• Nenhum resultado encontrado

Espaço e memória: Murilo Mendes nos museus da Europa

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Espaço e memória: Murilo Mendes nos museus da Europa"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

Espaço e memória: Murilo Mendes nos museus da Europa

Maria Luiza Scher Pereira

1. Uma reflexão sobre o trânsito de Murilo Mendes por espaços consagrados à conservação da memória cultural, e sobre sua relação com o arquivo da cultura européia, se poderia iniciar pelo registro de algumas das visitas que o poeta Murilo Mendes fez a alguns dos mais tradicionais museus da Europa. Iniciemos destacando uma passagem do seu livro Carta Geográfica (1965/1967), intitulada “Fragmentos de Paris”:

Entro na sala do Louvre onde estão montadas Les grandes

machines de Delacroix. Tomo uma tesoura, recorto certos pedaços de La mort de Sardanapale, de La liberté guidant le peuple, de Les massacres de Scio, mormente do último. Deixo intacto Les femmes d´Alger, menos a

incrível moldura. Componho assim quadros pequenos, orgânicos, operados da retórica gestual e da cor. O excedente é recolhido aos arquivos, matéria arqueológica, pasto dos críticos especializados.

Deste fragmento podem-se destacar dois elementos que configuram características de Murilo Mendes já realçadas pela crítica: o seu interesse pelas artes plásticas , e a relação insubordinada do poeta com a tradição cultural. Os dois aspectos são particularmente instigantes para uma pesquisa que, como esta, tenha por objeto principal as possibilidades de reflexão sobre literatura e cultura, a partir da leitura articulada de textos e objetos da obra e das coleções de livros e quadros do acervo do poeta mineiro.

Voltemos brevemente à citação acima para acompanhar o procedimento apresentado nela. O poeta vai ao Museu, recorta quadros consagrados de um pintor também canonizado, seleciona (segundo um lógica não expressa?) certos pedaços dos quadros de Delacroix (quais?), e não outros, e compõe com eles outras obras, às quais ele se refere como “quadros pequenos” (a expressão remete ao conceito de menoridade de Deleuze). Ainda segundo o texto, as novas obras seriam menores porque se teria subtraído cirurgicamente (o termo é “quadros operados de”) o monumentalismo, indicado pelo termo “retórica”, que caracteriza a obra do pintor francês, provavelmente devido tanto aos

(2)

temas épicos quanto às dimensões dos seus quadros. As questões suscitadas servem para orientar a reflexão sobre as duas características de Murilo, destacadas acima.

Tendo sido lida a citação até aqui, temos formada no texto a idéia de que uma obra nova pode ser construída a partir de outra, de alguma outra já reconhecida e já arquivada como arte no museu próprio. Estamos, portanto, diante do problema do valor da arte no mercado dos bens simbólicos, problema que, por definição, relaciona-se de maneira muito próxima com as questões do arquivamento e da museologia, que são também formas de mediação cultural.

Continuando a leitura do fragmento de Murilo vemos que “o excedente é recolhido aos arquivos”, como diz o poeta, para ser “pasto de críticos especializados”, isto é, para ser matéria de estudo de críticos igualmente autorizados que, como o autor e a obra, também já passaram por determinadas “instâncias de consagração”, para usar a expressão e a idéia de Bourdieu. Os críticos teriam, em princípio, função diferente da dos artistas; no entanto, vemos que o poeta também faz crítica ao construir seu trabalho de criação a partir desse procedimento irreverente para com a obra consagrada.

Motivadas pela leitura desses elementos textuais contidos no fragmento, as questões relacionadas ao arquivo e ao procedimento arqueológico colocam-se como um problema conceitual sobre o qual nos interessa refletir um pouco.

2. Acervo como arquivo

Quando trabalhamos com determinados objetos do acervo de Murilo Mendes, principalmente com os que de forma explícita se relacionam com a tradição cultural européia e portuguesa, somos fortemente desafiados a pensar sobre o modo como vamos lidar com o nosso objeto, já que o que temos nas mãos é um conjunto de obras - as do próprio poeta e as de outros escritores e artistas – que tanto se constituem como o acervo de um centro de pesquisa e de um museu de arte, como também, e principalmente, se organizam agora como arquivo.

Ao se organizar como arquivo, o acervo ocupa lugares especificamente destinados à conservação da memória cultural e artística, a Universidade e o Museu. Ambas as

(3)

instituições são compreendidas como lugares do arquivo no sentido em que, além da produção inovadora de saber, cabe a esses lugares a guarda e a manutenção do conhecimento já acumulado e dos documentos de cultura já produzidos. Ao mesmo tempo o acervo é ele próprio, enquanto arquivo, o lugar da memória. Por isso, o trabalho com as coleções do acervo de um artista provoca a necessidade de se refletir teoricamente sobre o arquivo e a memória, sobre a memória do arquivo, e, ainda, sobre o trabalho da literatura e da arte com os arquivos de cultura e com a memória cultural.

Michel Foucault na Arqueologia do saber concebe o arquivo não como um lugar, mas como um sistema discursivo, com sua gramática e com suas regras de produção de enunciados e de condições de enunciação. Jacques Derrida em Mal do arquivo, depois de afirmar que “não sabemos muito bem o que dizemos quando dizemos arquivo” (2001: 118), aponta, através da releitura de Freud e da noção freudiana de “impressão arquívica”, para a condição “fendida, dividida, contraditória” do conceito de arquivo, que é, segundo ele, um conceito sempre em deslocamento.

A instabilidade do conceito de arquivo resultaria inicialmente da duplicidade de sentido já existente na própria palavra original: Arkhé é ao mesmo tempo lugar do começo e lugar do comando. É lugar do começo, isto é, lugar da origem, porque se refere à casa dos magistrados gregos onde, devido a sua autoridade publicamente reconhecida, os documentos oficiais eram depositados. E é, também, lugar do comando, isto é, lugar da lei, porque os magistrados detinham o poder hermenêutico sobre os arquivos.

Contudo, alerta Derrida, a contradição – que não é negativa, ao contrário, é positiva porque é fecunda de novas relações de sentido – não se circunscreve aí, na origem, já que ela, a contradição, condiciona a formação mesma do conceito de arquivo, e do conceito em geral: “todo arquivo é ao mesmo tempo instituidor e conservador. Revolucionário e tradicional” (id: 17).

A partir disso, corrigindo uma má compreensão do conceito consagrada pelas instituições, Derrida aponta a distinção entre arquivo e memória, ao considerar que “o arquivo não será jamais a memória nem a anamnese em sua experiência espontânea, viva e interior. Bem ao contrário: o arquivo tem lugar em lugar da falta originária e estrutural da chamada memória” (id: 22).

(4)

3. Arquivos de exílio

É de posse dessas reflexões que nos aproximamos de alguns elementos do acervo de Murilo Mendes que em princípio se apresentam como documentos de arquivo, uma espécie de arquivo do exílio devido aos constantes deslocamentos do poeta. Trata-se de um exílio voluntário, é verdade, mas nem por isso menos significativo para a reflexão que propomos sobre a experiência de deslocamento e de troca cultural vivida pelo poeta no seu extenso itinerário de viagem entre o Brasil e a Europa. As experiências do exílio e do trânsito entre a província e a metrópole dão forma ao tratamento que Murilo Mendes confere ao arquivo cultural europeu, com o qual ele se relaciona permanentemente.

Esse tratamento pode ser observado nos relatos das visitas aos museus da Europa, lugares privilegiados do arquivamento. Por exemplo, o livro Janelas Verdes tem Portugal como tema e como roteiro os lugares e os escritores que o poeta visitou e leu.

Embora o livro tenha o nome de um famoso museu de Lisboa, nas Notas do autor que servem de posfácio, Murilo adverte que o título não se refere ao Museu das Janelas Verdes, o nome com que é conhecido o Museu de Arte Antiga que se situa na Rua das Janelas Verdes. A advertência do poeta vem acompanhada da seguinte explicação: (o título do livro, Janelas Verdes, “refere-se a espaços abertos; à liberdade; ao campo e mar de Portugal, ao verde que ali nos envolve sempre”.

Poderíamos dizer que, ao enfatizar a liberdade e a natureza e ao negar a associação com o museu, o poeta de certa forma nega o museu como instituição, e nega o próprio modo institucional de o museu tratar a memória e os bens culturais.

Segundo Linda Hutcheon, “tanto o museu quanto a academia compartilham tradicionalmente de uma crença institucionalizada no método e na razão e ambas instituições trabalham rumo a aquisição de conhecimento por meio da coleção, ordenação, preservação e exibição de objetos da civilização em todas as suas variedades.” (apud Domingues, 1999: 253) No entanto, esses tempos de pluralidade e fragmentação convocam uma “nova museologia” que desafia o museu convencional. Alguns dos elementos dessa nova museologia seriam a importância dada à emoção particular e ao tempo presente, e

(5)

também a orientação para a inovação, ao invés do predomínio do racional e da especialização, e da vocação para o passado , comuns no museu tradicional. (id.:254)

Murilo parece então optar por uma nova relação com a tradição, uma relação negativa, ao des-relacionar o título de sua obra do museu. No entanto, ao fazê-lo apropria-se porém do mesmo nome, agora resapropria-semantizado pela ligação com os espaços abertos e verdes da natureza de Portugal. Contudo nessa apropriação criadora Murilo Mendes não apaga, mas antes realça, o rastro da primeira referência ao museu, aquela imediatamente acionada pelo arquivo cultural.

Nesse jogo do texto é como alegoria que o livro Janelas Verdes estrutura-se justamente com o formato daquilo que poeta nega: dividido em Setor 1 e Setor 2, o livro escreve-se como um museu. Cada um dos dois setores é subdivido em partes. O Setor 1, dividido em A, B, C e D, compõe-se de textos sobre as cidades visitadas; o Setor 2, dedicado a pessoas – como se fosse a grande galeria de retratos desse museu – também divide-se em A, B e C. As letras indicam as salas dos dois setores ao longo das quais o poeta viajante organiza sua coleção.

É justamente aí, na atitude de colecionar, que Janelas Verdes se constrói como que atendendo aos princípios do que seria a nova museologia, citada por Linda Hutcheon. A coleção de quadros de cidades, de paisagens, de cartões postais que compõem o acervo do Setor 1, e de retratos, no Setor 2 – cartões postais e retratos feitos de palavras, de linguagem - organiza-se, segundo o próprio poeta informa nas Notas, pelo regimento do afeto:

Reconheço a falta de unidade (no sentido clássico) do livro, mas não me importo. (...) ...procedi com extrema liberdade e desenvoltura. Espero, entretanto, que tenha deixado aqui a marca do meu afeto.

De fato, negando-se a relação do título do seu relato de viagem com o venerável do Museu de Arte Antiga, o poeta situa o seu Janelas Verdes no “espaço aberto” da liberdade, e do novo. Na visita que faz a Coimbra, cidade que se confunde com a sua Universidade, de novo encontramos a irreverência de Murilo Mendes diante de um museu.

O Museu Machado de Castro, em Coimbra, é o mais importante museu de arte da cidade, e um dos melhores de Portugal, contudo o relato de Murilo Mendes nada nos diz do seus tesouros artísticos. Na verdade, o poeta nem entra no museu; limita-se a dedicar-lhe

(6)

um adjetivo e a uma frase e prefere ficar no jardim. Ao invés do acervo precioso do museu, o poeta visita o arquivo da sua história pessoal e do seu afeto:

O magnífico Museu Machado de Castro. Os choupos: consinto a

malincuore que entrem no texto. Agrada-me sua forma originária, não a

palavra que os contém. Mas à sua sombra verde noivaram Carolina e Jaime Cortesão; sem esses choupos talvez Saudade não existisse.

O registro da visita a Coimbra e ao Museu Machado de Castro está, como se vê, atravessado de referências de ordem pessoal, referências que pertencem à esfera da vida pessoal e privada. Ao invés da informação previsível sobre o acervo do museu visitado, o leitor é convocado a conhecer um pouco da história pessoal da esposa de Murilo, Maria da Saudade Cortesão, e a se inteirar de um episódio biográfico dos pais dela, Carolina e Jaime Cortesão, todos citados no fragmento.

É ainda no texto sobre Coimbra que Murilo insere mais um elemento do convívio afetivo-pessoal, ao alinhar a avó materna de Maria da Saudade, de quem ele gostava muito, com poetas e artistas que rememora:

Ao tempo do meu primeiro séjour em Portugal achei que as três personalidades mais fortes então encontradas eram Teixeira de Pascoaes, Almada Negreiros e a avó Madalena.

Mais uma vez, mesclam-se elementos do arquivo cultural e do pessoal, atravessam o espaço da a memória os personagens do afeição familiar e da admiração intelectual. Na trama do texto, não recebe maior relevo o público que o privado. Ao fazer isso, Murilo Mendes dessacraliza a solenidade da tradição, desrespeita a formalidade com que as pessoas letradas em geral se relacionam com a alta cultura, e com isso também transforma a memória espontânea da vida privada em material de texto ambíguo e híbrido. É como se, voltando às palavras de Derrida, na falha estrutural e originária de toda manifestação da memória, a contradição revelasse a sua duplicidade, sua fenda: conservadora e tradicional, ao mesmo tempo, instituidora e revolucionária.

(7)

Esse modo de tratar a tradição, as instituições e os acervos, um modo irreverente e insubordinado, convoca do leitor uma também renovada atitude diante do texto de memória, e da compreensão do papel do poeta frente ao seu próprio texto.

Janelas Verdes, o museu que Murilo então constrói para sua coleção, não é mesmo o

de “arte antiga” , mas o do signo novo. Ao adotar o nome mas não a alma do museu instituição, Murilo Mendes opera seu texto como arquivo do novo, e não do antigo. O colecionador organiza a coleção e o texto pelos princípios da nova museologia e de uma compreensão também nova e mais ampla de arquivo.

4. O arquivo se “anarquiva”

A inserção da subjetividade no registro do itinerário intelectual de Murilo Mendes em trânsito pelos arquivos da tradição remete àquele elemento de perturbação do sentido homogêneo, totalizante e tradicional de arquivo. Aquilo que “anarquiva” de certa forma está relacionado com a instabilidade dos limites entre o público e o privado, como acontecia na contradição original do termo arké.. Assim, a leitura das passagens em que Murilo relata as visitas aos museus da Europa, que trazem intersticialmente as marcas da circunstância subjetiva, nos leva de volta à reflexão de Derrida e ao “mal do arquivo”.

Mais do que a definição de um conceito fechado, nesse termo se reconhece “um desejo irreprimível de retorno à origem, uma dor da pátria, uma saudade de casa, uma nostalgia do retorno ao lugar mais arcaico do começo absoluto.” Estar com mal do arquivo, continua Derrida, é “não ter sossego, é incessantemente, interminavelmente procurar o arquivo onde ele se esconde. É correr atrás dele ali onde (...) alguma coisa nele se anarquiva.” (2001: 118)

Introduzindo as expressões “trouble d´archive” (perturbação do arquivo) e mal d´archive (mal de arquivo), Derrida fala daquilo que “perturba e turva a visão”, ou seja daquilo que “impede o ver e o saber”. Esse insucesso da ordem, essa perturbação, deriva da impossibilidade de se controlar aquilo que “anarquiva”: “os segredos, os complôs, a clandestinidade, as conjurações meio privadas, meio públicas, sempre no limite instável

(8)

entre o público e o privado, entre a família, a sociedade e o Estado, entre a família e uma intimidade mais privada que a família, entre si e si”. (id: 117)

Com isso compreendemos melhor aquela contradição que atravessa o conceito, a que nos referimos no começo: o arquivo como o lugar da consignação, da reunião, se institui como princípio arcôntico: o lugar e a lei. Por outro lado, contudo, a “realização institucional” do arquivo pode ser “desconstruída”, como se explica na seguinte passagem:

Em qualquer lugar onde o secreto e o heterogêneo venham a ameaçar a própria possibilidade de consignação, certamente não faltarão graves conseqüências tanto para uma teoria do arquivo quanto para sua realização institucional” (...) (Nesse caso), os limites, as fronteiras, as distinções terão sido sacudidos por um sismo que não poupa nenhum conceito classificatório e nenhuma organização do arquivo. A ordem não será mais garantida. (2001: 14, 15).

Nessa viagem pelo “arquivo-labirinto”, ainda que os poetas e os críticos se entreguem, “às legítimas, necessárias e corajosas re-escrituras da história, não importa se dos sintomas mais leves ou das grandes tragédias holocáusticas da nossa história e de nossa historiografia moderna” (id: 117), a memória será sempre perturbada pela presença do elemento heterogêneo, espectral, subjetivo que se desloca continuamente, traçando um impreciso itinerário de múltiplas direções.

4. Para finalizar essa reflexão sobre o trânsito do poeta pelos espaços da memória, destaco o fragmento de uma terceira visita a uma museu da Europa, também registrada na

Carta Geográfica, onde Murilo relata sua ida ao Museu de Creta:

Em Creta (...) prefiro deter-me no museu. Surpreendo Dédalo a construir o Labirinto. (...) abriu uma vasta galeria de textos de Homero a Joyce e a Jorge Luis Borges. Não esqueçamos que Nietzsche propôs a arquitetura do Labirinto como verdadeiro padrão da complexidade da psique moderna. E quantas vezes encontrei-me no Labirinto de certos quadros de Vieira da Silva (...) onde o espírito da fábula ajuda a sublinhar a solidão geométrica do homem atual.

(9)

Murilo Mendes percorre mais uma vez, e mais uma vez tomado pelo mal do arquivo, o grande depósito da nossa cultura ocidental, a ilha de Creta, na Grécia, institucionalizado afinal como o pretenso lugar da origem da nossa história. E voltando ao começo, temos de novo a relação da literatura com a pintura, nessa viagem pelo arquivo-labirinto, sempre em deslocamento do privado para o público, e vice versa.

O trânsito entre público e privado aqui é representado no deslocamento mais uma vez irreverente pelo museu de Creta e pelo cânone literário, através do subjetivo “encontrei-me”, já escrito em itálico pelo autor. Depois o poeta volta ao exterior, ou seja, vai do privado para o público, quando, a partir da referência aos quadros de Vieira da Silva, abandona o subjetivo e passa para a reflexão sobre o espírito da fábula e o homem atual.

Se no primeiro texto de que tratamos neste estudo Murilo Mendes trazia o Louvre, e no do texto do fecho traz o Museu de Creta, ocorre-me que esses lugares são retomados pelo poeta porque representam os “grandes” lugares da memória cultural do Ocidente: a Grécia, como o lugar da tradição do clássico, e Paris, como o lugar da própria tradição moderna. Aproximando-os, Murilo sugere que ambos operam do mesmo modo: arquivam o moderno e o clássico, num procedimento repetitivo de cristalização da memória.

São esses procedimentos de musealização, no sentido do tradicional e do institucionalizado, que a arte e os artistas desafiam pelas nostalgias e pelas desmemórias, pelas construções precárias de representações parciais, fragmentárias, perturbadas pela contradição inevitável, e pela cintilação do heterogêneo e do particular.

Concluo citando mais uma vez a propósito dessas essas reflexões sobre arquivo e memória, ou sobre a literatura e a memória do arquivo, um pequeno trecho de “Utopia de um homem que está cansado”, de O livro de areia de Borges, esse outro visitante irreverente de museu e de acervos:

Atrevi-me a perguntar:

- Ainda há museus e bibliotecas?

- Não. Queremos esquecer o ontem, salvo para a composição de elegias. Não há comemorações nem centenários nem efígies de homens mortos. Cada qual deve produzir por sua conta as ciências e a artes de que necessita.

(10)

“Produzir por sua conta as ciências e as artes de que necessita” parece ser possível apenas depois de se revisitar tomado pelo mal do arquivo os espaços da memória. Ao perceber, como afirma no texto sobre New York e sobre o Metropolitan, que “a fórmula palácio-depósito de objetos de arte aproxima-se da exaustão” Murilo Mendes parece descobrir uma outra fórmula de refundir linguagem e memória, esta fecunda e criativa pois permite inventar a poesia e, ao mesmo tempo, reinventar os museus.

Referências

Documentos relacionados

Realizar a manipulação, o armazenamento e o processamento dessa massa enorme de dados utilizando os bancos de dados relacionais se mostrou ineficiente, pois o

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

Para apresentar as intervenções no tratamento da anorexia nervosa é fundamental descrever as contribuições nos transtornos alimentares como um todo, sendo eles, a pica, o

Ao fazer pesquisas referentes a história da Química, é comum encontrar como nomes de destaque quase exclusivamente nomes masculinos, ou de casais neste caso o nome de destaque

Em resumo, as mudanças na produção de conhecimento científico mais percebidas pelos investigadores dizem respeito primordialmente à avaliação dos programas de pós-graduação

- “No podemos consentir que ningún Gobierno cocine un sistema de formación moral que se opone a nuestras convicciones y lo imponga como asignatura obligatoria” (Nota de prensa

implementação de um sistema de qualidade, ou um processo de mudança que faça o clima organizacional da empresa sofrer alterações no tipo de gerenciamento,

Dirigir os i ncentivos para os pequenos e micro empresários. Revisão da politica tributária. Utilização do FNO e do FMPE. Vantagens que viabilizem a instalação de