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Tribunal da Relação do Porto, Acórdão 21 Janeiro 2010 (Ref. 1520/2010)

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JURISPRUDÊNCIA E PARECERES

Tribunal da Relação do Porto, Acórdão 21 Janeiro 2010 (Ref.

1520/2010)

Relator: Teles de Menezes Processo: 954/09.1TBSJM.P1 Jurisdição: Cível

Colectânea de Juriprudência

Sumário

PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM. Composição provisória. Finalidades. Providência cautelar antecipatória. Lesão grave e dificilmente reparável. Pericuium in mora.

I - A composição provisória visada através das providências cautelares pode prosseguir uma de três finalidades : necessidade de garantir um direito, de definir uma regulação provisória ou de antecipar a tutela pretendida ou requerida.

II - As providências cautelares, concedendo uma composição provisória, correspondem a uma tutela qualitativamente distinta daquela que é obtida na acção principal de que são dependência, destinando-se a ser substituídas pela tutela que vier a ser definida na acção.

III - Atenta a urgência de situação carecida de tutela, o tribunal pode antecipar a realização do direito que previsivelmente será reconhecido na acção principal e que será objecto de execução.

IV - As providências cautelares antecipatórias não se limitam a assegurar o direito que se discute na acção principal, nem a suspender determinada actuação, garantindo-se, desde logo, e independentemente do resultado a alcançar na acção principal, um determinado efeito que acaba por ter carácter definitivo. V - A alegação, por parte do requerente, dos danos já verificados no seu imóvel, decorrentes de infiltrações de água da chuva, e a invocação da necessidade urgente de intervenção na parede que permite tais infiltrações, ante a proximidade do Outuno/Invemo, para evitar o agravamento desses danos, aliada à recusa do proprietário vizinho em consentir na reparação através do seu terreno, integra suficiente alusão ao periculum in mora.

J.P.P.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I

- [A] propôs a presente providência cautelar comum contra [B] e mulher [C], pedindo que sem audiência prévia dos Requeridos, sejam estes notificados para permitir à Requerente o acesso à sua propriedade pelo prazo mínimo de 5 dias úteis, período esse essencial e imprescindível à colocação de chapas metálicas no muro da garagem supra-identificado e nas dimensões referidas em 5. deste requerimento de modo a permitir o isolamento da referida parede da garagem.

Alegou que é legítima dona e proprietária de um prédio [...], descrito na Conservatória do Registo Predial com o número 4.533, e inscrito na matriz predial urbana sob o art. 6.286º.

Tal imóvel confina a sul com o prédio dos aqui Requeridos [...], e na dita confrontação existe um muro de separação encostado a uma parede (da garagem) em cimento, parte integrante do prédio da Requerente. Tal parede da garagem do referido imóvel em propriedade horizontal (recentemente construído) tem vindo desde há algum tempo a esta parte a "permitir" infiltrações de água (chuvas, etc.) o que origina desde logo no

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seu interior o aparecimento de focos de humidade, fungos e mau-cheiro.

A Requerente, com vista a resolver definitivamente o problema, pretende revestir o exterior daquela parede, lacada a cor beije, fixada em perfis metálicos, os quais estarão fixos na sua parede, e isto numa extensão de cerca de 25 metros, e com uma altura média de 2 metros, sendo que este é o único meio e modo de obstar à continuação de tais infiltrações.

Para proceder a tal "reparação" a Requerente necessita de aceder à propriedade dos Requeridos, de forma a aí colocar escadas que lhe permitirão efectivar a colocação das ditas "chapas", sendo que tal trabalho poder-se-á concretizar num período temporal não superior a cinco dias úteis.

No entanto, os requeridos opõem-se, mas a verdade é que a colocação das aludidas chapas metálicas não ocupará parte nenhuma da propriedade dos Requeridos, porque a parede alvo da pretendida "reparação" encontra-se muito para lá do muro de separação das duas propriedades, pelo que a colocação das chapas metálicas não chega sequer a "atingir" o referido muro de separação.

A colocação de chapas mostra-se urgente, tendo em consideração que se aproxima o Outono/Inverno, altura em que as intempéries prejudicarão de forma gravosa e quiçá irremediável, as condições do imóvel da Requerente.

A recusa dos Requeridos em permitir a entrada urgente no seu terreno à Requerente cria receio fundado de lesão grave do direito de propriedade da Requerente.

A não audiência dos Requeridos impõe-se, pois caso contrário isso significa o retardamento da decisão da presente providência cautelar, atendendo à posição negativa que os mesmos já tomaram.

Foi proferido despacho de indeferimento, do qual se transcreve a parte final: [...]

II - Recorreu a requerente, concluindo: [...]

III - [...]

Assim, não houve contra-alegação. Cumpre decidir.

As questões suscitadas no recurso são:

- suficiência dos factos alegados no requerimento inicial para a procedência da providência, nomeadamenten no que respeita ao periculum in mora;

- caso assim se não entendesse, necessidade de cumprimento do ónus do art. 508º-1, b) e 3 do CPC.

IV - Nem sempre a regulação dos interesses conflituantes pode aguardar o proferimento da decisão do tribunal que resolve, de modo definitivo, aquele conflito (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo

Processo Civil, LEX, p. 226).

A composição provisória visada através das providências cautelares pode prosseguir uma de três finalidades: necessidade de garantir um direito, de definir uma regulação provisória ou de antecipar a tutela pretendida ou requerida. No 1º caso, tomam-se providências que garantem a utilidade da composição definitiva; no 2º, as providências definem uma situação provisória ou transitória; no 3º, atribuem o mesmo que se pode obter na composição definitiva (ibid., p. 227).

As providências cautelares concedem uma composição provisória, já que correspondem a uma tutela que é qualitativamente distinta daquela que é obtida na acção principal de que são dependência (art. 383º-1, diploma a que pertencerão os preceitos citados sem menção de origem), destinando-se a ser substituídas pela tutela que vier a ser definida nessa acção (ibid., p. 228).

As providências cautelares têm também a característica da instrumentalidade, porque a tutela processual é instrumental perante as situações jurídicas decorrentes do direito substantivo, dado que o direito processual é o meio de tutela dessas situações, o que se torna claro quando a providência visa garantir um direito ou regular provisoriamente uma situação, porquanto, distinta do exercício judicial de um direito é a solicitação de uma

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garantia ou de uma regulação transitória até à sua apreciação definitiva. Mas essa distinção também se justifica quando a providência antecipa a tutela jurisdicional, pois que, aqui, o objecto dela não é a situação cuja tutela se antecipa, mas a própria antecipação da tutela para essa situação. Mesmo nesta situação, o decretamento da providência não retira o interesse processual na solicitação da tutela definitiva e não há qualquer contradição (art. 383º-4) entre a concessão daquela antecipação através do decretamento da providência e a recusa da tutela definitiva na acção principal (ibid., p. 229).

O autor parece admitir a utilização de providência cautelar não especificada para obviar a situações que se prendem com o disposto no art. 1.349º do CC (cfr. o. c., p. 244).

O mesmo parecem entender Pires de Lima e Antunes Varela, "CC Anotado", III, 2ª ed., p. 185, ao afirmarem "que da simples afirmação feita no nº 1 de que o proprietário é obrigado a consentir, se devem deduzir todas as consequências, quer pelo que respeita à indemnização, quer pelo que concerne aos meios processuais, ou até à acção directa (sobre a possibilidade de o exercício do direito de acesso ser requerido através de um procedimento cautelar, vide o Ac. da RP, de 17 de Janeiro de 1973, sumariado no BMJ, 223º, pág. 285)". O mesmo foi decidido pelos Acórdãos da RL de 05-12-95, em cujo sumário se refere: "O titular do direito de passagem momentânea (art. 1.349º do CC), alegando obstrução ao exercício do seu direito e o prejuízo que disso lhe advém, pode lançar mão do procedimento cautelar previsto no art. 399º do CPC, em vez do processo de suprimento de consentimento regulado no art. 1.425º do mesmo diploma.", Nº Convencional: JTRL00030264, www.dgsi.pt; e da RC de 08-04-2008, Proc. 285/07, no mesmo sítio, cujo sumário diz: "A recusa do requerido em consentir na colocação, no seu prédio, do andaime e a entrada nele de trabalhadores, materiais e utensílios por parte do dono de prédio confinante - obrigação de dar passagem forçada momentânea (art. 1.349º do Cód. Civil) -, cria receio fundado de lesão grave do direito real dos vizinhos, pelo que é adequado o recurso a uma providência cautelar para esconjurar o perigo que ameaça o direito de propriedade desses vizinhos e o dano que do decretamento dela resulta para o direito do requerido (que os requerentes deverão indemnizar) não excede o prejuízo que com ela se pretende evitar, não existindo providência nominada que ao caso caiba.

Em tais situações, não faz sentido o recurso ao processo de suprimento de consentimento regulado no art. 1.425º do CPC".

Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III, 3ª ed., p. 109, explica que atenta a urgência da situação carecida de tutela, o tribunal pode antecipar a realização do direito que previsivelmente será reconhecido na acção principal e que será objecto de execução. As medidas deste tipo excedem a natureza cautelar ou de garantia que caracteriza a generalidade das providências, ficando a um passo das que são inseridas em processo de execução para pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou prestação de facto positivo ou negativo. Estas providências antecipatórias não se limitam a assegurar o direito que se discute na acção principal, nem a suspender determinada actuação, garantindo-se, desde logo, e independentemente do resultado a alcançar na acção principal, um determinado efeito que acaba sempre por ter carácter definitivo. Dá mesmo como exemplo das providências cautelares comuns que podem assumir um conteúdo positivo, por consistirem na autorização para a prática de determinados actos, a situação versada no Ac. da RC de 31.01.89, CJ, I, p. 52, onde se determinou que "opondo-se o proprietário à passagem por prédio seu, para efeito de obras de reconstrução em prédio confinante, pode o dono da obra socorrer-se, para ultrapassar o impasse, da providência cautelar não especificada" (p. 115).

Postas estas considerações gerais, justificadas pela natureza nitidamente antecipatória desta providência, vejamos as questões concretamente colocadas na apelação.

A tese da apelante é que a matéria do periculum in mora, cuja incompletude, segundo o entendimento do Tribunal a quo, esteve na origem do indeferimento liminar da providência, se encontra devidamente alegada, mormente nos arts. 4º e 11º a 14º do requerimento inicial.

Vejamos o teor deles.

Art. 4º - Tal parede da garagem do referido imóvel em propriedade horizontal (recentemente construído) tem vindo desde há algum tempo a esta parte a "permitir" infiltrações de água (chuvas, etc.) o que origina desde logo no seu interior o aparecimento de focos de humidade, fungos e mau-cheiro (cfr. doc. 5 e doc. 6). Art. 11º - A "intervenção" referida (colocação de chapas) mostra-se hoje urgente tendo em consideração que se aproxima rapidamente o Outono/Inverno, altura em que as intempéries prejudicarão de forma gravosa e quiçá irremediável, as condições do imóvel da Requerente, que é como se disse novo.

Art. 12º - A recusa dos Requeridos em permitir a entrada urgente no seu terreno nos termos figurados na lei (art. 1349.º do CC) por parte da Requerente cria pois receio fundado de lesão grave do direito de propriedade

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da Requerente, e daí o recurso ao presente procedimento cautelar já que se ajuíza que,

Art. 13º - "a (presente) providência é adequada para esconjurar (rapidamente) o perigo que ameaça aquele direito, e o dano que do decretamento dela resulta para o direito do requerido - que os requerentes deverão indemnizar (no caso deste se verificar) - não excede o prejuízo que com ela se pretende evitar". (Ac. da Relação de Coimbra de 08.04.2008, in www.dgsi.pt).

Concluindo,

Art. 14º - Atendendo ao fundado receio da Requerente em ver as suas instalações seriamente deterioradas em função do tempo húmido que se avizinha (Outono/Inverno) de onde poderão resultar prejuízos perfeitamente evitáveis, caso seja permitida com urgência a referida obra de colocação de chapas.

A necessidade da composição provisória advém do prejuízo que a demora na decisão da acção principal e na composição definitiva causaria à parte cuja situação jurídica merece ser acautelada. Com a providência cautelar visa-se evitar a lesão grave e dificilmente reparável (art. 381º-1) decorrente da demora na tutela da situação jurídica, assim se contornando o periculum in mora. Dano esse consistente no que seria provocado quer por uma lesão iminente, indiciada, nomeadamente, por lesões passadas, quer pela continuação de uma lesão em curso, isto é, de uma lesão não totalmente consumada.

Se faltar o periculum in mora, isto é, se o requerente não estiver, pelo menos, na iminência de sofrer qualquer lesão ou dano, falta a necessidade da composição provisória e a providência não pode ser decretada, porque o periculum é um elemento constitutivo da providência requerida, obstando a sua inexistência ao respectivo decretamento (Teixeira de Sousa, o. c., p. 232).

Como vimos, na decisão de indeferimento liminar considerou-se que o periculum não estava devidamente alegado.

No entanto, com excepção do art. 13º do requerimento inicial, em que se reproduz o sumário de um acórdão, os restantes artigos enumerados e transcritos encerram matéria reveladora da urgência do decretamento da providência e, ao mesmo tempo e por via dessa premência, têm se não de forma explícita, ao menos implicitamente, a alegação de que o retardamento da decisão agravaria o prejuízo da requerente. Ora, naturalmente que a propositura de uma acção se não compadece com a urgência da intervenção pretendida. Parece-nos, pois, suficientemente alegado o periculum in mora.

De todo o modo, quando se entendesse que a matéria era insuficientemente explícita, havia que cumprir o nº 3 do art. 508º, convidando a requerente a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição.

Aos procedimentos cautelares é subsidiariamente aplicável o disposto nos arts. 302º a 304º (nº 3 do art. 384º), mas isso não parece obstar a que se lhes adaptem os arts. 265º e 508º, permitindo-se o suprimento de insuficiências da alegação capazes de comprometer o êxito da pretensão deduzida (Salvador da Costa, Os

Incidentes da Instância, p. 217 e Abrantes Geraldes, o. c. p. 186).

Como se decidiu no Acórdão desta Relação de 16.12.2009, Proc. 476/06, tal despacho (no aresto em causa trata-se do nº 2 do art. 508º), constitui um despacho vinculado, pelo que a sua omissão, sendo susceptível de influir no exame e decisão da causa, integra uma nulidade processual prevista no art. 201º-1.

Mas, como vimos, entendemos que o periculum se encontra suficientemente alegado em termos de facto. Sumário:

A alegação dos danos já verificados num imóvel decorrentes de infiltrações de água da chuva, e a invocação da necessidade urgente de intervenção na parede que permite essas infiltrações, ante a proximidade do Outono/Inverno, para evitar o agravamento dos mesmos, aliada à recusa do proprietário vizinho em consentir na reparação através do seu terreno, criadora de receio fundado de lesão grave do direito do requerente, integra suficiente alusão ao pressuposto do periculum in mora.

Fallo

Face ao exposto, julga-se a apelação procedente e revogando-se o despacho recorrido, determina-se o prosseguimento dos autos.

Custas pela apelante (arts. 446º-1, última parte, e 453º-1, 1ª parte, do CPC). Porto, 21 de Janeiro de 2010.

Teles de Menezes Mário Fernandes

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José Ferraz

Referências

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