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Comida é cultura, afeto e memória. O caso do Seu Benê e Dona Maria

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Academic year: 2021

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Teresa Corção

D

esde 2002 eu havia tomado conhecimento da produção de farinha d’água de Bragança no Pará. A Amazônia já estava em plena moda gastronômica, seus produtos repercutindo mundo afora. Como chef de cozinha que trabalha com produtos típicos da nossa culinária e presidente fundadora do Instituto Maniva, sempre pesquisei e procurei os melhores produtos.

Conheci a produção de farinha e um de seus mestres, Seu Bené - Benedito Batista da Silva, 6

0 anos, lavrador da pequena agricultura familiar,

de Bragança, estado do Pará, na Amazônia, região Norte do Brasil -, quando fui fazer um pequeno documentário sobre esse saber ancestral para levar para uma palestra nos Estados Unidos. Durante as filmagens, conversando com ele, percebi o risco de extinção desse produto tão importante para a culinária amazônica e que quem detinha esse conhecimento eram os idosos. Os jovens já não sabiam mais fazer a farinha da forma antiga e que, caso não houvesse um incentivo para os idosos essa cultura perigava acabar.

Comecei então a pensar numa forma de fazer com que esses mestres tivessem um incentivo para ensinarem a outros idosos e jovens a fazer farinha e tecer o paneiro. Por outro lado nos dedicamos a divulgar esses alimentos em palestras e aulas de culinária e incentivamos a comercialização justa com comerciantes de São Paulo e chefs de cozinha do sudeste. Dessa forma eles seriam valorizados, aumentando sua autoestima e renda, além de criar também uma admiração intergeracional e familiar.

Trouxe a ideia para Margarida Nogueira, vice-presidente do instituto e parceira de aventuras culinárias. Ela concordou que era um interessante e importante projeto a ser desenvolvido.

Comida é cultura, afeto e memória.

O caso do Seu Benê e Dona Maria

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Começamos refazendo contato com esse mestre farinheiro e explicando nossa ideia. Ele rapidamente entendeu e concordou. Numa das visitas à região de Braganca, a esposa de Seu Bené, Dona Maria, me trouxe uma bolsa tecida na mesma forma e fibra do que o paneiro de farinha. Percebemos que incentivar esse artesanato seria uma forma de incentivar esse saber e estimular a integracão da família e mais uma forma de geração de renda para essa populacão de baixíssima renda do interior do Pará.

Através de um contato feito anteriormente com um comerciante local que sempre apoiou os mandioqueiros, chegamos a conclusão que a melhor forma seria promovermos Oficinas de Paneiro e Oficinas de Cestaria nas comunidades do entorno do município de Bragança. Nosso objetivo geral era revigorar uma cultura local além de gerar

renda, o específico para atingir 600 pessoas e formar, no mínimo, 20 oficineiros. Sem uma metodologia específica as primeiras oficinas serviram para, junto com o Sr. Bené, formatarmos o modo de ensinar e multiplicar esse saber. O comerciante, nosso contato local, acompanharia as oficinas depois da nossa partida de volta para o Rio. Essa foi nossa maior dificuldade: coordenar um projeto a 3.000km de distância.

Logo após as primeiras oficinas percebemos que seria muito difícil desenvolver qualquer projeto sem uma infraestrutura maior, uma equipe local capacitada para esse tipo de acompanhamento. Foi quando fiz a visita junto com os consultores Fabio Ribas, da Prattein e Laura Machado da Interage. A presenca e visão deles foi fundamental para que a prefeitura local, em especial a Secretaria de Trabalho e Promoção Social se tornasse parceira.

A partir desse momento o projeto encontrou seu formato e apoio de grande profissionalismo. A prefeitura visitaria as comunidades e serem assistidas pelas oficinas uma quinzena antes das mesmas para fazer as fichas de inscrição dos interessados. A secretaria seria encarregada por comprar o material necessário pelos oficineiros, levá-los no dia e acompanhar toda a oficina através de relatórios a serem enviados para nós, no Rio, para nossa avaliação durante a reunião do projeto.

Desta forma e através de viagens para avaliação fomos acompanhando o projeto crescer e se desenvolver. Graças a atuação e força dos idosos oficineiros as oficinas estão sendo muito bem sucedidas e graças às conexões que fizemos em São Paulo e Rio houve uma venda expressiva de paneiros desde então e a renda dos agricultores envolvidos triplicou, assim como seu prestígio nas comunidades onde habitam.

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Agora estamos na fase da sustentabilidade do projeto. É a fase mais crítica porque temos que promover e acompanhar nesses últimos meses a criação de uma rede de comércio justo com um bom número de pontos de venda, assim como do registro da marca pela associação a ser criada no local.

O conselho que daria para alguém que quisesse multiplicar o projeto em outro local com outro alimento seria o de procurar primeiro uma cultura gastronômica ou de artesanato que esteja fortemente conectada com a população local, que procure logo um parceiro na prefeitura e estabeleça uma rotina simples de acompanhar, com bons formulários, que tragam os indicadores claramente. Concluindo, um projeto como o Seu Bené e Dona Maria empreendedores rurais e professores da farinha é uma forma de valorizar os saberes dos idosos de uma forma que os insere na sociedade num dos aspectos mais valorizados nos dias de hoje que é a gastronomia. Detentores desse saber revalorizado esse tipo de projeto empodera os idosos e os fortalecem como reais participantes da sociedade moderna.

Em tempo…

Maniva conclui participação no projeto de farinha empaneirada

Entre os dias 13 e 16 de janeiro, a chef Teresa Corção, presidente do Maniva, esteve na cidade de Bragança, no Pará, com o objetivo de concluir o projeto “Seu Bené e Dona Maria: empreendedores na agricultura e professores de farinha”. Durante três anos, o instituto contou com o patrocínio do Banco Santander para resgatar a produção artesanal de farinha d’água empaneirada em cerca de 10 comunidades do município. Foram formados 10 professores de paneiro (cesta de guarimã onde é embalada a farinha d’água), e 8 de cestaria para a confecção de cestos, bolsas e chapéus, que serão responsáveis por manter a tradição. Crianças e jovens se interessaram em aprender o ofício dos pais e dos avós.

Com a finalidade de dar um novo desdobramento ao projeto, o Maniva convidou o empresário paulista Leonardo Chiappetta, do empório Chiappetta, para conhecer a produção da farinha. A ideia é dar continuidade ao projeto por meio da comercialização em São Paulo. No Rio de Janeiro, já está à venda no restaurante O Navegador.

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Chiappetta realiza um projeto com produtores e agricultores para valorizar o produto artesanal e vendê-lo em São Paulo. “Fiquei impressionado com o zelo, carinho e comprometimento com a recuperação da cultura da mandioca”, disse o empresário. No emporium, comercializa mais de 25 tipos de frutas regionais desidratadas.

Os planos de Chiappetta agora é de firmar uma parceria como o Maniva para divulgar e comercializar a farinha d´água empaneirada, de Bragança, em suas duas lojas, no Mercado Municipal e no Shopping Eldorado. Teresa Corção vai propor algumas receitas para serem feitas com o produto, entre elas, o Cuscuz Amazônico. Assim, o público terá opções de como preparar o produto.

O projeto teve apoio local, com a prefeitura e a Secretaria de Trabalho e Promoção Social (SEMTRAPS). A secretária Rosa Helena Oliveira destaca a presença do Maniva no município. “A comunidade bragantina jamais esquecerá o apoio do Maniva e do Banco Santander aos agricultores familiares da farinha empaneirada”. Segundo Helena, além de ter promovido a autoestima, ela reforça a importância de resgatar a cultura da farinha.

Muitos produtores já tinham desistido de fazer o produto e sua embalagem tradicional, a cesta, que mantém a crocância exata. Os mestres Bené e Maria, descobertos pelo Maniva, viajaram por vários municípios dispostos a reavivar a paixão pelo produto local. O resultado é visto na feira e mercados do Pará, onde a comercialização ganhou novo gás. A excelência gastronômica também fez a farinha de Bragança desembarcar no Rio e em São Paulo. Ganhou até um ponto de venda em uma boutique gourmet na internet, a Bombay.

“Esse alimento ancestral não ficará somente na memória dos paraenses”, destaca Teresa. A chef, conta que ficou emocionada de entregar o “filho no mundo” e completou: “Esse projeto hoje corre nas minhas veias”. Na solenidade de encerramento do patrocínio do Santander, Teresa agradeceu ao casal Bené e Maria pelo empenho e a participação dedicada de novos agricultores e produtores que conheceu. São eles: Tapinha, Carlito, Angelo, Noé, Isauro, Valmir, Manoel, Sebastião, Luiz Nazareno, Tio Paulo, Benedita, Dionice, Dalva, Creuza, Diocilene, Carmen, Ana, Ducirene, Maria Angelina, Pedro Henrique, Henrique Pedro e Jhonny. “Vocês são a riqueza da terra, o futuro dessa cultura do paneiro no Pará. Até breve! Contem sempre comigo!”, finalizou.

Em junho, a chef Teresa retorna à cidade para receber o título de cidadania bragantina.

Fonte: Instituto Maniva

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Saiba mais

Entre as frentes de atuação do Instituto Maniva está a Cultura Gastronômica Brasileira, que é divulgada por meio de documentários, programas de TV, eventos e projetos culturais. O Maniva lançou dois documentários sobre a produção de farinha de mandioca:

1) Professor da farinha

Documentário Premiado no Festival Nacional de Cinema e Vídeo Rural de Piratuba, em Santa Catarina (2007) e Selecionado para o Festival Slow Food on Film (Bra/Itália):

Assista:http://www.youtube.com/watch?v=pqN3-vQDeGI&feature=youtu.be

2) Seu Bené vai pra a Itália

- Exibido nos Festivais Slow Food on Film (Bologna/Itália) e Berlinale, na mostra

Kulinarisches Kino (Cinema Culinário), em Berlim, na Alemanha. http://www.youtube.com/watch?v=lm3VFzkAozo&feature=youtu.be

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Teresa Corção - chef de cozinha que trabalha com produtos típicos da culinária brasileira e presidente fundadora do Instituto Maniva. Restaurante O NAVEGADOR. E-mail: teresa@onavegador.com.br. Tel. (21) 2262 6037. Sites: www.onavegador.com.br e www.institutomaniva.org

Referências

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