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Os impactos da medida socioeducativa na garantia dos direitos e na vida do adolescente egresso, autor do ato infracional, e sua reinserção social

3.1 A privação de liberdade e o Sinase como marco legal na consolidação das medidas socioeducativas na perspectiva dos direitos

A Lei 12.594/12 institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e orienta a execução das medidas remetidas aos adolescentes que pratiquem ato infracional. Sendo o Sinase um subsistema do Sistema de Garantia de Direitos (SGD), se articula com os demais subsistemas – Saúde, Educação, Assistência Social, Justiça e Segurança Pública – e conta com princípios, regras e critérios próprios que norteiam a execução da medida socioeducativa (BRASIL, 2012).

O entendimento adotado ao significado de medida socioeducativa é comum entre o ECA e o Sinase, tendo por objetivo a responsabilização do adolescente quanto ao ato infracional praticado, sua reintegração social com a garantia dos seus direitos individuais e a efetivação de sua sentença, seja em meio aberto ou com privação máxima de liberdade, de acordo com a gravidade da infração e demais parâmetros previstos em lei. Nesse sentido, as medidas têm um caráter dual: socioeducativo e pedagógico.

A temática da responsabilização parte do entendimento que o adolescente deve protagonizar e assumir seu próprio conflito, para que venha a sanar o contexto de violência que protagonizou como autor. Para tanto, são priorizadas as práticas restaurativas e instituído – no planejamento da sanção outorgada – ações que primem pela proteção e regulamentação dos direitos e deveres do adolescente (BELO HORIZONTE/MG, 2014).

O Sinase, enquanto sistema nacional, é coordenado pela União, integrado aos sistemas estaduais e municipais que implementam seus respectivos programas para execução das medidas socioeducativas. É competência do município a execução das medidas em meio aberto e do Estado a execução das medidas em meio fechado. Quanto a organização e funcionamento dos sistemas, a lei confere plena autonomia aos sistemas estaduais, municipais e distrital de modo que eles possam designar o órgão da administração direta responsável pela coordenação da execução e gestão desde que subscritos no Plano de Atendimento Socioeducativo. Todavia, o que se verifica na prática é que essa autonomia dos órgãos é limitada, tendo em vista os problemas financeiros vivenciados. Desde 2008, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) passou a financiar a execução das medidas socioeducativas em meio aberto através dos Centros de Referência Especializados em Assistência Social (CREAS). Nesse sentido, o Governo Federal estabeleceu como critério para o cofinanciamento que o próprio CREAS executasse as medidas socioeducativas. A aceitação desse acordo significou mais que o aceite do cofinanciamento, mas sobretudo, a anuência às regras estabelecidas pelo

MDS para gerência dos sistemas socioeducativos como uma forma de submissão (BELO HORIZONTE/MG, 2014). À vista disso, os municípios ficam reféns dos cofinanciadores em virtude de não ter verba suficiente para financiar esse sistema sem precisar recorrer a parcerias como a já supracitada ou mesmo a organizações não-governamentais a fim de firmar convênios que não limite tanto sua autonomia.

O Sinase se estabeleceu não somente, mas especialmente para criação e divisão das competências da gestão das medidas socioeducativas com inspiração na própria Constituição Federal. Essa divisão estabelecida levou em conta a necessidade de suporte e apoio necessário dos entes federativos com mais recursos – financeiro, logístico e técnico – aos entes menos avantajados, todavia, mais próximos do público alvo. Conforme explicitado pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (2014, p. 10) “a repartição clara de competências, entre os entes federados com relação à execução de medidas socioeducativas, revela um indiscutível avanço em relação à pretérita indefinição na legislação anterior”. Assim sendo, o ECA por mais que trouxesse algumas particularidades da execução das medidas socioeducativas, não explicitava a competência e essa omissão por muitos anos serviu de justificativa para que não fossem ofertados esses serviços (BELO HORIZONTE/MG, 2014).

Quando da implantação e execução das medidas socioeducativas após a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente – que veio trazendo em si uma nova concepção de direitos e deveres inerentes à criança e ao adolescente – não houve um rompimento total com as antigas práticas de repressão e institucionalização. Conforme o Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais vem apontar:

O simples aproveitamento das estruturas fundacionais antigas (FEBEM e congêneres), ou a reprodução dos paradigmas do sistema penal (carcerário ou aberto) para a execução das medidas socioeducativas, sem a necessária modificação dos paradigmas atinentes aos seus próprios fins, referências técnicas e estruturação de um sistema próprio para o atendimento dos adolescentes, evidentemente, revelou-se um equívoco. Essa mera reprodução redundou na renovação (ou mera continuidade) de práticas tutelaristas, de um lado, ou penalistas, de outro. Repetiu-se o modelo antigo, em franco confronto com a perspectiva constitucional da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento já estabelecida pelo novo paradigma constitucional (art. 227, §3º, V, da Constituição Federal) (BELO HORIZONTE, 2014, p. 11).

O processo de ruptura com as velhas práticas vem sendo perpassado lenta e gradualmente na medida em que se identifica e se conjectura necessidades internas ou externas de mudança. Essas necessidades – quando acompanhadas das intencionalidades do Estado –

impulsionam o desenvolvimento de novas metodologias e ações para dar continuidade as conquistas sociais surgidas a partir da década de 1980.

É nesse sentido que a participação tripartite se faz tão importante. Através do envolvimento do Estado, família e comunidade, como coparticipantes ativos de um projeto social na ótica de garantia de direitos, proteção e criação de vínculos, intenciona-se o efetivo funcionamento da inclusão social desses indivíduos dentro de uma ótica cultural, econômica, social e política, pois são esses três grupos os principais agentes que podem vir a contribuir para a mudança dessa lógica de inclusão perversa.

No que diz respeito aos programas de privação de liberdade – tanto para cumprimento de medida socioeducativa de semiliberdade como medida socioeducativa de internação – há a existência de requisitos específicos para inscrição e funcionamento, sendo eles: a devida comprovação da existência de estabelecimento educacional com instalações adequadas e em conformidade com as normas de referência; a previsão do processo e dos requisitos para a escolha do dirigente; a apresentação das atividades de natureza coletiva; a definição das estratégias para a gestão de conflitos, vedada a previsão de isolamento cautelar, exceto nos casos previstos no §2º do art. 49 desta Lei; a previsão de regime disciplinar nos termos do art. 72 desta Lei (BELO HORIZONTE/MG, 2014).

O ECA diferencia a medida socioeducativa de semiliberdade da medida socioeducativa de internação, em virtude da primeira admitir a realização de atividades externas independente de autorização judicial. Tem-se como princípio a incompletude institucional e a necessidade do apoio da comunidade na oferta de serviços para os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de semiliberdade (BELO HORIZONTE/MG, 2014).

A medida de internação possui como princípios a brevidade, a excepcionalidade e respeito a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Nesse sentido, a brevidade representa seu tempo máximo de permanência em estabelecimento de privação de liberdade por três(03) anos completos, respeitadas as avaliações realizadas estritamente até a completude do semestre; a excepcionalidade, tendo em vista que ela é a última das medidas a ser aplicada ao adolescente na medida que a privação de liberdade, mantendo o adolescente mais afastado da família – por mais que ele tenha visita uma vez por semana – e da comunidade a que ele pertence; respeito a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento diz respeito as peculiaridades e variações existentes entre todas as pessoas, devendo ser respeitadas as suas crenças e tradições, lhe assegurado o direito de sair da instituição respeitando a sua liberdade de acesso a bens e serviços (BELO HORIZONTE/MG, 2014).

É direito do adolescente em privação de liberdade ter acesso as atividades externas à instituição, desde que expressamente autorizado por equipe técnica responsável. Os casos contrários a efetivação desse direito precisam estar expressamente amparados por determinação judicial desfavorecendo a saída do adolescente da instituição (BELO HORIZONTE/MG, 2014).

A lei 12.594/12 é contrária ao isolamento cautelar, com exceção do caso previsto no art. 48, §2º, que admite o isolamento do adolescente quando for indispensável para garantia da segurança de outros adolescentes lotados na mesma unidade de internação ou necessária segurança do próprio adolescente (BELO HORIZONTE/MG, 2014).

Em relação a existência de estabelecimentos educacionais dentro das unidades, o Sinase sinaliza a necessidade da oferta desse serviço somente em unidades de internação, isso porque prima que as atividades educacionais e profissionalizantes dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de semiliberdade sejam realizadas fora da unidade de atendimento. As instalações dos estabelecimentos educacionais devem estar em consonância com as normas de referência – Resolução CONANDA nº 119/06, Lei de Diretrizes e Bases e demais normas – para que a estrutura física seja compatível e atenda as necessidades de uma unidade de atendimento socioeducativo. Há alguns critérios de normatização para criação, estabelecimento, formação da equipe mínima e os objetivos a serem alcançados pelo Centro de Atendimento Socioeducativo (BRASIL, 2012). Especificamente para entidades e/ou programas que executam a medida socioeducativa de internação, o SINASE preconiza que para o atendimento de até quarenta (40) adolescentes a equipe mínima deve ser organizada conforme quadro 1 a seguir:

Quadro 1 – Equipe mínima para atendimento de até 40 adolescentes em cumprimento de Medida Socioeducativa de Internação (MSE)

EQUIPE MÍNIMA PARA ATENDIMENTO DE ATÉ 40 ADOLESCENTES EM