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Vista do O impossível da educação como processo e a constituição do sujeito no campo da cultura. Alguns apontamentos sobre o ensinar e o educar

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Academic year: 2021

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O (im)possível da educação como processo e a

constituição do sujeito no campo da cultura: alguns

apontamentos sobre o ensinar e o educar

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Polyana Ribeiro de Assis Corrêa Professora de Língua Portuguesa na rede pública municipal de Guaratinguetá. Mestranda em Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade pela UNIFEI (Universidade Federal de Itajubá). Especialista em Língua Portuguesa: Gramática e Uso pela UNITAU (2013) e em Ética, Valores e Cidadania na Escola pela USP (2014)

Rogério Rodrigues Docente Associado Nível II da Universidade Federal de Itajubá - UNIFEI. Tem experiência na área de Educação - Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior. Trabalha na linha de pesquisa: Fundamentos da Educação; Educação do corpo; Educação, Saúde e Trabalho. Atualmente, desenvolve o projeto de pesquisa intitulado: A educação entre as práticas e os discursos: a aprendizagem escolar e o processo de formação cultural do sujeito. (Projetos de Pesquisa em Educação Básica Acordo CAPES FAPEMIG/2013 APQ-03301-12). Professor e Pesquisador do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade (UNIFEI). Área de interesse: Educação, Saúde e Trabalho.

Resumo

É notória a desqualificação da educação básica contemporânea, diante de dados que evidenciam a crise da educação. Acredita-se que parte dessa desqualificação está ligada à falta de compreensão sobre a prática educativa, principalmente, a diferenciação entre o ensinar e o educar. Diante disso, o presente trabalho tem como objetivo analisar se as práticas cotidianas escolares, especificamente, no processo de alfabetização, caracterizam-se como produto ou como processo. Para tal, realizou-se pesquisa de campo com observação participante e diário de campo nos anos iniciais da educação básica, especificamente, nos 1º, 2º e 3º anos do Ensino Fundamental. A fundamentação teórica acerca da relação entre desenvolvimento e educação e o ensinar e o educar pauta-se em Adorno (1995), Arendt (2011), Freud (1990), Guattari (1981), Larrosa (1999), Marx (1983), Rodrigues (2013), Silva (2002). Conclui-se que a escola deve encaixar-se nos parâmetros das sociedades democráticas: equidade, igualdade, solidariedade e desenvolvimento humano, diferenciando-se do mercado que objetiva a excelência e a competitividade individual, uma vez que o mercado tenta reduzir os valores sociais, éticos e educativos da escola aos objetivos relacionados à produção fabril.

Palavras-chave

Fundamentos da Educação; Ensinar; Educar; Processo de alfabetização.

Abstract

It’s noticeable the disqualification of the contemporary basic education. It’s believed that part of this disqualification is linked to the lack of comprehension about the difference between teaching and educating. With that being said, the present work has for objective to analyze if the school daily practices in the process of literature is characterized as product or a process.

1 O referido artigo trata-se de parte da pesquisa realizada no mestrado em Desenvolvimento, Tecnologia e Sociedade do programa Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI).

2 Agradecemos o apoio aos Projetos de Pesquisa em Educação Básica – Acordo CAPES – FAPEMIG. (Processo Nº CHE-APQ-03301-12).

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For that, it was done a field research with a present and constant observation to the early years in the beginning of the basic education, specifically on the 1st, 2nd and 3rd grades. The theoric foundation about the relationship between development and education as well the teaching and tutoring in Adorno (1995), Arendt (2011), Freud (1990), Guattari (1981), Larrosa (1999), Marx (1983), Rodrigues (2013), Silva (2002). It’s known that the school should fit in the parameters of a democratic society: equity, equality, solidarity and human development. Being different from the market that aim the excellence and individual competitively, which the market try to reduce social values, ethics and school development to the objectives related to a production scale.

Keywords

Foundations of education; Tutoring; Teaching; Educating; Tutoring process.

Introdução

Ao se lançar um olhar para a sociedade, nota-se que muito se fala em desenvolvimento voltado aos índices econômicos, ao aumento de rendas individuais e ao crescimento do Produto Interno Bruto, mas não se pensa em desenvolvimento como “processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam” (SEN, 2010, p. 15).

Quando se fala em desenvolvimento, compreende-se que desenvolvimento vai além das questões concernentes ao PIB ou ao aumento de lucros, rompendo com as privações da sociedade contemporânea que abrangem desde pobreza, disposições econômicas e sociais, acesso à saúde e à educação e negação de direitos civis e políticos, como é abordado por Sen (2010).

O desenvolvimento para além do econômico só se faz possível mediante o aumento das liberdades e, diante disso, educação básica está no cerne da questão por se tratar de um componente constitutivo do desenvolvimento e por possibilitar ao sujeito a conscientização das demais liberdades instrumentais e substantivas, contribuindo para sua formação como sujeito agente, ou seja, como membro público e participante de ações econômicas, políticas, sociais, ambientais, e de questões que envolvam a totalidade da sociedade e do indivíduo.

A educação, em seu aspecto geral e específico, é peça fundamental nessa proposta de desenvolvimento contrária ao fetiche econômico que subjulga o sujeito a mercadoria, como aborda Marx (1983), uma vez que possibilita ao educando acesso a liberdades instrumentais que poderão possibilitar a participação social, econômica e política de forma que este educando possa transformar-se num sujeito agente, por meio de uma formação crítica mediante uma educação como processo.

Diante desse quadro, o presente trabalho tem por objetivo analisar se as práticas cotidianas escolares, especificamente, no processo de alfabetização, caracterizam-se como produto ou como processo.

A pesquisa compreende ações para conhecer o cotidiano escolar no processo de alfabetização do 1º, 2º e 3º anos do Ensino Fundamental I, analisando as práticas educativas durante o processo de alfabetização, buscando compreender se as ações efetuadas permitem efeitos de melhoria na qualidade da educação.

Delimita-se a investigação nos 1º, 2º e 3º anos do Ensino Fundamental I mediante a proposta do Plano Nacional da Educação (BRASIL, 2011 - 2020) em que se estabelece como meta que o aluno seja alfabetizado até o 3º ano do Ensino Fundamental I e porque se entende que o processo de alfabetização é uma fase relevante em que o aluno começa a formar-se

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como sujeito e começa a conhecer a cultura letrada e a desenvolver suas habilidades. Proposta pela alfabetização que é reafirmada no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (BRASIL, 2013), no qual se estabelece como prioridade, nos três primeiros anos do Ensino Fundamental, a alfabetização das crianças até os 8 anos.

Dessa forma, essa pesquisa justifica-se mediante o recorte da necessidade de se investigar as interfaces entre a educação básica e desenvolvimento para que se possa entender a educação não apenas como instrumento para o letramento, mas como instrumento de cidadania e como uma liberdade substantiva que contribuirá para que desenvolvimento ultrapasse os interesses mercadológicos.

Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, realizada numa escola pública municipal, situada num bairro rural de uma cidade localizada no Vale do Paraíba, interior do estado de São Paulo. É realizado um estudo de caso e, por meio da observação participante, de entrevistas individuais, de questionários, de registros de falas das professoras e dos alunos em áudio e de diário de campo com as observações diárias.

Durante a pesquisa de campo, no processo de alfabetização, verificou-se a dinâmica em que o aluno é visto como coisa, um ser que precisa ser treinado para que metas sejam alcançadas, ou seja, não há preocupação com a formação desse indivíduo para a criticidade, para além de uma visão na qual o aluno seja um produto a ser moldado para o consumo.

Então, a indagação é lançada: Qual seria a diferença básica entre a educar e ensinar? As diferenças entre essas concepções são determinantes no papel do desenvolvimento social e econômico? Diante dessas questões, o texto traz a relação entre educação e desenvolvimento e, em seguida, a discussão que envolve o educar e o ensinar, a partir de observações da vivência nas séries do processo de alfabetização.

Acredita-se que seja preciso romper com a ideologia educacional atual para se reconstruir o verdadeiro sentido da educação a fim de que se consiga uma formação em que se considere o homem como inteiro, numa concepção de escola que seja “instrumento a serviço da instauração de uma sociedade igualitária” (SAVIANI, 1999, p. 75).

Educação e desenvolvimento

Hoje, ao se pensar as relações entre desenvolvimento e educação, são necessários alguns cuidados para realizar as medições que possam permitir a compreensão das possíveis determinações desses campos. Há quem considere não apropriadas as relações que associam diretamente educação com desenvolvimento, pois, muitas vezes, o educar está sendo interpretado como treinamento para o trabalho que atenda somente ao interesse de reprodução do capital.

No entanto, acredita-se que a concepção de educação associada ao desenvolvimento está relacionada aos diversos indicadores sociais que apontam para a qualidade de vida do sujeito. Neste caso, a educação deveria ser compreendida como um fator, entre tantos, que pode ser associado à qualidade de vida e, por isso, um elemento que pode favorecer a condição de o sujeito interpretar sua existência crítica, que permite o acesso à cultura, constituindo-se como um instrumento de cidadania.

A educação pode ser a peça fundamental nessa proposta de desenvolvimento não atrelada ao fetiche econômico, uma vez que a educação é considerada a base para o desenvolvimento includente, desde que se preocupe com a formação do sujeito em agente, sujeito esse que irá atuar como membro público e que participará de ações econômicas, políticas, sociais, ambientais, questões que envolvam a totalidade da sociedade e do indivíduo.

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Para tanto, compreende-se a educação a partir da teoria crítica de Adorno (1995) no campo da educação e a unidade escolar como local de trabalho especializado na transmissão do saber, no sentido de estabelecer a inserção do sujeito no campo da cultura científica. Essa inserção do sujeito na cultura científica é algo que também transforma a própria concepção de vida em relação à sociedade, portanto, o intelectual, na unidade escolar, deveria responsabilizar-se por essa intervenção, no sentido de autorizar-se para produzir no outro a diferença de si mesmo. Neste caso, o processo educativo é fazer do sujeito um “vir a ser” que se transforma e se constitui em novos costumes e valores, quando o intelectual assume sua autoridade que consiste na responsabilidade do professor pelo mundo e pelo aprendizado dos alunos.

O trabalho escolar pauta-se, muitas vezes, em objetivos e planos de ensino que têm como resultado a “formação do aluno crítico e participativo”, objetivos esses que compõem um discurso que não corresponde à dinâmica do real. Ao olhar os planos de ensino das escolas será possível encontrar objetivos voltados à criticidade e ao protagonismo, contudo, no cotidiano escolar pouco se vê em relação a ações que contemplam tais objetivos, uma vez que as práticas escolares estão voltadas a uma mecanização ligada aos interesses do capital.

E essa mecanização da educação básica, inclusive, do processo de alfabetização vem configurar o impossível da educação como processo e da constituição do sujeito no campo da cultura, uma vez que a escola não proporciona a democratização da cultura e não se busca a formação do aluno como um todo, mas se prioriza pelo “passar o ponto” e se limita aos interesses do capital, evidenciando toda a perversidade da educação contemporânea.

Educar e ensinar

A realidade escolar está em contraposição ao que propõe a teoria crítica da educação de Adorno (1995), pois se compreende que a cidadania do sujeito não se realiza numa sociedade fragmentada e, no caso da transmissão do saber, toda a organização do funcionamento da escola encontra-se pautada na divisão dos saberes em diversas ciências. Essa fragmentação do saber acaba por dificultar a produção do sujeito crítico e participativo.

Desse modo, as determinações do “projeto pedagógico” perdem-se em seus resultados, já que a condição da realização da cidadania é algo que escapa por completo como sendo o papel da escola. O “saber escolar” restringe-se a tarefas que não permitem ao sujeito contextualizar e transformar o real, não possibilitando assim que o aluno constitua-se como cidadão. Mesmo os parâmetros curriculares nacionais propondo competências e habilidades e a interdisciplinaridade, as escolas continuam fragmentando o conhecimento em áreas, promovendo um esvaziamento dos conteúdos, desqualificando as instituições escolares e limitando os alunos a uma mecanização, como destaca Silva (2002).

Toda meta do trabalho escolar seria muito mais simples, em termos de organização educacional, se fosse possível reconhecer que não se controla diretamente a produção do sujeito- cidadão crítico e participativo e que esses elementos – criticidade e participação – encontram seus determinantes presentes no tecido social, nas relações que se estabelecem entre desenvolvimento e educação.

Assim sendo, a condição da realização da cidadania é algo mais complexo do que os objetivos presentes no projeto pedagógico e do que aquilo que se encontra no objetivo de ensino. O papel da unidade escolar é colaborar, oferecendo instrumentos teóricos que possam permitir ao educando compreender a sociedade e também sentir-se representado como sujeito no tecido social. Para isso, de acordo com Larrosa (1999), a escola precisa ser um espaço em que o aluno tenha acesso ao conhecimento e à cultura, porém, o que ocorre hoje é um

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apagamento do sujeito, não se permite o encontro, a descoberta e a aventura durante as aulas. Neste caso, a questão da cidadania e sua produção nas atividades escolares é uma proposta paradoxal, ou seja, a escola é responsável pela produção da cidadania e, simultaneamente, a escola não produz a cidadania.

Na primeira vertente, que considera a escola como responsável pela cidadania, compreende-se que a rotina escolar deveria estar orientada para aspectos gerais e específicos que direcionam o sujeito a pensar sua relação com o coletivo e, principalmente, que toda ação individual corresponde a determinados efeitos na coletividade. Para tanto, a organização da transmissão dos conteúdos deveria pautar-se numa unidade interdisciplinar, proporcionando ao sujeito produzir relações mais amplas sobre o conhecimento transmitido no campo das ciências disciplinares e deveria haver espaço para que o aluno pudesse se manifestar sobre as diversas questões escolares e também participar das decisões que são tomadas.

Na segunda vertente, na qual é considerado que a escola não produz cidadania, entende-se que o sujeito encontra-se inserido no campo das relações humanas, em determinações objetivas e subjetivas e que o aparelho escolar é apenas um espaço de representação dos conflitos que se encontram presentes na sociedade. Para agravar essa situação, a divisão do saber em disciplinas fechadas em conteúdos específicos não permite aos sujeitos compreender amplamente a realidade.

Entre essas duas esferas que envolvem a questão da cidadania na unidade escolar, há que se tornar possível pensar esse paradoxo que se constitui na diferença entre o ensinar e o educar. Uma educação pautada na primeira ou na segunda vertente apenas ensina ao sujeito o que é cidadania.

O educar seria um trabalho adverso que consistiria em elaborar o conjunto das contradições entre o real concreto e o real pensado, no sentido de proporcionar ao sujeito as condições de assumir a responsabilidade, a autoridade e a autonomia durante sua existência na sociedade, numa dinâmica crítica e participativa.

No conjunto dessa obra paradoxal, da questão da cidadania realizada pela unidade escolar, encontra-se uma concepção hegemônica que interpreta o educar como algo que tem como resultado o sujeito que obtém uma alteração do comportamento e, principalmente, o domínio de determinados saberes/informações nas relações de ensino e aprendizagem. No entanto, o que seria a especialidade no domínio do saber escolar e quais suas relações com a produção da cidadania?

A resposta a essa pergunta pode determinar um corte entre o ensinar e o educar, pois, de um lado, para o ensino, o saber pode ser o apresentar a informação, e do lado do educar, o saber pode ser o representar criticamente a informação.

A diferença entre o apresentar a informação (ensino) e o representar pautado na crítica (educar) é compreendida como o que qualifica a condição do sujeito do saber, que, respectivamente, se encontra pautada na memória ou na elaboração do pensamento. Portanto, a compreensão das diferenças entre o ensinar e o educar leva também a pensar a separação entre o educar como produto e o educar como processo.

No caso do educar como produto (ensinar) no “projeto pedagógico”, cabe ao educador empenhar-se na tarefa de transmitir aos alunos diversos conteúdos que compõem a grade curricular. Nessa concepção de ensino, reduz-se, quase por completo, o encontro entre aluno e professor na instituição escolar com ampla objetividade, a ponto de que toda aula pode materializar-se em “dados” ou, como é conhecido no senso comum escolar, o “passar o ponto”. Isso, o “passar o ponto”, é o que caracteriza a ideia da educação como produto, pois se deve avaliar o desempenho da aprendizagem a partir de resultados objetivos, o que, na atualidade, corresponde a critérios que, na educação básica e superior, se referem,

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respectivamente, a ingresso na universidade ou no mercado de trabalho.

Na realidade escolar observada durante a pesquisa de campo, denota o “passar o ponto”, a transmissão do saber e não o processo ensino-aprendizagem, pois os professores colocam-se na frente da sala de aula com o livro na mão ou com uma folha de informações retiradas da internet, passando todo o conteúdo na lousa para que o aluno copie no caderno ou entregando uma folha desse conteúdo para ser colada no caderno.

Durante uma matéria nova, um novo conteúdo a ser abordado, não há diálogo, não se verificou nenhuma atividade que levasse o aluno à descoberta, à construção do conhecimento, não se viu nenhuma situação de provocação ou uma situação em que o professor considerasse o conhecimento prévio do aluno, o que facilitaria a assimilação daquele conteúdo.

O aluno das séries iniciais da educação básica é tratado como um mini adulto que deve absorver o máximo de informações passadas, fazendo o menor ruído possível para que tenha êxito e desenvolva-se. O sistema de ensino adotado pelos professores alfabetizadores é muito próximo ao modelo de produção industrial.

Numa fábrica, a matéria-prima é colocada numa esteira, dessa esteira é conduzida até uma máquina ou várias máquinas, voltando para a esteira, depois de várias rupturas e moldagens em sua estrutura, como um produto. Na escola a dinâmica é a mesma: há algo a ser moldado. O aluno entra na sala de aula, senta-se na sua carteira enfileirada, deve olhar o tempo todo para frente onde está o professor, e diante de todo o “ponto” que é lançado pelo professor, ele deve comportar-se de forma exemplar, assimilando o máximo possível de informações.

Todas as condições objetivas que potencializam essa vertente da educação como produto, no caso específico das “máquinas de ensinar”3, são otimizadas e apresentam-se como

elementos que produzem a “qualidade na educação”, o que, nessa concepção particular, constitui-se como uma pseudoqualidade na educação e atende, especificamente, aos determinantes do mercado como sendo um produto de qualidade.

O problema não se encontra em ingressar na universidade ou no mercado de trabalho. Aliás esses ingressos são demarcações importantes que se apresentam como ligações do sujeito com a sociedade. A presente crítica apresenta-se quando esses “elementos de ingresso” reduzem o papel da unidade escolar ao de “escola preparatória”.

Acredita-se que essa ideia da escola básica como “escola preparatória” é uma redução do papel da unidade escolar para um estágio do ensino voltado para uma meta/função de preparo para outro estágio maior, já que a unidade escolar se reduz à rotina de informar os conteúdos ou técnicas, respectivamente necessários para o ingresso na universidade ou no mercado de trabalho.

Tais critérios são reducionistas, pois não levam em consideração que a inserção no campo da cultura não atende diretamente ao ingresso na universidade ou no mercado de trabalho, os quais se encontram associados à lógica da reprodução do capital. O que se deseja, de fato, é a radicalização da função da “escola preparatória” para a inserção do sujeito no campo da cultura.

Diante disso, ao se observar a realidade dos 1º, 2º e 3º anos do Ensino Fundamental,

3 A ideia de “máquinas de ensinar” é trabalhada no projeto de dissertação de mestrado (em andamento) intitulado “Desenvolvimento, tecnologias e educação: a implicação do uso das tecnologias no processo de alfabetização”, inserido no programa Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade da UNIFEI, e elucida o uso das tecnologias como produto, no qual o humano deixa de ocupar o centro do processo e torna-se apêndice. Uma tecnologia encontrada em sala de aula que se constitui como uma “máquina de ensinar” são os livros didáticos, os quais são utilizados pelo professor como um manual de instrução, fazendo com que haja perdas no processo educativo, uma vez que o professor passa a ser instrumento da tecnologia, não possibilitando o desenvolvimento de sua autonomia, uma possível criticidade e reflexão diante do que é apresentado.

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verificou-se que as práticas não se preocupavam em levar o aluno a pensar, a dizer o que pensava, a argumentar, mas a ele cabia cumprir as atividades propostas sem fazer barulho e sentado em sua cadeira para que, no momento exato, pudesse adquirir êxito nas avaliações.

Nos meses de acompanhamento diário nas salas dos anos iniciais do Ensino Fundamental, os alunos não tiveram uma atividade em que se aprendesse ou tivesse contato com a leitura e com a escrita por meio do lúdico. Nesse tempo, o aluno manteve-se sentado em sua cadeira e quando levantava era advertido a voltar a sentar-se sem haver questionamento.

Um exemplo a ser citado foi durante a leitura de poesias de Vinicius de Moraes, pois os alunos estavam envolvidos num projeto da SME (Secretaria Municipal de Educação) que tinha como foco o poeta. Um dos alunos do 2º ano fez sons com a boca do animal da poesia que estava sendo lida: A foca. A professora, numa atitude de castração, advertiu

Psiu! Não quero sons impróprios, nem brincadeira na hora de trabalhar! Já disse e vou repetir só mais uma vez: Agora é hora de acompanhar com o dedinho. (Fala da professora do 2º ano)

Nessa concepção de educação como produto, o professor pouco se envolve com o aprender e o ensinar, não permite que os alunos manifestem-se durante a lição e não permite ainda que os múltiplos sentidos da aprendizagem extravasem a superfície e possibilitem a democratização da cultura. Não se assume a responsabilidade pelo ensinar, o professor não se compromete como intelectual nesse processo e não coloca as experiências como um “movimento da pluralidade do aprender” (LARROSA, 1999, p. 144). Pluralidade está ligada a inúmeras ações, como: descobrir, aventurar-se, respeitar, dialogar, pensar, comunicar, refletir, trocar com o outro, apreender, reformular, construir.

Os conhecimentos construídos pelas crianças não podem ser ignorados, mas devem ser olhados com atenção, pois riscos não são simples rabiscos, mas uma ânsia de tentar expressar-se e fazer uso da linguagem. Uma situação obexpressar-servada no 2º ano permitiu perceber como o aluno tenta incorporar o que aprende em sala de aula ao seu próprio saber, utilizando meios diversos para construir seu aprendizado. Ao perguntar sobre a tarefa de matemática para o 2º ano, a professora depara-se com a seguinte resposta

Tia, eu usei a ração do meu cachorro! Tinha continha que acaba meus dedinhos, aí eu peguei a ração e deu certo! Acredita? (Fala de um aluno do 2º ano)

Diante de tal resposta, a professora respondeu que ela já ensinou a calcular com a cabeça, que basta colocar alguns números na cabeça e outros no dedo. Ignorou-se a fala do aluno e principalmente a forma como ele buscou construir seu raciocínio.

Percebe-se o esvaziamento de sentido do processo de ensino-aprendizagem, pois as atividades são basicamente mecânicas, os professores não assumem a responsabilidade como ponte entre o aluno e o mundo e não se quebra com o autoritarismo professoral, para que se permita o falar e o olhar do outro, numa relação de implicância entre ensinar e aprender e de consciência de que o aprendizado ocorre na troca, na relação, numa construção permanente.

Portanto, em contraposição, o educar como processo deveria ser compreendido como o “projeto pedagógico” em que, no seu desempenho, o educador apresenta-se como intelectual. Este seria aquele que, ao entrar numa sala/quadra de aula, transmitiria os conteúdos para além do ensinar, porque atuaria como responsável, com autoridade para inserir o outro no campo da cultura. Para tanto, posicionar-se-ia criticamente perante a ciência.

Dessa forma, as “máquinas de ensinar” são utilizadas como elementos que colaboram com o processo educacional e posicionam o educador no papel de intelectual, porém não são esses elementos que caracterizam a qualidade. Nessa concepção, a educação é pensada para

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além da espetacularização dos recursos tecnológicos e do mercado, rompe-se com os modelos estabelecidos e com a concepção do aluno como objeto. É aqui que a qualidade na educação apresenta-se como sendo uma construção pontual que se realiza no encontro entre os sujeitos no campo escolar. Dir-se-ia que essa qualidade na educação não é possível materializar-se objetivamente e deve, a cada encontro, ser reconstruída como sendo a realização de uma tarefa humana daqueles que desejam pensar a cultura e está nas relações humanas.

Essas diferenças, basicamente, colocam o sujeito educador entre aquele que repete a informação e aquele que elabora a informação, na concepção do papel do sujeito crítico, no campo educacional. É isso que estabelece um corte entre a educação como produto e a educação como processo: a questão de inserir o sujeito no campo da cultura ou não.

O ensinar associado ao educar como processo deveria constituir-se em uma ponte entre o saber e a constituição do argumento crítico. Desse modo, a função do educador está para além do aprendizado pautado na informação, pois deve ocorrer o trabalho do pensamento na elaboração, que se estabelece na relação com os conteúdos e compreensão crítica do real. O professor, numa relação de responsabilidade e implicância, tem o papel primordial de possibilitar o movimento da sala de aula para o mundo, promovendo instrumentos para que o aluno possa desenvolver-se, modificando seu estado inicial em direção a uma mudança pessoal, social, política.

Entender a educação como processo, é ultrapassar a ideia de que a escola deva contemplar apenas ações voltadas para o desenvolvimento econômico, é pensar a educação num contexto em que a escola seja um espaço social de ensino-aprendizagem que permita o acesso ao conhecimento acumulado pela humanidade, conhecimento esse que permitirá a formação do aluno como sujeito social, tendo acesso à cultura, dialogando com o mundo que o cerca, construindo conhecimentos e formando opinião a partir dessa relação estabelecida, mas para que isso ocorra o professor deverá ser o elo entre o aluno e o mundo, corroborando sua autoridade e sua responsabilidade, como aborda Arendt (2000), assumindo o papel de intelectual nesse processo.

Neste contexto, o elemento primordial para a ruptura entre o ensinar e o educar seria o diálogo que se produz no encontro entre os sujeitos na unidade escolar. E a postura crítica do educador perante o saber elaborado é algo que corresponde à diferença que se estabelece entre uma educação como produto e uma educação como processo na transmissão do saber.

A educação como produto encontra-se muito próxima da teoria comportamental, que se resume à lógica simples dos esquemas em que o estímulo aplicado no sujeito produz uma determinada resposta. Cabe ao educador analisar o conjunto dessa resposta e estabelecer o retorno, que alimenta o próprio sistema. O aluno é visto sob uma óptica fabril, na qual aquele que produz é quem faz as atividades propostas com agilidade, as quais passam pelo controle de qualidade do professor e são aprovadas ou não. Essa concepção de ensino pode estabelecer os seus ajustes na questão da eficiência e eficácia do ensino, e, portanto, a questão central seria reinterpretar esse modelo para, verdadeiramente, compreender a dinâmica das relações que se estabelecem entre o “eu” e o “outro” no campo escolar.

Essa preocupação em possibilitar a educação como processo está fundamentada no fato de se entender os conteúdos científicos como construções históricas, que deveriam estar inseridos na interpretação do sujeito. Sem esse trabalho intelectual de compreender tais conteúdos como produção humana e de recusar que sejam apresentados nas unidades escolares descontextualizados, eles tornam-se sem função operante para o pensamento crítico e as atividades continuam mecânicas e sem sentido.

Assim, o papel do intelectual é atuar nas relações educativas como mediador dessa interpretação do “real concreto” e, portanto, como aquele que reconhece a função da ciência, que está realizando a transmissão do saber, e que apresenta no conjunto de estratégias para

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constituir o sujeito no campo da cultura.

Pode-se ensinar para os alunos diversas coisas da matemática, física, química: enfim, todo um conjunto de ciência. No entanto, sem a possibilidade de interpretar a dinâmica que se encontra presente na construção dessas ciências, as disciplinas escolares apresentam-se como um conjunto de informações completamente alheias para serem memorizadas, mas não interpretadas e compreendidas como elementos que possam produzir sentido como algo relacionado com a “experiência de vida”.

Num primeiro apontamento, pode-se afirmar que o ensinar está para o entendimento e que o aprender está para outra esfera, que é a compreensão, a qual requer um grau de sofisticação do pensamento, que se encontra para além do acúmulo de informação. O trabalho do pensamento é um trabalho de interpretação da realidade.

Em muitos casos, foi falado para os alunos do curso de graduação, nas licenciaturas, que se o papel do professor for pautado na transmissão de informação e, principalmente, na avaliação do aluno pela memória desses dados, acaba-se por destituir o papel fundamental da educação que se encontra no fato de permitir ao sujeito a condição de pensar e elaborar sua condição de existência.

Neste caso, o educar como sendo somente a transmissão de informação constitui-se no paradigma de compreender o sujeito como máquina para armazenar informação, como, por exemplo, um “pen-drive” que se constitui como um objeto que possui maior capacidade acumulativa que o sujeito. Portanto, a diferença, em termos de qualidade na educação seria entre a coisa/objeto com capacidade de acumular informação e o aluno sendo o sujeito pensante como aquele que pode inovar e criar algo completamente diferente com o saber disponibilizado no campo da cultura.

No caso do objeto, a informação pode ser acessada como um dado, cabendo ao sujeito interpretá-la e transformar o real a partir de sua posição de existência política. Essa passagem entre a informação e a condição de pensar é que define o verdadeiro papel da unidade escolar no projeto pedagógico de formar o sujeito crítico e participativo. A realização desse projeto pedagógico configura-se uma esperança de que o sujeito possa avançar com o conhecimento adquirido e assumir a condição de responsabilidade, autoridade e autonomia.

Em contrapartida, pode-se observar que, na contemporaneidade, os conteúdos das ciências e o centro da relação educativa tornaram-se neutros, a ponto de todo o processo educacional transformar-se em produto que se materializa no domínio de alguma técnica. Portanto, há perda por completo de aspectos primordiais do educar o outro, no sentido mais amplo da palavra, que se relaciona com um modo de ser do sujeito no campo da cultura.

Numa sociedade pautada no mercado, quase por completo, todos desejam apropriar-se de uma técnica que qualifique o sujeito perante o mercado de trabalho. Nesta vertente, a educação como produto posiciona os sujeitos na relação educativa como objeto neutro – sem responsabilidade, sem autoridade e sem autonomia. Nesta vertente educacional, de um lado, há aquele que administra o conteúdo científico como uma informação a ser passada, e do outro lado, há aquele que absorve a informação que o torna aparentemente capaz e competente e, principalmente, eficiente perante a lógica do mercado, mas que continua a corroborar a desqualificação da escola.

No interior dessas unidades escolares em que tudo é objeto, inclusive alunos e professores, percebe-se que os sujeitos atuam numa posição esquizofrênica, no sentido de o sujeito estar completamente destituído de sua humanidade, na relação de completo fechamento de si mesmo entre o “eu” e o “outro”. Nessa posição de fechamento em si mesmo, em que se destitui por completo o sujeito de sua própria humanidade, o que prevalece na relação entre o “eu” e o “outro” é a atuação do fazer pedagógico como sendo a realização do objeto manipulável no campo da “ciência educacional”.

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Nessas relações destituídas de humanidade, analisa-se qual seria a posição do professor: seria ensinar uma prática de atender aos alunos no sentido de que sejam tratados como objeto na demanda por realizar tarefas educacionais? Seria avaliar o outro e chancelar os “aprovados” e “reprovados”?

Na concepção de professor, entre o ensinar a fazer e o avaliar encontra-se uma linha demarcatória que torna grande parte das unidades escolares lugares sem contexto e, principalmente, sem sentido algum para uma sociedade emancipada. É muito fácil encontrar alunos que desejam ser mandados a fazer coisas e que querem ser ensinados e avaliados numa posição de objeto. Essa dimensão do ensinar e o avaliar um monte de coisas apresentam-se como perfil hegemônico no funcionamento da maioria das instituições escolares, em que há uma pseudoqualidade em termos de educação, qualidade essa mascarada por índices e por aprovações em exames externos.

O grande problema educacional é que nem sempre a condição do sujeito, que é tratado como objeto, cuja memória é treinada para assimilar o conteúdo, resulta na aprendizagem. Os diversos exames avaliativos indicam que esse viés educativo apresenta baixo rendimento escolar dos alunos, pois os exames oficiais indicam que

[...] em 2012, o desempenho dos estudantes brasileiros em leitura piorou em relação a 2009. De acordo com dados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), o país somou 410 pontos em leitura, dois a menos do que a sua pontuação na última avaliação e 86 pontos abaixo da média dos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). (...) Com isso, o país ficou com a 55ª posição do ranking de leitura, abaixo de países como Chile, Uruguai, Romênia e Tailândia. (UOL Educação)

Por isso, a grande tarefa a ser pensada por todos aqueles que se comprometem com o denominado “processo educacional” seria como romper com essa condição de perda de sentido no processo educacional em que se pode “(...) ensinar sem educar e pode-se aprender durante o dia todo sem, por isso, ser educado” (ARENDT, 2011, p. 247).

Seria importante que os educadores assumissem como problema o fato de que se pode “ensinar sem educar”, e isso seria o ponto central para se compreender toda a recusa e a falência do sistema educacional que lança como “produto final” sujeitos coisificados, destituídos de compreensão e representação simbólica do seu papel como sujeito no campo das relações sociais.

Pode-se identificar naquilo que se denomina curso de licenciatura, um lugar especializado na formação de futuros professores, sujeitos ocupados, em grande parte, em fazer um conjunto de atividades, mas perdendo o foco por não entender o verdadeiro papel do educar. Isso pode resultar em perda de ação na transmissão de conteúdos destituídos de valor e, sobretudo, de desejo de saber por parte daqueles que ensinam e dos outros que aprendem.

O quadro atual da educação é formado por professores com habilitação, mas com qualificação precária, sem formação crítica e sem compreender o educar, como aborda Silva (2002). É preciso repensar a formação inicial e continuada do professor para que ele possa exercer o papel de intelectual para além das medidas técnicas que são estabelecidas pelas Secretarias de Educação, pois de nada bastam pontos que serão acumulados na carreira profissional, mas que não proporcionam conhecimentos teóricos, práticos e políticos com os quais o professor possa implicar-se no processo de construção do conhecimento ao lado do aluno. Faz-se necessário romper com o “fazer por fazer” e com a ideia de o espaço escolar ser

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concebido como espaço de subsistência e não de desejo e de responsabilidade pelo mundo. A educação possui um papel primordial na instauração do novo e, portanto, o ponto crítico na crise da educação seria que essa instauração do novo implicasse outros processos educativos, que deveriam estar comprometidos em estabelecer uma resistência à sociedade de mercado e, principalmente, em restabelecer um novo sentido à tarefa de educar orientado para a emancipação do sujeito, rompendo com a lógica do consumo.

Para Arendt (2011), a questão de saber por que Joãozinho não sabe ler envolve muitos outros aspectos. Interpreta-se que a crise na educação pode estabelecer novos fatores associados à qualidade do ensino, que podem ser avaliados a partir de vários determinantes, sejam eles práticos, no interior da sala de aula, ou elementos institucionalizados pela administração pública.

Esses problemas no campo educacional já são identificados por Freud, no prefácio de “A Juventude Desorientada de Aichhorn”, o qual já anunciava que existem “(...) três profissões impossíveis — educar, curar e governar” (FREUD, 1990, p. 341). Na condição de analisar esses outros aspectos é que a opção de avaliar a qualidade da educação refere-se à tarefa do impossível de se compreender as relações entre as práticas e os discursos no interior da unidade escolar, no sentido de entender a hipótese de Arendt (2011) na radicalidade, mais propriamente de como a prática educativa poderia constituir uma resistência às concepções educativas que tratam o sujeito como objeto e permitir o surgimento de novas ideias que o faça se encontrar no aspecto da criticidade.

Parte-se do pressuposto de que a educação é algo que em si institui práticas e discursos e que também, por decorrência, institui a verdade sobre o sujeito por meio do processo de ensinar e aprender, numa dinâmica reflexiva constante. A escola precisa ser um espaço de movimento entre o aluno e o mundo, entre a cultura e o conhecimento sistematizado. Tem-se como hipótese de estudo, no campo educacional, que a aprendizagem encontra-se na polarização entre “o passado e o futuro”, que pode ocasionar o sucesso ou a falta na realização dessa tarefa de inserir as crianças no mundo adulto. Neste caso, cabe a responsabilidade do adulto numa escolha de mundo no qual deseja inserir a criança – o pathos da novidade, de acordo com Arendt (2011).

Partimos da compreensão que, em termos educativos, tanto o sucesso como o fracasso acabam por produzir algum tipo de eficácia no processo de formação cultural do sujeito no campo educativo, portanto, entende-se que a crise na educação seria uma fissura política nesta passagem entre o novo e o velho, que, nas palavras de Arendt (2011), tem relação com o papel a ser desempenhado pela educação, que seria o de começar um mundo novo.

Há dificuldade em compreender o que seria a qualidade na educação. No entanto, tem-se como hipótetem-se de investigação que é possível identificar, quanto à perda da qualidade na educação, que a intensificação das práticas e dos discursos sobre a questão da aprendizagem seria um modo de o educador evitar o enfrentamento dos problemas educacionais, conforme destaca Rodrigues (2013).

Sobre a perda da qualidade na educação, é possível identificar diversos fatores. Em uma conversa entre professores, numa instituição de ensino, um deles afirma ao colega de trabalho: “Não sei o que fazer: os alunos não estão conseguindo entrar na linguagem da ciência para compreender o assunto!”. Para se evitar esses desajustes nas metas educacionais, o educador circunscreve as práticas educativas por demasiadas explicações que, por um lado, justificam o real e, por outro lado, acabam também por produzir certo grau de eficácia no processo de formação cultural dos sujeitos. Portanto, a crise na educação seria uma oportunidade de pensar a passagem entre o mundo antigo e o mundo novo, que ainda se mantém sem solução aos problemas da pobreza e da opressão. Dir-se-ia que a grande questão para ser resolvida nessa passagem entre o mundo antigo e o mundo novo em termos

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educacionais seria resistir às

[...] novas formas de fascismo molecular: um banho-maria no

familialismo, na escola, no racismo, nos guetos de toda natureza, supre

com vantagens os fornos crematórios. Por toda a parte, a máquina totalitária experimenta estruturas que melhor se adaptem à situação: isto é, mais adequadas para captar o desejo e colocá-lo a serviço da economia do lucro. (GUATTARI, 1981, p. 188).

Assim, responder à questão de os alunos não entrarem no assunto e ficarem fora da linguagem da ciência seria compreender que outras formas de organização do pensamento encontram-se presentes em imagens e representações. Cabe a possibilidade de representá-las no conjunto da discussão que esteja voltada para a representação do real como sendo a “síntese de múltiplas determinações” (MARX, 1983, p. 218). O que seria essa “síntese das múltiplas determinações” no campo educacional?

A compreensão dessa “síntese” é o que diferencia o educador que atua no papel de professor daquele que atua na reprodução do sistema, agindo como “monitor” no papel de professor. O educador seria aquele que reconstrói o espaço da sala/laboratório/quadra de aula como um lugar da experiência humana. O professor é aquele que tenta conduzir o aluno ao encontro do conhecimento, num processo em que a formação não seja um fim, mas uma aventura, na qual a “viagem exterior se enlaça com a viagem interior, com a própria formação da consciência, da sensibilidade, do caráter do viajante” (LARROSA, 1999, p 53).

Já o monitor/instrutor de ensino seria aquele para quem o espaço da sala/laboratório/quadra de aula é um lugar em que prevalece a informação sem experiência humana, pois tudo se reduz ao ensino no sentido de apropriação da técnica interpretada como uma produção neutra, em que se minimiza o conhecimento a decorar regras, a repetições, a atos mecânicos que não possibilitam a formação crítica do aluno, mas perpetuam a lógica mercadológica de produção, eficácia e eficiência em uma estrutura seletiva e excludente da educação, de acordo com Silva (2002).

O educar é a possibilidade da realização de um algo a mais que se pauta na autoridade, na responsabilidade e na autonomia e cujos resultados não se controlam e, portanto, há necessidade da presença do educador como intelectual na relação para que sempre seja retomada a intervenção a fim de direcionar o sentido do produzir no outro os efeitos do “vir a ser” sujeito. Portanto, educar é compreender que a técnica, a ciência e a tecnologia não são neutras e que possuem a marca e, principalmente, o vínculo daquele que profere em suas palavras o modo de apropriar-se como um modo de fazer experiência humana, proporcionar a reinterpretação na existência do “vir a ser” sujeito e, principalmente, permitir a constante crítica que o instaura numa inconsistência que lhe permite inaugurar o inédito em ser o sujeito.

Considerações finais

A educação básica é de extrema relevância porque é por meio dela que a criança se inclui no mundo. Contudo, a educação hoje é vista sob a óptica de produto, pois se acomoda as massas e se sonda o desenvolvimento do aluno contabilizando a produtividade durante as atividades e não se consideram a criatividade, a espontaneidade, as falas e os pensamentos do aluno; a maioria das práticas de alfabetização acaba não possibilitando ao aluno o direito de pensar.

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O professor deve ser aquele que tenta conduzir o aluno ao encontro do conhecimento, num processo em que a formação não seja um fim, mas uma aventura, na qual a “viagem exterior se enlaça com a viagem interior, com a própria formação da consciência, da sensibilidade, do caráter do viajante” (LARROSA, 1999, p 53), não podendo ser ignorados alguns elementos, como, o meio em que o aluno está inserido, as pessoas com as quais ele convive e as experiências que se dão pelo caminho.

Para educar é preciso que o professor tenha implicância, mobilize e se sensibilize, capturando os sinais que o aluno transmite durante as atividades, sendo a escola um espaço de reinterpretação, transformação e diálogo com o mundo.

A possibilidade de transformação é aquela que rompe com o discurso determinante e com a subordinação do aluno, possibilitando o pensar e o movimento de fazer, refazer e desfazer ideias, conceitos e valores.

A ideia de educação como processo é a que coloca o aluno como aquele que terá um olhar crítico para o que o cerca, seja televisão, mídia, redes sociais, jornais ou informações que são colocadas, que reproduzem, manipulam e até falsificam os fatos. A educação como processo é a que possibilita ir além dos resultados de exames padronizados, mas que permite uma dinâmica de atividades na qual o diálogo, o pensar, a reflexão, a descoberta e a aventura são movimentos constantes a fim de que se possa olhar com criticidade para a espetacularização, ora dos recursos tecnológicos, ora das teorias pedagógicas milagrosas, num exercício de se buscar entender a realidade escolar. Entretanto, o que se observa é a educação como produto, já que os objetivos e as ações escolares estão voltados ao mercado.

Não foram observadas práticas durante o processo de alfabetização que se constituíssem como processo durante a pesquisa de campo. Durante as aulas em o professor realizava a leitura de algum texto na frente da sala para os alunos, não era permitido ao aluno expor sua opinião acerca do texto ou colocar alguma informação que se somava àquela leitura, pois ao término da leitura, o professor exigia que os alunos voltassem às atividades em silêncio, sendo que muitos alunos nem ao menos tinham percebido o que tinha ocorrido. Assim, a ideia de leitura na escola ainda está sob a óptica da decodificação e não se permite que o aluno explore o texto, aventure-se na leitura, assumindo o professor a função de ponte entre o aluno e a cultura.

O desenvolvimento das aulas em que o professor sempre ocupava um lugar na frente da sala, alunos todos enfileirados, sentados em suas cadeiras e produzindo atividades solicitadas, avaliados constantemente como produtivos ou não, corroboram a ideia de uma educação contemporânea voltada aos moldes do capital.

Essas observações evidenciam a urgência de transformações efetivas na educação básica para que se possa ir além da ideia de desenvolvimento como produto, pensando nas relações sociais que devem ser estabelecidas nas escolas para que ocorra o diálogo com o mundo e para que seja possível se pensar na formação cidadã do aluno.

O professor deve ser aquele que tenta conduzir o aluno ao encontro do conhecimento, num processo em que a formação não seja um fim, mas uma aventura, não podendo ser ignorados alguns elementos como o meio em que o aluno está inserido, as pessoas com as quais ele convive e as experiências que se dão pelo caminho.

A escola que se defende encaixa-se nos parâmetros das sociedades democráticas: equidade, igualdade, solidariedade e desenvolvimento humano, enquanto o que o mercado objetiva é a excelência, a formação vocacional e a competitividade individual, pois o mercado tenta reduzir os valores sociais, éticos e educativos da escola aos objetivos relacionados à produção fabril.

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Referências

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MARX, Karl. Contribuições à crítica da economia política. São Paulo: Martins Fontes, 1983.

Pisa: desempenho do Brasil piora em leitura e empaca em ciências. São Paulo: UOL

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SILVA, Maria Abádia da. Intervenção e consentimento: a política educacional do Banco

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Referências

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