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A INTERNACIONALIZAÇÃO INVISÍVEL DA AMAZÔNIA

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A IntERnAcIOnAlIzAçãO InVISíVEl

dA AMAzônIA

1

Gustavo de Souza Abreu*

RESUMO

Este artigo põe em relevo algumas preocupações estratégicas com a Amazônia nos dias atuais, procura analisar a recorrente indagação: a Amazônia corre o risco de ser

internacionalizada? Em um primeiro momento, é apresentado um breve histórico

comentado, desde o final da Guerra Fria até os dias atuais, em que se identifica uma sociedade brasileira mais atenta aos problemas daquela região diante de posições internacionais. Há uma passagem denominada, neste estudo, de internacionalização

invisível da Amazônia, ou seja, uma dinâmica produzida por agentes externos, não

necessariamente nociva, e que conta com a conivência dos governos, por omissão, e dos nacionais, por necessidades básicas ou interesses privados. No último item, postula-se que o mais importante, talvez, nem seja o fato de estar a Amazônia sofrendo este processo, mas saber em que medida essa internacionalização invisível prejudica ou beneficia o Brasil, considerando que a soberania político-jurídica seja inquestionável. São propostas algumas abordagens que indicam uma resposta temporária da questão delineada neste artigo. Conclui-se que o Estado brasileiro deve-se posicionar com políticas públicas e estratégias adequadas para enfrentar esse óbice, sob o risco de comprometimento da segurança nacional.

Palavras-chave: Amazônia. Internacionalização. Soberania. Segurança Nacional.

Meio Ambiente.

tHE InVISIBlE IntERnAtIOnAlIzAtIOn Of tHE AMAzOn ABStRAct

This article highlights some essential strategic concerns with the Brazilian Amazon nowadays, trying to respond if that region runs the risk of internationalization. At a first part, it gives a brief historical overview from the end of Cold War until the present days, during which the Brazilian society has been worried about this matter 1 Versão simplificada deste artigo foi apresentada pelo autor no Seminário Internacional “Mercado, Poder Judicial y Desarrollo”, nas Universidades de Salamanca e de Valencia (Espanha), entre 19 e 23 de novembro de 2012.

* Coronel de Infantaria e Estado-Maior, Doutor em Ciências Militares (ECEME), Especialista em Relações Internacionais (UnB) e Mestre em Direito das Relações Internacionais (Uniceub). É assessor de política e estratégia do Ministério da Defesa - selvabreu@uol.com.br.

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in face of international pressure. In the most original part, it seeks to characterize the existence of a process called by the author invisible internationalization of

Amazon, as a result of a dynamic driven by external agents, which is not bad at

all, with the connivance of governments, by default, and of nationals, by necessity or private interests. At the last part, considering the unquestioned sovereignty of the State, it is postulated that the most important is perhaps not so much the internationalization process itself but what it brings as advantages and benefits or as damages and losses. To deal with this potential problem some proposals are set out. In conclusion, it is recommended that the Brazilian State must be a leading actor in the debate on this issue of key importance, and must adopt public policies and strategies in order to avoid putting at risk the national security.

Keywords: Amazon. Internationalization. Sovereignty. National Security.

Environment.

1 IntROdUçãO

A Região Amazônica, “condominiada” por nove países da América do Sul, tem no Brasil, como se sabe, a sua maior expressão geográfica, em todos os sentidos. Assim, falar em Amazônia significa, inevitavelmente, falar em Brasil.

A partir dos anos 90, discussões sobre o tema “internacionalização da Amazônia” tornaram-se corriqueiras nos mais variados setores nacionais. A sociedade brasileira observa com mais atenção essa região que sempre lhes pareceu cenário exótico de filmes e de obras antológicas, como o descrito em O inferno

verde, de Alberto Rangel e prefaciado por Euclides da Cunha.

O meio acadêmico começou a estudar com mais profundidade o bioma amazônico e surgiu uma produção científica relativa a essa questão; as Forças Armadas alertavam que a Nação deveria se mostrar mais presente e que não se tratava de uma apreensão exclusivamente militar; alguns políticos e renomados estudiosos se manifestavam diante desse cenário; ambientalistas se alinhavam à corrente internacional contra o aquecimento da atmosfera e os efeitos danosos dos desmatamentos; e a mídia reverberava toda essa efervescência de opiniões, inclusive contraditórias, e transmitia ao público essa inquietação nunca antes observada.

Mas por que, de repente, a Amazônia desperta tanta atenção da sociedade brasileira? Certos setores especializados sempre mantiveram luzes sobre essa região. A novidade foi a extensão do debate para a sociedade. Esse compartilhamento de preocupações foi favorecido por alguns fatores externos que contribuíram para essa tomada de consciência.

A título introdutório, este artigo recapitula algumas passagens dessa contenda nas últimas décadas, com fatos comentados desde o final da Guerra Fria até os dias atuais, destacando o acordar da sociedade brasileira para a temática da Amazônia.

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A intenção, todavia, é oferecer outro caminho capaz de conceder aos interessados uma percepção mais ampla acerca de uma inquietação recorrente da sociedade quanto ao possível risco de a Amazônia tornar-se uma região internacionalizada e ficar sob a gestão de um órgão mundial; ou, numa inferência extrema, vir a ser invadida e dominada por uma superpotência.

O caminho proposto aponta a existência de um procedimento socioeconômico que, neste artigo, recebe a denominação de internacionalização invisível da

Amazônia. Entram em jogo as teorias globalizantes, da relativização das soberanias,

do desenvolvimento sustentável, do respeito aos povos tribais, da segurança nacional e de outras tantas imbricadas, tendo a Amazônia como objeto de verificação.

Finalmente, diante da hipótese de uma ameaça que contém variáveis de difícil percepção nesse processo, o Estado é chamado a se posicionar em decorrência do risco de comprometimento da segurança nacional naquele patrimônio.

2 BREVE HIStóRIcO

Na transição da década de 1980 para a de 1990, ocorreram importantes fatos políticos desencadeadores de profundas transformações no sistema internacional que se refletiram, de certa forma, no mundo, determinando alterações no modo de pensar das sociedades, ocidentais e orientais (HABERMAS, 2003). A emblemática

sequência de fatos que marcaram o fim da Guerra Fria – queda do muro de

Berlim (1989), reunificação das Alemanhas (1990) e dissolução da URSS (1991)

– distensionou de vez o mundo bipolar. Coincidência ou não, nessa nova fase da História, as sociedades lançaram um olhar mais incisivo para outras questões tão importantes quanto o fantasma de uma terceira guerra mundial ou mesmo o temor nuclear que predominava até então e que se findava. E, assim, eclodiram de maneira mais intensa os “novos temas da agenda mundial”.

Entre esses novos temas, figuravam as preocupações com a degradação do meio ambiente, materializadas, entre outras, na iniciativa da ECO-92, Rio-92 ou Cimeira da Terra, nomes pelos quais é mais conhecida a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), realizada entre 3 e 14 de junho de 1992 no Rio de Janeiro, cujo objetivo principal era buscar meios de conciliar o desenvolvimento socioeconômico com a conservação e proteção dos ecossistemas da Terra. O lema de ordem passou a ser sustentabilidade do planeta.

Essa corrente influenciou os analistas e os tomadores de decisão no Brasil. A Amazônia passou, então, a frequentar a agenda nacional com um destaque nunca antes observado, nesse caso, semelhante àquele dado pela agenda internacional.

Essa atenção à Amazônia foi favorecida pelo incremento da tecnologia da informação. É dessa época a grande expansão da Internet, dos programas de televisão com reportagens ao vivo, dos canais por assinatura especializados, dos telefones celulares; enfim, da informação updated e on-line. O cidadão comum,

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aquele que não tinha acesso a informações mais especializadas, deixou de gastar tempo com pesquisas em bibliotecas e livros caros e começou a desfrutar de conhecimento antes exclusivo de alguns nichos de especialidades e de maior poder econômico. As informações chegam até o cidadão, com mais facilidade, de forma rápida, atualizada e com interface amigável.

As inovações tecnológicas também possibilitaram a leitura de imagens por radares instalados em satélites que produziram diagnósticos muito mais precisos e reais, alertando, por exemplo, sobre os perigos do desmatamento desordenado e outros dados referentes ao meio ambiente.

Com essa ajuda da tecnologia da informação, o brasileiro passou a receber, em sua residência e no trabalho, o painel de uma região que não estava, necessariamente, na pauta de seu interesse cotidiano e, consequentemente, passou a questionar o tema Amazônia – que só conhecia a partir de livros e uns poucos filmes – e a sua relação de importância e de pertencimento ao Brasil.

Data desse momento, a criação da União Europeia, nos termos do Tratado de Maastricht2, que encantava o mundo com a sua concepção comunitária. Uma

família formada por países europeus democráticos que decidiram trabalhar em conjunto para melhorar a vida dos seus cidadãos e construir um mundo melhor. Era o predomínio do pensamento de base racionalista, neoliberal institucionalista, que destacava o papel fundamental das instituições comunitárias e a cessão de parte das soberanias dos Estados-Membros, que deveria ser compartilhada em prol de um propósito maior de desenvolvimento, paz e segurança.

A atitude hegemônica dos Estados Unidos no pós-Guerra Fria, o pensamento europeu com viés neoliberal institucionalista3 e a proliferação de Organizações não

Governamentais (ONGs) internacionais defensoras da causa do meio ambiente fomentaram alguns discursos polêmicos proferidos por autoridades internacionais que ganharam eco mundo afora. Em síntese, alguns desses discursos colocavam em xeque a capacidade de o Brasil gerenciar um patrimônio tão importante para a humanidade, como a Amazônia, e propunham, direta ou indiretamente, uma gestão compartilhada. Assim, o mito do pulmão do mundo – posteriormente desfeito pela comunidade científica – e conceitos como soberania compartilhada e direito de

ingerência frequentaram os meios de comunicação e mexeram com os brios do

pensamento estratégico nacional. Ainda hoje, essas citações costumam incomodar as autoridades brasileiras.

Segundo os analistas internacionais, o mundo experimentava uma “nova ordem mundial difusa”, multipolar ou unipolar. Mas, o que esse conceito abstrato significava em termos de ameaças à Amazônia? A soberania nacional corria riscos? É óbvio que para o segmento da Defesa – braço do Estado que garante a 2 Tratado da União Europeia (TUE), assinado em Maastricht (HOL) em 1992 e em vigor em 1993. 3 Ver a abordagem de KEOHANE em Neoliberal institutionalism: a perspective on world politics, 1989.

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instrumentalização de sua racionalidade para questões de segurança diante da percepção de ameaças externas – aqueles discursos estrangeiros, especialmente os oriundos de países mais poderosos militarmente, que lançavam dúvidas acerca da soberania sobre a Amazônia, e também a proliferação de ONGs internacionais, que deixavam os governos sob constrangimento, causaram fortes reações, muitas vezes exasperadas. Como uma das reações do Estado, as Forças Armadas – o Exército em particular – desenvolveram novas doutrinas e estratégias de emprego a partir de um cenário que delineava ameaças contextualizadas em ordem vigente difusa. Um dos reflexos dessa percepção foi a rearticulação de grandes unidades operacionais com vistas ao aumento do poder de combate na faixa de fronteira amazônica.

No Brasil, os acadêmicos direcionam seus interesses para essa temática, elaborando projetos de pesquisa aprimorados nos cursos de graduação e pós-graduação, vários deles incluindo viagens, pesquisas de campo e projetos de desenvolvimento em áreas nunca antes consideradas em seus estudos. Algumas universidades do centro-sul do Brasil criaram campi avançados e outras lançaram suas filiais em várias recônditos da Amazônia.

Quanto à impressionante proliferação de ONGs, anote-se que a Constituição Federal do Brasil de 1988 conferiu grande destaque à proteção do meio ambiente, dedicando-lhe todo um capítulo4. Esta disposição constitucional,

de certo modo, favoreceu o estabelecimento dessas organizações em vários trechos da Amazônia. Convém salientar que, de uma maneira geral, as ONGs cumprem seus propósitos naquelas áreas em que o Estado se mostra ausente ou ineficaz, procurando, às vezes, substituí-lo. Por óbvio, a desenvoltura e a rapidez com que essas organizações se multiplicaram, especialmente as de bandeira internacional, causaram arrepio no segmento da Defesa, notadamente entre os militares, e surpreenderam segmentos da classe política e estudiosos igualmente preocupados com o interesse nacional, motivados por uma leitura de ingerência estrangeira dissimulada.

Em 2000, Cristóvam Buarque, durante um debate em uma universidade dos Estados Unidos da América sobre a internacionalização da Amazônia, ao responder a uma pergunta de um estudante, fez uma declaração que se tornou emblemática e bem traduziu o sentimento nacional na ocasião. “De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso. Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a humanidade.” 5

4 Constituição Federal de 1988, Título VIII - Da Ordem Social, Capítulo VI - Do Meio Ambiente. 5 Ver o artigo O mundo para todos, de Cristóvam Buarque, publicado em O Globo, de 23/10/00.

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Até hoje repercute no Brasil e nos países condôminos da Amazônia a polêmica palestra de Pascal Lamy na sede da ONU, em Genebra, no início de 2005. Lamy, ex-comissário de Comércio da União Europeia e então candidato a diretor da Organização Mundial de Comércio (OMC), afirmou que a Floresta Amazônica e demais florestas tropicais deveriam ser consideradas “bens públicos mundiais” e submetidas a “regras de gestão coletiva” pela comunidade internacional (Valor

Econômico, 24/02/05, p. A 6; O Estado de S. Paulo, 24/02/05, p. 4).

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, reagiu prontamente considerando preconceituosa a visão de Lamy, pois subestimava “a capacidade dos países em desenvolvimento de gerenciar, de forma soberana e sustentável, os seus recursos naturais” (Brasil, 2005). O general da reserva Carlos de Meira Mattos também saiu em defesa da soberania brasileira sobre a Amazônia. Em artigo publicado, o general argumentou que a tese de Lamy pressupunha a ideia de que a única forma de assegurar a sobrevivência da vida no planeta seria transferir a administração dessa região para uma ‘autoridade internacional’. Diante dessa situação, aos países com áreas na Amazônia restaria apenas se conformar com uma ‘soberania compartilhada’ sobre seu território (Folha de S. Paulo, Meira Matos, 14/04/05).6

Cavagnari Filho, pesquisador da Unicamp (Campinas-SP), ilustra a questão quando apresenta a possibilidade de intervenção militar da superpotência na Amazônia em caso de “violação de interesse vital”. Conforme seu artigo, “Se a opinião pública norte-americana se convencer de que algum interesse de tal natureza poderá ser afetado – por exemplo, pela devastação do meio ambiente amazônico –, não há dúvida de que os EUA intervirão militarmente na região, mesmo correndo o risco de se envolver numa guerra prolongada.” (CAVAGNARI, 2002, p. 44)

Nesse acordar brasileiro em relação à Amazônia, as reações nem sempre eram de preocupação com a preservação do meio ambiente ou, na outra linha, com a soberania nacional. Houve algumas leituras distorcidas desse novo panorama, as quais retratavam o momento de inquietação diante da pressão internacional produzidas por intermédio dos meios de comunicação. Enquanto “campanhas” externas circulavam livremente pela internet, com dizeres do tipo Burn a Brazilian,

Save the Forest, no Brasil, aconteciam manifestações isoladas, notadamente nas

grandes capitais, com frases “politicamente incorretas” estampadas em camisetas, na linha de Querem vender a Amazônia, e eu com isso? Na verdade, tratava-se de comportamento próprio de uma fração da juventude, mas reconhecia que havia algo novo e importante no ar da leitura que faziam dos discursos mais sérios e inflamados.

6 Ver Desenvolvimento, ciência e política: o debate sobre a criação do Instituto Internacional da Hiléia Amazônica, de Rodrigo Magalhães e Marcos Chor Maio, 2007.

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3 UM PROcESSO InVISíVEl

Um inevitável e invariável questionamento é recorrente em debates públicos e nas universidades, nos seminários e nos congressos: a Amazônia corre o risco de

ser internacionalizada?

Em nossa opinião há uma resposta cômoda e simples, mas que não deixa de ser adequada: depende! Depende do significado que se deseja atribuir ao adjetivo internacionalizada. No dicionário, o verbo “internacionalizar” significa “tornar internacional”. No campo de análise da ciência política e do direito, a

internacionalização da Amazônia, no sentido de torná-la internacional por anexação

territorial por outro Estado, subtraindo-se assim parte do “território” sobre o qual se impõe a vontade soberana do Estado brasileiro, a Amazônia permanece tão nacional quanto sempre foi desde sua conformação no processo de delimitação das fronteiras concluído no início do século XX.

Assim, a internacionalização, em termos políticos e jurídicos, não se opera; e nem existe cenário igual que possa sugerir esta condição ou tendência. Salvo, claro, nos planejamentos sigilosos militares que necessitam trabalhar com todas as hipóteses possíveis, mesmo as mais remotas, da percepção das ameaças externas, de modo a manter “o Príncipe” em alerta contra os perigos externos que rondam o reino, como teorizava Maquiavel.

Entretanto, se atribuirmos ao termo internacionalização a atos ou efeitos produzidos pelo sistema internacional, que se reproduzem naquele espaço territorial, com intuito de tê-lo como uma espécie de “patrimônio da humanidade”, gerando dinâmicas as quais não necessariamente são fruto da vontade das pessoas que ali residem ou se acham dissociadas do interesse nacional, aí a perspectiva é outra, sendo percebido por setores mais atentos que a internacionalização se opera e com tendência crescente.

Há, sistematicamente, uma internacionalização invisível que se manifesta pela atuação estrangeira, inclusive em parceria com instituições e pessoal nacional, tais como ONGs, universidades, institutos de pesquisa, empresas multinacionais e órgãos afins. Parte dessas entidades é copatrocinada pelos próprios governos nacionais, nos três níveis da administração pública.

Tem-se, pois, uma progressiva entrada – tanto legal quanto ilegal – de mecanismos de várias bandeiras, com interesses privados e públicos, que forma uma teia complexa, imbricada na atividade cotidiana das populações e dos órgãos da administração. A índole pacífica e acolhedora do brasileiro residente na Amazônia contribui para a aceitação dessas entidades quase sem contestações, principalmente quando trazem consigo proposta de melhoria das condições de vida para as populações tradicionalmente desassistidas.

O que se está denominando internacionalização invisível da Amazônia não significa que a soberania nacional em sua concepção clássica esteja arranhada.

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Como destacado anteriormente, não há apropriação territorial nem existem “zonas de exclusão” dominadas, controladas ou sob influência de Estado ou de grupo estrangeiro. O Estado brasileiro é soberano sobre seu território e nenhum outro Estado pode questionar sua autoridade absoluta. Emprega-se o termo

invisível justamente para caracterizar que há um processo – não violento e não

perceptível aos olhos –, em que ocorre a paulatina imersão de um “pensamento internacionalizado” influenciando os destinos da região, observado na maneira pela qual ocorrem certas gestões de pesquisa científica, de exploração de recursos naturais e, até mesmo, de influência cultural.

Nas mais variadas áreas, especialmente no campo da exploração da biodiversidade, o conhecimento é expropriado de maneira sutil, discreta, mediante “cooperações” com a concordância dos nacionais, em um jogo invisível de soma positiva – quase sempre com ganho maior para as entidades estrangeiras. Sendo positivo para ambos, não há atritos, contestações.

Igapó, cuxiú, aquariquara, curare, copaíba, uixi, jiquitaia, matá-matá, tucuxi, bodó, kaxinauá podem ser nomes estranhos para a grande maioria dos brasileiros,

mas com certeza fazem parte do dia a dia de muitos projetos de pesquisa conduzidos ou patrocinados por órgãos e empresas internacionais.

Por outro lado, seria injusto desconsiderar que países, empresas, ONGs, universidades e diversas entidades patrocinadoras de importantes programas contribuem em grande medida com o desenvolvimento científico e econômico e com o bem-estar do habitante local. Vários programas internacionais fomentam atividades que geram melhorias das condições de vida, além de transferir para o país conhecimento com base em modernas tecnologias que, por outra via, seria muito difícil obter. Os fomentos a programas de conservação das florestas é uma boa prática que se tem constatado ao longo dos últimos anos e ajudado o país a ser considerado ator capaz de preservar o seu meio ambiente, diminuindo os constrangimentos de que costuma ser alvo.

4 UMA ABORdAGEM nEcESSÁRIA SOBRE O PAPEl dO EStAdO

Depois das ideias apresentadas, cabe aqui uma reflexão: a dinâmica que se estabelece sob influência internacional, às vezes à revelia das políticas públicas ou mesmo da vontade regional, é melhor ou pior do que deixar por conta do processo histórico inercial, no qual a maior parte das populações fica à mercê da própria sorte e distante em todos os sentidos do progresso do Brasil mais desenvolvido?

Em se considerando que a inquestionável soberania política urge saber em que medida essa internacionalização invisível prejudica ou beneficia o Brasil.

Natural que brasileiros não residentes na Amazônia, especialmente as elites intelectuais, se oponham à ingerência estrangeira. Entretanto,

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se considerarmos o processo irrefreável da globalização, é inexorável que os países compartilhem, de modo cada vez mais intenso, o fluxo das informações, capitais, conhecimento, mercados, bens e serviços. Exceto alguns enclaves africanos e asiáticos, por inacessibilidade diante da precariedade de infraestrutura ou por restrições políticas, o mundo já é aquela aldeia global prognosticada ao final da Guerra Fria, onde o ir-e-vir para qualquer parte é quase totalmente possível. Afinal, “o mundo é plano!” (FRIEDMAN, 2005, p. 34).

Nessa aldeia global em que nos inserimos, o diferente e/ou o que propicia lucro ou prazer pode despertar grandes impulsos e atrair fluxos, tanto no nível dos indivíduos quanto no das organizações e dos Estados, diante dos apelos econômico, cultural, turístico, político ou mesmo despertar o desejo de usufruir os escassos ambientes naturais existentes no mundo. A Amazônia – que apresenta incalculável riqueza econômica potencial, gigantesca biodiversidade, multiplicidade étnica, exotismo, ou mesmo uma privilegiada posição político-estratégica – dispõe de atrativos consideráveis que despertam tanto nobres condutas éticas, na via da preservação ambiental e da proteção de etnias indígenas, por exemplo, quanto à sórdida cobiça e decorrentes ações deletérias que visam, mesmo com disfarces, aos ganhos econômicos que os empreendimentos podem gerar.

Não é sem razão que se questiona o porquê de a ação internacional não se processar com tal esmero e intensidade no Nordeste brasileiro, mais especificamente nas regiões mais áridas, onde igualmente as populações precisam de proteção especial, incluindo populações indígenas, e o meio ambiente corre sérios riscos de desertificação. A resposta pode estar nas riquezas do subsolo e da biodiversidade de uma e de outra região, concluem os analistas.

Essa condição de atratividade parece ser inescapável em seres que enxergam na Amazônia um dos últimos redutos idílicos da natureza. Mesmo que o país, hipoteticamente, apresente uma firme intenção de colocar a região em uma “redoma”, com forte aparato de controle de toda ordem sobre indivíduos e organizações estrangeiras, o resultado, no atual curso da História, seria inócuo, além de provocar inevitáveis reações das comunidades, tanto locais quanto internacionais.

Há também que se considerar que a ação estatal em uma extensão territorial que representa, grosso modo, a metade do país e equivale à área da Europa ocidental, não é tarefa das mais fáceis. Além do mais, ocorre forte pressão internacional, o que nos conduz a imaginar um esquema de internacionalização que não se opera apenas a partir de atores que trabalham ou residem na base física amazônica, mas também a partir de vetores oriundos dos grandes polos de poder mundial. Por outro lado, o governo brasileiro sofre pressões de toda ordem para coibir a chamada ocupação predatória, ao tempo em que é constrangido pelos interesses internos que demandam vantagens, isenções e benefícios a

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grupos, empresas ou classes, no sentido de acelerar a sua exploração econômica. Há, pois, uma tensão constante entre os apelos internacionais e as exigências de setores internos.

A Política de Defesa Nacional (PDN) sinaliza a importância e as preocupações com a Amazônia. Entretanto, tanto esta política setorial quanto a Estratégia Nacional de Defesa (END) não são dispositivos suficientes para resguardar os interesses na região que, por óbvio, não se limitam, apenas, ao campo de competências da Defesa Nacional.

1.3 O planejamento da defesa inclui todas as regiões e, em particular, as áreas vitais onde se encontra maior concentração de poder político e econômico. Complementarmente, prioriza a Amazônia (...) pela riqueza de recursos e vulnerabilidade de acesso pelas fronteiras terrestres e marítimas.

4.4 A Amazônia brasileira, com seu grande potencial de riquezas minerais e de biodiversidade, é foco da atenção internacional. A garantia da presença do Estado e a vivificação da faixa de fronteira são dificultadas (...). Estas características facilitam a prática de ilícitos transnacionais e crimes conexos, além de possibilitar a presença de grupos com objetivos contrários aos interesses nacionais. (Extraído da PDN7, com grifos do autor).

Ademais, a responsabilidade do Estado vai além da elaboração de políticas públicas setoriais. Na verdade, deve ser vista em espectro mais abrangente e, talvez, a melhor forma de enquadrar essa responsabilidade seja invocando o princípio da soberania, um conceito indissociável da concepção do Estado moderno. Assim percebido, tem-se os clássicos vieses da soberania do Estado: o externo, com vistas à independência de suas ações em relação a outros Estados, consagrado pelo Direito Internacional; e o interno, com vistas ao poder jurídico

sobre o território de jurisdição, amparados pelo Direito interno. Na explicação de

Dalmo Dallari:

De fato, apesar do progresso verificado, a soberania continua a ser concebida de duas maneiras distintas: como sinônimo de independência, e assim tem sido invocada pelos dirigentes dos Estados que desejam afirmar, sobretudo ao seu próprio povo, não serem mais submissos a qualquer potência estrangeira; ou como expressão de poder jurídico mais alto, significando que, dentro dos limites da jurisdição do Estado, este é que tem o poder de decisão em última instância, sobre a eficácia de qualquer norma jurídica. 8

7 Política de Defesa Nacional, 2005 (p. 10 e 11).

8 Extraído do Parecer AGU Nº LA- 01 (§ 126), de 19 de agosto de 2010, assinado por Luís Inácio Adams (AGU) e aprovado pelo Presidente da República, a respeito da polêmica sobre aquisição de terras por estrangeiros.

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Partindo do princípio que a ação de grupos e indivíduos estrangeiros não pode ser nunca um substitutivo da responsabilidade constitucional do Estado em matéria dessa relevância, que implica uma ação de soberania, a solução, nos parece, passa pela seguinte abordagem:

a) inicialmente reconhecer que a influência internacional na Amazônia já se processa e que esta condição é irreversível diante de sua atratividade; portanto, medidas meramente repressivas só iriam agravar o quadro existente;

b) aperfeiçoar as políticas nacionais existentes, estabelecendo prioridades e estratégias de primeira linha, deixando claro aos olhos da comunidade internacional os interesses do Estado brasileiro na Amazônia;

c) adotar processos legais de controle de pessoas e organizações, com métodos mais inteligentes e efetivos, com vistas a diminuir, ou mesmo desestimular, o ingresso estrangeiro empreendedor que não apresentar contrapartida concreta;

d) reconhecer que existe cooperação estrangeira, com nobres fins, cujas ações contribuem positivamente para o desenvolvimento sustentável, facilitando a ação estatal que tem sérias dificuldades de se fazer presente e atuar de maneira integral; e

e) investir em políticas públicas que, efetivamente, possam proporcionar melhores condições de vida aos habitantes locais, com a garantia de que o desenvolvimento humano e ambiental irá se processar de maneira sustentável.

5 cOnclUSãO

Retomando a reflexão anterior – se a dinâmica de internacionalização movimenta o processo histórico inercial brasileiro – e abstraindo-se de qualquer sentimento nacionalista ou, até mesmo, xenofóbico, depreende-se que não há elementos que possam conduzir a uma conclusão acerca do resultado da proposição.

A história ensina que territórios com pouca atenção do Estado e muita influência estrangeira tendem a se rebelar e, muitas vezes, a se fragmentar e a se tornar independente. Segundo ainda os ensinamentos legados pela história, Estados que adotaram medidas repressivas e coercitivas, incluindo a expulsão de estrangeiros, sem levar em conta o bem-estar das populações, também passaram por conflitos e a soberania foi ameaçada ou perdida. Sob essa perspectiva, não seria absurdo inferir que o próprio Estado é a fonte de possíveis ameaças à sua própria soberania.

O Brasil detém soberania política inquestionável sobre o seu território amazônico, reconhecida internacionalmente e, em particular, por todos os vizinhos do espaço sul-americano, sem indicações que a coloquem em risco, mesmo diante de pressões e discursos internacionalizantes de autoridades de peso na cena mundial.

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Convive, entretanto, com um processo de internacionalização invisível, resultante das dinâmicas do sistema internacional globalizante, para o qual o país contribui por ser ausente ou ineficiente em certos campos de atuação do Estado. Contudo, não se pode concluir com precisão em que medida esse processo exógeno inescapável é benéfico ou maléfico para o Brasil e para a população da região diretamente envolvida no processo.

Apesar das inúmeras incertezas, um alerta faz-se absolutamente necessário: o Estado brasileiro não pode se omitir do acompanhamento e da regulação da

internacionalização invisível que se processa, sob o risco de as remotas hipóteses

contidas tão somente nos planejamentos militares virem a se confirmar em cenário de internacionalização de fato.

REfERêncIAS

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Referências

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