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A rainha estrátega e a resistência dos Ndongo frente ao colonialismo português, no filme Njinga : rainha de Angola (2013), de Sérgio Graciano.

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A rainha estrátega e a resistência dos Ndongo frente ao colonialismo português, no filme

Njinga: rainha de Angola (2013), de Sérgio Graciano.

SÉRGIO CÉSAR JÚNIOR1

A Coroa portuguesa no séc. XVI ampliou seu domínio no conhecimento das técnicas de navegação marítima iniciado no século XV (PAGDEN, 2002: 84). Desde então é que a sua hegemonia confessional e político-militar se expandiu com empenho e fôlego sobre os povos do Golfo da Guiné, na Costa Atlântica africana (FONSECA, 2010: 392). Nessa antiga possessão lusitana de ultramar, onde se localiza as atuais República de Angola e República Democrática do Congo, os portugueses mantiveram entre os séculos XVI e XIX o tráfico de africanos cativos, no intuito de se tornarem mãos-de-obra escravas na colônia da América servindo ao sistema de plantation e às atividades de engenho de cana de açúcar (LIENHARDT, 2000: 246). O interesse do governo português nas terras africanas não se limitava apenas ao aprisionamento de nativos para atenderem às demandas coloniais da produção açucareira, como também visavam explorar o potencial das minas de metais preciosos (GLASGOW, 2013: 33).

A partir do século XVII os Ndongo passaram a combater com mais intensidade as investidas dos portugueses. O episódio do assassinato do rei dos Ndongo, Jinga Mbandi Ngola Kiluanji (c. séc. XVI), por um de seus guardas de confiança, legitimou sua filha Nzinga Mbandi Ngola (1587-1663) a assumir o comando dos guerreiros para enfrentarem energicamente as ações de assalto das tropas portuguesas (SERRANO, 1995: 138). Das interpretações históricas às narrativas em versões orais e escritas de cunho literário e biográfico contendo a representação da heroína do povo angolano, surgiu uma versão cinematográfica na primeira década do século XXI: Njinga – rainha de Angola (2013), do roteiro escrito por Joana Jorge e dirigido pelo cineasta português Sérgio Graciano.

1Mestre em História pela Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (EFLCH / UNIFESP). Pesquisador da linha de estudos visuais, cultura visual, audiovisual e história cultural, interessado em assuntos de Brasil república pós-1945, cinema do Brasil e da América Latina. Sua pesquisa em nível de mestrado foi uma análise dos aspectos estéticos e históricos do filme Canto da Saudade: a lenda do carreiro (1952), do cineasta Humberto Mauro (1897-1983), a qual resultou na dissertação: “Canto da Saudade (1952): o universo rural brasileiro na visão do cineasta Humberto Mauro”, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Membro do Grupo de Pesquisa CNPq: Cinema Latino-Americano e Vanguardas Artísticas – Diálogo entre construção, Expressão e Espacialidade (GECILAVA), o grupo é o organizador do Colóquio de Cinema e Artes da América Latina (COCAAL).

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Njinga é uma coprodução binacional entre Portugal e Angola a qual contou com grande parte de atores principais e coadjuvantes angolanos e alguns outros de origem portuguesa. O roteiro é respaldado em grande parte das informações obtidas da equipe de consultores históricos que investigaram nas fontes de arquivos institucionais, referencial bibliográfico histórico e nas obras literárias. De acordo com a lista informada nos créditos iniciais e finais do filme, os consultores históricos são: Abreu Paxe - escritor e docente, Isilda Hurst – historiadora, João Pinto, John Bella - escritor, Rosa Cruz e Silva - historiadora e ex-ministra da Cultura entre 2008 e 2016, Simão Souindoula - historiador e Victor Fernandes. A diegese fílmica foi desenvolvida em tom linear e didático seguindo uma estrutura literária de início, meio e fim semelhante àquela que encontramos nos contos populares de transmissão oral, ou mesmo nos gêneros de ficção das publicações escritas em prosa. Sérgio Graciano ao realizar esse drama se baseou em filmes com linguagem televisiva, assim se aproximando da linguagem das produções nigerianas vulgarmente denominada de Nollywoood, a qual veio a ser uma referência estética popular para as atuais produções audiovisuais angolanas (PIÇARRA, 2020: 74). Analisando os aspectos diegéticos do filme é interessante notarmos que a direção de Sérgio Graciano manteve um ritmo dinâmico, tanto nos momentos densos de diálogos, quanto nas cenas de ações intensas de combate. A característica principal na representação histórica e biográfica que o realizador constrói da soberana dos Ndongo é a de ser uma mulher com domínio da militaria. Nzinga conhecia o perfil de cada inimigo que iria combater prevendo as estratégias específicas contra seus combatentes e possuía conhecimentos geográficos sobre o local onde o confronto ocorria. O raciocínio da estrátega Nzinga não aparecia apenas na preparação tática de seu efetivo para as batalhas, nem somente durante a campanha de guerra, como também nas suas observações dos ethos de seus potenciais inimigos enquanto em missões diplomáticas, conforme trataremos em parágrafos posteriores.

O trabalho da direção de fotografia de Rui Amado permitiu a criação de efeitos expressivos de luz com polarizados focos luminosos de archotes, fogueiras e a iluminação elétrica de tom amarelado suave nas cenas noturnas. Nas cenas diurnas, o fotógrafo aproveitou da iluminação natural com o uso de alguns rebatedores e também dos mesmos recursos artificiais das filmagens noturnas. Desses efeitos luminosos notamos como principal característica visual, a sensação de que além de haver o tom amarelado suave, também há o tom amarronzado obtido da luz rebatida do chão do terreiro, onde se situa o reino de Ndongo. Essa

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percepção cromática poderia ser literalmente vista e tratada pelo espectador como uma cor local impregnada na pele dos personagens, objetos de cena, paredes e telhados das moradias tribais. Na banda sonora percebemos que a equipe de produção optou em manter o idioma lusófono nos diálogos e na narração voz-over. No entanto ouvimos algumas frases pronunciadas em Kimbundu, língua nativa da região de Matambi, as quais receberam tradução simultânea dos próprios personagens. De acordo com a teórica literária Marcele Aires Franceschini, Njinga “apesar de alfabetizada em língua portuguesa por padres jesuítas que doutrinavam na região”, ainda assim depois do assassinato de seu pai o rei Kiluanji, em 1617, a guerreira se manteve resistente ao modo de vida e a cultura estrangeira, em especial à de origem portuguesa (FRANCESCHINI, 2018: 547). No filme observamos que a sua personagem protagonista emitia raras frases em língua nativa e as traduzia de imediato para o português. Deduzimos que o kimbundu tenha sido o código de comunicação utilizado na vida cotidiana dos Ndongo naquele contexto dos séculos XVI e XIX (GLASGOW, 2000: 19). Podemos entender que o motivo da escolha da língua neolatina para ocupar toda a banda sonora do filme tenha sido pensado para que o público lusófono de várias partes do mundo compreendesse de modo universal todos os trechos de colóquios entre os personagens.

Nos planos de abertura de Njinga (00’00” a 01’35”) vão surgindo efêmeras imagens técnicas de baixa definição, de cenas aleatórias acompanhadas de informações da equipe técnica: roteirista, diretores, produtores, elenco e consultores históricos. Nesse trecho de apresentação, a impressão que nos causa é a de vermos imagens em movimento projetadas nas paredes ocre de uma caverna, cujo os aspectos são de pinturas rupestres animadas sob a luz do archote e cada uma poderia ter sido desvendada por um arqueólogo, ou um paleontólogo, ou até mesmo um antropólogo que estivesse vasculhando o sítio arqueológico em busca de evidências da presença humana ancestral. Uma situação de breu ocupa todo o plano inicial e parte fracionada dos outros planos que compõem o trecho de abertura.

O primeiro som ouvido no início da banda-sonora é o de uma batida de tambor da música instrumental, quase que abafada, simulando o estampido de detonação de algum tipo de artefato explosivo. Nesse mesmo plano inicial notamos visualmente a formação de uma fumaça suave de flocos claros oriundos da pólvora. Um círculo branco vai sendo desenhado no ar, espontaneamente. No centro desse círculo em imagem sobreposta surge o nome da empresa produtora do filme junto com o teaser do anúncio do título: “SEMBA COMUNICAÇÃO

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APRESENTA” (00’00” a 00’07”). No plano seguinte, algumas réstias de luz atravessam a escuridão como lâminas afiadas e brilhantes perfurando a tela e abrindo algumas frestas no centro do plano para grafar o reluzente título do filme: “NJINGA – RAINHA DE ANGOLA” (00’08” a 00’15”). A cada troca de plano no trecho de abertura é feita por um esfumaçar de poeira, produzido por materiais carbonizados, a exemplo do terceiro plano onde identificamos o detalhe ampliado de um antigo mapa geopolítico da África (da região de Angola e do Congo), com informações de localização dos reinos nativos e rios adjacentes. Percebemos que atrás do papel dessa carta geográfica de orientação territorial há uma luz produzida por algum objeto de iluminação podendo ser um candeeiro, ou até mesmo uma vela acesa num castiçal. Provavelmente, esse antigo documento cartográfico português seja datado do século XVI ou XVII (00’16” a 00’20”).

Em fade-in observamos que no quarto plano há uma imagem fragmentada de baixa nitidez de um grupo de guerreiros tribais caminhando unidos dentro do espaço da aldeia onde vivem, os quais estão enquadrados em plano médio conjunto no ângulo de visão frontal (00’17” a 00’29”). No canto direito do plano seguinte em fade-in vemos uma das cenas em que a Rainha Njinga conversa com o Jaga Kasa Kangola (Silvio Nascimento) seu companheiro, que está em pé e cabisbaixo com suas próprias mãos entrelaçadas às costas, ao fundo há alguns guerreiros caminhando (00’30” a 00’33”). Novamente aparece o mesmo grupo de homens marchando que surgiram no quarto plano, porém agora vistos em ângulo traseiro (00’34” a 00’47”). Na última sequência dos planos de abertura do filme vemos projetada em formato circular, em plongée, a cena de uma cerimônia tribal noturna com ritual de dança ao redor da fogueira (00’48” a 00’52”). Na cena precedente, nos deparamos com uma caravela sendo manobrada nas proximidades da baia de Angola parecendo ser visualizada de alguma fresta de caverna. De repente, em plano conjunto, uma luz natural atravessa densamente em meio a vegetação (00’53” a 01’04”). Na passagem para outro plano, abruptamente irrompe um clarão de luz sobre um papel escrito com as informações manuscritas sendo apagadas lentamente, como se estivesse sofrendo da ação do tempo (01’05” a 01’06”). Enfim, um grupo de guerreiros vistos em plongée preparados para o combate contra o inimigo português marchando em meio à mata (01’07” a 01’27”). E Njinga em plano médio de contra-plongée, de costas erguendo o braço direito com o punho fechado sinalizando a vitória de seus combatentes na batalha encerrada (01’29” a 01’35”). Por meio dessas imagens técnicas da abertura do filme, pudemos entender que Sérgio

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Graciano não apenas quis acentuar o tom épico-heroico da narrativa de sua protagonista, como também, ratificar que o argumento do seu filme foi embasado em informações heurísticas. O trabalho da equipe de produção nos parece ter sido executado de modo cuidadoso, pois na parte técnica houve a preocupação com os detalhes para tornar realísticas e convincentes as cenas de época mostradas ao espectador, assim como os registros escritos, artefatos e alguns objetos de pertences pessoais. Toda a estrutura de produção parece ter sido pensada para atender a uma função didática apresentando uma interpretação artística sobre a história de Angola e a vida da rainha Njinga.

Em nossa análise da primeira cena de Njinga, vemos um resumo das fases da vida da personagem ocorridas dentro de um único plano e essa indicação da passagem de tempo se faz por dois elementos, um sonoro e outro cênico. O elemento sonoro é a narração voz-over apresentando alguns dados contextuais do nascimento, infância e adolescência da protagonista. O elemento cênico é o conjunto de ações cotidianas efêmeras da realeza enquadradas em plano-sequência de travelings verticais e horizontais no espaço semicircular do reino Ndongo. A cena se inicia em plano conjunto geral, em plongée, traveling vertical descendente onde um grupo tribal executa os afazeres embaixo de uma área coberta. Duas mulheres estão sentadas numa esteira quadrada a peneirar uma monta de grãos brancos e a frente dessas mulheres passa um homem que porta em suas costas um saco de pano. Atrás dessas mesmas mulheres, próximo à beira do rio, um homem soca grãos em um pilão, onde a sua direita, outro homem empilha as sacas de grãos sobre uma caixa. À beira-rio há dois garotos se banhando (01’39” a 01’47”).

Em plano americano de costas vemos diante do rio um grupo de quatro jovens mulheres rodeando o jovem Kiluanji que segura sua filha Njinga ainda bebê e a suspende com suas mãos em sentido celestial como se fosse um ato de agradecimento a um ser supremo por ter lhe enviado uma dádiva (01’48” a 01’54”). Por trás do grupo há uma das esposas de Kiluanji que caminha em passos firmes determinados e vai de encontro a suas filhas e as abraça com generosa afeição materna. Com um gesto de ternura, Kiluanji (Álvaro Miguel) se despede de sua esposa com um beijo na testa e parte em caminhada pela localidade até se encontrar com sua filha Njinga, já em fase adolescente. O rei orgulhoso por ver o desempenho de sua filha nos treinos táticos de luta (02’05” a 02’11”), toca com a mão esquerda o ombro direito de Njinga - vista de costas - e com a mão direita levanta o rapaz vencido por sua filha durante o exercício (02’12” a 02’16”). Num raccord para a cena seguinte, Njinga empunha ao alto a sua azagaia.

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A câmera percorre em traveling vertical ascendente da esquerda para a direita da ponta da sua lança. As folhas dos galhos altos de uma árvore funcionam como fade-out para a passagem da cena seguinte (02’18” a 02’22”).

Na passagem para a cena seguinte abrindo em fade-in, a mesma azagaia de Njinga que consta na cena anterior, agora é vista em situação de contraluz empunhada em ângulo reto, enquadrada em plano médio conjunto onde ao fundo há uma clareira cercada por pequenas árvores de galhos tortuosos e algumas dessas árvores não possuem folhagens (02’23” a 02’26”). A câmera vai percorrendo em panorâmica descendente ao redor da ponta da azagaia e acompanhando o movimento tremular de sua haste empunhada por Njinga, até visualizarmos em plano médio conjunto as costas da guerreira já em fase adulta portando também um escudo, caminhando em direção à frente da sua tropa (02’27” a 02’37”). Em plano médio conjunto preenchendo todo o espaço da tela, Njinga aparece no quadro armada entre seus guerreiros observando para os lados e ordenando aos seus arqueiros que disparem suas flechas (02’38” a 02’41”) em direção ao campo onde se encontra escondido o exército português, definido etimologicamente pelos Ndongo como Mindelas. No contra campo em plano conjunto na altura dos ombros dos personagens vistos de costas, onde vemos guerreiros disparando projéteis dos arcos percorrendo o ar em curva ascendente, os quais arremessados vão em direção ao inimigo português (02’42” a 02’43”).

Njinga ordena um novo comando de ataque a sua tropa munida com lanças, espadas, machados de guerra e escudos preparada para o combate frontal contra o exército português (02’44” a 02’45”). Em contra campo está o exército português visto de frente, através de galhos secos e delgados de uma árvore (02’46” a 02’48”). Na rápida troca de planos, num jogo de campo e contra campo, ambos exércitos avançam furiosamente até se encontrarem no ponto onde vão se digladiar. Njinga com astúcia e agilidade atlética se esquiva dos golpes de armas cortantes ou perfurantes, ao mesmo tempo reagia desferindo golpes mortais com seu machado de guerra e se defendendo dos contragolpes com o seu escudo. Em todas cenas de combate do filme percebemos que o tempo de duração parecia ser cronometrado pelos gestos da protagonista. O ataque às tropas inimigas dos Ndongo era iniciado pelo comando de sua voz e o encerramento acontecia após a comandante guerreira constatar que os seus comandados Ndongo haviam exterminados todo o efetivo rival, então suspendia no ar o seu punho direito sinalizando mais uma de suas vitórias.

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Sobre a necessidade de Njinga fazer da guerra e da arte da arquearia os seus principais dotes, o historiador Roy Arthur Glasgow nos explica que:

Nzinga, como chefe das forças armadas, compreendia de como era importante manter a moral de suas tropas. Dois dentre os mais importantes métodos merecem uma certa atenção. Na tradição Mbundo-Jaga, o arco simbolizava a realeza. De fato, na transferência de poder entre governantes, o recebimento do arco pelo Ngola que assumia o cargo legitimava seu comando. Por conseguinte, Nzinga concedia arcos aos membros de seu exército, que tivessem executado excepcionais atos de bravura durante os combates (GLASGOW, 2013: 39).

Roy Glasgow observa que:

Supunha-se que a posse de um arco tornava invencível seu recebedor e embora a experiência pudesse mostrar o contrário, os soldados quase nunca esmoreciam em sua audácia e persistência em adquirir um arco das mãos da Rainha (GLASGOW, 2013: 39).

A reflexão de Roy Glasgow nos faz compreender a dimensão do poder de Nzinga diante do seus comandados. O arco era o objeto de prestígio e hierarquia que elevava o moral dos guerreiros dentro e fora dos campos de combate. De acordo com esse ponto de vista do historiador, outros guerreiros cumpriam os exercícios de preparação para a guerra e demonstravam perfazer o combate com empenho dedicados, para que pudesse obter de sua rainha o reconhecimento merecido. Ao que tudo indica, Nzinga estava lúcida da sua condição de mulher e do quanto teria que demonstrar a sua responsabilidade diante de um sistema social patriarcal. Para ser rainha, antes teria que comprovar o seu talento militar para comandar e guerrear junto com sua tropa, assim a herdeira do trono dos Ndongo, já sabia o quanto era crucial vencer as batalhas e se manter invicta como comandante durante as guerras até vencer por completo os invasores de sua terra. Eis um dos motivos do rigoroso tratamento que dava aos seus soldados.

A interpretação da atriz angolana Lesliana Pereira, protagonista de Njinga, nos convence de que a sua personagem histórica é uma mulher determinada, astuta e impávida diante das tocaias dos inimigos estrangeiros e dos conluios palacianos. A personagem enfrentou não apenas as investidas das tropas portuguesas, ou holandesas para tomar as suas terras, assim como o duro golpe de ver seu único filho, um dos futuros herdeiros do trono dos Ndongo, ser raptado de suas mãos e depois ter sido encontrado morto na mata. Outras das ameaças sofridas por essa nobre guerreira foram as artimanhas de alguns sobas - chefes das tribos locais vassalos

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dos portugueses - e os atos de traição de seu irmão Mbandi para a eliminar de sua concorrência, em razão de vencer a disputa real e manter a sua hegemonia no reino africano.

A morte do rei Ngola Kiluanji (1617) foi o evento inaugural da série de intrigas familiares, o motivo da disputa mortal entre Nzinga e seu irmão Mbandi pelo poder do reino de Ndongo. A escolha do novo soberano é de competência do rei antecessor. Contudo devido ao rei de Ndongo ter sido vítima do atentado com autoria atribuída a um membro da sua guarda pessoal, não houve tempo para que o soberano indicasse um de seus filhos para assumir ao trono (04’19” a 06’05”). Em casos excepcionais como esse, a intervenção do conselho de anciãos conhecidos por Makota é prevista. Os Makota são “personagens fundamentais na análise da hierarquia política do antigo Ndongo e da região que posteriormente passou a ser definida como Angola portuguesa” (CARVALHO, 2013: 50). A reunião privada dos Makota ocorria em uma das tendas com todos os presentes analisando os atributos dos dois candidatos à sucessão real (07’27” a 08’25”). Entre os conselheiros havia um que encontrou um empecilho na nomeação de qualquer um dos dois concorrentes – Nzinga ou Mbandi, alegando que ambos irmãos são filhos de mãe escrava, então indicou Muy por ser filho de uma de suas esposas considerada legítima pela tradição Ndongo (07’51” a 07’59”). De repente, Mbandi (Jaime Joaquim) entra bruscamente no recinto interrompendo a reunião e lança seus argumentos desqualificando a competência de Muy em assumir o trono. Mbandi o adjetiva de filho de uma escrava de seu pai e também acusa a mãe de seu meio-irmão de ter cometido crime de traição contra seu pai Kiluanji (08’00” a 08’24”). O irmão de Nzinga também não a poupou e a desmereceu diante dos Makota por uma questão de gênero, quando a igualou as suas outras irmãs de comportamento pacífico. Fora do recinto onde acontecia a reunião do conselho, ao lado de Nzinga estava Njali (Miguel Hurst), seu conselheiro pessoal e guia espiritual a quem o consultava na maior parte das decisões dos assuntos do reino. Ambos acompanham o processo de escolha com distância e percebe que o apelo misógino de seu irmão lhe garantiu sua vantagem sobre a irmã guerreira na chefia dos Ndongo (07’27” a 08’25”). O novo rei queria manter a sua hegemonia no comércio de escravos na região de Matambi.

A escravidão não era uma instituição apenas europeia, simultaneamente essa já existia em outras localidades africanas. Na Costa da Mina era comum a prática comercial dos reinos nativos após os conflitos tribais. Os guerreiros rivais vencidos viravam cativos de seus vencedores, tratados como mercadorias no comércio negreiro das feitorias portuguesas. Outra

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situação prevista para a condição de escravo era a de um membro da própria tribo ter sido acusado de cometer algum crime imperdoável. No caso de comprovado o crime, o réu perderia sua liberdade podendo estar à mercê de sua tribo (MAIA, 2019: 82). No filme, Nzinga mostra sua altivez no tratamento dado a uma das suas escravas a usando como seu objeto. Na cena em que a guerreira vai como embaixatriz dos Ndongo, a pedido de seu irmão o rei Mbandi, Nzinga chega com sua comitiva à São Paulo de Luanda para tentar selar um armistício com o governador geral João Correia de Souza (João Pedro Vaz) (32’04” a 35’55”). Na sala do palácio, o governador a recepciona e a convida a se sentar a um assento almofadado (32’20” a 32’30”). A embaixatriz dos Ndongo recusa e ordena a uma de suas escravas para se engatinhar no chão para que seu dorso a sirva de acento (32’31” a 32’47”). Durante a conversa Nzinga não aceitou a proposta de fazer Ndongo prestar vassalagem a Portugal. Depois de encerrada a visita sem a formalização de acordo para nenhum dos reinos, a embaixatriz deixou sua escrava no palácio do governador, alegando que não se sentava duas vezes no mesmo assento e que não havia de sua parte mais interesse em ter a cativa. A habilidade de tratar dos assuntos políticos e econômicos de seu reino com portugueses e sobas (CARVALHO, 2013: 49) dava a Nzinga o status de soberana respeitada até por seus inimigos. Um valor digno de ser recebido por qualquer estadista europeu da sua época. Para que Nzinga convencesse ao seu povo que estava preparada para ser reconhecida soberana sabia que antes de tudo deveria manter como princípio fundamental o juramento feito ao seu pai o rei Ngola Kiluanji, sendo o de lutar contra as ameaças às terras do seu reino até vencer.

No início do século XVII, a sanha da Coroa portuguesa em alimentar o tráfico negreiro por razão de atender a demanda da produção açucareira na América fez com que houvesse o rodízio de governadores gerais e consequentemente mobilizasse cercos constantes ao reino de Ndongo (FONSECA, 2010: 399). Para que os portugueses insistissem no avanço continental na África para escravizar mais gente dos reinos locais, a obtenção de mais conhecimentos sobre os aspectos geofísicos da região foi fundamental. Os estudos topográficos dos solos acidentados, tipos de vegetação e das vias fluviais no interior da região do Congo aguçou o interesse da Coroa portuguesa em expandir suas conquistas territoriais (CARVALHO, 2013: 34). Entre 1583 e 1604, o governo geral de São Paulo de Luanda em ação intrusiva nas terras dos reinos tribais instalou fortalezas e presídios, principalmente à margem das rotas fluviais (CARVALHO, 2013: 35). No entanto, as rotas do tráfico de escravos e comércio das peças na

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região de Matambi estavam sob o controle de Nzinga, que era um forte empecilho para os portugueses e holandeses, que precisavam carregar suas embarcações com mais africanos em destino às terras do Brasil. Os militares e traficantes de africanos escravizados desses dois países europeus decidiram estabelecer um acordo de paz entre as duas nações e cessarem os saqueios de escravos transportados em suas embarcações (60’29” a 60’31”). Nzinga que então se havia aliado aos holandeses para combater os portugueses e eliminar o seu inimigo Jaga Kassanji, no entanto previa a possibilidade de não poder mais contar com a proteção dos batavos, se acaso o acordo de paz com os seus inimigos lusitanos tivesse sido selado (60’29”). No entanto, a intuição da rainha guerreira estava certa, portanto os holandeses a traíram ao fazerem as pazes com os portugueses.

Os portugueses em conluio com tribos rivais dos Ndongo armaram uma tocaia no quilombo de Nzinga, contudo o ataque surpresa não foi o suficiente para abalar a rainha e nem a tomou como refém, conforme as expectativas do capitão organizador dessa emboscada. Como das outras tentativas de aprisionamento, mais uma vez, Nzinga reagiu rapidamente a intentona escapando da perseguição de soldados portugueses e dos tribais rivais dos Ndongo, durante a ação de assalto ao seu quilombo (60’11” a 60’15”). A ordem dada pelo governador geral Pedro César de Menezes (Miguel Damião) foi a de captura-la e dar um fim a essa rainha (60’10” a 60’11”). Após a sua fuga pela mata e depois de ter saltado de uma cachoeira de altura abissal, seus perseguidores pensaram que devido à queda livre, a rainha não sobreviveria e que já estivesse morta (60’12” a 60’14”). Sobrevivente à queda, Nzinga vai à busca de refúgio no quilombo de Kassanji e lhe propõe uma aliança temporária para reaver as suas terras, suas irmãs raptadas e recompensar o seu novo aliado com novas terras e escravos conquistados (60’17” a 60’18”). O Jaga sabia que possuía o poder de decidir sobre o destino da soberana dos Ndongo, ainda assim aceitou a barganha e Nzinga utilizou do efetivo de guerra de Kassanji para reaver todo o território de Matambi que estavam sob o julgo da administração portuguesa por intermédio de alguns sobas.

Nzinga cumpriu com o prometido ao Jaga Kassanji e assim que retomou na região o controle das rotas de comércio de escravos resolveu retornar ao seu trono de origem. No entanto o Jaga que outrora havia acolhido à rainha dos Ndongo e deixando a sua disposição seu exército de guerreiros, com a partida de Nzinga de volta ao seu território, o relacionamento entre ambos deixou de ser amistoso. Kassanji retoma o antigo status de inimigo de Nzinga (60’23”).

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Novamente vemos que a paz dos Ndongo sofria novas ameaças, porém os princípios de Nzinga de manter a terra sob o seu jugo e a promessa que havia feito ao seu pai Kiluanji em leito de morte não seria desfeita enquanto houvesse disposição e um grande efetivo de guerreiros bem treinados para vencer o combate. Mesmo com todos os infortúnios afetivos familiares: como a morte de seu pai, a traição de seu irmão Mbandi, o rompimento conjugal com Kangola, o rapto de suas irmãs Kifunji (Érica Chissapa) e Kambo (Ana Almeida), não interrompeu o apetite de seu espírito bélico de vencer seu inimigo português.

Na questão religiosa a rainha dos Ndongo não fazia objeção em se converter ao cristianismo-católico, pois havia de sua parte o interesse em cumprir um dos ritos fundamentais e obrigatórios de sacramento para qualquer membro de suas comunidades paroquiais e que pode ser realizado desde o nascimento de uma criança: o batismo. Essa parte da trajetória de Nzinga, no filme pode ser notada sutilmente em alguns trechos, sendo o primeiro trecho que percebemos é enquanto estava na condição de princesa-embaixatriz de Ndongo no jantar oferecido pelo comerciante português Rui de Araújo (Fernando Nobre). A rainha dos Ndongo chega à casa do comerciante na companhia de Njali. Durante a festa na casa do comerciante, a cena ocorre em plano sequência com a câmera em movimento giratório de panorâmica. Num plano-médio conjunto está Nzinga conversando com um frei capuchinho 1 (Bruno Bravo) o qual a tenta convencer da vantagem de que levaria no tratamento da Coroa portuguesa com o seu reino, após receber esse sacramento (37’56” a 38’05”). A câmera continua a girar pelo salão do casarão, onde vemos surgir Njali, de trás do frei capuchinho que atravessa o salão beirando o grupo de dançantes tribais Ndongo com corpos pintados, empunhando azagaias, escudos e tambor, movimentando braços e pernas em coreografia monótona. A panorâmica em plano único utilizada na mesma sequência das cenas iniciais do filme, também se fez nessa cena da recepção. Njali ao caminhar pelo recinto acompanhado pela câmera giratória vai em direção a rainha de Matambi, nessa ação do personagem temos a sensação de que houve um avanço do tempo. Njali chega até outro ponto do salão onde Nzinga está ouvindo a opinião de Rui de Araújo sobre o significado do batismo para a sociedade portuguesa. Convencida pelos argumentos do frei e do comerciante, a rainha de Matambi então aceita ser batizada (38’03” a 38’47”).

Após batizada, Nzinga recebeu o nome de Ana de Souza, assim como suas irmãs Kifunji – o nome de Engracia - e Kambo – o nome de Bárbara. A aceitação da nova religião não fez

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com que os Ndongo substituíssem por completo suas antigas tradições tribais e seus conceitos cosmogônicos, pela fé cristã, ou pelos conceitos criacionistas bíblicos. Percebemos isso em algumas cenas em que a personagem de Kifunji não aceita ser tratada pelo nome de batismo e nem mesmo que trate a sua irmã Kambo por outro nome. A primeira cena que há a inquietação de Kifunji acontece numa situação na casa de Rui de Araújo em que o comerciante português ao se despedir de Kambo que vai fazer uma visita ao quilombo de sua irmã Nzinga, a trata como “Dona Bárbara” e Kifunji o repreende e o corrige ao dizer que a sua irmã “ela é Kambo, Kambo”! (60’21” a 60’22”). A outra situação é quando a comitiva de Rui de Araújo transita pela estrada de terra próxima ao quilombo de Nzinga e os membros dessa comitiva se dão conta de que Kifunji não está presente, pois a moça se embrenhou pela mata à busca de sementes para comer. Então o comerciante ordena que se faça uma pausa para chamar de volta a “Dona Engracia”. Kifunji surge de dentro da mata censurando o nome dado a ela em batismo e exige que a trate pelo seu nome original de nascimento (60’28” a 60’29”). Somente na cena final do filme é que Nzinga completa sua transição total ao cristianismo-católico. Sobre esse assunto trataremos nos parágrafos finais.

O respeito aos ancestrais era outro dos princípios mantidos por Nzinga e por grande parte das tribos locais (CARVALHO, 2013: 36). Na obra de Sérgio Graciano, observamos que de acordo com as representações do pensamento cosmogônico das tribos da região de Matambi há um consenso unânime, principalmente entre os Makota, quanto aos sinais considerados de boa aventurança, ou aos de infortúnios que podem assolar a harmonia de qualquer comunidade africana. O realizador português de Njinga apresenta um enfoque especial dos elementos etnográficos ao seu espectador, assim aproximando seu olhar ao do senso de pesquisa antropológica. Essa percepção sobre essas características diegéticas do trabalho do realizador obtivemos a partir das últimas cenas de combate. Conforme já tratamos anteriormente, nas cenas posteriores à da saída de Nzinga do quilombo de Kassanji surgiram mais episódios de peleja que a rainha beligerante teve de enfrentar. O episódio em que evidencia a importância dada a manutenção draconiana dos ritos de tradição é o que mostra a tristeza do grupo de guerreiros inimigos dos Ndongo após a morte de um de seus líderes, o Ngola Aire. Em plano geral conjunto visto em plongée, na parte pública da aldeia o Ngola Aire está posto morto numa maca, a qual é suspensa por alguns dos seus companheiros de guerra, na cena do lamento da tribo, após a derrota sofrida juntos com os portugueses pelo exército de Nzinga (60’39” a

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60’40”). Em plano conjunto médio, um dos guerreiros membros da tribo vencida atribui a vitória dos Ndongo à força oculta enviada pelos espíritos ancestrais, pois segundo o relato do personagem guerreiro, os homens de Nzinga “estavam possuídos pela fúria” (60’39”). Dentro desse ato funerário, a tribo vencida alega que a deposição da rainha de Matambi de seu trono foi feita pelos portugueses de modo arbitrário e isso não agradaria aos deuses. O conselheiro espiritual reunido com outros presentes que velam o corpo de Ngola Aire afirma que “os espíritos estavam com ela e contrariar os espíritos é chamar desgraça” (60’40”). Em Njinga, a intervenção dos portugueses no costume do processo de sucessão do trono é um erro e gera um mau-agouro à vida de todas tribos locais. Se para os representantes da Coroa lusitana a escolha de um soba só para servirem como vassalos dos governadores de São Paulo de Luanda, contudo o filme mostra que esse mesmo sistema administrativo europeu não foi aprovado pelos Jagas. Njinga se encerra com a cena da trégua sinalizada pela Coroa portuguesa e com a festa da coroação da rainha guerreira. Quem vai trazer as boas-novas é Kambo quando visita sua irmã portando uma carta remetida pelo governador. Destinada à Nzinga, esse conteúdo epistolar escrito pela autoridade executiva lusitana, a isenta de pagar tributos à Coroa e também a mantém como soberana do reino nas suas terras de origem sem precisar prestar vassalagem aos portugueses (60’41” a 60’44”). Em seus aposentos, Nzinga ao acabar de ler a carta a sua irmã levanta-se devagar e caminha com dificuldade, devido a sua idade, em direção a um baú branco de madeira onde há um cetro em cima (60’42” a 60’43”). Retornando até o assento ao lado de Kambo com o baú e o cetro em mãos, antes de finalizar essa cena, a rainha diz algumas palavras à sua irmã: “sou soberana de um reino livre” e complementa “o papai nos ensinou certo, ‘quem ficar luta até vencer’ ” (60’43” a 60’44”). Na última das cenas do filme vemos em plano geral conjunto a Nzinga ao fundo coroada e a sua frente está a sua tribo calorosamente reunida com os braços direitos suspensos agitando os punhos cerrados em saudação a reconquista da sua rainha guerreira ao trono dos Ndongo. No fundo do plano há uma fumaça emitida da fogueira, juntamente com alguns dos guerreiros e homens de confiança de Nzinga. A câmera em traveling de avanço frontal vai vagarosamente em direção da rainha. A imagem de Nzinga a tornaria digna de uma rainha portando vestes e adereços de uso de qualquer majestade pertencente a uma ilustre casa da nobreza europeia. Ouvimos em voz-over as frases finais de Nzinga semelhantes a um trecho final de um discurso cerimonial que poderia ser proferido por qualquer estadista: “Eu lutei e venci”! Nós vencemos”! Uma música não-diegética instrumental melódica

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acompanha o espírito vitorioso dessa personagem. Nessa mesma cena surge uma relação de campo e contra campo entre Nzinga e Kangola, seu antigo companheiro que reaparece no momento de sua coroação. O guerreiro observa o evento à distância, mantendo o seu foco nos olhos de Nzinga que o retribui com um sorriso sutil de felicidade em o ver retornar para compartilhar o trono ao seu lado. Esse tom sentimental lírico dado aos personagens históricos, como encontramos na maior parte dos filmes ficção, parece ser uma solução do realizador para fechar a trama com um toque mais humano. Finalizamos aqui a nossa análise histórica e estética das imagens.

Considerações finais

Njinga – a rainha de Angola (2013) é uma produção audiovisual que além de ter sido realizada com objetivo principal de atender a uma atividade fim de entretenimento, também foi pensada para se tornar um documento fílmico de característica histórica. Em nossa análise estética, diegética e histórica dessa obra, nos chamou atenção o tratamento dado por seus produtores e seu realizador Sérgio Graciano à representação da rainha guerreira do reino do Ndongo. Na trama, Nzinga aparece como uma mulher de talento militar com raciocínio estratégico, voz de comando, habilidade no manejo de armas de combate e pulso forte frente aos seus guerreiros comandados. Uma incansável, perspicaz e irredutível combatente que não se deixa ser capturada, nem tão pouco perde uma batalha ou guerra diante do efetivo bélico de seus inimigos. Percebemos ainda que a protagonista é ao mesmo tempo apresentada como uma mulher ambivalente, podendo ser em algumas situações uma competente estrátega e em outras uma nobre e altiva estadista com dotes de diplomata. Uma mulher poderosa nas mesas de negociações se nivelando aos homens da administração colonial da Coroa portuguesa. Contudo devemos fazer algumas sucintas considerações a respeito dessa representação.

Consideramos que nos dados de produção de Njinga consta a informação de que se trata de uma coprodução entre Angola e Portugal, seu realizador é de origem lusitana e elenco binacional, o que nos leva a pensar não apenas no relacionamento comercial e cultural estabelecido entre esses dois países, como também, na perspectiva dada à diegese no desenvolvimento da trajetória da sua personagem protagonista. Nas cenas do filme apesar de identificarmos evidências da orientação recebida pelo diretor de filmagem no trabalho da equipe de consultoria histórica, seguindo linearmente a cronologia de alguns dos feitos de Nzinga no

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século XVII, ainda assim há indicações sutis e anacrônicas das intenções conciliatórias de vínculo bilateral nas relações de amizade entre essas duas nações lusófonas. Nesse sentido percebemos nas ações e nos diálogos que o realizador apesar de construir a imagem de uma guerreira soberana na sua saga de vencedora nas batalhas contra os portugueses, ainda assim lembramos que nas últimas cenas do filme, Nzinga recebe uma carta do governador em tom de anistia. Essa é uma demonstração de que a imagem construída sobre os portugueses, os tentam colocar no papel de indulgentes. Enfim, Njinga de Sérgio Graciano é um filme histórico que nos faz refletir sobre as escolhas biográficas sobreviventes às tentativas hegemônicas de apagamento das memórias e também sobre suas representações a partir de fontes históricas e artísticas.

REFERÊNCIAS

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FRANCESCHINI, Marcele Aires. “Uma mulher que nunca vergava; que não tinha amo nem Deus” – recortes da mítica rainha Nzinga na literatura de Agualusa, Mussa e Eugênia Neto. Matraga: revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ. Rio de Janeiro, v.25,

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PAGDEN, Anthony. Povos e impérios: uma história de migrações e conquistas, da Grécia até a atualidade. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. 262 p.

PIÇARRA, Maria do Carmo. Imaginar Angola: o nascimento de uma nação no cinema. Observatório. Lisboa, v.14, n.1, p. 65-78, 2020. Disponível em: http://obs.obercom.pt/index.php/obs/article/view/1447. Acesso em: 06 mai. 2020.

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