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Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder. Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de Iniciação Sexual Masculina: Narrando A Intimidade

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Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008

Iniciação Sexual Masculina: Narrando A Intimidade

Lúcia Emília Figueiredo de Sousa Rebello; Romeu Gomes; Elaine Ferreira do Nascimento (Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz)

Palavras-chave: Iniciação sexual, masculinidade, juventude, narrativas. ST 33 - Subjetividade, Gênero e Sexualidade

Introdução

A discussão aqui apresentada encontra-se pautada em dados de duas pesquisas qualitativas realizadas na cidade do Rio de Janeiro (RJ): uma que buscou identificar os sentidos atribuídos por homens jovens de classe popular à iniciação sexual masculina e outra que analisou narrativas de homens jovens universitários sobre a experiência de iniciação sexual.

O início da vida sexual tem sido considerado como um dos importantes marcos da passagem da infância para a vida adulta 1 2 3. Este início, tanto no senso comum como no meio acadêmico, tem sido associado à primeira relação sexual com penetração (coito) entre pessoas de sexos opostos

45. Alguns autores, entretanto, ampliam este conceito para todo o processo de experimentação física

e relacional que se inicia nas primeiras manifestações da puberdade e se estende até depois da primeira relação sexual67.

Ainda que os conceitos de iniciação sexual, citados anteriormente, possam servir como ponto de partida, identificar e trabalhar com os significados que os sujeitos atribuem à experiência de iniciação sexual nos permite uma análise que reflete tanto aspectos subjetivos como questões socioculturais. É neste sentido que compreender os scripts sexuais que permeiam a conduta dos homens jovens torna-se fundamental 8 910. Entretanto, nem sempre nos é possível ter acesso a essa compreensão, isto porque, para o universo masculino, falar de si e de suas incertezas pode ser entendido como fraqueza ou ausência de masculinidade11 e, assim, mesmo que o jovem do século XXI seja visto como livre e bem informado, quando o assunto é sexo há muitas dúvidas e conflitos a serem desvelados.

Cabe ressaltar que, de um modo geral, há uma tendência a se depreciar as afirmações explicativas dadas pelas pessoas sobre seu comportamento o que, de certo modo, pode explicar que só recentemente os estudos voltados para a consideração dos próprios jovens e suas experiências, suas percepções, formas de sociabilidade e atuação, venham ganhando vulto8.

Ampliando esta discussão devemos observar que, ao pensarmos a iniciação sexual masculina, não podemos desconsiderar que as suas questões se inserem num campo mais amplo que

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é a sexualidade – esta entendida numa perspectiva sócio-histórica. A sexualidade é, portanto, uma das dimensões do ser humano que, em sua complexidade, perpassa gênero, identidade sexual, orientação/preferência sexual, erotismo, envolvimento emocional, fantasias, desejos, crenças, valores, atitudes.

As descrições e reflexões oferecidas pelas narrativas dos sujeitos deste estudo devem ser entendidas como relatos socialmente produzidos e culturalmente situados. Somos partidários do posicionamento de que a iniciação sexual reflete relações mais amplas, envolvendo sujeito e sociedade. Caminhando nessa direção, situamos a iniciação sexual como reflexo de roteiros sexuais mais amplos, que são culturalmente construídos, configurando-se a partir de “elementos simbólicos e não verbais numa seqüência de condutas organizada e delimitada no tempo (...). Esses roteiros fornecem o nome dos atores, descrevem suas qualidades, indicam motivos do comportamento dos participantes e estabelecem a seqüência de atividades apropriadas, verbais e não-verbais, que devem ocorrer para que o comportamento se conclua com êxito e para permitir a transição para novas atividades” 8 (p. 114).

Portanto, a partir destes referenciais, buscamos discutir a especificidade da sexualidade dos homens para além de seu papel instrumental, no sentido de contribuir para que estes sejam vistos também como protagonistas das ações da saúde sexual e reprodutiva, numa perspectiva relacional de gênero. Com isto, não estamos apenas caminhando no avanço da discussão acerca da sexualidade masculina, mas também na direção das implicações desta no campo da saúde sexual feminina12.

Metodologia

O método da investigação ancorou-se na abordagem de pesquisa qualitativa a partir da perspectiva hermenêutica dialética. O desenho metodológico envolveu a compreensão de contextos, cenários, enredos e personagens das narrativas. Entendemos narrativa como uma forma de representar e recontar a experiência, sendo os eventos apresentados em uma ordem significativa e coerente para o narrador, permitindo que este possa perceber uma articulação entre presente, passado e o futuro13.

Como técnica de entrevista, utilizamos entrevistas semi-estruturadas – com homens jovens de classe popular – e entrevista narrativa - com homens jovens universitários – para ativarmos o esquema da história; provocarmos narrações dos informantes e, uma vez começada a narrativa, conservarmos a narração através da mobilização do esquema autogerador14. Tanto os homens jovens da classe popular (com menos de 18 anos de idade) quanto os universitários (com mais de 18 anos de idade) receberam nomes fictícios, para que não tivessem suas identidades reveladas. Cabe ressaltar que houve certo questionamento, por parte dos jovens universitários, à narrativa como

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forma de entrevista, sendo apontado por estes que seria mais fácil se tivessem que responder a um questionário ou a perguntas sobre o tema 9.

Sexualidade e privacidade: revelando a intimidade

Em relação à pesquisa com os jovens de classe popular observamos que a fluidez da narrativa dos sujeitos teve como obstáculo o tema sexualidade, que comumente encontra-se associado ao âmbito da privacidade e das relações íntimas. Nesse sentido, observamos que alguns jovens narraram ter sentimentos de vergonha e desconforto ao tratarem do assunto, principalmente no caso daqueles que ainda não tinham tido a primeira relação sexual.

“... Eu tenho vergonha de falar [sobre sexo e sexualidade] sei lá acho que é de ser tímido,

ainda mais que não aconteceu ainda, sabe como é, né?...” (Rogério, 16 anos).

Observamos que nas relações estabelecidas entre os jovens e os pais, as interdições podem ser flexibilizadas, a ponto de se chegar a um certo grau de permissão, para se falar sobre a questão da prevenção de uma gravidez indesejada/não planejada e, por tabela, a prevenção às DSTs e Aids. No que diz respeito a falar sobre sexo com os amigos, os jovens indicaram que, essa conversa também tem um limite, pois quando o namoro fica mais sério, os jovens podem se afastar no sentido de se preservar e preservar a relação com a namorada 11.

“... Um amigo sempre contava maior vantagem, mas quando ele começou a namorar sério

ele se afastou da gente, dessas conversas, a gente se encontrava, mas já não falava mais sobre essas coisas [o que se faz quando está com a namorada]...” (Rogério, 16 anos).

Significados Atribuídos pelos Sujeitos à Iniciação Sexual

Os autores das narrativas apresentaram diferentes significados para a iniciação sexual. De um modo geral, cada jovem apresentou mais de um significado. Entretanto, todos os significados têm como referência scripts sexuais envolvendo a perspectiva heterossexual9 10 11. Apenas um dos sujeitos apresentou a iniciação numa perspectiva de interação sexual entre sujeitos do mesmo sexo

O primeiro significado apresentado para iniciação sexual é de demarcação de uma etapa da vida. Um marco de transição entre a infância e vida adulta bem como de definição da própria identidade, o que para a maioria dos entrevistados corresponde à expectativa de “ser homem”.

“... conversa com os amigos, masturbação, revistas eróticas essas coisas todas estão relacionadas à iniciação sexual...” (Hélio, 22 anos).

“... a iniciação sexual é uma das fases mais importantes da vida. É a fase em que o homem

começa a descobrir que não é o único no mundo. É a perca da inocência e início da maturidade...” (Bruno, 20 anos)

O segundo significado é o de que a iniciação sexual é um despertar para o sexo oposto. Gagnon8 aponta que este despertar obedece a roteiros sociais de gênero que são ensinados às crianças na mais tenra idade. Estes roteiros explicitam as formas apropriadas de iniciação, controle e dominação que devem existir entre meninos e meninas, mulheres e homens.

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“... na iniciação sexual o cara começa a descobrir que existe um tipo de relacionamento

diferente de amizade entre homem e mulher...” (Ivan, 19 anos).

Mesmo na narrativa do jovem que declarou “gostar de meninos”, este despertar para o sexo oposto aparece como um roteiro de iniciação sexual a ser seguido e que limita por longo período a expressão de sua sexualidade no “sentido prático da coisa” como ele mesmo define:

“... Aos doze anos descobri que gostava de meninos, mas dos doze até os quase dezesseis

anos eu não vivenciei no sentido prático da coisa porque eu achava que ia conter o meu desejo... achava que ia passar que aquilo era só uma fase como todo mundo sempre diz...” (Flavio, 25 anos).

O terceiro significado é o de que a iniciação sexual é a descoberta, incluindo a descoberta do corpo como fonte de desejo e prazer.

“... Depois de um certo número de descobertas, de nos tocar, acariciar, essas coisas, a

gente chegou ao ato sexual (...) Foi a primeira vez que eu vi um seio na minha frente, e mulher mesmo... eu tirei a blusa dela e eu vi o seio dela fiquei meio espantado na hora não sabia o que fazer...” (Bruno, 20 anos).

Ainda em termos de sentidos atribuídos à iniciação sexual, entre os jovens de classe popular houve uma associação a algo complicado, prazeroso, afetuoso e espaço de aprendizagem. No entanto, tanto entre os jovens de classe popular como entre os universitários, determinadas fontes de informações são priorizadas em detrimento de outras, havendo uma oscilação entre permissão e interdição dos assuntos relacionados à sexualidade em geral e à iniciação sexual em específico11.

Neste sentido as informações acerca da sexualidade, em geral, surgiram de uma forma bem articulada com os pólos interdição-permissão. Sobre isso, gostaríamos de ressaltar que os referidos pólos não se configuram apenas na direção de uma geração em interditar ou permitir o comportamento sexual de outra geração. Esses pólos podem ocorrer também nas relações entre pares. Em outras palavras, na relação entre os jovens pode, em determinados momentos, surgir interdições e, em outros, há uma permissão para que comportamentos ou, até mesmo, discursos acerca da sexualidade se manifestem. No que se refere a fontes de informação, esta hierarquização não ocorre apenas a partir das relações inter-geracionais. Elas também ocorrem entre os pares, em que um é hierarquicamente valorizado pelo fato de, supostamente, ter mais informações acerca da sexualidade do que o outro par da relação. Essas relações hierárquicas (entre gerações ou entre saberes) nós faz pensar na relação poder-saber que atravessa o campo da sexualidade. Assim, entendemos que os relatos dos sujeitos das pesquisas transitam tanto no eixo do poder (quando oscilam entre interdição e permissão na construção de seus discursos), como no eixo do saber (quando refletem a necessidade de tornar conhecidos aspectos da sexualidade que eles desconhecem) 911.

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Os achados demonstram que mesmo que a relação sexual com penetração seja o significado mais presente nas narrativas, reforçando a idéia de que ser homem é ser penetrador, outros significados como demarcação de uma etapa da vida, como despertar para o gênero oposto, como descoberta do corpo, não devem ser desconsiderados. Estes significados apontam comportamentos coerentes com um modo de ser homem que se faz presente no discurso de diferentes gerações, seja no sentido de afirmação de uma identidade masculina, seja para indicar caminhos possíveis de transgressão.

Nossos dados também sinalizam que tanto a intimidade como a privacidade podem caracterizar aspectos que remetem a significados de opressão e controle, uma vez que nada do que se passa na intimidade – em termos de sexualidade – deve ser revelada, pois possivelmente viria a comprometer uma dada imagem que se busca preservar. Mesmo quando o cenário é apresentado pelos jovens, estes contam e recontam a partir de algo que foi submetido a um processo de publicitação, ou seja, conto aquilo que o outro gostaria de ouvir, ou aquilo que pode ser dito, ou ainda um enredo que se espera que um homem jovem conte ou possua em termos de experiência.

As conclusões deste estudo reforçam a importância de estratégias de promoção de saúde que incentivem a participação de homens jovens e que os encorajem a mostrarem os seus sentimentos, a falarem de suas dúvidas e frustrações, sem a intenção de criarmos modelos de controle e/ou de comportamentos normatizados, acolhendo as demandas sexuais juvenis masculinas, deslocando-se de fóruns privados acerca da iniciação sexual para uma atenção integral à saúde de homens jovens.

1 Bozon M. Sociologia da sexualidade. Rio de Janeiro: FGV; 2004

2 Brandão ER. Iniciação sexual e afetiva: exercício da autonomia juvenil. In. Heilborn ML organizadora. Família e sexualidade. Rio de Janeiro: FGV; 2004: 64 – 86.

3 Borges ALV, Schor N. Inicio da vida sexual na adolescência e relações de gênero: um estudo transversal. Cad Saúde Pública. 2005; 21(Supl 2) 499-07.

4 Taquette SR; Vilhena MM; Paula MC. Doenças sexualmente transmissíveis e gênero: um estudo transversal com adolescentes no Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública 2004; 20 (Supl 1): 283-90

5 Borges ALV, Schor N. Homens adolescentes e vida sexual: heterogeneidades nas motivações que cercam a iniciação sexual. Cad Saúde Pública. 2007; 23(Supl 1) 225-34.

6 Aquino EML, Heilborn ML, Knauth D, Bozon M, Almeida MC et al. Adolescência e reprodução no Brasil: a heterogeneidade dos perfis sociais. Cad Saúde Pública 2003; 19 (Supl 20): 377-88.

7 Carvalho MLO, Pirotta KCM, Schor N. Participação masculina na contracepção pela ótica feminina. Rev Saúde Pública. 2001; 35(Supl 1): 23-31.

8 Gagnon JH. Uma interpretação do desejo: ensaios sobre o estudo da sexualidade. Rio de Janeiro: Garamond; 2006. 9 Rebello LEFS, Gomes R. Iniciação sexual, masculinidade e saúde: narrativas de homens jovens universitários. Ciênc & Saúde Coletiva, 2007. Disponível em http://wwwcienciaesaudecoletiva.com.br. Acessado em junho de 2008. 10 Gomes R . Narrativas Sexuais Masculinas. In Gomes R. Sexualidade Masculina, Gênero e Saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008.

11 Nascimento E F, Gomes R. Iniciação sexual masculina: conversas íntimas para fóruns privados. Ciênc & Saúde Coletiva, 2007. Disponível em http://wwwcienciaesaudecoletiva.com.br. Acessado em junho de 2008.

12 Schaiber LB, Gomes R, Couto MT. Homens na pauta da saúde coletiva. Ciênc & Saúde Coletiva 2005; 10 (Supl 1): 7-17.

13 Gomes R, Mendonça EA. A representação e a experiência da doença: princípios para a pesquisa qualitativa em saúde. In. Minayo MCS, Deslandes SF organizadores. Caminhos do Pensamento. Epistemologia e método. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2002. p. 109-32.

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14 Jovchelovitch S, Bauer MW. Entrevista narrativa. In. Bauer MW, Gaskell G, organizadores. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Um manual prático. Petrópolis. Rio de Janeiro: Vozes; 2002. p. 90 -113.

Referências

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