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OS FATORES DE TEXTUALIDADE E O DISCURSO NO POEMA DESNATAL DE ILDÁSIO TAVARES

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Academic year: 2021

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OS FATORES DE TEXTUALIDADE E O DISCURSO NO POEMA

“DESNATAL” DE ILDÁSIO TAVARES

Flávia Rodrigues dos Santos (UEFS)

flavinharodrigues.fsa@gmail.com

Profa. Dª. Girlene Lima Portela (Orientador - UEFS) falecom@girleneportela.com.br

INTRODUÇÃO

Alguns leitores ao terem o primeiro contato com um texto têm a ilusão de que este é constituído por uma unidade. Entretanto, quando passam a questionar as escolhas do escritor e a fazerem uma primeira interpretação, o texto ganha novos significados, visto que apresenta uma heterogeneidade constitutiva1, mostrando a sua importância comunicativa, a qual se dá através da linguagem.

A linguagem é uma atividade social sem a qual seria impossível ao homem interagir com seu meio. Tomando como base tal concepção, nota-se que essa funcionalidade está presente em textos literários e, no caso deste trabalho, na obra de Ildásio Tavares2, em particular, no poema “Desnatal”3, que por apresentar muitas pistas de pesquisa, no que concerne a sua textualidade e por relatar acontecimentos sociais, foi mote para a análise presente neste artigo.

Diante disso, considerando que a análise de um texto literário não depende apenas e tão somente da interpretação da intencionalidade do autor, mas da interação entre os interlocutores, concordando com Koch (2007) quando esta considera que a constituição de um texto se dá no momento em que os parceiros de uma atividade comunicativa universal, em um dado espaço de uma comunicação lingüística, atuam numa mesma rede de fatores de ordem sociocultural, a fim de construírem determinado sentido.

Sendo assim, a análise constitui-se de dois momentos: no primeiro, fez-se necessário o conhecimento das teorias da Linguística Textual, tratando, sobretudo, dos mecanismos internos e externos responsáveis pela textualidade, nos atendo na coesão e na coerência textual, e no segundo, utilizando-nos dos postulados da Análise do Discurso que, por conseguinte, aborda estruturas externas, a saber: socioculturais, políticas e ideológicas de uma dada sociedade. Nesse contexto, o presente trabalho buscará compreender como se dá a tessitura textual no poema “Desnatal”, apontando assim maneiras para a percepção de como o conhecimento do leitor influencia na interpretação de um texto.

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ELEMENTOS DE TEXTUALIDADE E IMPLICAÇÕES DO CONTEXTO

Beaugrande e Dressler (1997) apontam sete critérios de textualidade, a saber: coesão, coerência, intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e intertextualidade. São esses critérios que fazem “com que um texto seja um texto, e não apenas uma sequência de frases.” (VAL, 1999, p. 5). Aprofundando-se em um dos fatores de textualidade, proposto por Beaugrande e Dressler (1997), Koch (2008, p. 14) mostra a importância da coesão para a tessitura textual, comprovando que “um texto não é apenas uma soma ou sequência de frases isoladas”.

Para Koch (2005), Marcuschi (2008) e Maingueneau (1997), a coesão textual é considerada um elemento preponderante para constituição da textualidade e a consideram como uma maneira em que os elementos linguísticos encontrados na superfície textual se encontram ligados uns aos outros, através de outros elementos também linguísticos, vez que seguindo essa linearidade darão continuidade ao sentido do texto.

É seguindo essa sequência, também chamada por Koch de “sequenciação textual” (KOCH, 2009, p.151) que o produtor faz o texto progredir, “mantendo o fio discursivo” (KOCH, 2009, p. 151). A partir dessas premissas, observa-se que a coesão é a responsável pela linearidade do sentido do poema analisado:

Será Natal também em Kabul Quando chegar o dia. Mas pouco Importa. Será Natal. A fome e a

Miséria prosseguirão o seu presépio. Não importa. Será Natal. A solidão

estará solitariamente só e solitária. A solidão estará tudo menos solidária. Mas será Natal.

Na estrofe acima, destacam-se as palavras “solidão”, “solitariamente”, “solitária” e “solidária” como um recurso fonológico - a aliteração, portanto, com palavras do mesmo campo lexical, com intuito de chamar a atenção do seu valor expressivo e, por fim, manter o fio condutor do poema.

Destaca-se, também, a palavra “tudo” sendo outra recorrência responsável pela progressão textual que, por sua vez, evita repetições de palavras, pois faz referência ao termo “A solidão estará solitariamente só e solitária”, tal processo é reconhecido por Koch (2008) como coesão referencial, ou seja, aquela em que um elemento da superfície textual faz remissão a outro(s) elemento(s). Segundo a autora, essa referência pode ser feita para frente,

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sendo chamada de anáfora, ou para trás, conhecida como catáfora. No caso da palavra destacada, é um elemento anafórico. A respeito do elemento catafórico destaca-se no trecho:

[...] as partes deste aprazível Planeta, mesmo naqueles em que Os meninos de Liverpool são mais Conhecidos que o menino de Nazaré.

Os pronomes dêiticos4 “deste” e “naquele” são formas remissivas catafóricas, vez que o segundo refere-se à expressão que vem depois: “os meninos de Liverpool”, e o primeiro, à expressão que, também, vem subseqüente: “aprazível planeta”. A respeito desses dois elementos coesivos, Maingueneau (1998, p. 25) afirma: “as unidades ‘anafóricas ou ‘catafóricas’ que se interpretam graças a outros constituintes, situados antes (anáfora) ou depois (catáfora) no contexto [...]”

Fávero (2000) faz um estudo acerca da coesão e da coerência e propõe uma análise da classificação da coesão textual que se encontra em um determinado texto. Para Halliday e Hasan (apud Fávero, 2000, p.13), “as concatenações frásicas lineares dependem de cinco categorias de procedimento: referência, substituição, elipse, conjunção e léxico”, sendo também estudadas por Koch (2008). Dessas categorias então citadas, no poema, destaca-se a elipse5:

Pipocam no ar os petardos, [ ]Rasgam céus outros cometas [ ]Matracam metralhadoras, Balas assobiam.

Na estrofe acima, “os petardos” é o sujeito elíptico dos verbos “rasgam” e “matracam”, localizados nos terceiro e quarto verso, ocorrendo assim a omissão do item lexical citado anteriormente.

Em relação à coerência, como os significados não se limitam apenas aos fatores lingüísticos internos, mas também, nas situações externas como os acontecimentos socioculturais, por exemplo. Nessa perspectiva, podemos dizer que para um texto ser considerado como coerente ou incoerente, dependerá do espaço, da situação e do momento em que serão empregados determinados vocábulos.

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A discussão acerca da coerência textual desemboca nos valores e nas relações sociais, culturais e políticas, pois o conhecimento comum dessas relações são primordiais para a interação entre interlocutores, uma vez que um texto só é considerado como tal, quando é constituído em torno de um significado.

Ela é considerada o fator fundamental de textualidade, pois é a responsável pelo sentido do texto, envolvendo não só aspectos lógicos e semânticos, como também cognitivos, dependendo do partilhar de conhecimentos entre os interlocutores. (VAL, 1999)

Apesar dessa afirmação, alguns autores como Beaugrande e Dressler (1981 apud Mussalim, 2001) e Marcuschi (1983 apud Mussalim 2001) defendem a idéia da existência de textos incoerentes, uma vez que são assim considerados quando o leitor e/ou ouvinte não consegue encontrar nenhum sentido em sua linearidade. No que concerne o poema analisado, o título “Desnatal” nos mostra em qual contexto está situado: no descontentamento com o natal dos nossos dias, o próprio prefixo “des” afirma essa noção, pois do ponto de vista morfológico, Cunha e Cintra (2007, p. 99) considera como uma “ação contrária” e, no decorrer do poema, essa perspectiva fica clara. Sendo assim, a coerência é constituída dentro desse contexto, sendo mantida, sobretudo através de argumentos que demonstram a hipocrisia presente na comemoração da festa natalina, como podemos constatar no trecho abaixo:

Será Natal também em Kabul... Na Nigéria, na Libéria...

O autor cita países que apresentam problemas sociais, mas, ainda assim, o seu povo comemora o natal, uma das principais festas do Cristianismo. Os seus seguidores pregam um discurso de igualdade, paz e amor ao próximo. Porém, no cenário da vida real, ocorrem cenas completamente diferentes, em que o sentindo da festa, não passa de uma ilusão.

O DISCURSO

Para uma análise textual, o momento histórico é de suma importância, pois ele está ligado diretamente à sua produção. Nessa perspectiva, Pêcheux (1990) explica que os conflitos que nascem das diferenças discursivas resultam de conflitos sociais, que por sua vez, são determinados pela hegemonia política ou pelo poder capitalista fincados na sociedade. Ele

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chama de interdiscurso a maneira como a textualidade se compromete com esse tipo de hegemonia.

Partindo desse pressuposto, Koch (2009) assegura que a linguagem é uma atividade social constituída através da interação dos sujeitos, com o objetivo de determinados fins sociais. Sendo assim, o sujeito é quem planeja e conduz um texto de acordo com as regras da sociedade na qual está inserido.

Pensar na interferência sociocultural existente entre locutores e receptores ao produzirem e interpretarem um discurso, é pensar nas influências ideológicas “a partir de uma posição dada a uma conjutura sócio-histórica dada [que] determina o que deve e pode ser dito”. (ORLANDI, 2009, p. 43)

Partindo do pressuposto de que o texto caracteriza-se pelo processo interativo de signos, os mesmos quando são apresentados através de um enunciado, as palavras nele contidas, não são unicamente do interactante, vez que elas carregarão um significado adquirido pela história e pela língua, que por sua vez, é cultura. Alguns estudiosos chamam esse fenômeno de interdiscurso, fenômeno lingüístico que nos leva a perceber que em um texto, portanto, encontramos várias vozes, as quais polemizam entre si, como ocorre com o discurso utilizado pelo autor, visando mostrar sua indignação diante da comemoração da festa natalina, o que corrobora a idéia de muitas pessoas mais conscientes do papel do consumismo e da ilusão relacionada a datas comemorativas, como o Natal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das breves considerações acerca dos poemas em análise, nota-se a importância dos elementos de textualidade na construção e organização do “Desnatal”, o que corrobora a não utilização de repetições de palavras, desembocando assim na coerência textual. Além desse conhecimento, também foram importantes os postulados da Análise do Discurso, para melhor entender a mensagem que o poeta passa. Vale ressaltar que os tópicos abordados apontam os principais elementos coesivos na tessitura textual e mostram como o autor utiliza esses mecanismos lingüísticos ao produzir seu texto, ainda que de maneira implícita.

A análise do poema serviu para depreender a importância do uso de alguns elementos pragmáticos, textuais e discursivos, destacando-se a coesão e a coerência e suas influências

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para construção de um texto, o que serve para manter a sequência de enunciados que, consequentemente, criam o sentido desejado. Esses conhecimentos foram essenciais para entender o significado dessa produção, que em algum momento possui um sentido subjacente e que para decifrarmo-lo foi necessária tal noção.

Sendo assim, a referida análise demonstrou que, a partir do conhecimento dos referidos fatores de textualidade, os objetivos do autor foram alcançados, uma vez que nos permitiu melhor entender como a intencionalidade pôde ser interpretada no poema, através dos mecanismos constitutivos do texto, a exemplo dos fatores textuais e discursivos, acrescentando um novo olhar sobre o texto poético e mais especificamente sobre a poesia de Ildásio Tavares.

REFERÊNCIAS

BEAUGRANDE, Robert-Alain de; DRESSLER, Wolfgang Ulrich. Introduccion a la

linguistica del texto. Barcelona: Ariel, 1997.

BRANDÃO, Helena Nagamini. Introdução à Análise do Discurso. Campinas, São Paulo: Editora da UNICAMP, 1995.

CUNHA, Celso e CINTRA, Luís F. Lindley. Nova gramática do português

contemporâneo. – 4. Ed. – Rio de Janeiro: Lexikon Editora Digital, 2007.

FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 2000. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 2008.

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Referenciação e discurso. São Paulo: Contexto, 2005. KOCH, Ingedore Villaca. O texto e a construcao dos sentidos. 9. ed. 2. reimp São Paulo: Contexto, 2009.

MAINGUENEAU, Dominique. Os termos chave da análise do discurso. Lisboa: Gradiva, 1997.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

MATTOSO, Joaquim. Dicionário de lingüística e gramática: referente à língua portuguesa. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2007.

MUSSALIM, Anna Chistina Bentes. Introdução a Linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: 2001.

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ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 3 ed. Campinas-SP: Pontes, 2009.

PÊCHEUX, Michel. Discurso: Estrutura ou Acontecimento. Campinas, 1990.

TAVARES, Ildásio. 50 poemas escolhidos pelo autor. Rio de Janeiro: Edições galo Branco, 2006.

VAL, Maria da Graça Costa. Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

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(BRANDÃO, 1995, p. 51)

2 A obra poética de Ildásio Tavares tem sido apreciada por nomes expressivos da cultura brasileira e estrangeira. Teve poemas publicados em vários estados do Brasil e ainda traduzidos e publicados em outros países. Atualmente, é aposentado como professor de Literatura Portuguesa da Universidade Federal da Bahia. É ainda dramaturgo, ficcionista, jornalista, ensaísta e letrista da MPB.

3 O poema encontra-se em anexo.

4 “Faculdade que tem a linguagem de designar mostrando, em vez de conceitura. A designação dêitica, ou mostrativa, figura assim ao lado da designação simbólica ou conceptual em qualquer sistema lingüístico." (MATTOSO, 2007, p.109)

5 A elipse, segundo Koch (2008, p. 21) é “uma substituição por zero: omite-se um item lexical, um sintagma, uma oração ou todo um enunciado, facilmente recuperáveis pelo contexto.”

ANEXO

Poema Desnatal

Será Natal também em Kabul quando chegar o dia. Mas pouco importa. Será Natal. A fome e a miséria prosseguirão o seu presépio. Não importa. Será Natal. A solidão estará solitariamente só e solitária. A solidão estará tudo menos solidária. Mas será Natal.

No Brasil, em Portugal. Na Groenlândia, na Tailândia. Na Nigéria, na Libéria. Na Desunião Soviética. Na paranóia norte-americana. Na prosperidade germânica. Na voracidade nipônica. No imperativo britânico. No desterror do golfo.

E no horror supremo do lugar onde o menino nasceu – Pipocam no ar os petardos,

rasgam céus outros cometas, matracam metralhadoras, balas assobiam.

E em cada milímetro do solo sagrado explode uma bomba

em comemoração pelos mortos de Belém. Em verdade não ficou pedra sobre pedra, nem há de ficar. Está escrito.

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A roda roda para trás e eis a hora do Aquário. Do Espírito Santo. Ruáh. De todas as

confluências. E será sempre Natal em todas as partes deste aprazível planeta, mesmo naquelas em que

os meninos de Liverpool são mais conhecidos que o menino de Nazaré.

Será Natal. Nascerá um menino. E nele, por ele, com ele nascerão

todos os meninos que houve, há e haverá de nascer. Nascerá um menino,

determinação segura de prosseguir. Ninguém sabe. Nem para onde. Nasceu, viu e venceu.

Venceu o tigre dente de sabre. Venceu o gelo, a inundação. O ciclone, o terremoto, o vulcão. Venceu os ares, os mares, a noite. Venceu o outro. Venceu até a si mesmo (sem constância, todavia). Mas lutou contra suas certezas, essas mesmas certezas de que é feita sua ignorância, seu medo. E venceu-as. Venceu o medo quando se fez imperioso e necessário. Veio de longe, do escuro, esse menino, essa menina a lhe enxugar os olhos. A lhe dizer o que ninguém sabe nem pode dizer. A lhe dar o colo, o sexo, o útero benfazejo, o seio farto, e a palmada na hora certa da traquinagem errada. Menino e menina os criou. E nascem todos os dias em um Natal cotidiano. Nascem, vêem e vencem.

Em mais uma etapa da aventura que começou quando, atraído pela lua,

um ser emergiu do mar e rastejou pela praia, atraído pela lua, périplo pelas estrelas de meninos e meninas

a nascer todos os dias

Referências

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