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Conflitos interparentais, psicopatologia e ideação suicida em adolescentes e jovens adultos: papel dos pares

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Academic year: 2021

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Departamento de Educação e Psicologia Clínica

2º Ciclo em Psicologia Clínica

Conflitos interparentais, psicopatologia e ideação suicida em adolescentes e jovens adultos: papel dos pares

Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica

Diana Patrícia Morgado Lopes Professora Doutora Catarina Pinheiro Mota

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Departamento de Educação e Psicologia Clínica

2º Ciclo em Psicologia Clínica

Conflitos interparentais, psicopatologia e ideação suicida em adolescentes e jovens adultos: papel dos pares

Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica

Diana Patrícia Morgado Lopes Dissertação sob orientação da Professora Doutora Catarina Pinheiro Mota

Composição do Júri:

Professora Doutora Ana Paula Monteiro Professora Doutora Margarida Simões Professora Doutora Catarina Pinheiro Mota

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Dissertação submetida à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, elaborada de acordo com o modelo aprovado pelo Conselho Pedagógico da Escola de Ciências Humanas e Sociais da mesma Universidade, para efeitos de conclusão do 2º ciclo de estudos em Psicologia Clínica, ao abrigo do art.º 23 do Decreto-Lei 74 /2006 de 24 de Março.

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vii Aos meus pais e à minha irmã…

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Agradecimentos

A concretização deste trabalho traduz o longo e árduo caminho percorrido ao longo destes anos, que se apresentou extremamente gratificante. Ainda que tenha sido um projeto pessoal, não posso deixar de expressar os meus mais profundos e sinceros agradecimentos a todos que direta ou indiretamente, contribuíram para que este objetivo de vida fosse passível de ser realizado.

Não podia deixar de iniciar com um especial agradecimento à Doutora Professora Catarina Pinheiro Mota. É sem dúvida uma excelente profissional que investe fortemente nos seus orientandos, procurando o melhor que existe neles. Agradeço a sua disponibilidade, dedicação, ambição, persistência, a sua compreensão, o seu rigor, as suas críticas construtivas e a partilha de conhecimentos e sabedoria. O meu muito obrigado.

Agradeço à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e aos respetivos docentes e auxiliares de educação, que me proporcionaram as condições necessárias para realizar a minha formação académica e, acima de tudo, contribuíram para o meu crescimento pessoal.

Agradeço a todos os adolescentes e jovens da presente amostra, assim como, a todas as instituições e respetivos diretores e psicólogos(as), pela disponibilidade imediata para a recolha de dados.

Às minhas companheiras de bordo e fiéis amigas Ana Pereira, Cláudia Silva e Sophie Costa pelo laço estabelecido entre nós, pelos momentos inesquecíveis e únicos de afetividade e aventura, pelo apoio, por me fazerem sempre acreditar que eu conseguia alcançar mais e melhor. Tornaram-se, sem dúvida, os meus “portos seguros”.

Ao Ricardo, pelo carinho com que sempre me recebeu e pelo auxílio proporcionado, sobretudo, ao longo deste último ano.

À Cátia e à Marisa pela oportunidade de nos conhecermos melhor ao longo do presente ano, pela partilha de angústias, medos, conhecimentos e pelo apoio emocional. Sem as mesmas, esta experiência não teria sido tão gratificante.

À minha prima e amiga de infância, Diana Almeida, que apesar de estar longe fisicamente, sempre foi um exemplo exímio para mim.

À Dª Inês e ao Sr. Luís que mais do que patrões foram verdadeiros amigos que sempre mostraram compreensão e me incentivaram a dar o melhor de mim.

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À Dulce, ao Victor e ao Zé pelo papel significativo que tiveram na minha vida ao longo dos últimos anos. Nunca esquecerei o carinho com que me acolheram e o apoio que sempre me proporcionaram. Destaco, também, um especial agradecimento à Gi, que desde os primeiros momentos foi um exemplo de coragem e força para mim.

Aos meus tios Manuel e Ermelinda pela afetividade, pelo suporte emocional e pela compreensão sempre manifestada. Às minhas “manas” Sabrina e Melissa que representam dois pilares da minha existência. Não posso deixar de agradecer ao Bruno, que apesar de ter entrado na minha família há poucos anos, manifestou disponibilidade imediata para me auxiliar no futuro.

Aos meus pais pelo apoio financeiro e afetivo, sem o qual seria impossível concretizar esta etapa da minha vida. Obrigado por nunca exigirem de mim mais do que eu era capaz e pela liberdade proporcionada para tomar as decisões que considerasse mais corretas para mim. Com eles aprendi a lutar pela vida.

À minha irmã Cátia pelos sacrifícios que vivenciou por mim, sem nunca questionar. Mesmo estando longe fisicamente, o laço emocional que nos une é transmissor de uma veemente segurança. Obrigada pela força e pelo apoio incondicional. É, sem dúvida, uma figura significativa na minha vida. Apresento, também, um especial agradecimento ao meu cunhado Paulo.

À minha avó Lala por me ter criado, pelo apoio, pela sabedoria, pelos pertinentes conselhos e pelos valores transmitidos que se tornaram basilares para a formação da minha identidade.

E, claro, ao Marcelo Silva que ressurgiu na minha vida com um papel diferente, mas mais especial. Pelo amor, pela amizade, pelo apoio nos momentos de angústia e pela alegria partilhada nos momentos de vitória. Por me fazer acreditar em mim e perceber que o meu limite era passível de ser ultrapassado. Pela segurança transmitida que me faz sentir capaz de superar todas as vicissitudes da vida. Por ser o meu verdadeiro “porto seguro”.

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xi “… na verdade, quem estraga as histórias das princesas adormecidas não são nem os dragões nem as maçãs envenenadas. Nem o riso sarcástico das bruxas. Nem, muito

menos, o lobo mau, o Capitão Gancho ou a Maga Patalógica. São mais os espelhos

mágicos. E, pior, muitos pais enfeitiçam as crianças, tornando-as sapos, quando as

transformam no seu precioso espelho mágico, ficando totós uns para os outros.”.

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Resumo

Ao longo do processo desenvolvimental os jovens podem confrontar-se com vivências intrafamiliares de risco, como os conflitos interparentais, que podem comprometer a homeostasia da dinâmica familiar, que se traduz basilar para uma adaptação saudável dos filhos, e promover, na continuidade, sintomatologia psicopatológica e ideação suicida. A qualidade de ligação aos pares surge neste contexto como um fator protetor e facilitador da construção de processos de resiliência, permitindo os jovens gerir de uma forma salutar estas adversidades. Assim, com uma amostra de 261 adolescentes e jovens adultos com idades compreendidas entre os 14 e os 22 anos, o presente estudo teve como objetivo primordial analisar a associação entre o conflito interparental e o desenvolvimento de psicopatologia e ideação suicida nos jovens, bem como, analisar o papel moderador da qualidade da ligação aos pares na associação anterior. Para tal, foram utilizados como instrumentos de avaliação, um questionário sociodemográfico, a Children´s Perception of Interparental Conflict Scale, o Brief Symptom Inventory, o Inventory of Peer and Parental Attachment e o Suicide

Ideation Questionnaire. Os resultados foram discutidos à luz da teoria da vinculação de

Bowlby e Ainsworth, bem como das vicissitudes inerentes às transições familiares, nomeadamente, a dinâmica dos conflitos interparentais e o seu contributo no processo desenvolvimental dos jovens, atendendo o papel dos pares como protetor no desajustamento emocional dos mesmos. Por conseguinte, verificou-se que os adolescentes e jovens adultos que percecionam frequentes, intensos, não resolutivos conflitos e, concomitantemente conteúdo e culpa face aos mesmos aduzem maior sintomatologia psicopatológica e ideação suicida. Constatou-se, também, um efeito moderador da qualidade de ligação aos pares na associação entre os conflitos interparentais e o desenvolvimento de psicopatologia, assim como, na associação entre o conflito interparental e a vulnerabilidade para o desenvolvimento de ideação suicida. Deste modo, aquando da presença de conflitos interparentais, a qualidade de ligação aos pares apresenta um papel significativo na regulação emocional dos adolescentes e jovens adultos.

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Abstract

Throughout the developmental process young people can confront intrafamilial experiences of risk, such as interparental conflict, which may compromise the homeostasis of the family dynamics, which translates to a healthy basilar adaptation of the children, and promoting continuity, psychopathological symptoms and suicidal ideation. The relational quality with peers arises in this context as a protective factor and facilitator of building resilience processes, allowing young people a healthy way to manage these adversities. Thus, with a sample of 261 adolescents and young adults aged between 14 and 22 years, this study had as its primary objective to analyze the association between interparental conflict and the development of psychopathology and suicidal ideation in young people, as well as analyze the moderating role of link quality to peers in the previous association. To this end, were used as instruments of evaluation, a sociodemographic questionnaire, the Children's Perception of Interparental Conflict Scale, the Brief Symptom Inventory, the Inventory of Parental and Peer Attachment and the Suicide Ideation Questionnaire. The results were discussed in the light of attachment theory of Bowlby and Ainsworth, and the vicissitudes inherent in family transitions, namely, the dynamics of interparental conflict and its contribution in the developmental process of young people, given the peers role as protector emotional maladjustment thereof. Therefore, it was found that adolescents and young adults who perceive frequent, intense, not conflict resolution and, concomitantly, content and blame in relation to them adduct greater psychopathological symptoms and suicidal ideation. It was also found a moderating effect of link quality to peers in the association between interparental conflict and the development of psychopathology, as well as the association between interparental conflict and vulnerability to the development of suicidal ideation. Thus, when the presence of interparental conflict, the quality of relation to peers has a significant role in emotional regulation of adolescents and young adults.

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Índice

Introdução ... 1

Parte I - Abordagem Conceptual Capítulo I- Abordagem sobre a teoria da vinculação e adolescência ... 5

1. Teoria da Vinculação ... 5

2. A adolescência e a relação com outros significativos ... 8

Capítulo II- A relação conjugal e as suas implicações no desenvolvimento dos jovens ... 13

1. O papel dos conflitos interparentais no desenvolvimento de psicopatologia e ideação suicida. ... 13

Capítulo III – Adolescência e jovem adultícia- a importância dos pares ... 21

1. O papel dos pares enquanto protetor face aos conflitos interparentais, psicopatologia e ideação suicida ... 21

Parte II - Estudo Empírico Capítulo IV– Estudo Empírico ... 27

1.Estudo Empírico ... 27 1.1 Objetivo Geral ... 27 1.2 Objetivos específicos... 27 1.3 Hipóteses ... 28 2. Metodologia ... 29 2.1 Desenho de Investigação ... 29 2.2 Caracterização da amostra ... 29

2.2.1 Caracterização da amostra geral ... 29

2.3 Instrumentos ... 34

2.3.1 Children´s Perception of Interparental Conflict Scale (CPIC) ... 36

2.3.2. Brief Symptom Inventory (BSI) ... 39

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2.3.4 Suicide Ideation Questionnaire (SIQ) ... 43

2.4 Questionário sociodemográfico... 44

2.5 Procedimentos ... 45

Capítulo V – Resultados ... 49

1. Associações entre conflito interparental, psicopatologia, ideação suicida e a qualidade de ligação aos pares ... 49

1.1 Associações entre as dimensões da psicopatologia, ideação suicida e qualidade de ligação aos pares ... 51

1.2 Associações entre ideação suicida e qualidade de ligação aos pares ... 52

2. Análises diferenciais dos conflitos interparentais, psicopatologia, ideação suicida e qualidade de ligação aos pares em função das variáveis sociodemográficas ... 53

2.1 Análises diferenciais dos conflitos interparentais em função das variáveis sociodemográficas ... 54

2.2 Análises diferenciais da psicopatologia em função das variáveis sociodemográficas ... 61

2.3 Análises diferenciais da ideação suicida em função das variáveis sociodemográficas ... 71

2.4 Análises diferenciais da qualidade de ligação aos pares em função das variáveis sociodemográficas ... 74

3. Predição da psicopatologia e ideação suicida ... 78

3.1 Predição da psicopatologia ... 78

3.2 Predição da ideação suicida... 84

4. Papel moderador da qualidade de ligação aos pares e do género na associação entre os conflitos interparentais e o desenvolvimento de psicopatologia e ideação suicida 86 4.1 Papel moderador da qualidade de ligação aos pares na associação entre os conflitos interparentais e o desenvolvimento de psicopatologia ... 86

4.2 Papel moderador da qualidade de ligação aos pares na associação entre os conflitos interparentais e o desenvolvimento ideação suicida ... 88

4.3 Papel moderador do género na associação entre os conflitos interparentais e o desenvolvimento de psicopatologia ... 88

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4.4 Papel moderador do género na associação entre os conflitos interparentais e o desenvolvimento de ideação suicida ... 89 Capítulo VI – Discussão ... 91 1. Associações inter-dimensões dos conflitos interparentais, psicopatologia, ideação suicida e qualidade de ligação aos pares ... 91 1.1 Associações entre as dimensões da psicopatologia, ideação suicida e qualidade de ligação aos pares ... 95 1.2 Associações entre ideação suicida e qualidade de ligação aos pares ... 97 2. Análises diferenciais dos conflitos interparentais, psicopatologia, ideação suicida e qualidade de ligação aos pares em função das variáveis sociodemográficas ... 98 2.1 Análises diferenciais dos conflitos interparentais em função das variáveis sociodemográficas ... 98 2.2 Análises diferenciais da psicopatologia em função das variáveis sociodemográficas ... 104 2.3 Análises diferenciais da ideação suicida em função das variáveis sociodemográficas ... 111 2.4 Análises diferenciais da qualidade de ligação aos pares em função das variáveis sociodemográficas ... 116 3. Predição do desenvolvimento da psicopatologia em função das variáveis género, idade, ideação suicida, conflitos interparentais e qualidade de ligação aos pares .... 119 4. Predição do desenvolvimento da ideação suicida em função das variáveis género, idade, psicopatologia, conflitos interparentais e qualidade de ligação aos pares ... 126 5. Papel moderador da qualidade de ligação aos pares e do género na associação entre os conflitos interparentais e o desenvolvimento de psicopatologia e ideação suicida ... 129

5.1 Papel moderador da qualidade de ligação aos pares na associação entre os conflitos interparentais e o desenvolvimento de psicopatologia ... 129 5.2 Papel moderador da qualidade de ligação aos pares na associação entre os conflitos interparentais e o desenvolvimento ideação suicida ... 131 5.3 Papel moderador do género na associação entre os conflitos interparentais e o desenvolvimento de psicopatologia ... 132

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5.4 Papel moderador do género na associação entre os conflitos interparentais e o

desenvolvimento de ideação suicida ... 134

Considerações Finais ... 135

Bibliografia ... 143

Índice de Tabelas ... 161

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Introdução

A vontade intrínseca em obter uma melhor compreensão do efeito que as transições familiares, particularmente, os conflitos interparentais apresentam no desenvolvimento emocional dos jovens, foi a impulsionadora da concretização deste trabalho. E, para tal, tornou-se imprescindível o contributo da teoria da vinculação de Bowlby (1969, 1988) e Ainsworth (1989).

A teoria da vinculação enfatiza a importância dos laços afetivos construídos pelo ser humano com as figuras parentais ou outras figuras cuidadoras, nos primeiros anos de vida, para um desenvolvimento emocional salutar. Segundo os autores quando as figuras de vinculação se apresentam disponíveis e responsivas incondicionalmente, o indivíduo experiencia a proteção, confiança e segurança emocional necessária para a exploração de si, dos outros e do mundo. Todavia, quando se demonstram ausentes e pouco sensíveis às necessidades afetivas verifica-se o desenvolvimento de modelos internos de funcionamento inseguros, onde a falta de confiança em si e face ao mundo se torna patente (Ainsworth, 1989; Bowlby, 1988). Particularmente, na fase da adolescência, estas ligações seguras apresentam especial relevo para os jovens, na medida em que lhes permite uma melhor gestão das significativas e profundas modificações biopsicossociais que lhe está inerente, sobretudo, as respeitantes ao processo de individuação.

Ao longo do ciclo vital os jovens podem ser confrontados com acontecimentos díspares de cariz negativo, como os conflitos interparentais, que podem comprometer o seu equilíbrio emocional. A presença de intensos, frequentes e não resolutivos conflitos no seio conjugal parece lograr uma diminuição das interações positivas, da disponibilidade e do envolvimento emocional das figuras parentais para com os filhos. Por conseguinte, o sistema familiar deixa de ser percecionado como um sistema ligado e seguro pelos jovens, promovendo o desenvolvimento de uma insegurança emocional nos mesmos (Unger, Brown, Tressell, & McLeod, 2000).

O efeito dos conflitos interparentais nos filhos, todavia, encontra-se dependente do modo como as figuras parentais os gerem. Quando os pais não apresentam estratégias salutares para a resolução das suas disputas os jovens tornam-se vulneráveis ao desenvolvimento de problemas internalizantes e externalizantes, por sua vez, quando existem ações construtivas e emoções positivas na tentativa de resolução dos mesmos,

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denota-se um melhor ajustamento emocional nos filhos (Benetti, 2006; Cummings, Goeke-Morey, & Papp, 2004).

Na continuidade dos conflitos interparentais e, sequencialmente da psicopatologia, a insegurança emocional vivenciada pelos jovens parece ser condutora de uma menor disponibilidade para procurar auxílio e estabelecer novas relações interpessoais de confiança, o que os torna mais suscetíveis para o desenvolvimento de ideação suicida. A ideação suicida, por sua vez, surge na literatura como significativamente associada a problemas do foro psicopatológico, traduzindo-se no primeiro passo para o suicídio consumado (e.g. Bahls, 2002; Costa, 2012; Park, Cho, & Moon, 2010).

É, particularmente nestes contextos de risco que o grupo de pares pode apresentar um papel significativo no bem-estar psicológico dos jovens. A literatura suporta largamente os benefícios que a afetividade, o suporte emocional e a reciprocidade no grupo de pares podem proporcionar na saúde mental e emocional dos jovens, podendo operar como verdadeiros portos seguros (Bowlby, 1958; Canavarro, 1999a).

Por conseguinte, o presente trabalho será constituído por duas partes. Num primeiro momento será realizada uma breve abordagem conceptual do processo de vinculação, atendendo o contributo imprescindível de John Bowlby e Mary Ainsworth, assim como uma abordagem sobre impacto dos conflitos interparentais no desenvolvimento emocional dos jovens, particularmente, no surgimento de psicopatologia e ideação suicida. No seguimento, será destacado, também, a importância da qualidade de ligação aos pares no ajustamento emocional dos jovens. O segundo momento do trabalho será contemplado pelo estudo empírico, o qual envolverá a descrição dos objetivos e das hipóteses formuladas, as opções metodológicas da investigação, a descrição dos participantes, dos instrumentos de investigação, assim como das propriedades psicométricas inerentes aos mesmos. Numa parte final, serão apresentados os resultados empíricos e a respetiva reflexão dos mesmos, sustentada por um referencial teórico.

Para finalizar, proceder-se-á à consideração final do estudo a qual contemplará as principais conclusões adquiridas, eventuais limitações do estudo e pistas para futuras investigações.

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PARTE I

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Capítulo I- Abordagem sobre a teoria da vinculação e adolescência

“Familial security in the early stages is of a dependent type and forms a basis from which the individual can work out gradually, forming new skills and

interests in other fields.” (Salter, 1940, p.45)

1. Teoria da Vinculação

A teoria da vinculação formulada no século XX por John Bowlby (1969, 1988) e Mary Ainsworth (1989) sublinha a importância da qualidade das ligações afetivas estabelecidas pelos indivíduos com as figuras parentais, cuidadores ou outras figuras significativas, ao longo da infância, para o desenvolvimento biopsicossocial dos indivíduos. Segundo Bowlby (1969) a vinculação define-se por uma predisposição dos seres humanos para criar e estabelecer laços afetivos de forte índole com pessoas significativas, onde a segurança resultante é impulsionadora de um desenvolvimento, crescimento e de uma maturidade emocional que os impele à exploração do seu meio envolvente. O que significa que a perceção das figuras cuidadoras como figuras afetivas permite uma transmissão de segurança, proteção e confiança nos indivíduos que os conduz à exploração de si, dos outros e do mundo.

Assim, a vinculação assenta num mecanismo básico e inerente dos seres humanos, caracterizado por um comportamento biologicamente programado, com um sistema homeostático interno, que se reflete nos vários sistemas ecológicos (Bowlby, 1988). Ainsworth (1967) fornece ênfase à definição anterior ao acrescentar o conceito de base segura, o qual assenta na perceção da figura cuidadora como figura incondicional de procura de apoio e resolução afetiva, transmissora de uma segurança emocional isenta de labilidade e substituição, que possibilita à criança vivenciar confiança para explorar o seu meio ambiente, mesmo em eventos desconhecidos. A vinculação traduz, deste modo, um laço afetivo que transmite segurança emocional e apresenta uma base segura a partir da qual o indivíduo explora o seu mundo circundante (Ainsworth, Blehar, Watters, & Wall, 1978).

Cabe destacar que esta capacidade para estabelecer laços emocionais permite o desenvolvimento e o funcionamento emocional salutar do ser humano, contrariamente à extinção ou interrupção dos laços emocionais que podem sustentar o desenvolvimento de perturbações do foro psicopatológico (Bowlby, 1969).

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Sublinha-se a distinção efetuada por Bowlby (1988) entre vinculação ou laços vinculativos e o comportamento de vinculação. O primeiro caracteriza-se pela procura de proximidade, principalmente em contextos de perigo físico ou emocional, resultante de uma ininterrupta relação estável e duradoura, por sua vez, o segundo prende-se com a ação em adquirir e preservar a proximidade com o outro, sem que exista obrigatoriamente vinculação. Este ato é biológico e está associado a uma necessidade de apoio, proteção e segurança.

O comportamento de vinculação está patente ao longo do ciclo vital, em todas as intensidades e formas, podendo verificar-se através da procura, do seguimento, do chorar, bem como por meio de sinais comportamentais que apelam ao cuidador o desejo de interação na criança, como o sorrir e verbalizar. Todas estas dimensões são notáveis em crianças, adolescentes e adultos na procura e proximidade com outros indivíduos. O padrão destes comportamentos, mais do que a sua própria constância, determina a tenacidade e qualidade da vinculação (Ainsworth, 1989).

As primeiras relações de vinculação construídas com as figuras de vinculação apresentam um contributo significativo no desenvolvimento emocional, social e cognitivo da criança (Bowlby, 1988). Deste modo, destacam-se dois estilos de vinculação que podem influenciar a qualidade das ligações afetivas que o indivíduo pode construir no seu processo desenvolvimental. A vinculação segura estabelecida por meio de relações com grande proximidade emocional entre o sujeito e as figuras significativas de afeto, as quais lhe conferem uma representação positiva de si e do outro com base na confiança e segurança que lhe transmitem. Por outro lado, a vinculação insegura, construída por meio de relações pautadas pela desconfiança, imprevisibilidade, ambivalência, ausência de afetos com as figuras primordiais, que conduz o indivíduo a uma conceção negativa de si, dos outros e do mundo (Bowlby, 1988; Pontes, Silva, Garotti, & Magalhães, 2007). Assim, a perceção das figuras cuidadoras como bases seguras, isto é, confiantes e disponíveis em contextos de perigo, permite uma conceção do outro, também, como seguro e de confiança (Bowlby, 1973).

Ao longo do desenvolvimento os indivíduos vão assimilando experiências significativas nas relações com as figuras de vinculação, que promovem a elaboração de modelos internos dinâmicos (ou modelos representacionais) (Bowlby, 1973). Estes modelos traduzem mapas cognitivos, representacionais de esquemas que são construídos sobre si próprio e o seu atuar, sobre os outros e sobre o mundo desde os

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primeiros meses de vida, por meio de episódios de vinculação significativos. Compreendem sentimentos, crenças, expectativas, a interpretação de informação, direção da atenção, estratégias comportamentais e organização de memória, destacando-se pelo aumento contínuo da sua complexidade (Bowlby, 1988; Collins & Read, 1994). Segundo Bowlby (1973) a qualidade dos modelos representacionais encontra-se associada à disponibilidade, responsividade, sensibilidade das figuras de vinculação face aos sinais da criança, assim como, pela facilitação e estimulação em explorar o seu meio envolvente. Assim, a presença de uma figura de vinculação afetivamente disponível e facilitadora da exploração irá promover o desenvolvimento de um modelo representativo do self seguro, onde a confiança vivenciada irá permitir o indivíduo acreditar em si próprio, ser capaz de explorar a sua liberdade e de solicitar auxílio perante adversidades, por sua vez, um modelo da figura de vinculação pouco responsiva e inibidora da procura de proximidade e da exploração irá promover a construção de um modelo representativo do self inseguro, pautado por uma visão negativa de si e do mundo como incerto e imprevisível (Bowlby, 1988; Bretherton, 2005).

A presença de uma vinculação segura, ao longo do ciclo vital, é facilitadora da assimilação e acomodação de novos modelos ou, mesmo, da substituição por novos, mais adaptativos à vivência presente (Mota, 2008). O que remete para uma capacidade de reorganização interna dos modelos no indivíduo, possibilitadora de uma adaptação saudável às particularidades dos novos períodos desenvolvimentais, sobretudo, na fase da adolescência, em que se verifica uma significativa plasticidade e rapidez no desenvolvimento (Bowlby, 1973).

Para além do fator de interação entre a criança e as figuras cuidadoras, torna-se relevante sublinhar a influência de outras fontes na elaboração dos modelos internos dinâmicos, nomeadamente, as relações com o grupo de pares. As vivências desagradáveis ou agradáveis com estes podem influenciar os modelos representacionais e a imagem que concebem do seu self, o que conduz à conceção de que o ser humano pode desenvolver distintos modelos em distintas relações, formando uma hierarquia de modelos internos nos relacionamentos fora do contexto familiar (Bowlby, 1973).

De igual modo para Ainsworth (1989), as relações de vinculação não se limitam às figuras cuidadoras, envolvendo, também, a relação com os pares. A partilha de afetos, o apoio e a segurança emocional transmitida pelo grupo de pares pode operar

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como um autêntico porto seguro, não constituindo base segura pela maior labilidade e ausência de resolução efetiva que está inerente nas relações.

A interação da criança com o seu meio circundante apresenta-se, assim, como um fator importante no desenvolvimento do ser humano, sendo nele que a criança estabelece as suas primeiras relações interpessoais e de forma dinâmica adquire capacidades cognitivas e emocionais. De acordo com a teoria ecológica do desenvolvimento de Bronfenbrenner (1979), o desenvolvimento das capacidades humanas depende, de forma significativa, da interação com vários contextos sociais em constante mutação, sendo o ser humano caracterizado como um ser dinâmico que constantemente interage, influencia e é influenciado pelo seu meio ambiente, num processo mútuo de reciprocidade. O meio circundante que é, deste modo, considerado um fator pertinente no processo desenvolvimental, não se restringe ao contexto imediato, como a família (microssitema), mas sim à interação entre vários sistemas, como a escola e o grupo de pares (mesossistema, exossistema e macrossistema) (Bronfenbernner, 1979). O autor ressalta, ainda, na sua perspetiva, a importância da interação da criança com as figuras significativas para a transmissão de uma segurança afetiva que facilite a exploração da mesma, nos diversos contextos ecológicos em que está inserida (Bronfenbrenner, 1977).

Face ao exposto, verifica-se que o ser humano constrói a sua identidade e uma interpretação exclusiva do mundo, com base nas interações precoces com as figuras cuidadoras e outras figuras significativas, como o grupo de pares. Desta forma, a investigação e o interesse contínuo de Bowlby (1969) e Ainsworth (1967) na vinculação, apresentou-se uma mais-valia para a compreensão da influência do contexto familiar e social no desenvolvimento saudável dos indivíduos.

2. A adolescência e a relação com outros significativos

A adolescência é uma etapa do ciclo vital marcada por mudanças de diversas índoles, nomeadamente, físicas, psicológicas, cognitivas, comportamentais e sociais (e.g. Araújo, Vieira, & Coutinho, 2010; Sprinthall & Collins, 1988). O jovem depara-se com um novo corpo, que apela a uma nova identidade e que se associa à passagem da vivência do seio familiar para o âmbito social (e.g. Biazus & Ramires, 2012). Com o desenvolvimento emocional e cognitivo, particularmente, o pensamento abstrato, as regras, as conceções das figuras parentais assimiladas e inquestionáveis até ao

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momento, começam a ter outro sentido, sendo contestadas, conduzindo o jovem à procura dos seus próprios valores e ideais (e.g. Papália, Olds, & Feldman, 2001).

A par desta necessidade de diferenciação face aos pais, verifica-se no jovem a procura de uma segurança emocional e suporte afetivo fora do seio familiar, nomeadamente, no grupo de pares (e.g. Hazan & Zeifman, 1999), sugerindo uma transição das funções de vinculação dos pais para os pares. De acordo com Relvas (1996, p.180)"o indivíduo necessita de um suporte securizante no exterior da família e é isso que o grupo lhe pode fornecer”. Neste sentido, a insegurança e o anseio vivenciado face ao desconhecido, inerente a esta fase desenvolvimental, parecem ser colmatados neste contexto pela identificação de sentimentos e comportamentos entre os vários elementos (e.g. Lima, 2000). Segundo Soares (2007), as ligações significativas com os pares podem ser percecionadas como fontes autênticas de conforto e apoio psicológico. Por conseguinte, parece ser neste meio privilegiado de afetividade que os jovens tendem a procurar a segurança emocional para explorar o self, os outros e o mundo com confiança (Bowlby, 1980).

Indo ao encontro da perspetiva ecológica os jovens, de forma gradual, ampliam o seu mundo relacional para outros contextos, no sentido de estabelecer relações afetivas de afinidade e proximidade, onde as suas necessidades de vinculação possam continuar a ser satisfeitas (Bronfenbrenner, 1987; Jongenelen, Carvalho, Mendes, & Soares, 2007). Assim, se na infância os pais apresentavam um papel fulcral na vida das crianças, ao longo da adolescência, a relação com outros significativos, como os pares parece ganhar maior relevo.

A labilidade inerente a estas relações, todavia, pode não permitir que o adolescente experiencie a confiança necessária para explorar o seu mundo envolvente, confrontando-o com uma dualidade. Se por um lado procura autonomia e independência face às figuras parentais, por outro lado vivencia a necessidade de suporte, disponibilidade e responsividade das mesmas (e.g. Braconnier, 2002; Levandowski, Piccinini, & Lopes, 2009; Matos & Costa, 1996). Este processo implica uma reorganização familiar, na qual as figuras parentais realizam um esforço por aceitar o processo de maturação física e psíquica dos filhos, gerir as perdas respeitantes ao mesmo, proporcionando condições para a estruturação salutar de uma identidade distinta da sua e dos pares (e.g. Anastácio, 2013; Matos & Costa, 1996). Por sua vez, os jovens elaboram as modificações das imagens percecionadas pelas figuras parentais, e

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gerem as perdas alusivas às mesmas, continuando a assegurar a sua individualidade num ambiente familiar que se prende com regras de cariz díspar (e.g. Matos & Costa, 1996). O sistema familiar facilita desta forma, condições para que ocorra uma homeostasia entre a necessidade de liberdade e a responsabilidade que lhe está associada, o que compromete dizer que se torna importante uma redefinição do papel dos filhos e dos próprios pais, no que respeita às relações intrafamiliares (e.g. Relvas, 1996).

Ressalta-se que a modificação da relação afetiva com as figuras parentais não altera a perceção das mesmas como uma fonte privilegiada de afetividade e segurança a quem podem recorrer em situações de perigo ou de stress, ou seja, como bases seguras, simplesmente possibilita uma maior independência face às mesmas (e.g. Allen & Land, 1999; Machado, 2007; Meeus, Iedema, Maassen, & Engels, 2005).

Por conseguinte, este processo de maturação psíquica com rumo à autonomia não obriga a uma desvinculação às figuras parentais (e.g. Weiss, 1991), sendo otimizado pela proximidade emocional e segurança proporcionada no contexto familiar (e.g. Grotevant & Coopeer, 1986). Tal como referencia Machado e Oliveira (2007, p.100) “a conquista da autonomia e a manutenção de uma vinculação segura aos pais, durante a adolescência, são processos complementares e que funcionam na mesma direção”. Quer isto dizer que a vinculação e a autonomia não surgem, assim, como dois processos antagónicos, mas sim mutuamente dependentes (e.g. Grotevant & Coopeer, 1986; Machado, 2007). Percebendo-se, deste modo, que o processo de vinculação sucede ininterruptamente ao longo de todo o ciclo vital (e.g. Thompson & Raikes, 2003).

Independentemente destas tarefas desenvolvimentais serem significativas para que o adolescente se possa separar das figuras de vinculação, investir no futuro e realizar as suas próprias escolhas (e.g. Outeiral, 2008), compreende-se que podem proporcionar sofrimento psicológico nos jovens, uma vez que envolvem perdas respeitantes à imagem infantil, à identidade precedentemente estruturada (e.g. Biazus & Ramires, 2012). Deste modo, importa sublinhar a importância da presença de um ambiente familiar seguro para que o jovem possa vivenciar a confiança necessária para proceder à separação das figuras parentais e, sequencialmente estruturar a sua independência. Este contexto permitir-lhe-á integrar as experiências significativas vivenciadas dentro e fora da esfera familiar (e.g. Matos & Costa, 1996), promovendo um desenvolvimento salutar do self.

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Cabe relembrar que a estruturação da vinculação do indivíduo encontra-se dependente da disponibilidade e responsividade emocional transmitida pelas figuras de vinculação (Cunha, 2005), sendo que o modelo relacional vivenciado ao longo da infância irá servir de base para o estabelecimento de todas as relações interpessoais futuras (e.g. Anastácio, 2013; Calado, 2008; Larose & Boivin, 1998). Assim, na presença de um laço emocional seguro às figuras parentais, os adolescentes apresentam maior aptidão para construir relações afetivas pautadas por proximidade e reciprocidade com os pares e com o par romântico (e.g. Ainwsorth, 1989; Assunção & Matos, 2010; Gallego, Delgado, & Sánchez-Queija, 2011), dado experienciarem maior segurança emocional, satisfação com a vida, confiança, autoestima, maior perceção de apoio social e menos stress (e.g. Laible, Carlo, & Raffaelli, 2000; Steinberg, 2000). Por outro lado se o laço emocional for marcado pela ambivalência e insegurança pode comprometer o desenvolvimento do adolescente (Ainwsorth, 1989) e promover o desenvolvimento de problemáticas internalizantes e externalizantes de cariz díspar (e.g. Claes, 2004; Simões, Machado, & Lima, 2004).

Machado, Fonseca, e Queiroz (2008) com a finalidade de analisar a associação entre a vinculação às figuras parentais e o surgimento de problemas de internalização, realizaram uma investigação longitudinal com 400 adolescentes, sendo o primeiro momento de avaliação aos 14-15 anos e o segundo aos 17-18 anos. Os autores constataram uma correlação significativa entre a dimensão alienação e o desenvolvimento de problemáticas do foro internalizante. Estes resultados sugerem que a perceção de rejeição e ausência de responsividade por parte das figuras parentais condiciona o bem-estar psicológico dos filhos. Por sua vez, Machado e Fonseca (2009) com o propósito de analisar a relação entre o ambiente familiar, a qualidade de vinculação aos pais e o desenvolvimento de competências de adaptação nos jovens, concretizaram um estudo com 400 adolescentes com idades compreendidas entre os 17 e os 18 anos. Os autores observaram que níveis altos de comunicação com os pais e níveis inferiores de alienação face aos mesmos traduzem uma maior satisfação com a vida, assim como uma perceção mais positiva de si, nos jovens. De forma geral, os resultados revelaram que a qualidade da dinâmica familiar e a qualidade de vinculação às figuras parentais é significativa para o ajustamento emocional dos jovens.

Compreende-se, assim, que a presença de relações adaptativas e coesas com as figuras de vinculação permite o adolescente adquirir as competências necessárias para

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gerir as tarefas desenvolvimentais de forma salutar (e.g. McCarthy, Lambert, & Moller, 2006; Lima, 2009; Sampaio, 2006).

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Capítulo II- A relação conjugal e as suas implicações no desenvolvimento dos jovens

“Nas famílias…as transações conjugais são o fundamento

sobre o qual tudo o mais assenta.” (Barker, 2000, p.33)

1. O papel dos conflitos interparentais no desenvolvimento de psicopatologia e ideação suicida.

Sabe-se que o funcionamento psicológico dos indivíduos, ao longo do processo desenvolvimental é influenciado pelas relações estabelecidas no seio familiar, bem como, pela forma como as vivências infantis são experienciadas e assimiladas neste espaço (e.g. Rutter, 1987). Neste sentido, a reciprocidade, a homeostasia, a confiança, a comunicação, a afetividade, a coesão familiar e a qualidade dos laços emocionais entre as figuras parentais e os filhos, tornam-se fatores essenciais para o desenvolvimento emocional, cognitivo e social salutar dos adolescentes (e.g. Bronfenbrenner, 1996; Dix, 1991). Em algum momento da sua trajetória, todavia, as famílias podem ser confrontadas com diversas situações que podem lograr conflitos entre os distintos membros, quer no sistema conjugal, parental ou mesmo no fraternal. Problemas financeiros, desacordo quanto à educação dos filhos, a existência de psicopatologia e dificuldades na gestão das transições inerentes ao desenvolvimento familiar são algumas das questões, muitas vezes, associadas ao surgimento de conflitos no seio conjugal (e.g. Boas, Dessen, & Melchiori, 2010).

Quando estes conflitos são pautados por pouca intensidade, por manifestações de afeto, apoio e pela aplicação de estratégias de resolução adaptativas, podem funcionar como modelos de aprendizagem de habilidades na resolução de problemas para os filhos (e.g. Davies & Cummings, 1994; Grych & Fincham, 1990; Silva, 2008). De facto, a literatura sublinha que a presença de ações construtivas e emoções positivas na resolução de conflitos promove uma maior satisfação em ambos os cônjuges e, sequencialmente uma maior homeostasia na dinâmica familiar e uma melhor qualidade das relações parentais (e.g. Cummings, Kouros, & Papp, 2007; Scorsolini-Comin & Santos, 2009).

Norgren, Souza, Kaslow, Hammerschmidt, e Sharlin (2004) com o objetivo de analisar quais os processos e as dimensões inerentes à satisfação conjugal, realizaram

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uma investigação com 38 casais. Os autores apuraram que a proximidade, a coesão conjugal, as estratégias salutares de comunicação e de resolução de problemas, como os conflitos, estão associadas a níveis elevados de satisfação no seio conjugal, os quais se refletem na qualidade da relação parental, particularmente, numa maior disponibilidade emocional para os filhos.

Contudo, por vezes, os casais podem não conseguir gerir de forma salutar os conflitos vivenciados, tornando-os constantes e intensos, afetando significativamente todo o funcionamento familiar (e.g. Cummings & Davies, 2002). Bolze, Schmidt, Crepaldi, e Vieira (2013), com o propósito de analisar as relações entre as figuras parentais e respetivas estratégias de resolução de conflito, concretizaram uma investigação com 104 casais. Os autores verificaram que apesar de ter sido empregue o diálogo como forma de resolução, em alguma altura do conflito sucederam-se comportamentos negativos como insultos, gritos, berros e ameaças, ou seja, significativa violência verbal. De acordo com Mosmann e Falcke (2011) a frequência de conflitos não resolvidos gera um ciclo no qual as disputas ressurgem com maior intensidade, propiciando a ocorrência de significativa hostilidade verbal e física.

Por conseguinte, quando estas disputas são marcadas por um continuum podem promover um desgaste emocional no casal, especialmente, quando se encontram muito voltados para a tentativa de resolução das mesmas (e.g. Boas et al., 2010). Este envolvente, por sua vez, pode conduzir a uma menor disponibilidade, afetividade e sensibilidade dos pais para com os filhos (e.g. Bolsoni-Silva & Marturano, 2010; Dessen & Braz, 2005), modificando a perceção dos mesmos como fontes incondicionais de segurança e proteção, ou seja, como bases seguras (Bowlby, 1969).

Mosmann e Wagner (2008), com o propósito de analisar a associação entre as relações conjugais, particularmente, a existência de conflitos, e as práticas parentais, especificamente, a responsividade e exigência, realizaram uma investigação com 109 casais. As autoras observaram que à medida que aumenta o nível de conflito interparental, aumenta a exigência e diminuiu a responsividade das figuras parentais face aos filhos. De igual modo, Braz, Dessen, e Silva (2005), numa investigação com 14 famílias, constituídas por ambas as figuras parentais e filhos, com o desígnio de analisar a ligação entre as relações interparentais no desenvolvimento e ajustamento emocional dos filhos, verificaram que uma relação marital positiva e satisfatória promove o

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desenvolvimento de sentimentos de segurança nos filhos, ao contrário de uma relação conjugal pautada por infelicidade e conflitos.

Cabe sublinhar que a exposição a elevados níveis de conflitos pode levar os jovens a sentirem-se compelidos a tomar posição por uma das figuras parentais, situação que pode gerar sentimentos de insegurança nos mesmos (e.g. Fosco & Grych, 2008; Lamela, Costa, & Figueiredo, 2010). De igual modo, podem atribuir a culpa dos conflitos a si mesmos, principalmente, quando na base das disputas estão questões referentes aos próprios (e.g. Benetti, 2006). De acordo com Hetherington e Stanley-Hagan (1999), a proteção dos filhos face à exposição dos conflitos e da construção de alianças disfuncionais sustentadas na hostilidade em relação a uma das figuras parentais, permite que estes não se coloquem numa posição de mediadores dos mesmos. E, sequencialmente não experienciem stress, sentimentos de culpa, raiva, angústia e problemas do foro emocional (e.g. El-Sheik & Harger, 2001).

Verifica-se, deste modo, que os conflitos interparentais podem promover uma modificação das relações de vinculação com filhos (e.g. Moura & Matos, 2008) e favorecer o desenvolvimento de padrões de vinculação insegura nos mesmos (e.g. Owen & Cox, 1997), facto que os torna mais vulneráveis ao adoecer psicológico e a dificuldades no foro relacional (e.g. Bowlby, 1969; Wong, Mangelsdorf, Brown, Neff, & Schoppe-Sullivan, 2009).

Torna-se importante destacar que o impacto dos conflitos entre as figuras parentais nos filhos está dependente de vários fatores, como o grau de intensidade, frequência, a presença de resolução ou não, o conteúdo dos conflitos, a perceção de ameaça, a presença de coligações, assim como, das características individuais dos jovens, como a sua maturidade cognitiva e a sua capacidade para regular as emoções, ou seja, a existência dos conflitos por si só, não determina um desajuste emocional nos jovens (e.g. Benetti, 2006; Davies & Windle, 2001).

O conflito interparental adquire um cariz particularmente negativo na adaptação dos jovens, quando envolve violência física e verbal (e.g. Cummings & Davies, 1994). Vários autores são consonantes no que respeita ao aumento da probabilidade do surgimento de problemas internalizantes, como a depressão, ansiedade, somatização e sensibilidade interpessoal e, problemas externalizantes como a hostilidade e comportamentos disruptivos, quando os conflitos entre os pais são pautados por constantes agressões físicas e verbais (e.g. Brancalhone, Fogo, & Williams, 2004;

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Goodman, Fleitlich-Bilyk, Patel, & Goodman, 2007; Pesce, 2009). Percebe-se, de facto, que face à presença de significativa hostilidade entre as figuras parentais a preocupação dos jovens em torno da sua segurança emocional afeta a sua regulação emocional e, sequencialmente o seu bem-estar físico e mental, tornando-os suscetíveis ao desenvolvimento de psicopatologia (e.g. Boas et al., 2010).

Com o objetivo de analisar o contributo das funções conjugais e parentais no ajustamento psicológico dos filhos, García, Marín, e Currea (2006), realizaram um estudo com 256 famílias, com filhos entre os 12 e os 18 anos. Os autores observaram que o conflito interparental representa um dos fatores que mais contribui para a explicação da variabilidade do ajustamento emocional dos filhos, particularmente, o desenvolvimento de ansiedade e depressão.

Schmidt, Crepaldi, Vieira, e Moré, (2011), numa revisão de literatura sobre a ligação entre o relacionamento interparental e o temperamento dos filhos, verificaram associações positivas entre o conflito conjugal e características respeitantes ao temperamento difícil dos filhos, tais como, humor negativo e dificuldades de adaptação a novos contextos e eventos. Foram observadas, também, associações negativas entre o conflito conjugal e características respeitantes ao temperamento fácil dos filhos, nomeadamente, humor positivo, boa capacidade de adaptação e reações pouco intensas e positivas face a novas situações. Os autores sublinham a importância de intervenção e contínua investigação sobre a influência das relações entre os distintos sub-sistemas do seio familiar, no ajustamento emocional de todos os elementos da configuração familiar. No mesmo sentido, Castillo (2007) concretizou um estudo com o propósito de avaliar a relação entre o conflito interparental e o surgimento de problemas comportamentais nos jovens, o qual envolveu 200 crianças e adolescentes com idades compreendidas entre os 5 e os 18 anos. Foi verificado que as relações conjugais e parentais apresentam influência significativa no desenvolvimento de problemas externalizantes nos filhos, sendo que na sequência de elevados níveis de conflitos interparentais denota-se um aumento dos problemas comportamentais nos mesmos. De igual modo Cui, Donnellan, e Conger (2007) com a finalidade de analisar a associação entre o ajustamento interparental e o desenvolvimento de problemáticas de cariz interno e externo nos filhos, realizaram um estudo com 451 adolescentes e respetivas famílias. Foi constatado que o conflito conjugal aumenta a probabilidade do surgimento de

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sintomatologia depressiva e delinquência nos filhos, sendo que estas problemáticas intensificam a insatisfação entre o casal.

Tschann e colaboradores (2009) numa investigação de cariz longitudinal, com o desígnio de determinar quais os aspetos do conflito conjugal não violento e violento que predizem o desenvolvimento de hostilidade nas relações interpessoais, particularmente, as amorosas, de 150 adolescentes com idades compreendidas entre os 16 e os 20 anos, constataram que quanto maior a frequência dos conflitos entre as figuras parentais, maiores eram os níveis de hostilidade verbal empregue pelas mesmas, assim como, o uso de estratégias de resolução desadaptativas. Os filhos, por seu turno, apresentaram comportamentos hostis nas suas relações interpessoais. Este resultado vai ao encontro de estudos prévios que sustentam que a observação dos comportamentos das figuras parentais, aquando dos conflitos, pode exercer influência no atuar dos jovens no que respeita ao seu mundo relacional, ao servirem de protótipos nas ligações afetivas estabelecidas fora do contexto familiar, particularmente, no grupo de pares e par amoroso (Gomes, 2005; Reese-Weber & Kahn, 2005).

Percebe-se, assim, as repercussões de uma deficitária dinâmica conjugal na saúde mental dos jovens. Quando as figuras parentais não conseguem assegurar as condições necessárias para um desenvolvimento salutar dos filhos, podem surgir sintomas de cariz psicopatológico nos mesmos (e.g. Mesquita, Ribeiro, Mendonça, & Maia, 2011). Deste modo, e atendendo a fase do ciclo vital em que se encontram, a qual envolve a gestão de significativas tarefas desenvolvimentais, os jovens podem não conseguir lidar de modo adaptativo com todas estas adversidades, tornando-se vulneráveis a pensamentos extremos como os de colocar termo à própria vida (e.g. Borges & Werlang, 2006; Ores et al., 2012; Nunes, 2012). Vários autores sublinham o papel de risco dos conflitos interparentais e da psicopatologia no desenvolvimento de comportamentos suicidários nos adolescentes e jovens adultos (e.g. Marcelli & Braconnier, 2005; Prieto, 2007).

Segundo Gonçalves, Freitas, e Sequeira (2011, p.151) o comportamento suicidário envolve “todo e qualquer ato através do qual um indivíduo causa uma lesão a si próprio, independentemente do grau de intenção letal”, ou seja, traduz uma panóplia de pensamentos, motivos e ações esporádicas ou assíduas sobre como, quando e onde realizar a própria morte (e.g. Mesquita et al., 2011; Ores et al., 2012). Por conseguinte, pode-se dizer que o comportamento suicidário contempla a ideação suicida que se

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define por pensamentos, ideias, desejos e pelo planeamento sobre como concretizar a própria morte, a tentativa de suicídio que traduz o ato com finalidade efetiva de colocar termo à vida e, por fim, o suicídio consumado que reflete a ação bem-sucedida de por fim à própria vida (e.g. Borges & Werlang, 2006; Costa, 2012). A literatura sublinha, também, o conceito de parassuicídio, que se caracteriza por toda a ação de autoflagelação não letal cujo propósito assenta na alteração do seu meio ambiente, particularmente, a apelação da atenção de outros significativos para o sofrimento psíquico vivenciado (e.g. Costa, 2012; Kazarian & Persad, 2001; Piñero, Fontecilla, Garcia, & Sastre, 2002).

Compreende-se, assim, que a ideação suicida é o despoletar de um continuum que envolve o planeamento, a tentativa e o suicido efetivo (Nunes, 2012), ou seja, é tradutora do primeiro passo para o ato suicida (e.g. Costa, 2012; Park et al., 2010; Werlang, Borges, & Fensterseifer, 2005), o qual é representativo da terceira principal causa de morte em jovens com idades entre os 15 e os 34 anos, a nível mundial (e.g. Botega, 2007; Souza et al., 2010).

Ressaltando o caráter universal do suicídio, dado que não se cinge a determinadas classes, culturas e idades (e.g. Gonçalves, Freitas, & Sequeira, 2011), torna-se importante não só identificar precocemente os pensamentos suicidas, como também, compreender quais os motivos e as características inerentes aos mesmos. Percebe-se que o contexto em que se desenvolvem, a intensidade, profundidade e a sua constância são elementos predominantes para compreender a gravidade da situação clínica do adolescente e jovem adulto (e.g. Araújo et al., 2010). De facto, quanto maior a frequência e a durabilidade dos pensamentos, maior a probabilidade de concretização de suicídio (e.g. Bridge, Glodstein, & Brent, 2006), ou seja, de ocorrer uma disrupção dos mecanismos adaptativos nos jovens (Borges & Werlang, 2006).

A literatura sublinha um vasto leque de fatores que podem promover a ideação suicida, nomeadamente, conflitos interpessoais, histórico familiar de suicídio, separação, divórcio e falecimento de umas figuras parentais, abuso e dependência de aditivos, patologias crónicas de cariz físico, insucesso escolar, fraco suporte social, padrões de vinculação insegura (e.g. Almeida, 2006; Marcelli & Braconnier, 2005; Sampaio et al., 2000; Werlang et al., 2005), a presença de perturbações psiquiátricas, especialmente, as de humor e de ansiedade (e.g. Bridge et al., 2006; Hawton & Van-Heeringen, 2009; Mann, 2002) e dinâmicas familiares instáveis pautadas por frequentes

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e intensos conflitos entre as figuras parentais, por cuidados parentais deficitários e por uma débil comunicação intrafamiliar (e.g. Marcelli & Braconnier, 2005; Nunes, 2012; Wasserman, 2001).

Liu e Tein (2005), com o desígnio de analisar a associação entre episódios negativos de vida, psicopatologia e comportamentos suicidários, concretizaram um estudo com 1362 adolescentes chineses com idades compreendidas entre os 12 e 18 anos. Os autores verificaram uma maior prevalência de ideação suicida no género feminino e uma associação positiva e significativa entre episódios negativos de vida, como conflitos familiares e dificuldades escolares, e o surgimento de problemáticas externalizantes e internalizantes. De igual modo, Li, Zhang, Li, Li., e Ye (2012) realizaram um estudo com 1252 adolescentes chineses, com média de idades de 15 anos com o principal objetivo de analisarem a relação entre a perceção de gratidão face à vida, a ideação e a tentativa de suicídio. Os autores verificaram uma associação significativa entre a vivência de acontecimentos de vida stressantes, respeitantes ao contexto familiar e escolar, e o desenvolvimento de ideação e tentativa de suicídio.

Ribeiro, Medeiros, Coutinho, e Carolino (2012) num estudo realizado com o propósito de analisar as representações sociais da depressão em 11 adolescentes com idades compreendidas entre os 14 e os 17 anos, verificaram que inerente à depressão encontram-se sentimentos de tristeza, desânimo, assim como ideação suicida. Por sua vez, estes sentimentos apresentaram significativo comprometimento na vida relacional dos jovens, estando associados a comportamentos de isolamento, agressividade e dificuldades no estabelecimento de relações interpessoais, nomeadamente, com os pares e par amoroso.

Benincasa e Rezende (2006), numa investigação realizada com 32 adolescentes, com idades compreendidas entre 10 e 19 anos, sobre os fatores de risco e de proteção relacionados com o suicídio em adolescentes, corroboraram que a presença de conflitos interparentais é um dos fatores mais comuns para a tristeza, sendo considerado o suicídio um efeito deste sentimento. Como fator protetor foi constatado a relação de confiança com outros significativos, como os pares. Segundo os autores a presença de discussões entre as figuras parentais pode promover sentimentos de insegurança e preocupação nos filhos face à possibilidade de disrupção familiar e coligação/triangulação com um dos pais, facto que conduz ao surgimento de sentimentos de impotência e incapacidade de resolução de conflitos nos mesmos. Estes

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sentimentos podem aduzir a perceção de abandono, rejeição, inutilidade e, consequentemente o pensamento de ideação suicida nos jovens. Também, Lai e Chang (2001), num estudo com 120 adolescentes com idades compreendidas entre os 15 e os 19 anos, cujo objetivo consistia na avaliação da prevalência de ideação suicida e a sua relação com a perceção das práticas parentais e com o ambiente familiar, verificaram uma associação positiva entre a ideação suicida, o controlo parental da figura materna, diminuta afetividade parental e práticas educacionais negativas.

Prinstein, Boergers, Spirito, Little, e Grapentine (2000) com o propósito de analisar os modelos subjacentes à ideação suicida que envolvam dois fatores de risco psicossociais, particularmente, a relação familiar e com os pares, assim como quatro sintomas do foro psicopatológico, nomeadamente, ansiedade, depressão, problemas de comportamento e abuso e dependência de aditivos realizaram um estudo com 96 pacientes internados por comportamentos suicidários, com idades entre os 12 e 17 anos. Os autores verificaram que a presença de ideação suicida de cariz severo estava associada a uma baixa qualidade de ligação com os pares, particularmente, a perceção de pouco apoio emocional e rejeição social. Por sua vez a perceção de um estatuto significativo no grupo de pares foi associada a índices inferiores de sintomatologia depressiva e ideação suicida.

Neste seguimento, percebe-se que a vivência em esferas familiares pautadas por frequente instabilidade interparental e a presença de psicopatologia são motes para o desenvolvimento de ideação suicida. Acrescesse que a adolescência é uma fase do processo desenvolvimental que envolve alterações biopsicossoais de cariz díspar, as quais podem acarretar significativos conflitos internos e angústias. Se os jovens não forem privados de profundas e constantes situações de sofrimento, de desorganização, tornam-se suscetíveis ao desenvolvimento de psicopatologia e, sequencialmente à ideação suicida (e.g. Barros, Coutinho, Araújo, & Castanha, 2006; Teixeira & Luís, 1997). Assim, ainda que, por vezes, a ideação suicida ocorra nos adolescentes como tentativa de apelo ou desafio, não deve ser descurada, especialmente quando coligada a fatores de risco (e.g. Sampaio, 1991). Subjacente a estes comportamentos está um pedido de ajuda, onde a compreensão e a necessidade de opções para a resolução do seu sofrimento estão implicitamente inerentes (e.g. Borges & Werlang, 2006; Joffe, 2000).

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Capítulo III – Adolescência e jovem adultícia- a importância dos pares

“A amizade proporciona o lugar seguro para explorar opiniões, admitir

fraquezas e conseguir ajuda para lidar com problemas”. (Papália, Olds, & Fedman, 2001, p.602)

1. O papel dos pares enquanto protetor face aos conflitos interparentais, psicopatologia e ideação suicida

Verifica-se que a família detém um papel basilar na manutenção do equilíbrio psicológico de todos os seus elementos, dado operar como intermediária entre o jovem e o seu mundo circundante. Sabe-se que é neste contexto, por excelência, que o jovem vai determinar as primeiras ligações sociais com outros significativos e estruturar a sua personalidade (e.g. Gleitman, 1993; Martins, 2009). Por conseguinte, e tal como referido precedentemente, face à vivência num sistema familiar pautado por deficit ao nível do cuidado parental, onde as necessidades de proximidade, compreensão, amor e contacto com as figuras vinculativas são descuradas, podem surgir alterações no desenvolvimento psicossocial dos jovens (e.g. Gonçalves et al., 2011), particularmente, a estruturação de um self marcado por desvalorização, ausência de confiança e insegurança face a si e ao futuro, tornando-os suscetíveis ao adoecer psicológico.

Todavia, e atendendo que a organização vinculativa traduz um continuum que ocorre em todo o processo desenvolvimental, as experiências de vinculação que o jovem integra fora da esfera familiar, com outros significativos, podem representar oportunidades exímias para uma reorganização dos seus modelos internos de funcionamento, neste caso, para um perceção de si e dos outros mais positiva e adaptativa (Ainsworth, 1991). Tal como referencia Machado e Figueiredo (2010, p.30) “uma criança desinteressante para o cuidador pode ser atraente para os colegas”, ou seja, pode ocorrer uma modificação da imagem que a criança estruturou de si própria.

A literatura sublinha o papel fulcral que as ligações afetivas com os pares detêm no desenvolvimento biológico, social e emocional dos jovens, particularmente, quando estes vivenciam situações em cuja interação com as figuras vinculativas se define por superficial e limitada, ou seja, quando experienciam significativa privação afetiva (e.g. Carvalho, 2002; Rubin et al., 2004). É, neste contexto privilegiado de afetividade que os jovens podem partilhar interesses, sentimentos, problemas e adquirir apoio, confiança e segurança emocional, ou seja, colmatar as suas necessidades afetivas, o que se torna

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basilar para uma adaptação saudável (e.g. Chung & Furnham, 2002; Sousa & Ramires, 2006). Pereira, Pedro, Amaral, Martins, e Peixoto (2000), com a finalidade de analisar a perceção que os jovens detêm dos grupos de pares e de outros significativos, concretizaram um estudo com 42 adolescentes com idades entre os 11 e os 17 anos, no qual constataram a função de partilha de experiências e sentimentos que os pares conferem para os adolescentes, especialmente, as respeitantes ao contexto escolar e familiar.

Os relacionamentos estabelecidos com os pares podem traduzir verdadeiros modelos representacionais para futuras relações na adultícia, na medida em que proporcionam suporte emocional e conferem ao jovem a possibilidade de alterar comportamentos e pensamentos, isto é, de estruturar a sua própria identidade (e.g. Ribeiro, Medeiros, Coutinho, & Carolino, 2012). Tal como referencia Sampaio (1997), nos pares os jovens encontram questões, problemas, medos, desafios, certezas, desejos e angústias semelhantes, ou seja, no seu meio sentem-se no seu verdadeiro mundo e podem construir o seu verdadeiro Eu.

Cabe ressaltar que as ligações estabelecidas na adolescência assumem um cariz distinto das relações construídas na infância com as figuras vinculativas, sendo pautadas por maior reciprocidade e simetria, ou seja, o jovem não só recebe como proporciona apoio e segurança emocional (e.g. Weiss, 1982). Neste sentido, quando o jovem vivencia relacionamentos próximos e recíprocos, onde se torna patente um sentimento de pertença ao grupo, apoio e segurança emocional, pode desenvolver a autoconfiança, autoestima e as competências emocionais e sociais necessárias para lidar com as vicissitudes da sua vida (e.g. Gifford-Smith & Brownell, 2003; Vaquera & Kao, 2008). Particularmente, a conflituosidade no grupo de pares torna-se uma excelente oportunidade para a aquisição e desenvolvimento de competências de resolução de conflitos (e.g. Ferreira, 2012; Tomé & Matos, 2012). Destaca-se, porém, o cariz negativo que a rejeição por parte dos pares, a disrupção das relações interpessoais e as interações negativas com os mesmos conferem no bem-estar psicológico dos jovens, nomeadamente, no desenvolvimento de sentimentos de frustração, tristeza, solidão e de inaptidão social (e.g. Bakker, Ormel, Verhulst, & Oldehinkel, 2009; Corsano, Majorano, & Champretavy, 2006; Stoeckli, 2010).

De acordo com Tomé e Matos (2012), a ausência de suporte afetivo por parte grupo de pares pode conduzir a um aumento dos níveis de depressão e de baixa

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autoestima nos adolescentes, ao contrário do estabelecimento de relacionamentos próximos e positivos, que favorecem a diminuição do stress emocional e um maior equilíbrio emocional.

Pereira (2011) numa revisão da literatura sobre os comportamentos suicidários na infância e adolescência constatou que uma relação positiva com o grupo de pares, particularmente, o sentimento de pertença ao mesmo, opera como fator protetor do comportamento suicida. Por sua vez, Demi e Urbert (2004) com o desígnio de analisar a associação entre a relação com os pares e o ajustamento emocional dos jovens concretizaram uma investigação com 618 adolescentes, com idades entre os 12 e os 19 anos, na qual verificaram que uma alta qualidade de ligação aos pares é preditora de um ajustamento emocional nos jovens, apresentando uma associação negativa com o surgimento de depressão.

Costa e Ludemir (2005) com o propósito de analisar a frequência de patologias do foro psicopatológico e respetiva associação com o suporte social concretizaram uma investigação com 483 jovens com idades superiores a 19 anos, na qual observaram uma associação negativa entre a qualidade de suporte social, particularmente, ligações afetivas com amigos, e o surgimento de ansiedade, depressão e somatização. Os autores verificaram, também, que jovens com significativas ligações afetivas com os pares apresentavam uma maior adaptação perante vivências negativas. De igual modo, na investigação concretizada por Nishikawa, Hagglof, e Sundbom (2010), a qual envolveu 228 adolescentes com média de idades de 16.4 anos, e cujo propósito consistia na análise da associação entre os estilos de vinculação com os pares, o autoconceito e o surgimento de problemas internalizantes e externalizantes. Foi observado que os adolescentes com vinculação segura aos pares denotam índices mais baixos de psicopatologia e maiores níveis de autoconceito, comparativamente com adolescentes com vinculação insegura

As experiências relacionais com os pares, podem, deste modo, ser promotoras do desenvolvimento de uma maior segurança emocional, autoconfiança, resiliência, e, sequencialmente de uma melhor gestão interna de experiências negativas nos jovens (e.g. Brito & Koller, 1999; Costa, 2009). Compreende-se, assim, a função protetora e adaptativa que representam perante contextos que geram desorganização e sofrimento psíquico nos jovens, reduzindo a vulnerabilidade ao surgimento de perturbações emocionais nos mesmos (e.g. Siqueira, Betts, & Dell´Aglio, 2006).

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Tabela 3 - Informação relativa à escola, amigos e hábitos de vida da amostra
Tabela  5:  Índices  de  ajustamento  do  Children’s  Perception  of  Interparental  Conflict  Scale (CPIC)
Tabela 8. Alphas de Cronbach do Inventory of Peer and Parental Attachment - (IPPA),  versão pares
Tabela 12. Associação entre os conflitos interparentais, qualidade de ligação aos pares,  psicopatologia e ideação suicida
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Referências

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