voluntariamente suportarem grandes sofrimentos para expiarem faltas.

PAPEL DA RELIGIÃO

Por isso é que carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura. No geral. Isso é que é a salvação-da-alma... Muita religião, seu moço! Eu cá não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio... Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, embrenho a certo; e aceito as preces de

compadre meu Quelemém, doutrina dele, do Cardéque. (p. 8)

Somemos, não ache que a religião afraca. (p. 13)

Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim dá certo. Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença de coisa nenhuma! Porque existe dor. (p. 48)

Deus existe mesmo quando não há. (p. 48) O que lembro, tenho. (p. 145)

Karl Marx diz que a religião é o anelo da criatura esmagada pela desgraça, a alma de um mundo sem coração – como é o espírito de uma época sem espírito. – É o ópio do povo. (Cf. Marx, 1844)

O sofrimento religioso é, a um único e mesmo tempo, a expressão do sofrimento real e um protesto contra o sofrimento real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração e a alma de condições desalmadas. É o ópio do povo.

É a visão idolatra que norteou o movimento socialista, agnóstico e pragmático. É interessante citar o trabalho de Raymond Aron (Cf. 1959), nesse vetor de pensamento, para uma análise da fé e da Igreja no mundo moderno. Ele diz que são os intelectuais que permanecem à procura de uma religião, mas pergunta se pode uma doutrina sem Deus ser chamada de religião. Pode definir-se a religião de tal modo que ela abranja os cultos, ritos e paixões das tribos chamadas primitivas, as práticas do confucionismo e os sublimes impulsos do Cristo ou de Buda; mas qual é o sentido de uma religião secular no Ocidente, em meio impregnado de cristianismo?

O bolchevismo se desenvolveu a partir de uma doutrina econômica e política, numa época em que declinavam a vitalidade espiritual e a autoridade das Igrejas. Os ardores que em outros tempos teriam podido exprimir-se em crenças

(16)

LITERA

TURA

E COMUNICAÇÃO

propriamente religiosas tomaram por objeto a ação política. O socialismo apareceu menos como uma técnica aplicável à gestão das empresas ou ao funcionamento da economia que como uma ruptura com a infelicidade secular dos homens.

As ideologias de direita ou de esquerda, o fascismo como o bolchevismo, inspiram-se na filosofia moderna da imanência. São atéias, mesmo quando não negam a existência de Deus, na medida em que concebem o mundo humano sem referência ao transcendente. (Cf. Aron, 1959)

Schopenhauer, em contrapartida, acha

que nossa religião, moralidade e filosofia são

instituições decadentes. O contra-agente,

segundo ele, é a arte.

É a arte o resultado de insatisfação com a realidade? Ou é a expressão da gratidão pela felicidade experimentada? No primeiro caso é romantismo; no segundo é a glorificação e ditirambo (em resumo, arte apoteótica). Homer é um artista da apoteose; Rubens também. A música não teve ainda tal artista. (Cf. Schopenhauer)

Muitas pessoas fazem uma ligação en-tre a falta de fé ou crenças com os ideais existenciais. O existencialismo pouco tem a ver com fé, porque não é uma escola de pensamento. Aliás, uma característica inte-ressante nos três luminares do existencia-lismo, Jaspers, Heidegger e Sartre, é o seu individualismo exagerado. Pascal e Kierke-gaard, por exemplo, eram cristãos dedica-dos, o primeiro católico e o segundo pro-testante. Dostoieksky era greco-ortodoxo. Kafka era judeu. Hegel muito religioso.

Sartre era praticamente o único declaradamente ateu. Mas, como foi o grande divulgador da teoria existencialista, essa imagem ficou.

Para entender o significado de existen-cialismo, é preciso entender que a visão que o mundo assimilou do Existencialismo

de-rivou das obras de três ativistas políticos, não de puristas intelectuais. E esta visão foi difundida pelos norte-americanos. Os Es-tados Unidos aprenderam o termo

existen-cialismo – criado por Jean-Paul Sartre para

descrever suas próprias filosofias – depois da Segunda Guerra (até 1950, o termo era aplicado a várias escolas divergentes de pensamento). Apesar das variações filosófi-cas, religiosas e ideologias polítifilosófi-cas, os con-ceitos do Existencialismo são simples:

• A espécie humana tem livre arbítrio; • A vida é uma série de escolhas,

criando stress;

• Poucas decisões não têm nenhuma consequência negativa;

• Algumas coisas são absurdas ou ir-racionais, sem explicação;

• Se você toma uma decisão, deve le-vá-la até o fim.

Além dessa curta lista de conceitos, o termo existencialismo é aplicado amplamente.

Até esses conceitos não são universais dentro das obras existencialistas. Blaise Pascal, por exemplo, passou os últimos anos da sua vida escrevendo em apoio da predeterminação. Segundo ele, os homens acham que têm livre arbítrio apenas quando tomam uma decisão.

Os Escolásticos – nome que ganharam por preferirem as palavras à experiência – acalentaram a esperança de tornar a teo-logia científica. Eles esperavam resolver as aparentes contradições entre a ciência anti-ga e os ensinamentos das escrituras, e ofe-recer explicações racionais ou provas dos conceitos teológicos (a existência de Deus, por exemplo).

Levadas ao extremo, uma das supo-sições que a navalha de Occam dispensou foi a da existência de Deus. Ele acreditava que Deus existe, mas considerava que não se poderia provar isso, porque para fazê-lo havia que se recorrer a argumentos extre-mamente complexos e difíceis de acreditar. Os teólogos queriam uma prova científica de Deus; mas o que Occam dizia, e que a maioria das pessoas eventualmente aceita-va, é que a ciência e a teologia têm objetos diferentes e requerem métodos diferentes.

(17)

LITERA

TURA

E COMUNICAÇÃO

Kant, um expoente do Iluminismo, afir-mou a liberdade do homem e a autonomia do seu pensamento, e lutou intensamente contra a tendência vigente de desvaloriza-ção da religião – acreditava-se que o valor da ciência tendia a substituir Deus, a afastá--lo da ação cotidiana do homem.

CONCLUSÃO

DE QUEM ESTAMOS FALANDO?

DE MIM, DO OUTRO, OU DO OUTRO QUE HABITA EM MIM?

A análise de Grande Sertão: veredas, de Guimarães Rosa começa, necessariamente, pelo título.

DE QUEM ESTAMOS FALANDO? Ao mesmo tempo em que fala do Grande Sertão e suas pequenas veredas, estaria Guimarães Rosa falando do

grande ser, o divino, o transcendente, o maior de todos?

Ou então se referiria à potencialidade do homem, que é um grande ser, em potência, e que o será efetivamente depois de vencidas as veredas de sua existência?

Supondo-se que falasse de ambos, criador e criatura, falaria ele de opostos ou estaria mais fazendo a síntese, desvelando o divino no humano pelo papel catártico da dor e do amor?

Então, afinal, de quem está falando Guimarães Rosa? De Riobaldo, sozinho, ou do Riobaldo coletivo? De mim mesmo, dele próprio, de você, leitor deste trabalho, do outro que há em cada um? Ou de todos esses de uma vez?

OS CONTRASTES

Um segundo ponto a ser discutido é que a narrativa tristonha, e até dramática, de Grande Sertão: Veredas tem laivos do humor pedagógico do capiau mineiro, que ensina pela graça e pela ironia. A própria oposição do drama e do cômico é traço barroco na escritura de Guimarães Rosa.

E esse aspecto barroco da obra é algo que tomamos como conclusão. A obra reflete contrastes – e o verbo não foi escolhido à toa, porque a verdade que se esconde atrás das aparências, na travessia de Riobaldo, guiado pela graça de Deus, Diadorim, pelo Grande Sertão: Veredas, é a mesma verdade que se esconde atrás da superfície em que o autor se vê ou se procura ver em O espelho. Contrastes, no fundo, contrastes, no raso. Aparências e verdades, livre arbítrio e predestinação, bem e mal, certo e errado.

E, de novo, não resistimos aqui a fazer a aproximação do conto O espelho com o romance Grande Sertão: Veredas: porque nos parece que a travessia sobre o abismo

que nos separa da identidade é nossa única condição, isto é, continuamos índios primitivos, como os aqui encontrados, sem espelhos e sem conseguir ver: nonada.

MUNDO MUNDO, VASTO MUNDO

Ainda que para Guimarães Rosa a preocupação com a palavra tenha sido meticulosa e permanente, e não ocasional, é certamente exagero ver na obra roseana uma aplicação do Platonismo.

Reinventando a linguagem para reforçar o autêntico falar regional, João Guimarães Rosa logra registrar a poética do falar sertanejo. E desfila pérolas da oralidade não apenas para exibir a espontaneidade dos diálogos, mas para evidenciar como era difícil para Riobaldo organizar as ideias para narrar suas vivências.

(18)

LITERA

TURA

E COMUNICAÇÃO

Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas – de fazer balance, de se remexerem dos lugares.

A própria noção de completude da narrativa, por força da intensidade de sentimentos que revela, fica algo confusa na mente de Riobaldo e portanto nas frases que pronuncia. À página 530 pede desculpas ao interlocutor de não conseguir pôr fim ao seu contar: O senhor não repare. Demore, que eu conto. A vida da gente nunca tem termo real.

Mas à página seguinte anuncia: O céu vem abaixando. Narrei ao senhor. No que narrei, o senhor talvez até ache mais do que eu, a minha verdade. Fim que foi. Aqui a estória se acabou. Aqui, a estória acabada. Aqui, a estória acaba.

A sequência de tempos verbais conta da revolução interior do sertanejo narrador. Para mostrar um fim que foi (um tempo passado relativo ao tempo da narrativa), usa o pretérito perfeito. Logo em seguida, usa o imperfeito para indicar que a narrativa estava posta dentro de um passado, e note-se que a palavra acabada assume notação de particípio e, portanto, de adjetivo. E, afinal, até porque vai prosseguir a narrativa a partir da morte de Diadorim, encerra o pensamento com o presente do indicativo, indicando a pendência de desfecho.

Como se dissesse: aquele foi o fim que foi, mas qual será o fim que será?

Não podemos deixar de mencionar o que bem lembrou Heloísa Vilhena de Araújo na obra citada (página 33), de que o nome Diadorim significa dom de Deus (dia é o nome grego para

Zeus, e doros significa presente, dom). Portanto,

é a graça de Deus que acompanha Riobaldo em sua viagem pelo sertão.

E, igualmente, pela escansão do título do livro (Grande ser/tão), estaria Guimarães Rosa falando do Grande Ser, de Deus? Ou seria do homem, este grande ser em pecado, que seria purificado?

Novamente, está posto um questiona-mento filosófico do homem diante do seu

papel no mundo, no tempo, na vida, no uni-verso e no sertão, e da finitude de tudo.

E, enquanto Riobaldo/Rosa se questio-na, os óculos de Miguilim embaçaram-se. A capela de Manuelzão ganhou seu santo definitivo. Tresaventuras...

NOTAS

1 ) “Eh, que se vai? Jàjá? É que não. Hoje, não. Amanhã, não. Não consinto. O senhor me desculpe, mas em empenho de minha amizade aceite: o senhor fica. Depois, quinta de-manhã-cedo, o senhor querendo ir, então vai, mesmo me deixa sentindo sua falta. Mas, hoje ou amanhã, não. Visita, aqui em casa, comigo, é por três dias!” (Página 17) 2 ) A assertiva de universalização do sertão aparece em vários outros momentos do livro. Por exemplo: “O sertão é do tamanho do mundo”, “sertão é o sozinho”, “sertão: é dentro da gente”, “sertão é sem lugar”, “sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar”, “Sertão. O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias”, “o sertão está em toda parte”. 3 “) Guimarães Rosa: um clássico”, Ariano Suassuna. Caderno Folha

Ilustrada, 18 de dezembro de 2000.

4 ) 5 Trata-se do Manifesto Antropófago, de Oswald, lançado em 1928 e motivado pelo quadro Abaporu, de Tarsila do Amaral, no qual são formuladas as bases de uma política cultural, sustentada pelo canibalismo dos índios, historicamente representado pelo devorar canibal de Frei Sardinha. Em sua lúcida visão sobre o processo constitutivo de nossa cultura, Oswald percebe que só a antropofagia (o “devorar” elementos da cultura estrangeira e misturá-los na ruminação violenta, transformando em dejeto para ser devolvido) será capaz de estabelecer um ponto de união entre os vários “brasis” aqui existentes, sem que nenhum deva ser tomado como única identidade possível. 5 ) COUTINHO, Eduardo. Em busca da terceira margem: ensaios sobre o Grande sertão: veredas. Salvador, Casa de Jorge Amado, 1993.

(19)

LITERA

TURA

E COMUNICAÇÃO

REFERÊNCIAS LIVROS

ARAÚJO, Heloísa Vilhena de. O Roteiro de

Deus. São Paulo: Editora Mandarim, 1996.

________________________. Guimarães

Rosa, Diplomata. Rio de Janeiro:

Edição Itamaraty/Funag, 1987. ARISTÓTELES, Ética Nicomáquea. 3ª edição. Madrid: Editorial Gredos, 1995. ARON, Raymond. Mitos e Homens. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1959. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte

e política. São Paulo: Brasiliense, 1986.

BERGSON, Henri. O riso – ensaio sobre a significação do cômico. RJ: Zahar Editores, 1983. COUTINHO, Eduardo. Em busca da terceira

margem: ensaios sobre o Grande sertão:

veredas. Salvador: Casa de Jorge Amado, 1993. DROZ, Geneviève. Os Mitos Platônicos. Brasília: Editora UnB, 1997.

JOLIVET, Regis. Curso de Filosofia. 3ª edição. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1957.

MARX, Karl. Uma Contribuição à

Crítica da Filosofia do Direito de Hegel

(1844). Consultado na Internet.

NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Editora Martin Claret, 2001.

PLATÃO, Apologia de Sócrates, Banquete. São Paulo: Editora Martin Claret, 2001. ________, República, São Paulo: Editora Martin Claret, 2001. RIBEIRO, Darcy. Povo brasileiro: a

formação e o sentido do Brasil. 2ª edição.

São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986. ___________________. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1977. TERRA, Roberto – org. Duas Introduções à Crítica

do Juízo. São Paulo: Editora Iluminuras, 1995.

ARTIGO

SUASSUNA, Ariano. “Guimarães

Rosa: um clássico”. Caderno Folha Ilustrada, 18 de dezembro de 2000.

Referências

Documentos relacionados

Como já afirmamos, o acompanhamento realizado pelas tutorias é nosso cartão de visitas, nossa atividade em que o objeto social do Gauss se manifesta de forma mais

6 Consideraremos que a narrativa de Lewis Carroll oscila ficcionalmente entre o maravilhoso e o fantástico, chegando mesmo a sugerir-se com aspectos do estranho,

Utilizado para o mapeamento e documentação da rede interna, o sistema também permite documentar todo os detalhes da rede e todas as conexões físicas.. FIGURA 3 –

O município de São João da Barra, na região Norte do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, passa atualmente por um processo de apropriação do seu espaço por um ator que, seja pelo

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

A ordem decrescente da magnitude do efeito observado, para cada um desses fatores, em termos do rendimento, na transesterificação foi: concentração do catalisador > tipo

Todavia, o Poder Judiciário tem entendido em sentido contrário, restando assente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que a alíquota de contribuição para o SAT é aferida

É importantíssimo que seja contratada empresa especializada em Medicina do Trabalho para atualização do laudo, já que a RFB receberá os arquivos do eSocial e