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A REPÚBLICA DE PLATÃO LIVRO IV: A PURIFICAÇÃO DA ALMA ATRAVÉS DA JUSTIÇA

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Academic year: 2021

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A REPÚBLICA DE PLATÃO

LIVRO IV: A PURIFICAÇÃO DA ALMA ATRAVÉS DA JUSTIÇA

Nara Rela.

1. INTRODUÇÃO

Um dos fatores que contribuíram para o surgimento da filosofia na Grécia foi a religião, que se distinguiu entre a Pública, que tem seu modelo na representação dos deuses e do culto que foi dado por Homero e a dos Mistérios, que se desenvolveu em círculos restritos. Para os fins presente estudo será abordada a Religião dos Mistérios, com destaque para o Orfismo.

O suposto fundador do Orfismo é o poeta trácio Orfeu e a importância dessa religião foi trazer à civilização grega um novo esquema de crenças e nova interpretação da existência humana, afirmando a imortalidade da alma e a concepção dualista do homem em corpo e alma. Surgida no século VI a.C. pregava a existência no homem de um princípio divino e imortal ou demônio, cujo destino é reencarnar-se sucessivamente, o qual somente poderia reencarnar-ser interrompido através das práticas órficas de purificação. Para seus praticantes estava reservado um prêmio no além: a libertação e para os não iniciados só restava a punição.

A concepção órfica da dualidade do homem em alma ou demônio, e corpo ou lugar de expiação da alma, fez com que este percebesse em si a contraposição de dois princípios em luta constante, já que o corpo era considerado como lugar de punição do demônio. Desta forma, se o invólucro da alma tem como função a sua punição, significa que esta necessita ser purificada através do elemento corpóreo.

A importância do Orfismo para a filosofia grega é bem explicada por Reale e Antiseri no excerto abaixo:

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Uma coisa deve-se ter presente: sem o Orfismo não se explicaria Pitágoras, nem Heráclito, nem Empédocles e, sobretudo não se explicaria uma parte essencial do pensamento de Platão e, depois de toda a tradição que deriva da Platão; ou seja, não se explicaria grande parte da filosofia antiga. (REALI, Giovanni e ANTISERI, Dario. História da Filosofia, Filosofia pagã antiga, volume I, p.9)

É importante observar nessa citação que o Orfismo exerceu forte influência na filosofia de Platão, cuja doutrina, rodeando ela mesma as fronteiras da mística levou, necessariamente, ao misticismo aqueles que pretenderam chegar com suas conclusões para além de onde ele se deteve, transformando-se nas mãos dos platônicos alexandrinos em doutrina mística.

1.1 Delimitação do Tema:

O Tema do presente estudo é a purificação da alma através da justiça, conforme se supõe apresentado no Livro IV da República de Platão.

1.2 Formulação do Problema:

O problema que se pretende investigar é se podem ser encontrados no Livro IV da República de Platão elementos que demonstrem ser a justiça da alma uma forma de sua purificação.

1.3 Hipótese/Justificativa:

De acordo com a concepção platônica de fundo órfico, cada indivíduo é dotado de alma e corpo em uma relação dualista, transformando a distinção entre alma, ou supra-sensível, e corpo, ou sensível, em oposição. A alma é responsável pela vida e é a sede dos vícios e virtudes e que, por isso mesmo, necessita do corpo para sua purificação. Vale notar que a ética platônica apresenta-se apenas parcialmente condicionada por esse dualismo exacerbado, apoiando-se na distinção metafísica entre alma (ser dotado de afinidade com o

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inteligível) e o corpo (realidade sensível). É exatamente por ser a sede dos vícios e virtudes e ser passível de purificação que a alma se torna justa, em outras palavras, a alma se purifica e se torna justa através da justiça.

O tema central do livro A República é a justiça, qual a sua natureza e do que ela é constituída. Platão apresenta sua concepção de Estado ideal, onde a justiça seria aplicada e realizada. Como o Estado é um corpo maior, composto de indivíduos, necessariamente seus componentes têm que ser justos para que este seja provido de justiça, como esclarece de 434 d a 435 a:

Não o afirmemos ainda tão categoricamente, mas se apurarmos que a mesma forma quando se refere a cada indivíduo é aceita como justiça, então nos o admitiremos.

(...) Havíamos pensado que se começássemos por tentar observar a justiça em alguma coisa maior que a encerrasse, isto facilitaria sua observação num só indivíduo. Concordamos que essa coisa maior é um Estado, e assim construímos o melhor Estado que pudemos bem cientes de que a justiça estaria em um que fosse bom. Assim, apliquemos o que veio à luz no Estado ao indivíduo, e, se tivermos aceitação nesse caso, tudo estará também. Mas se algo diverso for encontrado no indivíduo, teremos então de voltar atrás e empreender a averiguação disso no Estado. Se fizermos isso e os compararmos lado a lado, poderíamos fazer a justiça surgir como uma chama (...).

O que se parece apresentar pelo excerto acima é que um Estado justo é aquele composto por indivíduos dotados de almas que se tornaram justas através da justiça aplicada em si mesmas pela purificação, o que parece se confirmar em 435 b:

Então um homem justo não diferirá de modo algum de um Estado justo relativamente à forma da justiça; pelo contrário, ele será semelhante ao Estado.

1.4 Revisão Bibliográfica

O objetivo do livro A República de Platão é delinear um Estado ideal e para isso o Filósofo compara-o a um indivíduo. Primeiramente, determina a conformação desse Estado, ou seja, as classes em que se

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subdivide, quais sejam, a classe dos artesãos, que se preocupa com a produção e o comércio de bens e serviços; a classe dos soldados, que se dedicarão à defesa; e a classe dos juizes e guardiões, responsáveis pelas leis e governo. Cada classe é movida por certo temperamento, conforme a função que exerce no Estado: a dos artesãos é movida pelas paixões e apetites, a dos soldados pela coragem e a dos guardiões pela sabedoria e temperança. Cada classe cumprindo a função a que lhe é própria tem sua importância para o todo final, mas a dos guardiões é a que detém o conhecimento e é a responsável pela harmonia do Estado e sua justiça, conforme explica Sócrates em 435 b:

Mas considerou-se que um Estado é justo quando cada uma das três classes naturais no seu interior cumprisse a função ou atividade que lhe é própria, e que é moderado, corajoso e sábio devido a determinadas outras condições dessas três classes.

Conforme a analogia utilizada pelo Filósofo em comparar o indivíduo ao Estado, a dedução a seguir é que o individuo possua também essas três partes em sua alma, ou seja, a parte dominada pelas paixões e apetites, a parte dominada pela animosidade e a última dominada pela sabedoria, como explica em 435 c:

Assim, se um indivíduo possui essas três mesmas partes em sua alma, é de se esperar que receba corretamente as mesmas designações que o Estado, se abriga em si condições idênticas.

Assim como no Estado, a parte majoritária e mais baixa da alma é aquela dominada pelos apetites e paixões e é onde nasce o desejo, como podemos ler em 437 c:

(...) Não dirias que a alma de alguém que alimenta apetite por algo deseja o objeto de seu apetite e que toma para si aquilo cuja posse sua vontade determina o que na medida em que esse alguém deseja que alguma coisa lhe seja dada, sua alma – desejosa da realização disso – dá-lhe assentimento como se dando resposta a uma questão?

Podemos ter a confirmação de que o desejo impulsiona a alma ao que ela busca em 439 b:

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Consequentemente, a alma da pessoa sedenta enquanto sede não deseja nada mais senão beber, o anseia e para isso é impulsionada.

Assim, explica em 439 d que a alma possui um elemento apetitivo

irracional companheiro de certas concessões aos apetites e prazeres e

um elemento racional com o qual faz avaliações.

A parte intermediária da alma, logo acima do elemento apetitivo irracional é, como soldados no Estado, dominada pela animosidade que age como auxiliar do elemento racional, como esclarece em 441:

(...) Ou melhor, como havia três classes no Estado que o constituíam (os ganhadores de dinheiro, os auxiliares, os conselheiros)1

Isso significa que há uma harmonia na alma que impede que uma parte faça oposição à outra, como um fluir no sentido ascendente. Em outras palavras, cada parte da alma exerce a função que lhe cabe: a apetitiva se impele para o desejo, a auxiliar com sua animosidade ajuda a parte racional e superior no conhecimento e transcendência desse

, a animosidade é um terceiro elemento na alma que é, por natureza, o auxiliar do elemento racional, uma vez que não tenha sido corrompido por uma má criação?

Outro problema levantado é se a alma executa as suas atividades através das suas partes distintas ou utilizando-se delas concomitantemente, como pode-se perceber no excerto abaixo (436 b):

Mas o que é difícil compreender é isto: executamos as coisas com a mesma parte de nós mesmos ou as executamos com as três partes distintas? (...) Ou quando procedemos a algo atuamos com a totalidade de nossa alma em cada caso?

A resposta a esta questão foi concluída no transcorrer do diálogo, afirmando que uma coisa não pode estar parada e em movimento ao mesmo tempo, o que significa que não sofrerá opostos, como afirmado em 436 c:

É evidente que a mesma coisa não produzirá ou sofrerá opostos na mesma parte de si mesma, em relação à mesma coisa e ao mesmo tempo.

1 Os ganhadores de dinheiro é a classificação genérica e depreciativa dos assalariados, artesãos e

comerciantes ou negociantes em geral; quanto aos auxiliares, são os soldados; os conselheiros incluem os membros do sistema judiciário e, certamente, os guardiões ou governantes. Nota do Tradutor. República,

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desejo. Esse sentido de fruição muito se assemelha ao caminho de purificação da alma, que utiliza de todas as suas partes para a obtenção do seu intento. No Fédon Platão já tratava do assunto e esclarecia o problema aventado na República e exposto acima acerca da utilização da totalidade da alma (436 b):

Mas qual é o significado de purificar a alma, senão que já se dizia antigamente2

: separá-la o máximo possível do corpo e acostumá-la, recolhendo todas as suas partes e unir-se a si mesma, vivendo, na medida das suas forças, tanto no presente como no futuro, isolada e por si, livre do corpo como de uma prisão? FÉDON, São Paulo, Rideel: 2005, p. 28.

No diálogo que se segue Sócrates afirma para Gláucon que a justiça do indivíduo é semelhante a do Estado e que este era justo porque cada classe realizava o trabalho que lhe competia:

Além disso, Gláucon, presumo que podemos afirmar que um homem é justo do mesmo modo que o é um Estado

(...) E certamente não esquecemos que o Estado era justo porque cada uma das suas três classes realizava o trabalho que lhe é próprio (441 d)

Então também devemos lembrar que cada um de nós no qual cada elemento cumpre sua própria função será justo e fará o que lhe cabe (441 e).

Continua a digressão mostrando que cabe ao elemento racional, que é sábio e exerce previsão a favor da alma inteira, governar, auxiliado pela animosidade, o elemento apetitivo para que este não se torne poderoso em demasia e não cumpra mais a função que lhe é própria, tentando subjugar as outras classes que lhe são superiores e que cumprem a tarefa de guardar a totalidade da alma.

Em sua analogia do Estado com o indivíduo, com relação à justiça, lança a seguinte questão em 442 d:

Bem, a justiça é imprecisa no que se refere a nós (indivíduos)? Parece ser algo diferente daquilo que descobrimos no Estado?

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Conclui em 443 b, após relatar casos prosaicos como exemplo, que o interior do indivíduo vive em harmonia, com cada parte cumprindo sua função por obra da justiça:

Assim sendo, ainda esperas que a justiça seja algo distinto desse poder que produz homens e Estados do tipo que descrevemos?

Assim, pelo belo excerto 443 d, podemos acreditar que a justiça é o fator de purificação da alma, que transcende os apetites em forma de desejo de purificação através do auxílio da animosidade para, enfim, ser governada sabiamente pelo elemento racional:

E verdadeiramente a justiça é, pelo que parece, algo dessa espécie. Entretanto, não concerne à ação externa daquilo que é próprio a alguém, mas àquilo que se acha no interior desse alguém, àquilo que é genuinamente ele próprio e que verdadeiramente lhe pertence. Aquele que é justo não permite que nenhum elemento de si mesmo cumpra a função de um outro elemento nem que os distintos elementos no seu interior produzam uma recíproca intromissão. Ele é capaz de regular bem o que verdadeiramente lhe é próprio e governa a si mesmo; é seu próprio amigo e harmoniza com os três elementos (de sua alma) como três notas limites de uma escala musical: a alta, a baixa e a mediana. Une esses elementos e quaisquer outros que possam haver entre eles, e da multiplicidade que ele era se faz unidade, moderado e harmonioso. E quando realiza qualquer coisa (...) em tudo isso crê que a ação justa e honrada é a que preserva essa harmonia interna e que ajuda a conquistá-la.

O que plenamente concorda Giovanni Reale:

E a “justiça” será aquela disposição da alma pela qual cada uma de suas partes realiza aquilo que deve e do modo como deve realizar.

Eis, portanto, o conceito de justiça “segundo a natureza”: “cada um faça aquilo que lhe compete fazer”, os cidadãos e as classes de cidadãos na Cidade e as partes da lama na alma. A justiça só existe exteriormente, nas suas manifestações, quando existir interiormente, na sua raiz, ou seja, na alma. REALE, 1994, p. 161.

.

E em 444 Sócrates conclui a sua busca pelo homem justo e pelo Estado justo:

Bem, se afirmamos ter descoberto o homem justo, o Estado justo e o que é (realmente) justiça neles, suponho que não deveremos estar incorrendo num completo erro.

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Gláucon sabiamente comenta em 445 b:

(...) Assim, mesmo que alguém possa fazer o que bem lhe aprouver, exceto aquilo que o libertará do vício e da injustiça e o leve a ter acesso à justiça e à virtude, de que vale a vida se sua alma – aquilo por meio do que ele vive

2. OBJETIVOS

(grifo meu) – está arruinada e tumultuada?

Corroborando à teoria de que é a justiça o fator de purificação da alma, uma vez que faz com que cada parte viva plenamente aquilo a que está destinada, e reportando ao grifo do excerto acima, vale salientar o comentário feito por Giovanni Reale:

Viver para o corpo (como faz a maior parte dos homens) significa viver para aquilo que está destinado a morrer; viver para a alma significa, ao contrário, viver para aquilo que está destinado a viver sempre, significa viver purificando a alma por

um progressivo desapego do corpóreo. (Idem, p. 183)

2.1 Gerais:

Este trabalho se propõe a investigar com rigor no Livro IV da República de Platão se a justiça é responsável pela purificação da alma.

2.2 Específicos:

Verificar se a justiça da alma significa a harmonização de suas partes e sua conseqüente purificação.

3. METODOLOGIA:

Utilizando-se de pesquisa bibliográfica, o estudo foi realizado estudando as obras República e Fédon de Platão, com apoio de obras de estudiosos do Filósofo.

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PLATÃO, A República , Bauru, Edipro: 2006.

_______, Fédon, in Biblioteca Clássica, São Paulo: Rideel: 2005. _______, Fédon,

5. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA COMPLEMENTAR

in Coleção Os Pensadores, São Paulo: Nova Cultural: 1972.

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4ª. edição. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga, Vol. II. São Paulo: Edições Loyola, 1993.

______________. Para uma nova interpretação de Platão, 2ª. edição, São Paulo, Loyola: 2004.

______________ e ANTISERI, Dario. História da Filosofia. Filosofia Pagã Antiga. Vol I. 2ª. Edição. São Paulo: Paulus, 2006.

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