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A reinserção social dos egressos da medida socioeducativa de privação de liberdade no CASE Pitimbu em Parnamirim/RN: direitos garantidos ou negados?

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Academic year: 2021

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CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

VIVIANE DO NASCIMENTO

A REINSERÇÃO SOCIAL DOS EGRESSOS DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE NO CASE PITIMBÚ EM PARNAMIRIM/RN:

DIREITOS GARANTIDOS OU NEGADOS?

NATAL/RN 2019

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A REINSERÇÃO SOCIAL DOS EGRESSOS DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE NO CASE PITIMBÚ EM PARNAMIRIM/RN:

DIREITOS GARANTIDOS OU NEGADOS?

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito final de avaliação do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte para obtenção do título de bacharel em Serviço Social.

Professora orientadora: Doutora Maria Celia Correia Nicolau.

NATAL/RN 2019

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Fabio Osmar de Oliveira Maciel – CRB-7 6284 N244r

Nascimento, Viviane do

A reinserção social dos egressos da medida socioeducativa de privação de liberdade no CASE Pitimbu em Parnamirim/RN: direitos garantidos ou negados? / Viviane do Nascimento. – Natal, RN, 2019.

76 f.

Orientadora: Maria Celia Correia Nicolau.

Trabalho de conclusão de curso (graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Bacharel em Serviço Social, 2019.

1. Sistema socioeducativo - Brasil - Rio Grande do Norte. 2. Reinserção social. 3. Adolescente egresso. I. Nicolau, Maria Celia Correia, orient. II. Título.

CDD – 362.70981

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A REINSERÇÃO SOCIAL DOS EGRESSOS DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE NO CASE PITIMBÚ EM PARNAMIRIM/RN:

DIREITOS GARANTIDOS OU NEGADOS?

Monografia submetida ao Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, como requisito final à obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.

Orientador(a): Profª. Drª. Maria Celia Correia Nicolau

Aprovado em 21 de junho de 2019

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria Celia Correia Nicolau – UFRN (orientadora)

______________________________________________________ Prof. Fernando Gomes Teixeira – UFRN (examinador interno)

______________________________________________________

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A vovó, que partiu no início deste ciclo, mas está comigo de todas as formas possíveis. A senhora, que é o amor de todas as minhas vidas, dedico sempre as minhas melhores palavras. .

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Este trabalho envolve um mix de raivas, motivações, descabelamentos, choros, risadas e muito alívio. É fruto de andanças e de observações não-tão-perspicazes. É um compilado de um processo coletivo; com os adolescentes, com minhas orientadoras, com tantos autores, eu comigo mesma e com pitacos de amigos. Há muito o que agradecer e a quem agradecer - há muito quem xingar também, mas esse espaço não tem licença poética - então busquei sintetizar um pouco dessa trajetória de quatros anos como graduanda nesse cantinho especial.

Em primeiro lugar, agradeço a todos os floquinhos de luz que sempre estiveram ao meu lado, me proporcionando clareza, paz espiritual, me auxiliando nos dias de choro e dias de sono, me permitindo chegar ao término dessa (segunda de muitas) caminhadas acadêmicas.

Agradeço a minha mãe e aos meus irmãos pelas tentativas - completamente falhas - de fazer silêncio quando eu precisava escrever, por estarem ao meu lado nessa jornada cansativa, por esperarem para assistir alguns episódios de Naruto quando eu estivesse presente e deixarem o meu pão favorito para o café da manhã.

Sou grata a todos os meus amigos por me tirarem de casa em momentos que eu estava quase jogando tudo para o alto. Pelos momentos bobos, pelos sorrisos fáceis, pela força e por fazerem perguntas impertinentes (e o tcc como tá?) que só quem tem proximidade pode.

Aos adolescentes do CASE Pitimbu, por compartilharem um pouco das suas vivências, por bagunçarem minha zona de conforto me proporcionando tantas sensações. Agradeço por me trazerem de volta ao eixo, por me fazerem gostar da vida e de toda a adrenalina por ela permeada. O meu amor por essa área da infância e juventude vem desse processo com vocês.

A todos os professores do curso de Serviço Social pelas partilhas, pelo desenvolvimento de tantos trabalhos em conjunto, pelo envolvimento teórico-prático e pessoal. Agradeço em especial aos desencontros teóricos e as críticas daí originadas.

Ao Victor Chaves, por me mostrar as melhores músicas enquanto escrevo, por me motivar, por me ligar de madrugada para dizer o quanto eu sou hábil e maravilhosa quando eu nem sabia mais o que eu era. Por estar tão pertinho da pele, a mais de sete mil quilômetros.

A amora por deixar esse mundo mais bonito e feliz com toda sua fofura que espantosamente combina com todos os seus planos maquiavélicos. Sem dúvidas o nosso elo foi uma das minhas maiores conquistas na academia. Nunca vou me esquecer dos seus ensinamentos, da sua visão de mundo e das nossas confabulações secretas. Je t'aime.

A minha orientadora de OTCC Anna Luiza e minha orientadora de TCC Maria Célia Nicolau, por toda a paciência nas ausências, nos prazos atrasados e todo o auxílio neste trabalho.

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quando eu mais precisei e que eu não tenho palavras para agradecer sua contribuição em todo o meu processo durante a graduação.

Ao meu chefe mais tímido e do coração mais fofinho da pós-graduação, Heitor Andrade, que contribuiu imensamente no meu processo formativo, que relevou tantas faltas, atrasos e sempre teve um olhar sensível ao outro que me trouxe muitos aprendizados.

A todos os docentes, discentes e funcionários da Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo e da Pós-Graduação em Arquitetura, Projeto e Meio Ambiente que de forma direta ou indireta influenciaram no meu desenvolvimento pessoal e/ou profissional ao longo de todos esses anos. Em especial a minha querida professora e amiga, Dulce Bentes Sobrinha.

A toda a comunidade que financia este trabalho através do pagamento de impostos com muito esforço e suor fruto de seu trabalho assalariado - muitas vezes precarizado - como apoio a educação. Obrigada pela oportunidade de fazer ciência e contribuir um pouquinho na academia. A todos vocês: este trabalho é NOSSO.

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Vida em transição

1

Viver na Fundação não é bom

Bom é ser livre em toda situação

Mas tenho minha opinião

Sobre esse período de transição

Que muitos dizem ser prisão

Nesse lugar, maldade…

Que ao mesmo tempo é saudade

Por estar privado de liberdade

Mas tem um lado positivo

Nessa realidade

Estou me reabilitando para a sociedade

Acordo e vejo grades

Meu peito dói de verdade

Só quem passou

Por isso sabe

De todas as realidades

E crueldades…

A maior necessidade

É a Liberdade!

Aqui lições de vida transmitem

Muitas coisas boas

Reconhecimento como pessoa

Que errar é humano

Mas aprender é a melhor coisa

Atrás desses momentos tem algo impressionante

Hoje me tornei um estudante

Descobri que sou inteligente

Produzi este poema e me sinto importante.

1 Poesia do adolescente Luan Santana, de 17 anos, da Fundação Casa (São Paulo), finalista da Olimpíada de Língua Portuguesa em 2014.

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RESUMO

O presente trabalho busca desvendar os impactos que a medida socioeducativa tem na garantia dos direitos à reinserção social na vida do adolescente egresso do Centro de Atendimento Socioeducativo Pitimbú em Parnamirim/RN após cumprimento de medida socioeducativa de privação de liberdade. Para tanto, objetivou-se investigar e analisar a realidade vivenciada pelos egressos da instituição supracitada, visando desvendar a garantia (ou não) dos seus direitos fundamentais. A investigação aconteceu mediante pesquisa qualitativa e quantitativa e foi norteada pelo referencial crítico dialético, sendo realizado levantamento bibliográfico sobre a temática através das chamadas fontes de papel (pesquisa bibliográfica e documental). Os dados foram tratados com base na análise de conteúdo e analisados à luz do referencial teórico adotado. Como resultados, são identificadas as possibilidades para desenvolvimento de um projeto de reinserção social efetivo que contemple as necessidades dos egressos e, sobretudo, auxilie no processo de não reincidência à prática de novos atos infracionais, todavia, tendo em vista o sistema socioeducativo como se articula (ou não se articula) hoje, é fato que os centros de atendimento não conseguem garantir o acesso desses adolescentes egressos a seus direitos fundamentais, assim como as ações continuadas que são realizadas – quando o adolescente egressa da instituição de socioatendimento em meio fechado para cumprimento de medida em meio aberto através da progressão de medida – ainda não conseguem ser efetivas no processo de reinserção social.

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ABSTRACT

The present work seeks to uncover the impacts that the socio-educational measure has on the rights to social reintegration in the life of the adolescent egressed from the Pitimbú Socio-educational Center in Parnamirim/RN after fulfilling a socio-Socio-educational measure of deprivation of liberty. In order to do so, the objective was to investigate and analyze the reality experienced by the graduates of the abovementioned institution of deprivation of liberty, in order to unveil the guarantee (or not) of their fundamental rights. The research was conducted through qualitative and quantitative research and was guided by the critical dialectical reference, and a bibliographical survey on the subject was made through the so-called paper sources (bibliographic and documentary research). The data were treated based on content analysis and analyzed in the light of the adopted theoretical framework. As a result, the possibilities for developing an effective social inclusion project that addresses the needs of the graduates and, above all, assist in the process of non-recurrence to the practice of new infraction acts, however, in view of the socio-educational system as articulated (or is not articulated) today, it is a fact that the service centers can not guarantee the access of these outgoing adolescents to their fundamental rights, as well as the continuous actions that are carried out - when the adolescent leaves the institution of socio-service deprivation of liberty for measure compliance in an open environment through the measurement progression - still can not be effective in the process of social reintegration.

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SUMÁRIO

1 Introdução 10

2 A problemática do adolescente, autor do ato infracional, e do egresso do sistema socioeducativo do Rio Grande do Norte via políticas de enfrentamento à prática do ato infracional

14

2.1 As políticas de enfrentamento a prática do ato infracional 15 2.1.1 A política de atendimento a criança e ao adolescente no Brasil — seu

percurso histórico e as legislações sobre a infância e Juventude face ao ato infracional e a reinserção social do adolescente

16

2.2 Estatuto da Criança e do Adolescente — ECA, avanços no Sistema de Garantia de Direitos para Crianças e Adolescentes autores do Ato Infracional e o processo de reinserção social

32

2.2.1 A problemática do adolescente egresso do sistema socioeducativo: a particularidade da medida socioeducativa de privação de liberdade e a reinserção social

38

2.2.1.1 Caracterização do Centro de Atendimento Socioeducativo Pitimbu 40

3 Os impactos da medida socioeducativa na garantia dos direitos e na vida do adolescente egresso, autor do ato infracional, e sua reinserção social 44 3.1 A Privação de liberdade e o SINASE como marco legal na consolidação das

medidas socioeducativas na perspectiva dos direitos 45 3.2 Direitos negados ou garantidos ao adolescente egresso (autor do ato

infracional) e da medida socioeducativa no processo da reinserção social 58

4 Considerações finais 66

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1 Introdução

Nas diretrizes do Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo (2014), se prevê a garantia do direito à educação para os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas e egressos, considerando sua condição singular como estudantes e reconhecendo a escolarização como elemento estruturante do sistema socioeducativo. Através da lei 12.594/12, em seu art. 11, parágrafo V, são estabelecidos requisitos obrigatórios para a inscrição de programa de atendimento e nele determina que sejam previstas ações de acompanhamento do adolescente após o cumprimento de medida socioeducativa. Já em seu art. 25, aponta que a avaliação dos resultados da execução de medida socioeducativa terá por objetivo, no mínimo, verificar a situação do adolescente após cumprimento da medida socioeducativa tomando por base suas perspectivas educacionais, sociais, profissionais, familiares e verificar a procedência de reincidência de prática de ato infracional (BRASIL, 2013).

Todavia, segundo dados do Conselho Nacional do Ministério Público (2013), em cerca de 81,5% das unidades de medida socioeducativa no país não há atendimento aos egressos e a suas famílias pela equipe técnica da unidade. De acordo com as justificativas apresentadas, a maioria dos casos ocorre devido ao déficit de técnicos das equipes multidisciplinares dentro das unidades. No exame por regiões, em todas elas os índices são preocupantes. No caso do Nordeste, 89,6% das unidades de internação não oferecem acompanhamento ao egresso. Desse panorama, observou-se dentre as unidades de internação que oferecem atendimento multidisciplinar aos egressos quantas delas atuavam no fomento à inserção do mesmo na rede regular de ensino: no Nordeste e Norte, os percentuais não chegam a um terço. Das poucas unidades de internação que fornecem assistência ao egresso, apenas uma pequena parcela inclui em seus objetivos sua inserção em cursos profissionalizantes. Nas unidades do Nordeste temos o menor índice do Brasil que é de apenas 14% (BRASIL, 2013).

À vista disso, no processo investigativo desse trabalho, como objetivo geral, buscou-se analisar a realidade vivenciada pelos egressos de medida socioeducativa de privação de liberdade do Centro de Atendimento Socioeducativo Pitimbu visando desvendar a garantia (ou não) dos seus direitos a reinserção social e produtiva. Mais especificamente, procurou-se resgatar e atualizar dados sobre a referida reinserção dos egressos do sistema socioeducativo do Estado do Rio Grande do Norte e desvendar os impactos que a medida socioeducativa tem na garantia dos direitos e na vida do adolescente egresso. Com reinserção social e produtiva compreende-se o processo que integra o indivíduo novamente ao convívio social após o período

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de privação de liberdade na instituição que cumpriu a medida socioeducativa pela infração cometida. Esse processo de integração compreende o atendimento e acesso à educação, saúde, cultura, esporte, lazer, moradia, profissionalização e atuação profissional, tendo em vista serem esses os eixos básicos que amparam a criança e ao adolescente na política de proteção.

A escolha do tema encontra-se vinculada a experiência de estágio no Centro de Atendimento Socioeducativo Pitimbú (CASE Pitimbú) que propiciou um olhar mais analítico para a temática da criança e do adolescente, especialmente no que diz respeito a medida socioeducativa de privação de liberdade. Através das observações da autora, enquanto estagiária, foi possível contemplar facetas importantes da cotidianidade presente nesses centros educacionais que, por mais que aparentemente distintos, possuem um elo muito forte no que tange sua própria origem, princípios e função social.

Quanto ao método de abordagem, esse trabalho tem um caráter qualitativo e quantitativo, à medida que compreende a complementaridade desses dois aspectos, trabalhando qualitativamente com os significados, motivações, valores e ao mesmo tempo, quantitativamente com dados matemáticos e estatísticos mantendo uma dialética entre essas duas concepções para elucidar o real. Quanto aos métodos de procedimentos que estão inter-relacionados as técnicas empregadas na pesquisa foram utilizados o método histórico, pois como afirma Prodanov e Freitas (2013, p. 37) é necessário “[...] estudar suas raízes visando à compreensão de sua natureza e função” e o método monográfico, no intuito de observar e analisar todos os fatores que influenciam na temática.

Como principais categorias teóricas de análise, tendo em vista a pesquisa com o tema no campo sociojurídico, temos as temáticas do direito, da criança e do adolescente, da violência institucional, do ato infracional, do sistema socioeducativo, da vulnerabilidade social, da privação de liberdade, entre tantos outros trabalhados por autores como Marco Aurélio Costa que trata da vulnerabilidade social no Brasil; Faleiros, que contextualiza a história das políticas sociais no Brasil; Irene Rizzini que trata da institucionalização de crianças no Brasil; Amanda Santos Silva que faz um estudo sobre o sistema socioeducativo publicado em 2014 e Débora Arruda Queiroz Lima que trata da evolução da legislação que protege a criança do trabalho infantil.

Em relação a sua natureza, o trabalho se caracteriza como pesquisa aplicada que, segundo Prodanov e Freitas (2013, p. 51) “objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática dirigidos à solução de problemas específicos. Envolve verdades e interesses locais”. Do ponto de vista dos objetivos, se configura como pesquisa exploratória, na qual em seu planejamento realizou-se um levantamento bibliográfico acerca da temática além de entrevistas com

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adolescentes que tiveram experiências práticas com o cumprimento da medida socioeducativa e analisou-se os aspectos da temática inter-relacionando os conceitos apreendidos com as vivências observadas. Configura-se também como uma pesquisa explicativa, em virtude da utilização da análise dos registros realizados e também classificação e interpretação dos fenômenos. A escolha dos adolescentes deu-se, em razão da dificuldade do acesso enquanto egressos, aos adolescentes do CASE Pitimbú que encontravam-se cumprindo sanção há um ano ou mais na instituição durante o período de estágio (2017.2-2018.1).

No que se refere aos procedimentos técnicos, o trabalho se delineou através das chamadas fontes de papel (pesquisa bibliográfica e documental) e pesquisa de campo com os egressos no objetivo de conseguir informações sobre a realidade vivenciada assim como coletar dados e analisa-los.

Por fim, partindo do pressuposto que os determinantes históricos são essenciais na análise da garantia (ou não) dos direitos a reinserção social e produtiva do egresso, que existem falhas na aplicação das medidas socioeducativas e dessas falhas depreendem implicações que acompanharão o adolescente após o cumprimento da medida, destaco os seguintes questionamentos que surgiram durante o período de estágio e foram basilares na construção desse trabalho: Será que lá fora, por trás dos muros dos Centros Educacionais o adolescente egresso terá realmente escolhas ou seu destino já está definido por uma série de atos anteriores que resultaram em dívidas, ameaças que o impede de direcionar sua vida a que se propôs seguir em suas reflexões enquanto se encontrava cumprindo a medida de internação? Quais são os meios que esse adolescente tem para se manter após sua saída da instituição? Será que é possível conciliar seus estudos e um trabalho após saída da instituição? Os cursos que foram ofertados enquanto estava cumprindo a medida socioeducativa ajudaram na sua busca por emprego ao sair da instituição? Qual a realidade vivenciada por esse adolescente que o impede de dar continuidade a sua vida longe das práticas de atos infracionais? Qual o índice de reincidência? Será que as opções buscadas após saída da unidade são reais escolhas ou a única opção que o adolescente possui? Qual a percepção sobre o ato infracional do adolescente liberado da medida socioeducativa de internação? Quais as limitações e desafios enfrentados por ele frente ao processo de institucionalização e desinstitucionalização? Há algum monitoramento periódico realizado para saber a situação atual do adolescente após sua saída da instituição? Quais os encaminhamentos são dados? Há algum programa ou rede de apoio para os egressos do sistema socioeducativo no Estado do Rio Grande do Norte? Por meio deste trabalho buscou-se responder esses questionamentos.

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A presente monografia encontra-se dividida em dois capítulos. No primeiro serão realizadas considerações acerca da problemática do adolescente, autor do ato infracional, e a reinserção social dos egressos do sistema socioeducativo do Rio Grande do Norte via políticas públicas de enfrentamento. Para tanto, serão analisadas como as políticas de enfrentamento a prática do ato infracional foram sendo implementadas ao longo dos anos, como seu percurso histórico influenciou as legislações que encontram-se vigentes na atualidade, destacando-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, no atendimento a criança e ao adolescente no Brasil face ao ato infracional. Além disso, serão tecidas apreciações sobre o processo de reinserção social do adolescente egresso da medida socioeducativa de privação de liberdade; os limites e as dificuldades diagnosticadas no trabalho realizado por equipes multidisciplinares com os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto.

No segundo capítulo serão analisados os impactos da medida socioeducativa na garantia dos direitos e na vida do adolescente egresso, autor do ato infracional, e sua reinserção social. Para tanto, serão analisados o processo de privação de liberdade após a instituição do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo como marco legal na consolidação das medidas socioeducativas na perspectiva dos direitos.

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2 A problemática do adolescente, autor do ato infracional, e a reinserção social dos egressos do sistema socioeducativo do Rio Grande do Norte via políticas públicas de enfrentamento

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2.1 As políticas de enfrentamento a prática do ato infracional

As primeiras legislações nacionais relevantes para o estudo do Direito das crianças e adolescentes são datadas a partir do século XVI no ordenamento brasileiro. Nelas era instituída uma diferenciação punitiva para o mesmo delito cometido por crianças, adolescentes e adultos — sendo punidos com pena total aqueles que tivessem mais de vinte e menos de vinte e cinco anos2 e cabendo ao juiz analisar os casos de adolescentes com idade entre dezessete e vinte anos — para que fossem identificadas, dentre outras coisas, as circunstâncias dos fatos e averiguada a situação desses adolescentes antes de ser atribuída a pena total ou atenuada, conforme a interpretação do juiz. Foi no final do século XIX e início do século XX, através das iniciativas educacionais com vistas ao controle social e assistencial em virtude do crescimento e reordenamento das cidades que a problemática da infância e juventude passou a ser pauta do Estado, sendo, dessa forma, criados os primeiros mecanismos para segregação e institucionalização para essa classe (SÁ, 2009).

Esses foram os pressupostos basilares da criação das políticas sociais - destinadas a população jovem. As primeiras políticas — entre elas a Lei nº 4.242/21, a Declaração de Gênova de Direitos da Criança, adotada em 1924 pela Liga das Nações e o Decreto nº 22.213/32 — tinham um caráter segregador, estigmatizador, discriminatório e assistencialista, pautado em práticas que buscavam diferenciar o “menor” da “criança”, culpabilizando a família dos indivíduos por suas ações, enquadrando-as como “famílias desestruturadas” e atribuindo ao indivíduo toda a responsabilidade pela conjuntura vivenciada.

A partir de 1932, com o desenvolvimento das legislações aplicáveis à criança e ao adolescente, começam a surgir mudanças expressivas no tratamento dado à problemática que gira em torno dessa categoria, sobretudo, com a mudança do enfoque das particularidades do indivíduo para o meio social que ele se encontra inserido. Com isso, foram criadas condições mais favoráveis para uma abordagem mais humanizada no que diz respeito ao processo de destituição do poder familiar — apenas em última instância — e de institucionalização em virtude do cometimento de atos infracionais.

As legislações vigentes em torno da criança e do adolescente — Decreto nº: 99.710/1990 e Lei nº: 8.069/1990 —, são bem claras e explícitas no que concerne a garantia de direitos e proteção, atribuindo ao Estado o papel de fiscalizador, assegurador dessas conquistas, aos familiares e outros setores organizados da sociedade a coparticipação para o desenvolvimento integral da criança e do adolescente, sobretudo, as que estão em situação de vulnerabilidade

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social. Todavia, na realidade ainda vemos as velhas práticas policialescas e de manutenção dessa realidade social tão crua presente no cotidiano através do descumprimento das legislações — na efetivação do direito à moradia, saúde, segurança, educação, entre outras prerrogativas — e da mais perversa repressão, exclusão e institucionalização do povo negro e pobre. A esse pensamento Rizzini, Baker e Cassaniga (1999, p. 1) vem acrescentar que “na realidade, esses grupos não mudaram: continuam sendo os mais vulneráveis aos efeitos da pobreza e da exclusão social e os que representam algum tipo de ameaça à sociedade — o que é incompatível com as propostas de garantia de direitos em curso”. À vista disso, será apresentado a seguir o percurso histórico que delineia a política de atendimento a criança e ao adolescente no Brasil, particularizando o contexto de privação de liberdade e a existência de legislações que contemplem o egresso do sistema socioeducativo.

2.1.1 A política de atendimento a criança e ao adolescente no Brasil — seu percurso histórico e as legislações sobre a infância e juventude face ao ato infracional desse segmento

Tradicionalmente, o Brasil tem um longo histórico de uma cultura de internação da infância e juventude em instituições permeada de abusos e violência. Desde os primórdios, comumente crianças e adolescentes — tanto as socialmente mais abastadas quanto as mais pauperizadas — eram criadas e educadas longe de suas famílias. Dependendo da classe social, essas crianças e adolescentes cresciam em colégios internos (classes mais abastadas), asilos, educandários, reformatórios (classes pauperizadas) que foram surgindo ao longo das décadas, sendo as primeiras delas datadas do século XVI por iniciativas religiosas e filantrópicas como a conhecida Casa da Roda3, que surge na Bahia, na Santa Casa de Misericórdia.

Nessa perspectiva, a preocupação em torno das crianças e adolescentes só foi ganhar visibilidade e vir a ser pauta do Estado no final do século XIX e início do século XX, através das iniciativas educacionais com vistas ao controle social e assistencial, em virtude do crescimento e reordenamento das cidades. Assim sendo, essa intervenção tinha uma intencionalidade clara, sobretudo, denotada através da higienização social justificada por questões étnicas e ideológicas na época. Conforme apontado por Rodrigues e Lima:

3 De acordo com Marcílio (1997), a Casa da Roda ou Roda dos expostos foi uma instituição criada em 1734 no

objetivo de assistenciar as crianças que eram abandonadas nas ruas. Na maior parte dos casos, eram crianças fruto de relações extraconjugais de portugueses ricos com suas escravas. A razão alegada para não assumir a paternidade das crianças era justificada pela alegação de que a família burguesa não poderia ser maculada.

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Nas primeiras décadas do século XX, com o desenvolvimento dos centros urbanos, começou a crescer também a preocupação com as crianças e os adolescentes “delinqüentes”, que vadiavam pelas ruas, criando desordem e ameaçando a população. Entendia-se que essas possuíam constituição física e moral debilitada, em função da pobreza e da miscigenação (RODRIGUES; LIMA, 2002, p. 2).

Iniciaram assim, a partir de 1936, estudos relacionando a origem da problemática em torno do “menor abandonado”4 a um contexto de desordem familiar, renda e influxo étnico, este último reflexo de imigrações desregradas no país5. Nesse sentido, esses estudos assinalavam a necessidade de uma interposição realizada pelo poder judiciário no intuito de perscrutar e prevenir o envolvimento de crianças e adolescentes negras, pobres e indesejáveis com ações criminais, envolvimento com prostituição, desenvolvimento de algum grau de loucura ou anormalidades dos mais diversos gêneros. Como solução, categorizavam os tipos de instituições para alocar as crianças e adolescentes de acordo com seu histórico e condições físicas, psíquicas e sexuais diagnosticadas, conforme elucida Adorno (1991):

Com vistas ao tratamento adequado, sugeria uma classificação dos “menores” nos seguintes termos: (a) para os idiotas e imbecis profundos, os asilos privados; (b) para os indisciplinados, delinquentes, tarados, pervertidos e perversos, os reformatórios; (c) para os surdos, míopes e cegos, escolas especiais; (d) para os débeis, colônias agrícolas com orientação profissional; (e) para os tuberculosos, pré-tuberculosos, sifilíticos, cardíacos, sanatórios ou hospitais adequados; (f) para os extraviados sexuais, colônias de trabalho; (g) retardados e anormais de boa índole, aproveitamento em emprego adequado (ADORNO, 1991, pág. 182).

Estudos como esse foram bastante publicizados na época no objetivo de justificar a necessidade de mediação junto a esse grupo social, pressionar o Estado para intervir com práticas correcionais, defender a regulamentação do modelo de internação de “menores abandonados e delinquentes”, e, sobretudo, para disseminação e aceitação. Nesses termos, a mídia fez seu papel em defesa do modelo de internação, difundindo entre as classes populares como uma alternativa benéfica de acesso a moradia, educação e cuidados para com as crianças e adolescentes mais carentes.

4 “Menores abandonados” foi uma subcategoria criada pelos órgãos assistenciais do período para designar crianças

e adolescentes que não tinham figuras paternas nem maternas presentes assim como as crianças e adolescentes que as famílias não tinham condições de prover.

5 O período que antecede o governo de Getúlio Vargas (até 1929) ficou conhecido pelo fluxo intenso de imigrações

no Brasil. Já nos anos de 1930 a 1945, tem-se a criação de diversas restrições que dificultam à entrada de imigrantes no país. Os imigrantes foram muitas vezes considerados como indesejáveis, com exceção dos chamados “brancos europeus”. Os que já se encontravam aqui fixados foram muitas vezes acusados de constituírem uma ameaça à formação da nacionalidade, em termos raciais e/ou culturais. Em 1934, na Constituição Federal, foi instituída a emenda conhecida como “lei de cotas” (GERALDO, 2009).

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Nesses termos, crianças e adolescentes que moravam nas ruas ou que as famílias não tinham condições de prover foram institucionalizadas em centros de internação de acordo com faixa etária, sexo, perfil e comportamento, tudo isso em comum acordo entre Estado e família, dadas as condições de pobreza de grande parte da população. De acordo com Rizzini (2004, p. 22) “o recolhimento de crianças às instituições de reclusão foi o principal instrumento de assistência à infância no país” o que evidencia a negligência do Estado em buscar alternativas que possibilitassem a não separação das crianças de suas famílias e comunidade, muito comum nessa época e não tão diferente até hoje, conforme será apontado mais à frente, na análise das políticas contemporâneas de garantia e acesso a Direitos da Criança e do Adolescente.

Tal qual normatizavam as instituições, haviam certas distinções entre a criação de meninos e meninas, reflexo de valores culturais, morais e do tradicionalismo da época. Assim sendo, as meninas eram mantidas sob um “regime de enclausuramento”, de forma que tinham pouco ou quase nulo contato com o mundo externo a instituição. Eram separadas para trabalhos domésticos ou viviam como as freiras assumindo compromissos de castidade, submissão, práticas religiosas e obediência (RIZZINI, 2004).

Até antes da promulgação da primeira legislação destinada a infância e juventude, não havia distinção entre crianças, adolescentes e adultos no ordenamento jurídico penal, por isso, todas eram julgadas e confinadas nos mesmos alojamentos quando do cometimento de delitos. A idade era somente um atenuante da penalidade, concernindo a crianças e adolescentes um período de tempo mais curto nessas instituições (SILVA, 2014).

A partir de 1903 foi criada a primeira Escola Correcional para capacitar os “menores abandonados e delinquentes” e encaminhá-los a campos de trabalho. Nesse período era utilizado um critério de discernimento na aplicação de penalidades, sendo considerado inimputável o autor de atos infracionais de até nove anos de idade (BRITO; SILVA, 2016).

A partir da década de 1920, com o crescente movimento de grupos de crianças e adolescentes nas ruas realizando atividades informais como serviços de engraxate, vendendo jornais, auxiliando em serviços gerais, muitas delas sem acesso à educação, bens e serviços e não somente por isso, mas também em virtude desses infortúnios, algumas delas iniciaram a prática de furtos, cada vez mais noticiados nos jornais, como ilustrado pelo jornal Correio Paulistano:

Abandonados pelas respectivas famílias, entregaram-se francamente à malandragem e à gatunice, conhecendo todos os termos da gíria dos ladrões e as habilidades deles. Nas feiras, por entre a confusão dos vendedores e compradores, batem as carteiras das senhoras; nas festas e noutras aglomerações enfiam sorrateiramente a mão pelas algibeiras alheias e

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escamoteiam o dinheiro. E vão além, num progredir constante: saltam janelas, subtraem objetos de valor; ocultamse (sic) nas casas comerciais e à noite ou furtam por sua própria conta ou abrem as portas para os profissionais do roubo, aos quais prestam assinalados serviços (Correio Paulistano, 1922, p. 3 apud ALVAREZ; LOURENÇO; SALLA, 2016, p. 6).

Por conseguinte, nesse mesmo período foram surgindo os primeiros mecanismos de gestão que inter-relacionavam as categorias da pobreza, do abandono e da delinquência como equivalentes de um só “problema”. Nesse sentido, foi realizado o 1º Congresso de Proteção à infância em 1920 e, através do Decreto nº 16.272, de 20 de dezembro de 1923, foi aprovado e regulamentado a assistência e proteção aos “menores abandonados e delinquentes” e instituído o primeiro Juizado de Menores do Distrito Federal. O primeiro Juizado de Menores foi um projeto elaborado pelo professor e jurista José Cândido de Albuquerque Mello Mattos, primeiro juiz de menores do Brasil e da América latina. Ele tinha como objetivo assistenciar e criar políticas de proteção aos “menores abandonados e delinquentes”. No Art. 91. do referido Decreto, é instituído a criação do Conselho de Assistência e Proteção aos Menores, que tinha como uma de suas atribuições “vigiar, proteger [...] os menores egressos de qualquer escola de preservação ou reforma, os que estejam em liberdade vigiada, e os que forem designados pelo respectivo juiz” (BRASIL, 1923).

Foi através da judicialização da infância que a terminologia “menor” passou a ser utilizada indiscriminadamente de maneira pejorativa para denominar crianças e adolescentes pobres, abandonadas e/ou infratoras (BRITO; SILVA, 2016). Essa forma de tratamento foi disseminada, sobretudo, pela polícia nas ruas, para distingui-las das crianças pauperizadas e encaminhá-las as instituições “destinadas ao abrigamento e à correção, no caso do Rio de Janeiro”, conforme critérios estabelecidos de “hereditariedade, da degeneração, do atavismo, dos sinais antropométricos (ALVAREZ; LOURENÇO; SALLA, 2016, p. 7). As captações das crianças e dos adolescentes para as instituições de internação também eram realizadas através de intervenções de agentes do juizado de menores nas cadeias comuns em que eram solicitadas as transferências de “menores” que lá se encontravam.

No ano de 1924, através da Lei nº 2.059, de 31 de dezembro, foi criado no Estado de São Paulo, com o objetivo de instituir uma política de amparo e proteção para os “menores abandonados e/ou delinquentes”, o cargo de juiz privativo de menores (SÃO PAULO, 1924), com o objetivo de instituir uma política de amparo e proteção para os “menores abandonados e/ou delinquentes”. Conforme apontam os autores Alvarez, Lourenço e Salla (2016), esse foi um avanço significativo na área das políticas nesse período, sobretudo, porque

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Retirava da autoridade policial o arbítrio com o qual vinha tratando a questão, na detenção dos menores, na sua manutenção em locais inadequados (ainda que interditados pelo Código Penal) e ainda no seu encaminhamento. Com a criação do juízo de menores, colocava-se a figura do juiz no centro da gestão dos menores, fossem eles abandonados, pervertidos ou delinquentes. Era obrigação da autoridade policial encaminhar ao juiz os menores apreendidos, e era responsabilidade desse o seu destino (ALVAREZ; LOURENÇO; SALLA, 2016, p. 7).

Alguns anos mais tarde, através do Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, foram consolidadas as leis de assistência e proteção aos menores através do Código de Menores, popularmente conhecido como Código Mello Mattos. O Código de Menores extinguiu a Roda dos Expostos, estabeleceu a idade mínima para o trabalho a partir dos 12 anos e a inimputabilidade até os 14 anos, contudo, era designado apenas as crianças e adolescentes “abandonadas ou delinquentes” com idade inferior a 18 anos (RIZZINI, 2004). Um fato sardônico apontado por Alves (2001, p. 10) é o de que “os menores tornavam-se sujeitos de direito apenas no momento em que se encontrassem em estado de patologia social6”, tendo em vista que a lei era somente aplicada a essa parcela estrita da infância e juventude. Vale destacar, também, que a mesma redação do Decreto nº 16.272 — no que diz respeito ao tratamento dos egressos — foi mantida através dos artigos 222 e 230 desse novo Decreto.

Até a década de 1930, o único aparato jurídico que delimitava a jornada de trabalho de crianças e adolescentes era o Decreto nº 1.313, de 17 de janeiro de 1891, instituído por Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório. Esse Decreto, contudo, só tinha validade para os trabalhos provenientes de fábricas na capital federal do país (RIO DE JANEIRO, 1891). Foi somente no ano de 1932 instituída pelo então presidente Getúlio Vargas, através do Decreto nº 22.042, a duração da jornada de trabalho em 8 horas diárias para crianças e adolescentes — sob condição de acréscimo na remuneração em virtude de prorrogação de até 1 hora. Além disso, ficou estabelecido a idade mínima de 14 anos para trabalhos nas fábricas com a apresentação de documentos — certidão de identidade, declaração de autorização dos pais ou responsáveis, comprovantes de aptidão de leitura, escrita e noções de matemática bem como comprovante de atestado médico (LIMA, 2008).

Foi nesse mesmo período que surgiu uma nova concepção de causalidade dos problemas enfrentados pelos “menores abandonados e delinquentes” centrada na pobreza. Essa concepção foi defendida por juristas como Roberto Lyra, apontando como o cerne da questão a

6 Segundo a concepção de Émile Durkheim, a sociedade é delineada de forma orgânica, isto é, busca,

sistematicamente, o equilíbrio. Nesse sentido, todo e qualquer comportamento adjacente ao equilíbrio é percebido como sendo um ato patológico (MELO, 2015).

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indispensabilidade do tratamento humanitário através da justiça social, pois as crianças e adolescentes eram, sobretudo, “(...) victimas dos tentáculos da miséria, da qual decorrem o abandono, as doenças, os vícios, os crimes e tudo o mais (...)” (RIZZINI, 1995, p. 136). Com isso, o problema da infância e juventude saiu da ótica jurídica para o enfoque no meio social. Pensando no processo de judicialização que vinha sendo tratado a infância, as decisões eram realizadas exclusivamente pelo Poder Judiciário e não pelas instâncias tradicionais (Congresso Nacional e Poder Executivo). Com a transferência de poderes — antes concentrada em juízes e tribunais — ocorreram alterações significativas na linguagem utilizada, na argumentação e na maior participação popular (BARROSO, 2008).

Foi fundado, no ano de 1935, o Departamento de Assistência Social do Estado de São Paulo, através da Lei nº 2.497. Na segunda parte da referida Lei, no capítulo I que trata do Serviço de Assistência e Proteção, em seu art. 9, são elencadas as atribuições que viriam a ser desempenhadas pelo Departamento, como a organização do serviço de assistência social, médico e pedagógico; a fiscalização do funcionamento das instituições de amparo a reeducação da infância no Estado, bem como as instituições oficiais e particulares que se encontrassem crianças e ou adolescentes para que fossem, caso averiguadas irregularidades, tomadas as devidas providências (SÃO PAULO, 1935). Dessa forma, o Estado buscava, através desses novos aparatos de controle social, estar sempre se mantendo atualizado sobre a pauta da infância e juventude, inclusive os que se encontravam em regime de liberdade vigiada e de colocação.

Por conseguinte, ainda no ano de 1935, foi instaurado um Instituto de Pesquisas Juvenis (IPJ) ao lado do Abrigo Provisório de Menores do Estado de São Paulo que fazia alusão a um “lar provisório” das crianças e adolescentes que se encontravam aguardando a sentença do juiz. O papel do Instituto, previsto no artigo 74 da referida Lei, era de servir como uma espécie de posto de observação e, dessa forma, nas palavras de Borges e Salla (2018, p. 328), “servir como um fornecedor [de] informações e diagnósticos essenciais para os juízes e mesmo para os administradores dos institutos”.

Sobre os egressos “menores”, a Lei nº 2.497, em seu art. 129 cita somente que são de responsabilidade do Serviço Social de Assistência e Proteção aos Menores e que possuem o direito de realizar consultoria jurídica de seu processo através do Consultório Jurídico de Serviço Social, todavia, em momento algum entra em detalhes sobre o tipo de atendimento ou serviços ofertados durante seu acompanhamento. São especificamente detalhadas somente as seções referentes aos egressos de estabelecimentos correcionais e penais — que eram destinados a maiores de dezoito anos — e dos egressos dos estabelecimentos hospitalares, esse

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último de responsabilidade do Patronato dos Hospitais de São Paulo que foi criado para esse fim (SÃO PAULO, 1935).

Através do Decreto nº 9.744, de 19 de novembro de 1938, foi reorganizado o Serviço Social de Menores (SSM) associado ao Departamento de Serviço Social. Conforme artigo 2 da referida Lei, cabia ao Serviço Social de menores o dever de “amparar os menores de vinte e um anos, egressos de estabelecimentos do Serviço, ou por este fiscalizados, auxiliando-os em seu reajustamento” (SÃO PAULO, 1938). De acordo com o artigo 11, da mesma Lei, era de competência da subdiretoria de Vigilância a oferta de serviços e cuidados aos egressos e externos para sua reintegração social. Já no artigo 15, é atribuído ao subdiretor a organização do Serviço de Egressos e Externos, classificando-os em três grupos: menores egressos; menores à soldada; menores externos em geral. No mais, seria criada em cada município uma comissão de cooperação, que estaria “integrada por elementos de eficiência social e reconhecida idoneidade” no sentido de “promover o amparo aos menores egressos dos estabelecimentos, mantidos ou fiscalizados pelo Serviço” (SÃO PAULO, 1938).

É partindo desse enfoque social que em 1938 o Conselho Nacional de Serviço Social é fundado com fins de “suprimir os sofrimentos causados pela pobreza e miséria” (RIZZINI, 1995, p. 137) e mais à frente, em 1940, é fixado as bases da organização da proteção à maternidade, à infância e à adolescência através do Decreto-Lei nº 2.024 de 17 de fevereiro (BRASIL, 1940). Subsequente, em 1942, foi instaurado em âmbito nacional o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), como um aparato específico para assistir os “menores desvalidos e delinquentes” numa ótica social através da formulação e implementação da Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM). Não obstante, contraditoriamente, o SAM se estruturou na mesma ótica de manter marginalizados socialmente aqueles que tiveram uma infância “desvalida e delinquente”, sobretudo em razão da orientação correcional-repressiva que ele se estabeleceu, e, por esse motivo, manteve uma política institucionalizadora e repressora como forma de reverter o quadro da marginalidade e miserabilidade social (COSTA, 2012).

Através do SAM surgiu uma diferenciação na alocação do “menor delinquente” e do “menor carente e abandonado”, sendo o primeiro encaminhado a um reformatório ou casa de correção para seu “reajuste” e o último encaminhado ao Patronato Agrícola7, local em que receberia incentivos à educação profissional. Todavia, como afirma Nagle (2001 apud Nery,

7 Patronato é uma palavra originária do latim, patronatu. Apresenta quatro significados distintos na língua

portuguesa, sendo dois deles muito pertinentes para esse estudo e por isso aqui citados, são eles: instituição de assistência, na qual se abrigam e educam menores; e, pensionato e estabelecimento público ou particular, que se destina a proporcionar aos liberados condicionais os meios necessários à sua readaptação à vida social (Ferreira, 2002, apud, Nery, 2009, p. 10).

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2009), esses centros explicitamente mais se baseavam em um plano assistencial de regeneração pelo trabalho do que de um meio de oferta de educação técnico-profissional. Esse tipo de diferenciação concebida era amparado pelo discurso de que não havia internato suficiente para abrigar todas as crianças e adolescentes em conjunto, sendo este o único meio disponível. Em outras palavras, assim como no período do Código de Mello Mattos, esse novo sistema se parecia somente com mais do mesmo, sendo uma forma legitimada de manter a ordem social e de acordo com suas próprias regras, restritas e autoritárias, decidir o destino da infância e juventude carente. Consoante a essa reflexão, Faleiros (2009), expressa o seguinte:

A implantação do SAM tem mais a ver com a questão da ordem social que da assistência propriamente dita. [...] Vinculada ao Ministério da justiça e do juizado de menores, tem como competência orientar e fiscalizar educandários particulares, investigar os menores para fins de internação e ajustamento social, proceder ao exame médico-psicopedagógico, abrigar e distribuir os menores pelos estabelecimentos, promover a colocação dos menores, incentivar a iniciativa particular de assistência a menores e estudar as causas do abandono (FALEIROS, 2009, p. 55).

Dessa forma, ao mesmo tempo que o Estado assumiu a responsabilidade para com as crianças e adolescentes abandonadas ou que haviam cometido algum delito, terceirizou e privatizou essa competência no intuito de atuar apenas na esfera da regularização e fiscalização através do SAM. Assim sendo, firmou parcerias com empresas privadas ficando responsável somente com o repasse de recursos financeiros pelos serviços prestados, o que caracterizou, nas palavras de Costa (2012, p.7) “que o governo não havia assumido diretamente e exclusivamente o atendimento ao menor”.

Mesmo se colocando como o responsável unicamente da fiscalização, o SAM não se encarregou de tomar nenhuma providência sobre as séries de denúncias noticiadas pela imprensa dos maus tratos, abusos dos mais diversos8, torturas e corrupção administrativa dentro das instituições de reclusão designadas de assistenciar e prover o acesso a educação, bens e serviços a crianças e adolescentes (COSTA, 2012). Em consequência, isso foi inevitável que o SAM malograsse, ficando conhecido pela população sob alcunha de “sucursal do inferno” e “universidade do crime”9.

Além do SAM, em 1942, havia sido criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial — SENAI, através do Decreto nº 4.048, de 22 de janeiro, pelo presidente Getúlio

8 O Serviço de Assistência ao Menor (SAM) desenvolveu uma péssima reputação — tanto pela imprensa quanto

pela população — sendo chamada de “universidade do crime” e “sucursal do inferno”, pois segundo eles, funcionavam como verdadeiras prisões em que se imperavam torturas, drogas, violência, abuso sexual e corrupção administrativa (GOMES DA COSTA, 1991 apud OLIVEIRA, 2007, p. 138).

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Vargas. É importante resgatar esse período, que ficou conhecido como Estado Novo10, pelo seu destaque na história da economia brasileira, especialmente no que concerne ao processo de industrialização do país em virtude dos problemas econômicos enfrentados com a II Guerra Mundial que demandavam a atenção do Estado. O SENAI surge através do estabelecimento de parceria entre o setor público e o setor privado, sendo financiado e mantido com recursos empresariais e administrado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Sua criação tem propósitos bem definidos, centrados na capacitação e formação de crianças e adolescentes carentes que posteriormente viriam a se tornar trabalhadores das grandes indústrias do país. Essa foi uma das brilhantes ideias do governo de Getúlio Vargas; baseada na ótica da “regeneração pelo trabalho”, o Estado conseguia sem custo formar seu exército de mão-de-obra especializada que, posteriormente, serviria as grandes indústrias que “patrocinaram” esse acordo. Com isso, todos ficavam felizes: os empresários com seus grandes lucros, a indústria nacional com seu desenvolvimento e incentivo e o Estado que “regenerava” e mantinha os “menores” na linha. Nota-se, portanto, as sutilezas presentes nos discursos “progressistas” da época, através das implementações de legislações protecionistas à infância e juventude que nada mais eram que apenas fachada para legitimar a mão-de-obra barata como reforço ao “progresso nacional”.

Indiretamente o Código Penal de 1940 veio a ser um marco na história da legislação da infância e juventude em virtude de apresentar, em seu artigo 23, penalmente irresponsáveis os menores de dezoito anos, discriminando assim crianças, adolescentes e adultos através de critério biológico de discernimento, como bem denota Bizatto e Bizatto (2014):

Segundo as normas do Código Penal Brasileiro de 1940, os menores de 18 anos que infringissem a lei penal não poderiam ser submetidos ao processo criminal comum, isto porque baseava-se na presunção absoluta de falta de discernimento. O legislador entendeu que para punir é necessário ter esclarecimentos acerca da infração e como a personalidade do menor ainda não estava concluída, não era possível puni-lo. Aliás, é da essência da lógica e da razão que para ser punido é preciso ter entendimento (BIZATTO; BIZATTO, 2014, p. 27).

Conforme o exposto, em termos de avanço legislativo esse foi um marco da época, sobretudo por trazer garantias mais sólidas do direito protecional da criança e do adolescente. Em 1944 foi instituído o Decreto nº 16.575, de 11 de setembro, que preteria uma reorganização do ordenamento jurídico, instituindo ao SAM novas atribuições e o subordinando ao Poder

10 Estado Novo ou Terceira República Brasileira como também ficou conhecido, foi o regime político brasileiro

instaurado por Getúlio Vargas de 10 de novembro de 1937 a 31 de janeiro de 1946. Esse período foi caracterizado pela centralização do poder, pelo nacionalismo, “anticomunismo” e pelo autoritarismo (CODATO, 2013).

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Executivo articulado ao Juizado de Menores. Dessa forma, a concepção de menor passou a ser destaque entre um embate entre o poder executivo e legislativo, num conflito extenso entre ser o menor objeto de direito ou sujeito de direito, respectivamente. Como objeto de direito, lhe seriam aferidas concessões do ordenamento jurídico em virtude do interesse público, sendo assim, as prerrogativas instituídas para a população em geral teriam validade também para a infância e juventude, tal qual se fosse sujeito de direito, seriam criadas leis que não apenas lhe contemplassem, mas que fossem específicas e conseguissem protege-lo (MARTINS, 2009).

No ano de 1946 houve a criação pela Organização das Nações Unidas11 do Fundo Internacional de Emergência para a Infância das Nações Unidas12 (UNICEF) a fim de orientar ações assistenciais no plano jurídicoe de responder às demandas das crianças em virtude da II Guerra Mundial. (UNICEF, 2017). Nesse mesmo ano foi instituído o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial — SENAC nos mesmos moldes e para os mesmos fins lucrativos que o SENAI.

Em decorrência da necessidade da criação de uma legislação que reconhecesse e efetivasse os direitos e proteção da criança e do adolescente (COSTA, 2012), em 1948, foi realizado o IX Congresso Pan-americano da Criança13 em Caracas, capital da Venezuela. Posteriormente à criação do UNICEF e da realização do IX Congresso foi promulgado a Lei nº 3.133, de 8 de maio de 1957, modificando o instituto da adoção prescrita no Código Civil (BRASIL, 1957). Apesar de não parecer um marco significativo, a promulgação dessa Lei foi basilar para os avanços que sucederam na esfera do direito da criança e adolescente. Através dela foi legitimada a adoção e criados programas para subsídios familiares e isso implicou aos poucos no reconhecimento do papel da família por parte do Estado no processo de ressignificação14 dos conflitos com a Lei enfrentados por crianças e adolescentes que deixou de ser étnico, econômico, psicológico e moral e passou a ser tratado na esfera social.

11 A Organização das Nações Unidas foi criada através do tratado estabelecido na Carta das Nações Unidas,

assinada em São Francisco, em 26 de junho de 1945, após o término da Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, entrando em vigor a 24 de outubro daquele mesmo ano (ONUBR, 2019).

12 Em inglês: United Nations International Children's Emergency Fund - UNICEF.

13 A gênese dos Congressos Internacionais da Criança e do Adolescente são datados do século XX, na Europa, no

objetivo de tratar sobre temas relativos à infância, prática que mais à frente se estendeu também à América. O Primeiro Congresso Pan-Americano da Criança foi realizado em 1916, em Buenos Aires através de sete sessões: direito, higiene, psicologia, educação, assistência à mãe e à criança, sociologia e legislação industrial (SOUZA; CORDEIRO, 2015).

14 Não confundir ressignificação com ressocialização. O processo de ressignificação diz respeito ao

desenvolvimento de uma nova perspectiva de vida e a superação de antigas práticas desempenhadas a partir de um processo sistemático de valorização e autonomia do ser humano para que seja atribuído um novo significado a vida, ao meio social e as relações do indivíduo. Já ressocialização diz respeito ao processo de reintegração à sociedade com os aportes realizados através das medidas socioeducativas (SEBBEN; PIMENTEL, 2018).

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Em 1959, a ONU, através do UNICEF, elaborou a Declaração Universal dos Direitos das Crianças, aprovada por unanimidade no dia 20 de novembro do mesmo ano pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. Esse documento tem grande importância devido a ser “o primeiro código internacional que reconhece os direitos das crianças em matéria de cuidados de saúde, nutrição, educação e proteção” (UNICEF, 2017). Entre os dez princípios elencados na Declaração, para efeito de elucidação e análise, dou destaque aos mais pertinentes no que concerne a criança tida como “menor abandonado e/ou delinquente”:

Princípio 1º: A criança gozará todos os direitos enunciados nesta Declaração. Todas as crianças, absolutamente sem qualquer exceção, serão credoras destes direitos, sem distinção ou discriminação [...] ou qualquer outra condição, quer sua ou de sua família.

Princípio 2º: A criança gozará proteção social e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidade e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição das leis visando este objetivo levar-se-ão em conta, sobretudo, os melhores interesses da criança.

Princípio 7º: A criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário. Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais [...].

Princípio 9º: A criança gozará proteção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração. [...] Não será permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada a ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira em seu desenvolvimento físico, mental ou moral (BRASIL, 1959).

Esse notoriamente foi o documento mais completo e avançado se tratando do direito da criança e do adolescente promulgado até a época. E foi dessa forma que se iniciou a década de 1960 no Brasil; com discussões sobre a reforma de base, direcionamento de uma política de bem-estar social após todos os esforços empregados para que o Brasil viesse a assinar a Carta das Nações Unidas, todavia, contraditoriamente, nessa mesma década, a partir de 1964, se instaurou a ditadura militar no país15. Dado o cenário, o compromisso firmado pelo Brasil e, vale ressaltar, a repercussão negativa que as instituições governamentais tiveram no que se refere ao tratamento humanitário da criança e adolescente desassistida ou que havia cometido algum ato infracional, no final do ano de 1964 foi extinguido o SAM. Contudo, para que pudesse continuar seu sistema de controle, o Estado instaurou um novo aparato para oferta dos

15 Em linhas gerais, a ditadura militar no Brasil iniciou em março de 1964 e perdurou por um período de vinte e

um anos. Durante seu regime, houveram 6 mandatos militares e foram instituídos dezesseis atos institucionais – mecanismos legais que se sobrepunham à constituição. As principais características desse golpe contra a democracia foram a restrição à liberdade, repressão aos opositores do regime e forte censura (CARVALHO, 2018).

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serviços de assistência a “menores” chamado Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM). Conforme pontuado por Daminelli (2017, p. 2) “paulatinamente, as instituições e a população infantojuvenil (sic) assistida pelo órgão [SAM] foram incorporadas à FUNABEM, herdeira inevitável de um arcabouço material e simbólico do qual imperava distanciar-se”. Nesses termos, um dos maiores objetivos do Estado através da FUNABEM era o de desfazer a imagem negativa que a população criou dos internatos, especialmente do infortunado SAM.

A Fundação Nacional para o Bem-Estar do Menor (FUNABEM) foi criada em 1º de dezembro de 1964 através da Lei nº 4.513, no objetivo de integralizar as atribuições do Serviço de Assistência a Menores (SAM) assim como “formular e implantar a política nacional do bem-estar do menor, mediante o estudo do problema e planejamento das soluções, a orientação, coordenação e fiscalização das entidades que executem essa política” (BRASIL, 1964). Contudo, apesar de bem definidas as atribuições da FUNABEM, consoante a “clara prevalência da ideologia política sobre a filosofia-jurídica” apontada por Alves (2001, p. 12) que era preponderante no nosso país, sobretudo pelo cenário que estava sendo vivenciado com o combate a “ameaça comunista”, foram priorizadas ações que viessem a inibir a veiculação de mídias que tratassem de temáticas de crimes, terror ou violências e foram adotadas medidas de repressão através de castigos físicos como medidas de correção (ALVES, 2001).

Entre os princípios instituídos pela FUNABEM e disseminado pelas suas congêneres estaduais chamadas de FEBEMS, Alves (2001, p. 12) traz que a prioridade era “[...] para programas de assistência à família e colocação em lares substitutos; criação de instituições que possuam características de vida familiar; e respeito às peculiaridades das comunidades das diversas regiões do país”.Contudo, ainda numa ótica organicista no tratamento da temática do “menor”, durante um longo período foi de preocupação da FUNABEM elaborar estudos e sistematizar características comuns a crianças e adolescentes no que concerne aos seus aspectos sociais, pedagógicos, psicológicos, jurídicos e referentes à saúde (TATAGIBA, 2008) conforme brevemente apresentado a seguir:

Sob o ponto de vista social [eram características dos menores]: desagregação familiar, incapacidade física e mental dos pais, rejeição, conduta divergente. Quanto ao enfoque pedagógico, as características do processo refletem carência de ordem: escolar, de socialização, mental, sensorial (deficiências), emocional. No aspecto saúde, o processo de marginalização evidencia-se sob a forma de: doenças mentais, doenças infecciosas, doenças verminóticas e carenciais [...] (FUNABEM, 1976, p. 17-18 apud TATAGIBA, 2008, p.14).

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De acordo com esses estudos foram delineados pela FUNABEM quatros tipos de “menores” e desses se destacaram três deles16 sendo: o menor pré-marginalizado de 0 a 9 anos, o menor de "acesso" com idade entre 10 e 13 anos e o menor do tipo "final" com idade entre 17 e 18 anos. Através dessa classificação que a FUNABEM se destacou no que diz respeito as primeiras proposições de práticas preventivas e educativas em detrimento de práticas corretivas e repressivas.

Através da Lei nº 5258, de 10 de abril de 1967, foi criado o dispositivo que versa sobre as medidas aplicáveis a crianças e adolescente de até dezoito anos incompletos que cometessem algum ato infracional. Assim sendo, de acordo com os artigos 1 e 2, caso a criança ou o adolescente transgrida, ela ficará sob tutela do Estado que averiguará o precedente e de acordo com a personalidade e a natureza do ato, aplicará medidas de proteção, assistência e vigilância. Nesses termos, caso o adolescente tenha idade inferior a dezoito anos e superior a quatorze anos, e praticado algum tipo de delito que não culminou na sua internação em alguma instituição de responsabilidade do Estado, assim como por motivo de interpretação do juiz em “indícios” dado pela criança ou adolescente da sua conduta, ele poderá cumprir sanção em estabelecimento próprio para sua condição em consonância com esta Lei (BRASIL, 1967).

A década de 1970 no país é marcada por intensos debates no campo do direito da criança e do adolescente, sobretudo nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, palco das principais decisões jurídicas da temática. Enquanto no Rio de Janeiro era defendido que a interpretação do juiz prevalecesse para a aplicabilidade da lei, em São Paulo juristas defendiam que a raiz do problema estava na estrutura perversa que moldou a sociedade e, portanto, as crianças e adolescentes nada mais eram que vítimas desse sistema devendo dessa forma ser dado as condições basilares para que esse sistema se modificasse (RIZZINI, 1995).

É dessa forma que o Estado de São Paulo munido das ideias de seus juristas decide transformá-las em práticas e funda, em 1973, através da Lei nº 185, de 12 de dezembro, autorizado pelo Poder Executivo a Fundação Paulista de Promoção Social ao Menor (PRO-MENOR). Uma particularidade dessa lei foi a instituição da participação popular no Conselho Estadual de Promoção Social do Menor, ainda de maneira atravessada, já que seus membros eram indicações do Governador, contando, também com entidades de iniciativa privada.

Em 1975 é criada a Comissão Parlamentar de Inquérito formada por deputados da Câmara Federal designados para tal fim. No intuito de apurar a realidade dos “menores”, foram elaborados e enviados para os 3.953 munícipios brasileiros questionários sobre a situação da.

16 Este modelo implantado pela ditadura ainda não foi totalmente superado; dado a configuração da segurança

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Como resultado, esse estudo criou um relatório que apresentou uma situação calamitosa no que diz respeito a assistência de crianças, adolescentes e suas famílias. Em virtude do número de questionários e análises de dados necessárias a Comissão levou um ano para concluir o relatório e apresentar seu conteúdo. A proposição foi levada a plenária do dia 23 de junho de 1976, sujeita à apreciação e aprovada (PRC 81/1976 CPIMEN — Projeto de Resolução) que posteriormente foi transformado na Resolução da Câmara dos Deputados 21/1976. Nas palavras de Boeira (2015, p. 174):

O relatório da CPI do Menor tem no seu bojo caráter salvacionista, identificando crianças e adolescentes como vítimas de disfunção social, que, por não disporem de renda suficiente, têm insatisfatória participação no consumo de bens materiais e culturais e não usufruem os serviços de saúde, habitação, alimentação, educação, profissionalização e recreação, tornando-os párias numa sociedade cada mais vez mais excludente.

Nesse sentido, o relatório busca apresentar um diagnóstico da conjuntura vivenciada pelas crianças e adolescentes dentro de um panorama mais amplo da modernização acelerada e urbanização dos grandes centros nas quais esses indivíduos foram excluídos dos processos de produção, consumo e cidadania. Por conseguinte, é identificado que a abordagem utilizada para reconhecer a criança e ao adolescente assim como os termos depreciativos para caracterizar o “menor” como abandonado, carente, desassistido, delinquente, perverso, infrator culmina também na marginalização e exclusão social do mesmo, e como bem denota Boeira (2015, p. 193-194) “para entender o lugar social que a criança (menor) ocupa na historiografia, não se analisa fragmentos de forma isolada” porque perde-se de vista os sujeitos coletivos dessa história, a identidade desses indivíduos, todo o contexto que os cerca, todos os enlaces e entrelaces que denotam e nos contam essa história de maneira mais completa.

Destarte, Alvim e Valladares, 1988, vem ressignificar a importância dessa comissão e desse documento para a época:

[...] a CPI pode ser entendida como um marco, em duplo sentido. É o reconhecimento que a chamada “questão do menor” tornara-se prioritária e que o Código de Menores de 1927 já estaria defasado18 por não instituir mecanismos “eficazes” no tratamento do chamado “menor infrator”. Por outro lado, o documento resultante da CPI tornou-se “o diagnóstico” da situação do menor pobre no país e os dados que produziu se revestiram de tal legitimidade que se tornaram citação obrigatória em todos os documentos oficiais e referência importante em todas as pesquisas sobre o tema. A CPI do Menor revelava a existência, em 1976, de 13.542.508 menores em situação de carência (aqueles cujos pais ou responsáveis não possuem condições para atender às suas necessidades básicas) e 1.909.570 abandonados (não têm pais ou responsáveis para o atendimento de suas necessidades básicas). Informava também que, em 1975, 11.812 delitos haviam sido praticados por menores,

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