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OBSERVAÇÕES SUSCITADAS PELA TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO: A RESPONSABILIDADE JURÍDICO-PENAL DO HOMEM DE TRÁS NO ÂMBITO DA CRIMINALIDADE ORGANIZADA

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Jus Societas – ISSN 1981-4550

OBSERVAÇÕES SUSCITADAS PELA TEORIA DO DOMÍNIO

DO FATO: A RESPONSABILIDADE JURÍDICO-PENAL DO

“HOMEM DE TRÁS” NO ÂMBITO DA CRIMINALIDADE

ORGANIZADA

Gustavo Svenson1

RESUMO: O artigo em tela propõe uma análise sobre a teoria do domínio do fato, em especial, a autoria mediata no tocante a criminalidade organizada encontrada na atualidade, ao passo que se demonstram ao longo do estudo duas correntes doutrinárias, a primeira, uma proposta apresentada por Figueiredo Dias que caracteriza o “homem de trás” da criminalidade organizada como instigador, a segunda, uma proposta apresentada por Claus Roxin que configura o “homem de trás” como autor mediato, auferindo, portanto, uma maior responsabilidade jurídico-penal. Por fim, apresenta-se o questionamento acerca da fungibilidade do executor, preconizada por Conceição Valdágua.

Palavras-chaves: Criminalidade Organizada. Teoria do domínio do fato. Autoria mediata. Responsabilidade jurídico penal.

Resumen: El artículo propone un análisis de la teoría del dominio del hecho, especialmente en relación con la autoría mediata del criminalidad organizada que se encuentran na actualidad, mientras que se demuestra a través del estudio de dos doctrinas, la primera, propuesto por Figueiredo Dias con el "hombre detrás", como el instigador del crimen, el segundo, la propuesta presentada por Claus Roxin que establece el "hombre detrás", como el autor mediato, ganando por lo mayor responsabilidad jurídico-penal . Por último, se presenta la pregunta acerca de la fungibilidad del ejecutor, según lo recomendado por Conceição Valdágua. Palabras-clave: Delincuencia Organizada. Teoría del dominio del hecho. Autoría mediata. Responsabilidad del jurídico-penal.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Hodiernamente, constata-se um crescimento da criminalidade organizada como sendo um poder paralelo que se ramifica cada vez mais na sociedade. Diante

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Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. E-mail para contato: gustavosvenson@hotmail.com

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disso, é necessário um combate efetivo2 o qual permita repelir e desmontar o núcleo de tal sistema criminoso, a nosso ver, definindo uma maior responsabilidade jurídico-penal do agente, que é, de fato, provedor do ilícito dentro das organizações criminosas.

O modo de combate que se este artigo sugere manifesta na derrocada de quem realmente detém o poder nas organizações criminosas, que é o chefe que comanda e usufrui dos lucros dos atos ilícitos, o qual se chamará de “homem de trás”.

A expressão “homem de trás” é demonstrada pela doutrina portuguesa como sendo o agente que possui o poder de comando e de decisão nas organizações criminosas, porém não participa diretamente na execução da ação ilícita, ordenando os seus subordinados, os chamados de “homem da frente”, à execução do crime.

A questão que este artigo propõe é: A que título deve responder o “homem de trás” que detém o poder decisório sobre a realização do ilícito penal no âmbito das organizações criminosas? Para tanto, faz-se mister a análise de um elemento essencial: a “teoria do domínio do fato”, na vertente do “domínio da vontade” propagada por Claus Roxin.

Dessa forma, poder-se-á inferir se o autor manipulador do ilícito no âmbito das organizações criminosas responderá3 como autor mediato, preconizado por Roxin (expoente da doutrina alemã), ou como instigador, conforme indicado por Figueiredo Dias (expoente da doutrina portuguesa).

1 A CRIMINALIDADE ORGANIZADA

Para melhor elucidarmos o tema, observa-se que o aparecimento da criminalidade está cada vez mais organizada e complexa; tendo o seu funcionamento através da variadas formas de agrupamento, no entanto, a doutrina distinguiu duas formas de visualização dessa organização: uma é a política, a militar ou a policial, as quais se apoderam do aparelho do Estado, para perfazerem as condutas criminosas, e a outra, em que pretendemos esclarecer no decorrer deste

2

Expressão de um direito penal moderno.

3

Busca-se, no presente ensaio, uma forma de responsabilização do mentor do ilícito consonante com a sua culpabilidade ou através da culpa juntamente com responsabilidade, pois se entende inadmissível uma política criminal que corrobore com a imputação do agente manipulador e de retaguarda como mero cúmplice.

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trabalho, é o movimento clandestino, a exemplo das organizações secretas e associações criminosas que têm suas estruturas à margem do ordenamento jurídico e tornam-se um organismo paralelo ao próprio Estado.

Segundo Roxin, o contexto apresentado para inferir a responsabilidade do “homem de trás” está no domínio da vontade, em virtude de estruturas do poder organizado, todavia não se aplica apenas aos crimes provenientes de dentro da estrutura estatal, sendo também aplicável à criminalidade organizada fora dele. Hoje, a doutrina também suscita diversos questionamentos acerca das organizações que atuam também de acordo com o ordenamento jurídico, analisando-se, por exemplo, se, no âmbito do domínio da criminalidade empresarial, podemos imputar a autoria mediata por via do domínio de um aparelho organizado de poder.

Após a constatação da organização, é necessário, para definir a responsabilidade criminal do “homem de trás” – o núcleo mandante do poder organizado –, observar a teoria do domínio do fato, na vertente do domínio da vontade, cujo exemplo é caracterizado pelo agente manipulador que detém a decisão e a vontade sobre a conduta do executor, utilizando-o como instrumento. Logo, estamos diante de um importante elemento para a completude da ação ilícita, afastando, de antemão, a posição de que o chefe de tal organização é aquela figura que meramente aconselha ou incentiva o seu subordinado ao cometimento do delito.

Diante dessas preliminares, surge o problema da autoria na criminalidade organizada, uma vez que o obstáculo é encontrar o agente manipulador destas organizações e provar que o mesmo detinha o poder de decisão sobre os atos cometidos por outrem no momento do fato.

Na prática constata-se que a criminalidade organizada vem, cada vez mais, utilizando meios tecnológicos e sofisticados, para dissimular seus atos ilícitos e, conseqüentemente, esconder o “homem de trás”, ao mesmo tempo em que demonstra para a sociedade uma aparente insuspeição. É bem verdade que se faz necessário empregar estes meios clandestinos, para viabilizar e promover tais ilicitudes, sem as quais não se conseguiria perpetuar o comportamento desviante, cuja destinação beneficia em cadeia todos os que participam desta estrutura, em especial, o “homem de trás”.

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Para a melhor solução do problema, deve-se considerar a criminalidade organizada de modo conglobado, e não de modo isolado; com efeito, deve-se analisá-la juntamente com a sociedade apresentada na atualidade, em seu dinamismo e em sua complexidade, pois não encontramos a prosperidade e o desenvolvimento somente nas atividades lícitas, mas também nas atividades ilícitas. Exemplo disso está na globalização da criminalidade4, ou seja, o fenômeno da delinqüência ajustou-se ao modelo produtivo capitalista, fomentando, cada vez mais, uma ilusória evolução, todavia sem a devida preocupação de suas conseqüências, logo a criminalidade adapta-se às novas formas de socialização.

Assim, verifica-se que a criminalidade organizada está presente na esfera internacional, ao se perceber que a mobilidade do crime se sobrepõe à própria territorialidade. Graças a este mecanismo, tais organizações conseguiram acumular fortunas, tendo a sua atuação criminosa no tráfico ilícito de estupefacientes, tráfico de seres humanos (em especial de mulheres e crianças), comércio ilegal de armas e munições, pirataria de produtos e, em geral, nas fraudes à escala internacional.

Diante do contexto apresentado, existe uma preocupação em garantir, no âmbito internacional, a efetiva imputação desses crimes ao “homem de trás”, uma vez que as condutas delituosas ultrapassam as fronteiras nacionais, e, para suprimi-las, é necessário responsabilzar quem, de fato, promove-a, não importando se o agente manipulador não se encontrar na mesma esfera jurisdicional do fato delitoso. Neste caso, há uma necessidade de regulamentação harmônica dos diversos países através de acordos internacionais, para que não haja situações em que se ausente de resposabilização juridico-penal ao núcleo do poder criminoso pelo fato de o delito ter sido praticado na esfera transnacional. A ONU e a Comissão Européia5 têm se

4 Anabela Miranda Rodrigues expõe o fenômeno da seguinte maneira: “A globalização consistira,

assim, numa „nova desordem mundial‟ ou numa „ordem caótica que caracteriza a nova organização planetária‟, em que „ilhas de ordem emergem de uma espécie de magma desorganizado‟. Em volta destas ilhas crescem regiões com estatutos diversos. „Umas, de economias geralmente destroçadas e com instituições políticas frágeis ou inexistentes‟, abaladas por múltiplas perturbações que a anomia social provoca e em que as mergulha a sua instabilidade, são as que “valorizam as matérias primeiras do crime: drogas, armas, seres humanos (prostituição, escravatura, tráfico de pessoas etc)”

in Criminalidade organizada – Que política criminal? p. 31. 5

A União Européia, através de uma proposta de decisão-quadro do Conselho relativa à luta contra a criminalidade organizada, apresenta a tipologia para tal tema na seguinte exposição: “a associação estruturada de duas ou mais pessoas, que se mantém ao longo do tempo e actua de forma concertada, tendo em vista cometer infracções puníveis com pena privativa da liberdade ou medida de segurança privativa da liberdade cuja duração máxima seja de, pelo menos, quatro anos, ou com pena mais grave, quer essas infracções constituam um fim em si mesmas, quer um meio de obter

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esforçado no combate à criminalidade organizada, exemplo disso é a Convenção de Palermo6, em que as Nações Unidas fornecem diretrizes contra a criminalidade organizada transnacional.

2 O “HOMEM DE TRÁS” COMO INSTIGADOR (PRECONIZADO POR

FIGUEIREDO DIAS)

A teoria da instigação, como forma de responsabilizar penalmente o “homem de trás” da organização criminosa – corroborada por Figueiredo Dias7 –, sustenta, de acordo com o princípio da auto-responsabilidade, uma vez que o instigador não contém o domínio pleno sobre a conduta do “homem de frente”, ressaltados os casos de erro e coação. Sob esse ponto de vista, o “homem de trás” domina a organização criminosa como unidade, mas não determina a vontade do executor do delito de forma completa.

Seguindo ainda este posicionamento, entende-se que o “homem da frente” poderia agir de maneira diferente da pré-estabelecida pelo “homem de trás”, praticando seu ato de acordo com o princípio da auto-responsabilidade, conseqüentemente, respondendo na medida de sua culpabilidade.

benefícios materiais e, se for caso disso, de influenciar indevidamente a actuação de autoridades públicas” e orientou seus Estados-membros a tipificarem tais condutas. in COM/2005/0006 final -

CNS 2005/0003 - Proposta de decisão-quadro do Conselho relativa à luta contra a criminalidade organizada. Disponível em http://europa.eu.int/eur-lex/pt/index.html, consultado em 10

dez. de 2007.

6

As Nações Unidas, através da Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada Transnacional, a chamada Convenção de Palermo, conceituaram “grupo criminoso organizado”, como sendo: “um grupo estruturado de três ou mais pessoas, existindo durante um período de tempo e actuando concertadamente com a finalidade de cometer um ou mais crimes graves ou infracções estabelecidas na presente convenção, com a intenção de obter, directa ou indirectamente, um benefício económico ou outro benefício material”. in Guia legislativo para a aplicação da

convenção das Nações Unidas contra a criminalidade organizada transnacional, disponível em

http://www.gddc.pt /cooperacao/materia-penal/textos-mpenal/onu/GuiaConv.pdf, consultado em 10 de dez. de 2007.

7 Portugal responsabiliza o “homem de trás” como instigador e determina outrem à prática do fato

criminoso, como demonstra o artigo 26 do Código Penal português, todavia o pune com a mesma dosimetria do autor. Assim, Figueiredo Dias entende que: “Esta concepção, para além de respeitar o princípio da auto-responsabilidade como critério da autoria mediata, serve para evitar dúvidas de aplicação da lei por outra forma, como referimos, dificilmente elimináveis. Aceitando-a, não se fica, desde logo, na dependência de saber – coisa extremamente difícil – se o aparelho de poder tem ou não, no caso, dimensão suficiente para se verificar a hierarquização e o conseqüente automatismo pretendido como condição de afirmação da autoria mediata. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito

Penal: parte geral. 2a Edição. Coimbra: Ed. Coimbra, 2007. p. 806.

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Sob esse entendimento, o agente só irá executar o delito, porque possui uma livre decisão e tem consciência, em relação à sua vontade, de exercer os mandos do serviço criminoso, podendo agir de modo diverso do almejado pelo “homem de trás”. Com efeito, são preponderantes as vontades endógenas do agente para o cometimento do delito, a liberdade e a autodeterminação, ou seja, os motivos intrínsecos que o levaram a tal ato, rechaçando, de certa forma, as vontades exógenas, encontradas no sistema social.

Figueiredo Dias constrói um conceito material de culpa no momento em que o indivíduo responde pelas qualidades juridicamente desvaliosas da personalidade

que fundamentam um fato ilícito-típico e nele se exprime.8 Assim, o homem é

culpado, quando suas ações se manifestarem através das qualidades pessoais, que são jurídica e penalmente desvaliosas e o fundamentam, tendo-se como efeito uma personalidade censurável.9

A crítica que se faz a essa posição, consoante ao pensamento de Roxin, situa-se no fato de não haver uma mera instigação entre o “homem de trás” e o executor do delito, uma vez que é apresentada, nas estruturas das organizações criminosas, uma relação intimidativa de hierarquia e de poder, uma nítida expressão de domínio, por isso, a nosso ver, há mais do que uma instigação. O “homem de trás” não emite apenas um estímulo ou sugestão sobre os atos do “homem da frente”, mas exerce o domínio sobre a vontade do executor.

Dizer que o “homem da frente” é livre o bastante, para desviar os mandos do seu superior, é tão insusceptível de prova como a possibilidade de agir de outra maneira no momento exato do fato. Estamos, portanto, no entendimento de que o direito penal tem como ponto de partida a liberdade, embora não seja passível de uma prova correta e precisa. Em virtude dessas considerações, a liberdade do “homem da frente” é mais uma posição de crença filosófica que não pode servir de

base para uma concepção empírico-racional do direito penal10.

8

DIAS, Figueiredo. Op. cit. p. 525.

9

Havendo um fundamento ético-existencial, Figueiredo Dias proclama o princípio da culpabilidade sem ter entraves deterministas, ou seja, crente na liberdade da pessoa, nos termos expostos; a segunda é a de que o conteúdo da culpa não é referido ao caracter (naturalístico) da pessoa, mas à sua personalidade como fruto de uma decisão livre da pessoa sobre si mesma. Ibidem.

10

ROXIN, Claus. Culpa e responsabilidade: questões fundamentais da teoria da responsabilidade.

Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Outubro-Dezembro. 1991. p. 520.

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Para Roxin, a melhor maneira de apoiar a concepção da culpa é imputando ao agente a obrigação de responder pela própria maneira de ser e é, decerto, a de renunciar inteiramente à retribuição e a uma censura moral contra o agente, limitar o direito penal a fins preventivos e entender que a culpa mais no sentido de uma

responsabilidade social11.

3 O “HOMEM DE TRÁS” COMO AUTOR MEDIATO (PRECONIZADO POR

CLAUS ROXIN)

Roxin, ao tratar da teoria do domínio do fato12, fundamenta a autoria sob três prismas: o “domínio da ação”, o “domínio da vontade” e também o “domínio funcional do fato”. Conforme a especificidade do presente ensaio, iremos enfocar, em maiores detalhes, o fundamento da “teoria do domínio da vontade”, que traz como alicerce a própria autoria mediata e subdivide em “domínio da vontade em virtude de coação”; “domínio da vontade em virtude de erro”, e, por uma questão de política criminal que versa sobre uma maior efetividade no combate à criminalidade organizada, também se configura a autoria mediata, quando encontramos o “domínio da vontade em virtude de aparelhos organizados de poder”.

Além disso, verifica-se, em uma política criminal que expressa a “teoria do domínio da vontade” de forma expansiva, que a autoria mediata tem como função a delimitação e o aumento da responsabilidade jurídico-penal dos agentes manipuladores – núcleo da organização criminosa –, os quais são os verdadeiros donos e, principalmente, os beneficiadores de toda a estrutura ilícita, sendo uma incoerência atenuar a responsabilidade de tais criminosos.

Embora haja toda essa celeuma acerca da responsabilização do agente manipulador, cabe aos orgãos competentes e ao poder jurisdicional desestruturar tais organizações, no entanto não basta a mera investigação e a supressão dos

11

ROXIN, Op. Cit. p. 519.

12

Maria da Conceição Valdágua, em artigo, concorda com o posicionamento de Roxin, ao subdividir a teoria do domínio do fato em posições que compreendem cada tipo de autoria: “‟delitos de domínio‟ (Herrschaftsdelikte), cujo autor é só aquele, mas todo aquele, que tem o domínio do facto, „delitos de dever‟ (Pflichtdelikte), nos quais a autoria só pode caber a quem é destinatário de um dever especial, subjacente ao preceito incriminador (o que, para nós, ao contrário de ROXIN, é necessário, mas não suficiente para fundamentar a autoria do respectivo agente) e „delitos de mão própria‟, em que só pode ser autor quem realize, pessoalmente, o comportamento descrito no preceito incriminador (eigenhändige Delikte)”. in A responsabilidade do agente mediato no âmbito da criminalidade

organizada. p. 66.

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delitos sem a devida imputação ao núcleo criminoso, de uma parecela considerável no que tange a sua culpabilidade, sob pena de comprometer a prevenção de crimes.

Por isso, existe uma forte demanda efetiva em matéria jurídico-penal que procura resolver esta situação, através, por exemplo, da doutrina penal moderna, que consagra, de certa forma, os estudos de Roxin sobre a “teoria do domínio do fato”, em particular o “domínio da vontade em virtude de aparelhos organizados de poder”.

Portanto, para Roxin, é necessária para a configuração da autoria mediata em virtude do domínio da organização a verificação de três requisitos: primeiro, um aparelho organizado de poder com rígida estrutura hierárquica; segundo, a fungibilidade do executor e, terceiro, o funcionamento do aparelho, em sua totalidade, às margens do ordenamento jurídico.

É preciso insistir ainda no fato de que, com esse posicionamento, existe uma diminuição do princípio da auto-responsabilidade. Isso é justificável, porque o autor manipulador detém, de fato, o domínio sobre a conduta do “homem de frente”, conseqüentemente sobre a feitura do crime, ainda mais quando se verifica a fungibilidade, inerente a estas estruturas de poder, pois, se o fato delituoso não for cumprido por um, outro o fará em seu lugar.

3.1 A teoria do domínio do fato

Conforme tal teoria – aprimorada por Roxin –, para fins de configuração do autor, não basta a mera conformação da conduta do executor ao verbo empregado no tipo legal, pois o autor é a figura central dos acontecimentos.

O fundamento desta teoria foi aperfeiçoado ao longo da história evolutiva da dogmática13, apresentando teorias14, sendo Welzel15 o responsável por uma maior

13

Roxin demonstra a origem dogmática e do conteúdo da teoria do domínio do fato, da seguinte forma: “las consideraciones precedentes han puesto de manifesto lo difícil que resulta proporcionar uma autentica historia dogmática de la teoría del dominio del hecho. El inicio de su avance hasta convertirse em la concepción hoy casi dominante se remonta a Welzel; pero las coaracterísticas del concepto proceden de Hegler, y su contenido material puede rastrearse hasta los comienzos de las teorías de la participación. Ya se há aludido repetidas veces supra a que (y a hasta qué punto) todas las teorias tartadas em la panorámica histórica – desde la concepción objetivo-formal, pasando por los distintos criterios objetivo-formal, pasando por los distintos criterios objetivos-materiales hasta la teoria subjetiva – albergan determinados elementos (distintos em cada caso) de la Idea del dominio del hecho, si bien solo de forma velada. Todas ellas integran los cimientos de la teoría del dominio del hecho, que aparece como sintesis afortunada de los puntos de partida hasta entonces y como

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repercussão neste discurso, moldando a figura do autor como sendo aquele que dolosamente16 detém o domínio do resultado finalístico do fato.

Nesse sentido, Welzel não aceitava que o agente da retaguarda fosse considerado autor, pois não passava de um mero instigador, e explicava no sentido de não haver vontade maior que pudesse convertê-lo em autor. Por isso, foi necessário complementar o conceito do “domínio finalístico do fato”, para abranger também os casos em que o “homem da trás” tivesse uma parcela considerável na completude do delito.

Em virtude dessa consideração, a doutrina jus penalista teve a incumbência de classificar as hipóteses em que se caracteriza a autoria mediata, que, na maioria das vezes, expressa-se naquele que realiza o fato por meio de outro, servindo-lhe

coranación de uma larga los representantes actuales de esta teoría y en la crítica que se expondrá de la teoría del dominio del hecho; pero me da la impresión de que las consideraciones metodológicas e históricas precedentes harán ya aparecer claro tal juicio”. in Autoría y dominio del hecho en

derecho penal. p. 84.

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Jorge de Figueiredo Dias decorre sobre as concepções basilares da autoria apresentados nas teorias, mas não se aprofundará aqui nas diferenças existentes entre as teorias. Em todo caso, abordaremos brevemente cada pensamento: as teorias puramente objetivas, que se verificam na “teoria formal-objetiva”, em que o autor executa a ação, seja total ou parcialmente, o que demanda a descrição típica; a “teoria material-objetiva assente na causalidade” em que o autor, de qualquer modo, executa o fato contribuindo causalmente para a descrição típica, não medindo a sua contribuição, e a “teoria subjetiva”, em que o autor quer o fato como próprio, fazendo uma distinção com o partícipe, que quer o fato como alheio, o primeiro agindo com "animus auctoris", e o segundo, com "animus socii". Nesta última situação, para uma reflexão que não podemos analisar objetivamente o teor da autoria, é válido ressaltar: “O célebre „caso stachynsky‟, decidido pela jurisprudência alemã, revela-se exemplar: um agente secreto da URSS matou em Munique, por ordem da polícia secreta soviética, dois refugiados opositores do regime comunista; o tribunal condenou-o como mero cúmplice do homicídio, porque a posição juridicamente mais censurável pertencia a quem lhe havia dado ordem, enquanto o executor não teria tido nem nenhuma vontade independente, nem um interesse na realização do facto.” in Direito Penal: parte geral. p. 765. Zaffaroni posiciona distintamente da “teoria subjetiva” com os exemplos que passamos a abordar: “Esse critério subjetivo de distinção foi usado pela jurisprudência alemã, onde ainda persiste, e conduziu a soluções totalmente absurdas. Assim, afirmou-se que um assassino profissional contratado num país estrangeiro, que fora enviado para matar asilados croatas com uma pistola de gás venenoso, não eram autor, porque não queria o fato como seu, pois o interesse do resultado pertencia à potencia que o enviava; afirmou-se que a irmã da parturiente que, a pedido desta – prostrada e sem forças – afogou o recém nascido na banheira, não era autora, e sim cúmplice, porque não queria o fato como seu, nem tinha interesse pessoal no seu resultado. A observação mais superficial indica indefensabilidade desta posição” in Manual de direito penal brasileiro. p. 635.

15

Welzel lança esse pensamento consoante a sua teoria finalista da ação em que trata, em apud Jorge de Figueiredo Dias: “o domínio do facto cabe àquele que leva até à execução a sua decisão volitiva consciente da finalidade”. A idéia não era nova, pois Lobe já tinha preconizado a teoria subjetiva em que era prescindível a observação da vontade. in Direito Penal: parte geral. p. 766.

16 Welzel e Roxin limitam o alcance desses tipos de ilícitos considerando o afastamento dos “delitos

negligentes”, nem por “omissões” nem pelos “delitos de dever” como uma característica da teoria do domínio do fato, pois não são vislumbrados não por uma ação, e sim pela violação de um dever em que é responsável aquele que deveria cumprir. Isso pressupõe que o “homem de trás” tem o domínio sobre o "quando ocorrerá o ilícito", "em que local", "com que modo", "por quem", "contra quem". Então, são critérios para esta teoria os delitos dolosos gerais.

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de instrumento. A doutrina clássica, porém, só reconhece a autoria mediata em virtude do erro e da coação.

Contudo, Roxin explica a teoria do domínio do fato nas seguintes vertentes: Primeiro, o autor é quem realiza direta e imediatamente, no todo ou em parte, uma conduta típica descrita na lei penal incriminadora, sendo inerente ao domínio da

ação. Segundo, é o domínio funcional do fato, apresentado nas situações de

co-autoria. E por fim, ocorre quando o autor executa o fato delituoso utilizando-se de outrem como instrumento. Neste caso, está presente a autoria mediata através do

domínio da vontade17, mesmo não sendo executada pessoalmente a conduta típica,

ainda assim, se perfaz sobre ele a autoria. Além do mais, este domínio materialmente considerável está tão marcante ao ponto de permitir a realização de tal fato, podendo inclusive decidir sobre sua interrupção, modificação ou consumação18.

O estudo da teoria do domínio de vontade alcança as situações elencadas a seguir: “domínio de vontade em virtude de coação”; “domínio da vontade em virtude de erro”; “domínio da vontade no emprego de menores e inimputáveis em geral”, já consideradas pela doutrina clássica; e o “domínio da vontade em virtude de mecanismos do poder organizado”, importante para a nossa investigação, pois coloca em destaque a vontade por parte do “homem de trás”, que utiliza a máquina pessoal19 da estrutura do poder, para cometer seus delitos sem, ao menos, ter o executor uma consciência pensante.

17

É importante também configurarmos a influência valorativa do domínio da vontade, e Roxin trata da seguinte forma: “Al efecto hay em principio que “dominio del hecho” no significa lo mismo que “influencia volitiva”. No todo aquel que ejerce influjo más lo intenso sobre la resolución del que ejecuta diretamente domina ya por eso el hecho, puesto que tal influencia la tienem igualmente el inductor y el cómplice que corrompen al agente y le apoyan com consejos. Si no se quiere desgradar hasta lo insignificante la participación, apartándose de las metas em que pensó el legislador, há de interpretar el concepto de “dominio” como puede entenderse com arreglo simplesmente al tenor liberal y al contenido de sentido social: hay que limitarlo a los casos em que la decisión determinante y última sobre lo que debe ocurrir reside en el sujeto de detrás. Siempre que al ejecutor directo le quede libertad de decidir, la influencia del sujeito de detrás no puede ascender al “dominio” cuya existência, de acuerdo com la teoria del dominio del hecho, debe constituir um requisito de la autoria”. in Autoría

y dominio del hecho em derecho penal. p. 166.

18 Roxin faz referência na seguinte posição: “No obstante, llega a apreciar autoría mediata razonando

que el sujeito de detrás, además, tiene em sus manos, a diferencia de en la inducción comúm, el que se llegue o no a um sucesso delitivo.” in Autoría y dominio del hecho em derecho penal. p. 279.

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Roxin utiliza essa nomenclatura, para evidenciar a instrumentalização do executor, fazendo referência à máquina industrial que não pensa, conseqüentemente não detém o domínio da vontade, só contém o restrito trabalho de executar.

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Sabemos que o aparecimento desta teoria concebeu-se na Alemanha do pós-guerra, onde se constatou a fungibilidade do agente nas estruturas organizadas do Estado, cominando ao mandante a apresentação dos ilícitos penais sem condicionar o executor à sua decisão autônoma, pois, no caso, não possuía o “domínio da vontade”.

Então, o entendimento da teoria roxiniana evidencia a autoria mediata através da teoria do “domínio da vontade” com a vinculação tão somente da própria estrutura de poder – desvalorando o erro e a coação –, por intermédio de uma política criminal20 que coloca em evidência não somente a estrutura de poder, mas também a fungibilidade do executor no intuito de obter o alcance maior na esfera de responsabilização da autoria mediata, assim, conseguindo imputar o delito a quem realmente o manipulou.

Outro critério que vem sendo analisado é o domínio psicológico, em que o “homem de trás” possui, sobre o executor, uma pressão psíquica, quer através da coação da própria estrutura hierárquica, quer pelo foro íntimo. De qualquer forma, ocorrerá o domínio da vontade.

Com fulcro nesse entendimento, considera-se a autoria mediata sustentada no domínio da vontade, por meio de um aparato do poder organizado diverso do poder estatal, consistindo uma espécie de construção ad hoc nas teorias tradicionais da autoria, construindo um conceito aberto da teoria do domínio do fato21 no sentido de expressarmos o cometimento análogo que culmina na responsabilização do verdadeiro autor do fato.

20

Essa política criminal há de se fundamentar nas estruturas do domínio da organização, para desvalorar o erro ou a coação, pois esta construção baseia-se na teoria do animus auctoris, podendo atribuir a vontade do executor ao “homem de trás”, suprindo qualquer dificuldade.

21

Roxin busca, através do domínio do fato, um conceito aberto, para delimitar a autoria, permitindo, assim, adaptar os casos concretos à dogmática jurídico-penal: “Como la descripción no delimita el concepto de autor mediante fórmulas, nunca está definitivamente concluidas. Por ejemplos, es concebible que em el curso de la evolución se descubran formas de cooperación hasta ahora desconocidas, o se las cree mediante la introdución de nuevos tipos. Para estes casos no se tiene ya prevista la solución. Com la mera subsunción bajo um supraconcepto, como posibilitaría y requeriría un concepto fijado de a autor, no se adelanta nada. (...) No obstante, cabe hablar aquí de concepto “abierto” en el sentido de que no va a ser posible uma “indicación exhaustiva de sus elementos en todo caso imprescindibles” y de que no vo a estar cerrado a admitir nuevos elementos de contenido.”

in Autoría y dominio del hecho en derecho penal. p. 145.

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3.2 Questionamentos acerca da fungibilidade do executor (preconizado por Conceição Valdágua)

A fungibilidade do executor pode encontrar-se na rígida hierarquização da organização criminosa, sendo esta uma característica inerente à autoria mediata no domínio da organização, idealizada por Roxin. Isso tem como conseqüência prática a natureza fungível do “homem da frente”, podendo ser substituível22

por outro, sem que, com isso, comprometa a realização da ação pretendida. Muitas vezes, o “homem de trás” nem sequer conhece pessoalmente o executor material, dificultando ainda mais a imputação jurídico-penal do agente manipulador.

Em suma, Roxin estabelece três requisitos para a aplicação desta terceira via23, assegurada pelo automatismo da estrutura inerente ao aparelho organizado de poder, dando ao “homem de trás” a segurança de saber que a sua vontade criminosa será executada, mesmo que alguém se recuse a fazê-lo.

Conceição Valdágua insere uma celeuma, quando discorda da categoria roxiniana no que tange à forma específica de domínio da vontade e ao fundamento

22 Segundo Roxin, a “fungibilidade” possibilita que o “homem de trás” domine o evento, e conceitua o

“homem da frente” como sendo: “O agente material é apenas um „rodinha‟ substituível no mecanismo do aparelho de poder. Tal não impede que aquele que no termo pratica o homicídio com as suas próprias mãos seja punível como autor material. Os ordenadores na alavanca de comando do poder não deixam por isso de ser autores mediatos, pois a realização do facto não está dependente de decisão do autor material, ao invés do que sucede na instigação. Dado que a autoria material do executante e a autoria mediata do homem de trás decorrem de pressupostos diferentes – a do primeiro da execução por suas próprias mãos, a do segundo da direcção do aparelho – podem, lógica e teleologicamente, existir ao lado uma outra, ao contrário do que defende uma opinião muito difundida. A forma descrita de autoria mediata é expressão juridicamente adequada para o fenômeno do “criminoso de secretaria” que, embora tenha o domínio do facto, só pode exercer através de um autor material.” in Autoria mediata através de domínio da organização, p. 42.

23

É válido ressaltar a crítica de Conceição Valdágua quanto ao posicionamento de Roxin: “A autoria mediata em virtude do domínio da organização pressupõe, para ROXIN, a verificação cumulativa de três requisitos: a) um aparelho organizado de poder com rígida estrutura hierárquica; b) a fungibilidade efectiva do executor e c) a desvinculação do aparelho, como um todo, do direito (ou seja: o funcionamento do aparelho, como um todo, à margem do ordenamento jurídico. No entanto, no pensamento de ROXIN, está longe de ser igual a relevância destes requisitos para a justificação da autoria mediata atribuída ao homem da retaguarda. Com efeito, a ideia fundamental de ROXIN, que está subjacente à sua tese de que o domínio da organização é uma forma de domínio da vontade e, portanto, uma forma de domínio do facto, é que há três - e apenas três - hipóteses de o domínio da vontade, ou seja, o domínio do facto sob a forma de domínio da vontade, caber a um homem da retaguarda, que não intervém na execução: isso pode acontecer, segundo ROXIN, somente em virtude de coacção exercida sobre o executor, ou por força de erro do executor, ou, por último, em virtude da fungibilidade efectiva do executor (entendida como a possibilidade, praticamente ilimitada, de substituição de qualquer pessoa que se recuse a executar o facto ordenado pelo homem da retaguarda).” in A responsabilidade do agente mediato no âmbito da criminalidade organizada. p. 68.

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autônomo da autoria mediata. Assim, dentre os três requisitos exigidos por Roxin para a aplicação do seu posicionamento perante o domínio da organização, para a autora, só a fungibilidade do executor é que pode-se considerar como justificação para a autoria mediata. Os outros dois requisitos – o aparelho organizado e seu funcionamento à margem do ordenamento jurídico – traduzem para ela apenas as condições necessárias para a verificação da fungibilidade do executor.

A autora supracitada rebate essa doutrina demonstrando a existência de um simples caso de o agente da retaguarda ser autor mediato, ainda que não haja fungibilidade. Assim, para Roxin, nos casos de não existência do elemento fungibilidade do executor, o agente da retaguarda não poderá ser considerado como autor mediato por força do domínio da organização, mas sim, apenas como instigador.24

Segundo Conceição Valdágua, a responsabilidade jurídico-penal do “homem de trás” como sendo autor mediato não se funde na fungibilidade do executor e não pressupõe, sequer, que este seja membro do aparelho organizado de poder, estando subordinado ao agente mediato. Deve-se verificar a subordinação voluntária

do executor à decisão do agente mediato.25

24

Conceição Valdágua vai mais além e rebate: “Esta resposta de Roxin à objecção contra a sua doutrina afigura-se-nos inatacável, no plano lógico. (...) Mas, no plano axiológico, a posição de Roxin só seria convincente se ele tornasse, pelo menos, plausível, a desigualdade de tratamento do agente mediato, nos casos que ele entende serem de autoria mediata por força do domínio da organização, por um lado, e nos casos da falta de fungibilidade do executor (dentro do âmbito do aparelho organizado de poder), por outro. Para isso, porém, Roxin teria de demonstrar, por exemplo, que, quando exista no aparelho organizado de poder um só executor possível para determinadas operações „especiais‟ e esse executor cumpra regularmente as ordens de conteúdo criminoso que lhe são dadas, executando tais operações, o agente mediato, do qual as ditas ordens emanam, não tem a qualidade de figura central do acontecimento penalmente relevante, por falta de fungibilidade do executor – qualidade essa que Roxin seguramente lhe atribuiria, se o aparelho dispusesse de uma pluralidade de executores com capacidade para a operação em causa. Roxin, em suma, teria de demonstrar que, enquanto na última hipótese mencionada o agente mediato executa o facto “por intermédio de outrem” (no sentido do § 25 do Strafgesetzbuch alemão e do art. 26º do Código Penal português), isso já não acontece quando apenas um dos membros da organização tem as aptidões necessárias para a execução do facto criminoso.” in A responsabilidade do agente mediato no

âmbito da criminalidade organizada. p. 74.

25

A subordinação voluntária do executor à decisão do agente mediato proposta por Conceição Valdágua pressupõe: “Quando uma pessoa, dolosamente, incute noutra a resolução de praticar um determinado facto punível, em cuja execução a primeira não quer tomar parte, pode verificar-se uma das duas situações seguintes: a) da actuação do agente mediato sobre o agente imediato decorre, expressa ou concludentemente, que, ao tomar a resolução criminosa, que foi determinada ou co-determinada por aquela actuação, o agente imediato aceitou não executar o facto punível, no caso de o agente da retaguarda vir depois a comunicar-lhe que já não quer que esse facto seja praticado. Nesta medida, portanto, verifica-se aqui uma subordinação voluntária do agente imediato a uma eventual decisão posterior, de sinal contrário do agente mediato;b) da actuação do agente da

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4 A responsabilidade do “homem de trás” no âmbito da criminalidade organizada

A classificação jurídico-penal do agente que utiliza outra pessoa para o cometimento de um delito tem sido muito discutido tanto na doutrina quanto na jurisprudência em diversos países, em especial na Alemanha, pois os critérios de imputação, que servem para explicar a autoria, viriam em função de que o sujeito atue de forma isolada, conjunta ou por meio de outro. Nessa esteira, para delimitar a responsabilidade jurídico-penal, exige-se como pressuposto a individualização de cada agente, para que possamos imputar, na medida de sua culpabilidade ou no binômio, culpa e responsabilidade.

Uma vez vencida a identificação dos agentes que compõem a estrutura da criminalidade organizada, não importa se a proposta para a resolução do problema seja dada por Figueiredo Dias, que apresenta o “homem da frente” como plenamente irresponsável (como no erro ou na coação), e o “homem de trás” deve ser considerado como instigador, ou, então, com a abertura dada por Roxin na abordagem da “teoria do domínio do fato”, caracterizando o “poder organizado à margem do ordenamento jurídico”, uma terceira via da “teoria domínio da vontade” utiliza principalmente a fungibilidade do executor, para responsabilizar o “homem de trás” como autor mediato; ou até mesmo com Conceição Valdágua, que desvalora a fungibilidade26 com a inserção do critério fundamental com a subordinação voluntária do executor à decisão do agente mediato para a configuração da autoria.

É difícil a visualização da responsabilidade criminal, quando tratamos de estruturas de poder clandestinas, então, há um empenho de estudos na ciência criminal em abraçar uma maior abertura à conceituação do agente em que recaíra a

retaguarda sobre o agente imediato não decorre que, ao tomar a resolução criminosa, que foi determinada ou co-determinada por aquela actuação, o agente imediato aceitou fazer depender a execução do facto da inexistência de uma posterior mudança de desígnio do agente da retaguarda. Aqui, portanto, não se verifica qualquer subordinação voluntária do agente imediato a uma eventual decisão posterior em sentido inverso, do agente mediato.” in A responsabilidade do agente

mediato no âmbito da criminalidade organizada. p. 75.

26

Ainda Conceição Valdágua desvalora a fungibilidade na seguinte explanação “a autoria mediata do agente da retaguarda não se funda, como pretende Roxin, na fungibilidade do executor e não pressupõe, sequer, que este seja membro do aparelho organizado de poder e esteja subordinado ao agente mediato”. Idem. p. 75.

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responsabilidade, dadas a complexidade e a gravidade que se exigem para o combate ao crime organizado, e a solução razoável não existe sob o prisma de uma única via.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao apresentar, de forma bastante sucinta, uma abordagem dos comparticipantes na criminalidade organizada, são imprescindíveis algumas atitudes no âmbito da política criminal, para que haja a sua efetividade. Diante disso, não conseguimos visualizar um combate ao poder hierárquico às margens do ordenamento jurídico sem o devido aparato dos órgãos administrativos competentes. As observações emanadas pela teoria do domínio do fato nos fazem concluir que, diante da capacidade de atuação e intimidação da criminalidade organizada, esta demonstra uma maior periculosidade para a sociedade, então, esta teoria vem para corroborar com a consciência de que deve haver, no ordenamento jurídico, o combate a esse tipo de ilícito.

Para isso, deve-se configurar o “homem de trás” como sendo autor – consonante com a sub-variante autoria mediata –, chamando a atenção de que ele possui o domínio do fato e reconhecendo-o como núcleo que detém a domínio consciente e responsável do ato criminoso.

REFERÊNCIAS

DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: parte geral. 2a Edição. Coimbra: Ed. Coimbra, 2007.

RODRIGUES, Anabela Miranda. Criminalidade organizada: que política criminal? In: Themis: Revista da Faculdade de Direito. UNL. - Ano 4, Nº 6. Lisboa, 2003. ROXIN, Claus. Autoria mediata através de domínio da organização.In: Lusíada. Direito. 2ª Série. - Universidade Lusíada. Lisboa, 2004.

______, Claus. Autoría y dominio del hecho em derecho penal. 6a Edição. Madrid: Marcial Pons,1998.

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______, Claus. Culpa e responsabilidade: questões fundamentais da teoria da responsabilidade. Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Outubro-Dezembro. 1991.

VALDÁGUA, Maria da Conceição. A responsabilidade do agente mediato no âmbito da criminalidade organizada. In: Lusíada. Direito. 2ª Série. - Universidade Lusíada. Lisboa, 2004.

___________, Maria da Conceição. Observações suscitadas pela conferência do professor Claus Roxin sobre autoria mediata através de domínio da

organização. In: Lusíada. Direito. 2ª Série. - Universidade Lusíada. Lisboa, 2004. ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2004.

Referências

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