• Nenhum resultado encontrado

Ordem pública e ordem política em Portugal

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Ordem pública e ordem política em Portugal"

Copied!
8
0
0

Texto

(1)
(2)

ORDEM PÚBLICA E ORDEM POLíTICA EM PORTUGAL

I

As vezes, o poder, com medo que seja a desordem a apoderar-se dele, deixa-a correr ou põe-na acorrer... É sobretudo a desordem revolucionária que, assemelhando-se aos terramotos e às forças de expelência física da

natureza, segrega um terror capaz de paralisar o próprio Estado. Nessas circunstâncias, o absentismo estatal chega a parecer o único modo de perservar um mínimo de racionalidade ou conduta estável (isto é, própria de Estado), indispensável para evitar a trituração emoliente a que o casuísmo e a casualidade do ritmo revolucionário instigam. O Estado, se interviesse nessas condições, ver-se-ia degradado à condição de puro respondente, agindo segundo um plano que não é o dele, a compasso alheio - e como quem aceita uma isca coriácia e arisca. Ripostar e agir, num tal contexto, seria, por si só, criar mais um factor e mais um agente de desordem, não deixando nada fora do campo desta e acicatando as próprias contradições internas do inter-veniente. Agir seria, então, para o Estado, ficar, imediatamente, a des-coberto, vulnerável e exposto à tentação suprema de puro poder, que é apanágio de toda a ordem política, sem dúvida, mas só na desordem se exprime desinibidamente. Em revolução, a desordem torna-se absolutamente contagiosa e vertiginosa, como num deserto de areia movediça e pode mesmo inquinar ou fazer resvalar a estrutura e a ordem do comportamento mental de quem, lançando-se contra ela, não pode deixar de se lançar nela, não conseguindo, aliás, nunca, mesmo na sua forma mais ampla e geral, ser mais do que contra-revolução. De resto, a reordenação pós-revolucionária costuma ser feita, ao contrário sim, mas a partir de forças auto-organizadas de dentro da própria revolução para fora, num sentido de que é, porventura, elucidativo a experiência portuguesa recente. O Estado, mesmo se· revolucionário, tem, de algum modo, de se conter e aguardar essa chegada: talvez até, por isso, se tenha generalizado a convicção, nos momentos abissais ou dramático~

(3)

da desordem, em que esta se esteve prestes a «condensar» em conflito armado ou, se não, em guerra civil, de quem desse o primeiro passo no sentido da acção - v. o exemplo dos direitistas no 11 de Março ou dos esquerdistas no 25 de Novembro - sairia derrotado.

A atitude de reserva e contenção do Estado e do Governo só pode, porém, ser provisória. É que, de facto, o Estado não existe só para se conservar e, muito menos, ainda, só para resistir. A estabilidade ou estadua-!idade da simples existência própria é, tão-só, uma forma embrionária e excepcional de Estado, onde não estão ainda a funcionar os predicados de

organização, acção e procura de sentido, que a ordem política compreende e empreende. Mais: o Estado de ausência ou resistência política é, não apenas um mínimo de Estado, como, também, um Estado ao contrário, um Estado invertido. Toda a ordem política está nele reduzida e é função da ordem

pública. Em suma: uma ordo ordinata, secundária, subordinada e passiva, em segunda mão ou de reprise, do foro administrativo, que não tem uma consciência ética ou outra qualquer própria, que é puro meio, ou no máximo pura metodologia. (a ordem pública). é que passa a condicionar e determinar a ardo ordinans - originária, geral, valorativa e activa (a ordem política). Como bem se entende, isto pode ser uma fatalidade a curto prazo, mas dura-doiramente significaria o princípio da desordem absoluta e geral. Em primeiro lugar, a contenção e ausência do Estado (Estado em branco) gerariam, a tornarem-se persistentes, o raquitismo e a autonegação; em segundo lugar, a organização de contrapoderes teria então terreno cada vez mais propício e, em terceiro lugar, a própria redução e abstinência de Estado, poderiam excitar os seus titulares subjectivos a uma exaltação pessoal, a darem-se uma sensação de liberdade discricionária, abrindo, assim, caminho, fora do quadro de um mínimo de transcendência, co-responsabilidade que a ideia de Estado, mesmo tolhida, sempre inspira, à tentação caceteira - fenómeno, aliás, que a própria consciência dos tentados costuma designar por «espectro ... », realizando, assim, uma operação psíquica de «transferência» ou «trans-mutação» ...

A médio prazo tem pois de se perceber que o Estado é menos a forma passiva do que a forma infinitiva de estar. O estar do Estado tem de comportar, nomeadamente, as formas do estar com. do estar para e do estar por. A pura conformidade estática consigo, que é o simplesmente ... estar, ou o mínimo da existência - o estádio vital mais pré-mortal e menos pós-natal- signi-ficaria, a perdurar, sen;l mais, a frustração do animus fundamental de vivência

(4)

e apetência, que faz do poder a potência do infinitivo estar. muito mais que a do ser ou a do ter, as quais, aliás, não poderiam nunca ter facilmente essa pretensão.

II

A Constituição Política moderna tem justamente por carisma natural, o representar a abertura organizada para todas as formas colectivas de estar,

através das quais o Estado dos nossos dias pode atingir a sua consumação. Assim, devia a nossa Constituição ser a via da unidade, normativa, orga-nizativa e prospectiva, entre os portugueses. Apesar de ela ser ainda, em gran-de medida mais uma espécie gran-de ordem pública política do que de ordem polí-tica toul court. na sequência do que vimos ser a atitude do Estado português perante a Revolução, terá agora de se reler como o quadro fundamental da «Paz Portuguesa». A partir dela o Estado pode e quer, por definição, sair da sua letargia de reservada ou passiva estadualidade. A ordem política tem, agora, as escoras essenciais para começar a arribar, como consciência e orga-nização, de modo a que a ordem pública possa aparecer nos limitt!s exactos da sua secundaridade e tornar-se, até, virtualmente supérflua.

A Paz Portuguesa não se contenta, porém, com que a Constituição seja, doravante, pressuposta. Supõe, outros sim, que o governo e os órgãos do Estado, em geral, perspectivem toda a sua acção no quadro estratégico de. uma ordem política democrática consistente e una. O governo tem que ser mais que governamental e, no sentido amplo da ordem política e, mesmo, da cultura política, até, constituinte ... O governo e os partidos têm de situar num plano pré e pós-governamental e partidário e, mesmo, pré e meta-cons-titucional. É que não se trata apenas do Estado, nem é esse o único plano em que tal ordem política se realiza. Está em causa, uma unidade que, para já, não pode, ainda, ser pressuposta e não está sequer, ainda, culturalmente decifrada ou proposta, e que é o tipo de unidade, ao mesmo tempo, pré e pós-pluralista, tão comum que se pode apenas «revelar» aos níveis pura-mente «visual» dos limites externos do horizonte colectivo e ao nível comple-tamente esquivo-e-fluído dos limites internos da consciência.

Em todo o caso, o ponto de partida e o quadrante desta estratégia têm de ser concebidos e produzidos a partir dos centros políticos e numa perspectiva que abarque as várias direcções do atrás delucidado estar do Estado. Nomeadamente será indispensável considerar a essenciall[idimensio-nalidade de um Transcendente, de um Imanente e de um Proponente cole

(5)

c-tivos da sociedade portuguesa, todos sob um fundamento e uma visão estra-tégica unas. Só nesta conjunção dinâmica do estar para, do estar com e do estar por, poderemos remir definitivamente o passado, sem automutilação, mas

sim pela reconstituição de nós próprios. Um transcendente colectivo visará, sobretudo, a Autoridade, um Imanente, a Reconciliação. um Proponente,

a Mobilização Nacional.

. 1) A perspectiva da Transcendência é sobreudo fornecida, no Estado

Democrático, pelas ideias de Direito e de Justiça.

Só através dela o Poder pode valer como Autoridade, isto é, como forma intrinsecamente moral, capaz de captar como um íman e proteger como um escudo a consciência da comunidade. Um apelo de superioridade e unidade que valha como exemplo dos justos, mas, sobretudo, como valor ético de justiça, capaz, como o espírito da imagem bíblica, de andar sobre as águas turbulentas do Mar Vermelho ... Como muito nitidamente evidenciou Mon-tesquieu nas «Lettres Personnes}), a Justiça é a maior força unitária contra a desordem e, provavelmente, mesmo, o primeiro fundamento e forma de

auto-ridade. É essa força que depois se desmultiplica em ética social e éticas pro-fissionais, diversificadas mas referenciadas a uma ordem acuIturadora e mo-ralizadora específica da comunidade e que é o seu filtro e o seu sensor mais extenso e mais profundo. É evidente que ~sta Justiça não se forjará na inse-gurança, na precaridade do populismo judiciário, na discricionaridade peni-tenciária do tratamento de alguns mal-presos, na repetida impunidade das acções lesivas da normalidade social e no privilegiamento de certas autorida-des políticas pelo foro judicial. Esta superioridade e esta unidade do Direito não brotarão nunca da pura inflação legislativa, nem onde as injustiças subsis-tam por reparar, nem onde a pessoa seja um meio e não um fim em si próprio, nem numa sociedade onde as palavras não correspondam aos pensamentos e umas e outras não têm correspondência nas acções, nem numa sociedade onde não haja disponibilidade para ser julgado ou força para julgar. Este desi-derato supõe, pois, uma recuperação da autenticidade e da coerência moral, uma despistagem do medo e da violência anónimas e uma Revolução Moral, como é sempre toda a Revolução do Direito capaz de propor e assegurar a primazia dos bens normativos.

2) O segundo grande objectivo estratégico situa-se ao nível da necessi-dade de imanlncia da ordem política e visa a Reconciliação - reconciliação

mais entre pessoas reais, ou espécies de pessoas, à procura de Paz, do que entre \..

(6)

equilíbrio ditaria, nomeadamente, a realização de cinco pactos fundamentais, cujo radical horizontalidade ajudaria, por si só, a destruir quer o elitismo do poder, quer o populismo da rua. Enquanto se restaurava a superioridade objec-tiva do Direito, considerada no número anterior - desmantelar-se-ia, tam-bém, paralelamente, a falsa superioridade subjectiva de certas categorias de novos estratos dominantes.

Seriam esses cinco pactos: a) - um pacto entre as gerações; b) - um pacto entre a Direita e a Esquerda; c) - um pacto entre os empresários e os trabalhadores; d) - um pacto entre o Estado e as Regiões (Açores e Madeira, sobretudo), entre Lisboa e a Província e entre a sociedade urbana e a socie-dade rural; e) - um pacto entre Portugal e os seus espaços naturais de inte-gração geopolítica (península Ibérica, Europa e Atlântico).

O Pacto entre as gerações passa pela concepção de uma geração como eixo da recuperação portuguesa. Uma geração medianeira que tenha mais futuro, para viver e unir, do que passado vivido e para dividir! Uma geração que seja suficientemente conhecedora e experimentada - pela tarimba da guerra, da emigração, da escola e da própria revolução - mas suficientemente jovem para ter tempo de definir e conduzir a realização de um projecto ori-ginal e próprio.

Um Pacto entre Direita e Esquerda, hoje, cada vez mais, livres e dispo-níveis para se encontrarem naquilo que têm em comum de Democracia, agora que os respectivos extremos se autoderrotaram, como quixotes contra os moinhos de vento. Um avião só descola com duas asas - com uma asa rodo-pia sobre si e cai. A Direita democrática não pode ser tomada como um peso

do processo mas como uma das suas asas ... O anti-ismo de qualquer sinal é o princípio da rejeição e do vazio, isto é, da desordem e do totalitarismo supremos.

Um Pacto entre os Empresários e os Trabalhadores que reconheça poder

aos últimos, mas sem anular a liberdade dos primeiros, que evite que a priedade seja fonte de poder político, mas faça dela um instrumento de pro-dutividade, que promova a desproletarização, mas não destrua as fontes de capital, que faça das empresas mais sociedades do que propriedades, mas não as paralise como fonte de riqueza. Um Pacto entre Empresários e Trabalha-dores será logo, um Projecto claro e concreto de Desenvolvimento.

Um Pacto entre Lisboa e a Província! Lisboa é a capital do Império que ainda não se transformou, apenas, em capital do País. É a parte do Império ainda por terminar. Quantas vezes a Revolução, vista da Província, parecia

(7)

vista de uma pia teia suspensa sobre o palco lisboeta? Quantas vezes não pareceu que Lisboa pagava com leis, panfletos e jornais, o pão, o vinho e a fruta que a província lhe mandava? A Democracia é, em todos os planos-o da geplanos-ografia pplanos-olítica e ecplanos-onómica, também - um apelplanos-o de equilíbriplanos-o. Pplanos-or- Por-que não, por exemplo, para além da regionalização, a descentralização das próprias instituições políticas - Supremo Tribunal de Justiça? - centrais? Um Pacto entre Portugal e os seus espaços naturais de integração (Ibéria, Europa, Atlântico). Historicamente a nossa independência nacional teve que vencer a batalha da fuga. Hoje teremos que vencer, em nome da mesma independência nacional, à batalha da integração. Foi o Mar que nos libertou da Espanha, agora será a Europa que nos permitirá tal. A nossa relação com a Europa foi, até agora, dramática: fomos ocupados pela Europa (pelos espa-nhóis, pelos franc~ses e, mais fleumaticamente, pelos ingleses) e emigrámos

para a Europa. Precisamos agora de viver na Europa, por um lado - até para a rejuvenescer - e de fazer a Europa cá em baixo, por outro lado.

O resultado de todos estes pactos seria uma sociedade mais irmanada entre si - um pacto entre os civis e os militares resultaria, também, natural-mente do processo - e com os outros e, só por isso, estaríamos já meio-entra-dos no futuro. Uma sociedade pacticiamente pacificada poderia em grande medida prescindir do recurso a formas apriorísticas ou heterónomas de orde-namento objectivo (socialismo) ou subjectivo (militar). O maxi-mini estar

em comum que é o Estado poderia, então, ser pressuposto.

3) O terceiro· grande leit-motiv estratégico corresponde à nesse cidade de arranque, propulsão·e dinamismo colectivos, que as perspectivas anteriores não poderiam completamente asseverar. Trata-se de encontrar, formalizar e popu-larizar os motivos centrais da mobilização nacional. Pôr assim o problema basta para rejeitar todos os ângulos parciais ou monoculares - aliás mais ex-plicativos do que apelativos - com que em geral se procura prospectivar este país. Na perspectiva aqui encarada, o problema não é tanto o de que

ideo-logia? ou o de que programa? ou, sequer, o de que Revolução?, mas, mais ra-dicalmente, o de que Portugal? De certo modo, de facto, encontramo-nos, de novo como que no princípio da nacionalidade, com o Mar à esquerda e a Espanha à direita, algo encalhados, como uma ilha provisoriamente atracada. ~ a altura, porventura, de uma utopia portuguesa para o século

:XX,

utopia possível para· os nossos actuais tempo e espaço que, em termos gerais, se funde e se erga sobre a redescoberta final de nós próprios, como País com

L

(8)

política, económica e cultural, de que esse mesmo país seja, o centro. Pode-mos de facto, ser, finalmente, o centro de nós próprios e só realizada essa condição se percebe e torna possível o empreendimento da nossa própria Re-volução, como conversão histórica, única e decisiva, à modernidade, cientí-fica, cultural e política. Temos é de evitar querer fazer uma reciclagem pre-guiçosa da História moderna, por arrimanço ou filiação, oficiosa de resto, a uma ideologia acreditada e organizada, hierarquicamente. Assim ficaríamos apenas com um Portugal embotado e escondido. Passaríamos de novo por nós sem reparar. Os «partidários» da planificação, instrumentalizam-na e, por excesso, tornam-na mais um aparelho de confunsão, do que de ordenação. Temos de procurar a nossa utopia política (para já, libertar a Democracia do complexo bélico de vitória e de derrota e do complexo infantil dos polícias e dos ladrões da verdade política), estabelecendo, ao mesmo tempo, uma «pla-nificação política» a longo prazo; a nossa utopia económica (vencer a pobreza, promover o desenvolvimento?); a nossa utopia cultural (promover a compe-tência e a razão de fundamento científico, a todos os níveis - o político incluído - da actividade social). As noções de Desenvolvimento e Planea-mento Político e Cultural- não apenas económico - tornam-se sob este prisma, essenciais.

A separação do futuro é, como todas as divisões, um motivo de esqui-zofrenia. Ê quanto mais perto estivermos dele que maior será a nossa paz. Temos, agora, de procurar esse futuro com inteligência e os homens neces-sários, quando fica para trás a falsa glória dos homens providenciais ...

Todos estes motivos de desenervamento e pacificação activa da sociedade portuguesa contribuirão para a aproximação de uma ordem democrática natural, onde o problema de ordem pública deixará, sem dúvida, de ser um problema constitucional do Estado para ser relegado para a sua posição subordinada e secundária de natureza meramente administrativa.

Referências

Documentos relacionados

No Brasil, nossa margem de contribuição bruta por hectolitro aumentou como resultado de uma sólida execução de preços, mas nossa margem EBITDA reduziu organicamente devido ao

 Considerando a ampla distribuição dos microrganismos, é importante que os alimentos sejam manipulados sob criteriosas condições de higiene, evitando que os

Effects of Continuance, Affective, and Moral Commitment on the Withdrawal Process: An Evaluation of Eight Structural Equation Models.. The Academy of

Lernaea cyprinacea of Steindachnerina insculpta from Taquari River, municipality of Taquarituba, São Paulo State, Brazil.. Note the hemorrhagic area around the insertion point of

A vivência internacional de estudantes universitários nos programas de mobilidade acadêmica, certamente lhes proporcionam novas experiências, tanto de vida, como

Contribuições/Originalidade: A identificação dos atributos que conferem qualidade ao projeto habitacional e das diretrizes de projeto que visam alcançá-los, são de fundamental

• Capacitação e Transferência da metodologia do Sistema ISOR ® para atividades de Coaching e/ou Mentoring utilizando o método das 8 sessões;.. • Capacitação e Transferência

quantificar os benefícios para efeito de remunerar o seu gerador. A aprovação da idéia e a autorização para sua implementação dependem da alta administração,