CENTRO DE
CIENCIAS
DA
EDUCAÇÃO
_
PROG1w\z1A
DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM
EDUCAÇÃO
CURSO DE
MESTRADO
EM
EDUCAÇÃO
.~
EDUCACAO
ESPECIAL
E
DEFICIÊNCIA
MENTALá
DA
EXTRAÇÃO DO
SABER
AO
EXERCÍCIO
DO
PODER
Dissertação submetida ao Colegiado*
do Curso
de
Mestrado
em
Educação
do
Centro deCiências
da Educação
em
cumprimento
parcial'para a obtenção
do
título de Mestreem
Educação. `
MARIA
ELISABETE
ARCHER
TOMASINI
z
›
FLORIANÓPOLIS
UNIUERÉIDÊUE FEDERQL
DE
SANTÊ CÊTÊRINA
ÚENTRO
DE
CIÊNCIQS
Dá
EHUCÉCÃU
PROGRÊMÉ
DE
PóS~GRàUUêCãU
EH
EHUCACÃO
EURÊO
UE
HESTRAUO
EH
EHUCÊCÃU
EDUCQÇÃÚ ESPECIAL
E
UEFÍCIÊNCIâ
HENTÉL:
UA
EXTRäÇ5Ú UU`SñBER
ñü
EXERÚÍCIU
DU
PUDER
Uisãertação eubmetida
ao
.Colegiado
do
Curfio
de
Hfifitrado
Em
Educacão
du
Centru
de
Ciênciaâ
da
Educacão
em
cumprimento parcial
para
aobtenção
do
título
de
Hefitre
Em
Educaçäo.~
HrRUUñBfi
PELÉ
CUHI5$ã0 EXñHÍNäUORA
em
04/®8/94
-1 ._ ¶ ~ _.\ \L. . .~. ;;| `;__.. _ _ §_~__,()`\.. I 1 ¿.. Vffflw/1,-¡/{ zy/Q//Í.
Pror.
Dr.f5eüvíno
w¿â55mann“ÍDfl1entador)
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ProFÊ.fH.$C. EL}%3beth Jufiham Machado
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Prof.
ür.?Jú11n`Romèro
Fšâueixa (Examinadorš
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Mr».,KuzyÂ@te`h;moe§
Hlnela khxamlnadora)
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H.bb+~Márfiü'fiurš1iQ
de
Aguiar Teixeira
ífiuplfinteš
.
.
./
- .Màfllà ELIsâBETE êRcHER Tufiàslul
Florianóbolifi, Santa Catarina
A
Betty e Selvino, parceiros desta "viagem",que
comigo
traçaram as rotas, impedindoque
o
"barco'fficasse à deriva.
Aos meus
filhosAndré
e Daniel, companheiros pela vida afora.` 5 ff.
Í
I 0 «Qu .Il~.- ^-z;:›_«=_ -_ . .~".` .-z _ .W .¬ ru. f¿ 1- «I .\¬.`. \r 1 v ._‹-‹.__'* _.. , §,: z..--:.\.z f-¿'~ P; ; › z¡¿›;. _l›_¡:m~- .I :-';“_i; «_ ~‹ ._z,_ ¬..‹.. ; aff' š 11': _ ' ..~ z. , .z:'-r;'_'.".-._ . Y. ".-1* Í El L.: f' 1-- ‹. < z› H `- -- ¬-...Q _; › _ né - › L., -«. ._, _; . _-.'.... .› 4 ,. . » Y. _. › .V _ ___..`., ., ‹_«.Uz ` 'ff 1 ‹'~;:>z› ' w I' 9! ' .'<=¬'_ ".- \ . ..;~. \ W.-.. ~ ',Jr
; z.. -ø»‹ :Í ' .'.f .: 'T- Í.'1›`í~¡L..» f' ^'¬“ _,-¡;¡¡z__ .f _-_ 4' / /.. -*z 4 Kf-':'¿~' .\\.-3`l*:~\".¡_.v\`\' ' ' 'I' f ,_ -» ` .. ., .- -¬ ..~ .À zn Í: iv. .-1- »-1.*-'_7 ‹_ . ' H.- M1 _ zw.ê..
. = _~×-.-1'Í
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0! ilg. .`à.*¡' .¿;~¿,.l z- .:_z ' ,as '2u\:_' .`. z- -_._--_ _ - u-,¬~ _- 1""~›`~ ` ---'-; .‹-'. yfl- ,Â-.:"' ¿,. . E ` /-f,.'Í.ƒ}'ø"ëvvp- .rn I `z` ~¬ *.~.V q ›.- . ...- ›- .. 'ií'- ~- . .. _¬_.. ,.. _ ,` .›‹z z-¬- 1.."Z:` _ 'ÍH .-«M fi'~ .._ _.¬ :__;.:... › - *.. _ ~ _ ._ _ _z\'.~¡,, ~ '-,'!,.¬_ .. . _ _¿..___, _ 1 _¿. _..-...., ,.4 M - . › ' °~‹_-z.. ¬ 3 -.~Í 'a '_ ; .A -`¬^ \._` 1 -.¡n¬,:_ ..¡.`_, `. I. . oz'~-«_`»
-, wzáxú.verdade a ser dita e a ser vista,
uma
verdade talvez adormecida,mas
que
no
entanto estásomente
à espera de nosso olhar para aparecer, à esperade
nossa
mão
para ser desvelada.A
nós cabe achar aboa
perspectiva,o
ângulo correto, os instrumentos necessários, pois de qualquer maneira ela
está presente aqui e
em
todo lugar'.Mas
achamos também,
e deforma
tãoprofundamente
arraigadana
nossa civilização, esta idéiaque
repugna âciência e â filosofia:
que
'a verdade,como
o
relâmpago,
não
nos esperaonde temos
a paciência de emboscá-la e a habilidade de suipreendê-la,mas
que
tem
instantes propícios, lugares privilegiados,não
só para sairda
sombra
como
para realmente se produzir.Se
existeuma
geografiada
verdade, esta é a dos espaços
onde
reside, enão
simplesmente ados
lugares
onde
nos colocamos paramelhor
observa-la.Sua
cronologia é a dasconjunções
que
lhepermitem
se produzircomo
um
acontecimento, enão
ados
momentos
que
devem
ser aproveitados para percebê-la,como
por
entre duas nuvens.
Poderíamos
encontrarna
nossa história todauma
"tecnologia" desta verdade: levantamento
de
suas localizações, calendáriode suas ocasiões, saber dos rituais
no
meio
dos quais seproduz"
ABSTRACT
This research deals With the relationships Within institutions of Special Education; it
focuses specifically the cross-relationship
between
professionals and mentally handicappedindividuals. It underscores those aspects
Which
are related toknowledge
production
and
power
relationships as something createdand
transmittedby
the very participatorsof
institutional dynamics. “
_ It then studies both discipline
and
disciplining characterby which
Special Educationcanies
on
its practices,which by
means
of
strategies, techniques and specializedmethods
strires for the transformation
of
the mentally handicapped, i.e., their integrations into- themainstream
of
society..The
study points out thecommonly
recurring practicesamong
institutionsof
SpecialEducation; although
one
of these institutionswas
given as an example,none
ofthem
was
intended as a pointof
reference.The
day-to-day institutional aspects referred to in the research are analyzed usingM.
Foucault's
Works
as amain
framework, in his approaches tothe individuals as object
of
knowledge and
subjectof
thepower
networks. This very power, exercised ingoveming
others, imposes
on
them
a setof
specialmechanisms
that shape their behaviorand
bring about a modified individuality - one has to bear inmind
that in Foucault'sview
"govemment"
does not refer only to political structures or State
management,
it refers as welll to dealingO
presente trabalho realizaum
estudo das relaçõesno
interior das instituiçõesde
Educação
Especial, tendocomo
eixo de .visibilidade a intersecção entre os proñssionaisespecializados e os indivíduos portadores de deficiëncia mental.
Dá
ênfase àqueles aspectosque dizem
respeito àprodução do
saber e às relaçõesde poder
como
algo construído eveiculado pelos próprios participantes da dinâmica institucional.
Analisa
o
caráter disciplinar e disciplinadorcom
que.aEducação
Especial desenvolvesuas práticas, as quais, através de estratégias, tecnologias e
métodos
especializados,buscam
atransformação dos deficientes mentais de
modo
a torna-losmembros
aptos ao convívio e àsua aceitação
na
sociedade.O
estudo procura destacar aquelas práticas que, deuma
forma ou de
outra, segeneralizaram entre as instituições
de Educação
Especial e, ainda queuma
dessas instituições tenha sidotomada
como
ponto de referência,não
visa referir-se anenhuma
delasem
particular. '
Os
aspectosdo
cotidiano institucional, aqui apontados, são analisados tendocomo
referencial teórico principal as obras de
Michel
Foucault, nas suas abordagens sobreo
indivíduo enquanto objeto de saber e alvo de redes de poder;
poder
este queno
governo
dosoutros - para Foucault governo
não
se refereunicamente às estruturas políticas
ou
à gestãodo
Estado,mas
designatambém
o
modo
de a condutade
indivíduosou
de grupos - ossubmete
aum
conjunto demecanismos
singularesque
dirigem suas condutas,produzindo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
... .. 11 -
CONSIDERAÇÕES
TEÓRICAS
OU
DE
COMO
BALIZAR
O
vôo
... ._ 13
2 -
NORIVIALIDADE E
DEFICIÊNCIA:
O
PROCESSO DE
EXCLUSÃO
... ._24
2.1 -
Normas
sociais: o poderda
norma
... ..
24
2.2 - Deficiência: diferença e
discriminação social ... ..
30
2.3 - Estigma e identidade' social
do
deficientemental ... _.
35
3 --
A
OFICIALIZAÇÃO
DA
DEFICIÊNCIA
MENTAL
OU
DE
COMO
PINTAR
PÁSSAROS
... ... ._-_ ...._
43
3.1 7
O
ritual dos exames: da avaliação ao diagnóstico... ..
46
3.2 - Plano terapêutico e
prognósticos: dos
caminhos da
ortopedia à profetizaçãode resultados ...
..
60
4 -
A
EDUCAÇÃO
DOS
INDIVÍDUOS DEFICIENTES
1\/IENTAIS
OU
A
ARTE
DE
PREVENIR
OU
CORRIGIR
SUAS
ANORMALIDADES
... ._67
'4.l -
Educação
Especial:interpretando algumas de suas práticas cotidianas ... ..
70
ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES
A
PROPÓSITO
DE
CONTINUAR
O
vôo
sv
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
... ..100
Este trabalho
pode
ser considerado um_ ensaio, elaborado sob muitas inquietações e insatisfaçõesque
me
conduziram na
busca deuma
reflexão sobre aEducação
Especiall,que
não
aquelaque
nos faz prisioneirosda
técnica.Não
tenho a pretensãode
acharque
estou trazendo algonunca
visto,mas
gostariaque
a provisoiiedadedo pensamento
e as inquietaçõesque
me
conduzem
na
busca -não
de coisas prontas, receitas, modelos,mas
de
entendimento, de maior clareza e visibilidade das minúcias
do
cotidiano -ficassem
aquievidenciadas e
marcassem
um
espaçode
reflexão. ' 'Não
tenho a pretensãode
envolverem
minhas
análises todos os aspectosque
sãocaracterísticos
do
fenômeno
da Educação
Especial eoferecerum
estudo total eacabado
desta
realidade,
na
multiplicidade de seus aspectos e propriedades.Por
istofiz
um
recorte destarealidade,
não perdendo
de vistaque o
objeto estudado faz parte deum
determinado todo,que
o
circunda, eque
esse todo, aindaque não
percebido explicitamente, é a luzque
1A
e ressãoXP
_"Educação
_ _ Especial" refere-se a todo aquele conjunto de servi 903 , Pf°8T amas,procedimentos, instituições
que
se destinamao
atendimento de indivíduos portadoresde
deficiência mental, física, auditiva e visual e múltiplas deficiências.
1 _
2
ilumina e revela
o
objeto singular.O
recorte se limitará a urna reflexão sobre o cotidianoda
Educação
Especial, nas suas práticascom
aqueles individuos considerados portadores dedeficiência mentalz.
Não
um
refletir por refletir,mas
-quem
sabe? -um
começo
de
mudanças.
E
por falarem
mudanças, neste sentido, Guattari (1987) nos propõe a "revolução molecular", pois para ele as revoluçõesdevem
ser pensadas edizem
respeito ao cotidiano dosindivíduos, grupos, classes, etnias e gêneros. Importa, pois, "renovar interrogações,
abrindo
perspectivas insuspeitadas e atraindo
o
olhar sobre aquiloque
nem
se viaporque
estavadiante
do
nariz" (Wolff, 1984, p.123). ' `_ _
A
experiência individual passadame
proporcionouum
conhecimento a respeito
do
objeto estudado, quando, por
um
período de 13 anos vivi a práticada Educação
Especial,
numa
instituição especializada.Assim
acumuleiuma
sériede
dados,de
impressões, deexperiências, de fragmentos,
que
conítituem matéria prima desse estudo.Considerando a importância desses conhecimentos, torna-se relevante para este
estudo,
num
primeiromomento,
um
breve relato deminha
experiência passada,de minha
trajetória profissionalna Educação
Especial.No
períodocompreendido
entre1972
e 1985, exerciminhas
atividades profissionaisna Fundação
Catarinense deEducação
Especial, órgão público destinado ao atendimentoterapêutico-educacional de indivíduos portadores de qualquer tipo de deficiência: mental, auditiva, física, visual, deficiências múltiplas e dificuldades gerais e específicas
de
aprendizagem,
em
qualquer idade, deambos
os sexos. Essa ` instituição está localizadano
z.
município
de
São
José -SC,
e se constituiem
campo
de
pesquisa e de elaboraçãode
novasmetodologias para a educação de indivíduos deficientes;
tem
como
funçãotambém
prestar2Será adotado neste estudo o conceito de Deficiência
Mental
da AssociaçãoAmericana
de_ Deficiência Mental
(AADM):
"oretardamento mental refere-se
ao
funcionamentointelectual geral abaixo
da
média,que
se origina duranteo
periodo de desenvolvimento eestá associado a prejuízo
no
comportamento
adaptativo" (apudAssumpção
Júnior, 1991, p.orientação psicopedagógica às instituições
de
educação especialdo
interiordo
Estadode
Santa Catarina.
Abrange
um
conjuntode
serviços, cujo pressuposto básico é que, atravésde
procedimentos especiais, se possa melhorar a vida da população considerada deficiente,
dando-lhe
uma
condição de vidao
maispróxima
possívelda
normalidade(normalização)3, integrando-a à
comunidade
em
que
vive (integração)4.A
instituição desenvolve trabalhosde
ação terapêutico-educacional,
munida
de
todoum
aparatomédico
e psicopedagógico, tidocomo
necessário para apropriar-seda
deficiênciacomo
objetode
estudo,de conhecimento
ede
intervenção.Para cumprir os propósitos estabelecidos, é elaborada toda
uma
tecnologia, desde adistribuição dos espaços, tempos, movimentos, lugares, até a aplicação
de
técnicas,que
sesupõe sejam mais eficazes
no
processode
normalização e integraçãodo
indivíduoconsiderado deficiente.
Há uma
grande atenção dedicada à ortopediado
corpo, sobo
olharcontrolador, classificador e normalizador
de
todauma
equipe de profissionais especializados,empenhados no
desenvolvimentomáximo
das capacidades desses individuos, dasque
permaneceram
intactas e dasque
sofieram
prejuízos. Foi nesse contextoque
tive aoportunidade de ter
minha
experiência profissional.Não
obstante ter obtidoum
conhecimento geral sobre
o
funcionamento institucional e a população que atendia,minha
atuação
como
pedagoga
sedeu mais
especificamentecom
aquele grupo de individuosconsiderados deficientes mentais, cujo
gau
de
deficiência variava entre severa/moderada e'3Segundo
Portarian°
69/86 -MEC/CENESP,
normalizar significa "proporcionaràs pessoas
portadoras de deficiência(s)
com
problemasde
condutaou
super dotadas, condições de vidasimilares às outras pessoas, dando-lhes possibilidades de
uma
vida tãonormal
quantopossível" (apud Ferreira, 1989, p.30).
4"Integrar caracteriza
o
processo dinâmico e orgânico, envolvendoesforços
dos
diferentessegmentos sociais, para
o
estabelecimentode
condiçõesque
possibilitam às pessoasportadoras
de
deficiências,com
problemasde
condutaou
super dotadas, tomar-se parte4
leve5 e cuja idade cronológica
média
eracompreendida
entre 13 e 15 anos. Estegrupo
pertenciaao
Centrode
Preparação parao
Trabalho,um
dos setoresda
instituição, cujosprogramas
de
ensino tinhamcomo
objetivo integra-los àcomunidade
atravésdo
trabalho.Minha
primeira atividade neste setor foicomo
professora de salade
aula,
onde
pennaneci por
um
período de anos, epude manter
estreito relacionamentocom
indivíduosconsiderados deficientes mentais.
Ao
concluiro
curso superiorde
Pedagogia, passei a exerceras funções
de
Orientadora Pedagógica eminha
incumbênciaem
a de prestarorientação aos professores na elaboração dos programas
de
ensino,adoção de
técnicas e metodologias especiais.A
partir desta época, passei a sermembro
integrante de equipes responsáveis pela elaboração de diagnósticos, ao lado de psicólogos, médicos, terapeutas ocupacionais,assistentes sociais, entre outros,
quando pude
vivenciaro
padrãode
organização e interaçãodesses profissionais e sua relação
com
o
deficiente mental.Por
ocupar,também, por algum
tempo,
o
cargo de direçãodo
Centrode
Preparação parao
Trabalho, tive a oportunidadede
conviver
com
aqueles aspectosque dizem
respeito à administração e às ligaçõescom
o
aparelho estatal, visto ser a
Fundação
Catarinense deEducação
Especialum
órgão ligadoao
Estado.Nos
últimos anos de permanênciana
referida instituição, coordeneium
programa
destinado aos deficientes mentaisde
todas as idades, cujo objetivo era prestarorientação e
assessoria a todas as instituições
de Educação
Especialdo
Estado de Santa Catarina. Foiassim que- passei a
tomar
conhecimentoda
dinâmica edo
funcionamento de outrasinstituições que,
no
meu
entender, .apresentavam bastante similaridade entresi
no
desenvolvimento e nos procedimentos
que
diziam respeito aos programasde
ensino,
de
integração e reintegração dos indivíduos considerados deficientes.
De
igual maneira,pude
observar a dinâmica
de
outras instituições, situadas forado
Estadode
Santa Catarina,como
5Segundo
a OrganizaçãoMundial da Saúde
(OMS),
os indivíduos consideradoscomo
portadores
de
deficiência mental estariam distribuidos e classificados de acordocom
o
seutambém, embora
de maneira rápida, forado
país, por ocasiãode
urnaviagem de
estudos àRepública :Federal
da Alemanha.
A
viagem
tinhacomo
objetivo conhecer o tipode
atendimento educacional-terapêutico prestado naquele país, aos fmdivíduos deficientes
mentais,
na
áreada
profissionalização.A
convivênciacom
as múltiplas facesdo
interior institucional,ocontato
estreito edireto
com
seu _cotidiano, tantocom
a parcelada
população identificadacomo
portadorade
deficiência,como
com
o grupo
de profissionais e dirigentes administrativos,ampliou
sensivelmente
meus
conhecimentos.Mas
minha
insatisfação era crescente,em
relação aum
fazer manifestamente tecnicista, desprovido de
uma
reflexão sobre os inúmeros ecomplexos
aspectos nele irnplicados.Como
participante efetivado
cotidianoinstitucional,
causava-me
apreensão a
forma
autoritáriacomo
a educação especial e a própria organizaçãoinstitucional
eram
conduzidas,onde
os profissionais especializadosó ditavam as regras e os indivíduosdeficientes obedeciam. Vale lembrar
que
estanão
era urna constataçãoque
se referia auma
instituição somente,mas
à maioria delas, pois as instituiçõesmantinham
este tipo de relaçãocom
seus deficientes.Uma
explicação possivel é ade
que, sendoo
saber dos técnicos algoa
princípio inquestionável e correto, cabe aos portadores de deficiência
cumprirem
com
osprogramas educativos, para
que
possam
ser integrados aos nomrais.Essa relação
em
que
osque
sepropõem
a terapeutimr e educarmandam
e osque
sãoterapeutizados e educados
obedecem,
culminavanuma
relação de absoluta desigualdade,no
exercício de
uma
dorninação por aquelesque
estãodo
ladoda
normalidade, sobre aqueles que, porserem
deficientes, estão irremediavelmente sob seu controle,ficando
sob a tutela aque
ossubmete o
modo
predominanteda
racionalidade ocidental: ainstitucionalização, a
captura terapêutica, e
o
silêncio.ÔA
expressão profissionais especializados refere-se aqui àquele grupo de especialistas-composto
por psicólogos, pedagogos, médicos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais,fisioterapeutas, professores e outras especialidades -
que
em
geralforma o
corpotécnico
de
6
Possivelmente
no
decorrer deste estudo alguns fatosda
"mitificada"Educação
Especial
possam
ser questionados enão
seria falta de modéstia dizer ser esteum
ato de
coragem, pois as ideologias revestidas de
um
vocabulário terapêuticoou
de "salvação" sãomuito resistentes à crítica.
“Numa
sociedade científica,quem
éque pode
opor-se à saúdemental?
Só
um
louco" (Szasz, 1976, p.l65).Sob
a luz deuma
determinada ótica teórica, pretendo privilegiar a descrição e ainterpretação das práticas
do
cotidiano institucional,dando
ênfase às relaçõesque
seestabelecem entre os profissionais
da
educação especial e os indivíduos consideradosdeficientes mentais.
Não
se trata aqui de fazerum
estudodo
que
cada instituiçãotem de
singular,mas
de localizaruma
série deí exemplos, algumas das técnicas essenciaisque
se generalizam facilmente.Descrever essas _técnicas,›sempre
minuciosas, vai implicarna demora
sobreo
detalhe e
na
atenção àspequenas
coisas. Implicaem
realizaruma
espécie de "anatomiapolitica
do
detalhe" (Foucault, 1989, p.l28) sobre a qual asinstituições especializadas
fundam
suas atividades. 'Para
que
se possa entendero que
aconteceno
interior institucional éfundamental
que
o
olhar seja dirigido parao que
acontece fora dele, pois é a partirdo
paradigma socialestabelecido
ou do
modo
como
secomporta
a sociedadeem
relação aos deficientes,que
ainstituição irá determinar seu
modo
de
ação. -Portanto,
num
primeiromomento,
me
proponho
a urna reflexão sobre aordem
socialque
define, atravésda
construção deuma
determinada normalidade, aquelesque
dela sedesviam,
ao
mesmo
tempo
em
que, estabelecendoo que
é anormal,dá
validade ao conceitode
Norma
que
institui._* _
Importa~desviar a atenção para aqueles pontos
que dizem
respeito ao indivíduo deficiente mentalna
sua relaçãocom
a sociedadecomo
um
todo; dar visibilidade àdeficiência mental, cuja existência
não
é independente da sociedadeou
da cultura à qualpertence. ›
.
A
criaçãode
aparatos institucionaiscomo
recursos para a correção das anormalidadesdos indivíduos, os
gandes
epequenos
investimentos educacionaisno
combate
às deficiênciasfisicas, mentais e emocionais
parecem
deixarno campo
da
invisibilidade o fatode que
aordem
social existe unicamentecomo
produtoda
atividadehumana.
O
paradoxo consisteno
fatodo
homem
ser capaz de produzirum
mundo
que ao
mesmo
tempo
é apresentadocomo
algo diferentede
um
produtohumano
e estranho a simesmo
como
se fosseuma
ordem
supra-social.
Os
indivíduos considerados "anormais" são produtoda
mesma
sociedadeque
os rejeita e que, utilizando-sedo
discurso ideológico terapêutico, leva-os para dentro dosmuros
institucionais.
_, Este estudo
tem
também
a preocupação de refletir sobreo
Estigma, aquilo
que
marca
os indivíduos deficientes, quase permanentemente.Em
uma
sociedadeo
individuo considerado deficientenão tem
virtualmente defesa contra a identidade estigmatizadaque
lhe é atribuída.É
o
direito absolutoda
normalidadesobre a anormalidade, direito transcrito
da
competência sobre a ignorância, daordem
seirnpondo sobre a desordem,
o
desvio.A
idéiade
desvio, deum
modo
ou de
outro, implica aexistência
de
um
comportamento,que
expressauma
conformidadecom
as exigências defuncionamento
do
sistema social. Divergindo de seumeio
cultural, invariavelmente,o
indivíduo, classificado
como
portadorde
deficiência, será vistocomo
anormalem
sua totalidade.É
o problema
gerado peloäiggt.
"Um
indivíduo estigmatizado éum
individuo
anormal
em
toda a extensão de sua individualidade" (Velho, 1989, p.28).Interessa-me refletir sobre a
formação da
identidade socialdo
portadorde
DeficiênciaMental.
Se
um
conjunto decomportamentos
vividospor
todos de maneira semelhante garante sentimentos de segurança e participação,como
será construída a identidade daquele\
I
8
que diverge?
Seu programa
de vida,do
pontode
vista dos normais,não
é consideradocorreto e por isso ele parece
não
adquirir a segurançade
estar vivendo corretamente.1
Desde
os primeiros anos .de vida, o indivíduo considerado deficiente vai construindo sua identidadenum
meio
que, de certa forma, lhe éadverso e
que
reforça a todomomento
sua diferença e incompetência
em
relação aos ditos normais.Se
a criança apreende aquiloque é denominada,
como
será, parao
deficiente, a apreensãodo
mundo
e de simesmo?
Para Berger e
Luckmann,
"a identidade é objetivamente definidacomo
localização
em
um
certomundo
e sópode
ser subjetivamente apropriada, juntamentecom
estemundo.
Dito de outra maneira, todas as identificações realizam-se
em
z
horizontes que implicamum
mundo
social específico" (1991, p.177).Considerado incapaz
de
fazer e falar por simesmo,
a instituição passa a sero
elomediador entre ele e a sociedade.
De
uma
fomia
ou
de outra, os indivíduosem
geral seinserem
na
sociedade através das instituições. Já se nascenuma,
a familia, e durante toda avida circulamos entre elas.
Com
o
indivíduo considerado deficiente acontece amesma
coisa,
só que
na forma
demaior
e mais .acentuada dependência,em
condiçõesmenos
acolhedoras.Segundo Agnes
Heller (1991), as relaçõesque aparecem na
vida cotidianapodem
serdistinguidas
em
dois grupos: as relações baseadasna
igualdadee relações baseadas
na
desigualdade.
Ainda segundo
ela, as relaçõesde
desigualdadepodem
ser relações
de
dependência
(uma
pessoa é dependenteda
outra)ou
de inferioridade esuperioridade (lugar
que
ocupa na
divisãodo
trabalho).Suponho
que
os indivíduos, deuma
maneira geral,no
decorrer
de
suas vidas,podem
mudar
seus lugaresna
escala social, altemando posições. Istonão
parece acontecercom
os indivíduos considerados deficientes. )É bem
provávelque
sua posiçãosempre
seráde
dependência ede
inferioridade e,portanto, de dificuldade, e a partir e por causa disso a instituição se coloca
como
seu porta-voz
e elo mediador.Se alguém
sópode
se articularcom
a sociedade a partir deum
certoserá sua identidade social, se a_,
uma
determinada identidade correspondeum
lugardeterminado
no
mundo?
_Num
segundo
momento
desse estudo, pretendo direcionar o eixode abordagem
paraos aparelhos diagnósticos e o_ sistema
de exames
que, nas instituiçõesque
tratamdo
deficiente,
aparecem
como
base sustentadorade
seusprogramas
terapêuticos/educativos.Os
especialistas trabalham sob a perspectiva de
um
diagnóstico diferencial,que
funcionacomo
uma
espéciede
marco
norteadordo
processode
integraçãoou
reintegração dos portadoresde deficiência mental. Eles têm,
comg
fontede
seu saber o próprio indivíduoque têm
como
tarefa educar.
Por
isso levanto a seguinte questão: urnavez
de posse deste saber, osprofissionais
exercem
um
detemiinado tipo depoder na
instituição deEducação
Especial?Como
o
saber sobre o deficiente é extraído, elaborado e transformadoem
discurso?Para
Foucault, tanto
o
hospitalcomo
a escola tornam-se aparelhos deexame
inintermptos,que
acompanham
em
todoo
seucumprimento
a operação de "cura" e de ensino.O
exame,cercado de suas técnicas, fazendo
do
indivíduoum
"caso",também
se constituiem
alvode
minha
abordagem.Num
terceiromomento
me
ocupareida Educação
Especialno que
diz respeitoao
desenvolvimento e à
condução
de algumasde
suas práticas terapêutico-educacionais.Interessa-me descrever e analisar as estratégias, as tecnologias, vistas
como
investimentosno
deficiente mental eque
buscam
dar-lheuma
outra fisionomia, demodo
a torná-lomembro
apto ao convívio
com
a sociedadeou
seugrupo
social..
O
espaço institucionalé organizado, destacando-se a imposição
da
ordem, 'aeliminação de condutas inadequadas,
o
adestramentodo
corpo e a nonnalização das mentes. Nestes termos,podemos
afirmarque
aEducação
Especial, através de suas instituições, possui10
Para
que
osmecanismos
de correção das diferenças sejam colocadosem
ação,há
necessidade de
que
as pluralidades analisadas sejam distribuídas.Dessa
forma,como
os deficientes mentais são distribuidosno
espaço institucional?Uma
vez que
cadaum
em
particular e todos aomesmo
tempo
ocupam
um
lugarespecifico, interessa saber
que
tipode
relações se estabelecem entre deficientes e profissionais ecomo
sãodemarcados
seus territórios. `A
Educação
Especial, através de suas instituições,tem
como
objetivo a normalizaçãoe a integração dos indivíduos portadores de deficiências.
O
fatode
inserir esses indivíduosnas instituições,
com
o
intuito de normalizar e integrar,não
estaria deuma
certafomia
segregando-os e estigmatizando-os ainda mais?
Proponho-me
neste trabalho a vislumbraraspectos outros
que não
somente aquelesque colocam
aEducação
Especialcomo
uma
prática neutra, intocável, de valor indiscutível e por isso mitificado. Talvez se perturbe a
acomodada
percepção de que nós, educadores especializados, estamos efetivamentecaminhando no
sentido de estar fazendoo "bem"
esomente o "bem"
aos deficientes.Embora
as questões burocráticasda
instituição,na
pessoa de seus administradores, eas políticas
govemamentais que
as sustentamnão
constituam temas deminhas
reflexões, seus efeitos
não
são ignorados,uma
vezque
permeiam
todoo
espaço institucional,do
topo dapirâmide hierárquica até a base, nos seus detalhes mínimos.
Sabemos
que
os efeitos dessaspolíticas se
ramificam,
atingindo todoo
funcionamentoda
instituição,onde
profissionaistentam defender sua pseudo-autonomia
de
ação contra aordem
burocráticaque
se impõe,mas
isto acredito sertema de
outros estudos.Não
farão partede minhas
preocupações a discussão de metodologias específicasreferidas a programas- especificos,
nem
de instrumentos especiais de ensino,ou
adescrição e
análise
de
testes;nem mesmo
a interpretaçãode alguma
instituição deEducação
Especial
em
particular, apesarde
utilizar-me deuma
delascomo
ponto de partida.Embora
considerando suas singularidades e especificidades, a deficiência mental será tratada defomia
sem
referência especial a qualquerum
dos grausque
acompõem
ou
a programas de ensinoadequados a cada
um
em
particular. .Tendo
consciência dos efeitosbenéficos
daEducação
Especial,o
trabalho aquirealizado
não tem
a intenção de cairna
armadilhado
certo edo
errado, deconsiderar
que o
que se faz é
bom
ou mau, no
sentido moralda
palavra, enem mesmo
tem o
interesse de
achar "cu1pados".
-'
O
que
pretendo é, à luz deum
determinado referencial teórico e a partir deuma
visãomicroscópica, dar visibilidade ao aspecto relacional entre aquela população rotulada,
por
meios ditos cientificos
ou
não, e a sociedade, incluindo-seo
sistema institucional e suasespecificidades.
O
fatode
ter feito parte daEducação
Especialcomo
um
de seus profissionaisespecializados, e por isso integrante
do
processo,me
colocano
interior deum
universo,o
qual agora
me
proponho
a analisar. Certamente,quando
me
referir aum
determinadomodo
de ação dos profissionais, é ao
meu
próprio fazerque
estoume
referindo. Istome
colocaem
confronto permanente,
num
jogo de inclusão - enquanto atordo
processo - e de exclusão -enquanto investigadora deste
mesmo
processo,configurando
um
quadro situacional deuma
espécie de "fora de" e "dentro de",
que
acaba porme
exigirum
esforço permanente,no
sentidode
manter suficiente distânciado
objeto de análise e assim poder visualiza-locom
uma
relativa isençãoou
neutralidade. Pretender refletir sobre as relações depoder que
seestabelecem
no
interior institucionalnão
foi tarefa fácil e acredito que durante todoo
tempo,em
que estive colhendo os dados fui alvo deuma
espécie de rejeição velada.Minha
inserçãona
instituição enquanto pesquisadora, sedeu
muito rrraisveinfimção dos laços de amizadeque mantenho
com
alguns profissionaisque
láatuam
ecom
os quaisconvivi, profissionalmente, por
um
longo tempo,do que
poruma
preocupaçãoou
um
desejoinstitucional de ver analisado o seu próprio cotidiano,
ou
de ser colocadaem
cena.Embora
em
determinadomomento
da elaboração deste ensaio teórico faça uso dedados empíricos colhidos
na Fundação
Catarinense de'Educação Especial, não se12
"estudo
de
caso" desta instituição.Minha
experiênciana
FCCE
serviráde
fio
condutor paraanálises de caráter mais geral,
bem
como
de
apoio empírico para a elucidaçãodo
objeto.Os
documentos da
APAE
deSão
Pauloque
serviramcomo
dados ilustrativos,foram
obtidosna
FCEE.
Esta instituição,ao
elaborar e estruturar alguns de seus programas de atendimento, principalmente os profissionalizantes, teve etem
como
referência, os programas adotados pelaAPAE
de São
Paulo, por issoem
dadosmomentos,
faz uso dasmesmas
fichas.Ao
mesmo
tempo
que
'para organizar seu plano deação, a
FCEE
busca subsídios nas instituiçõesdo
país e fora dele, ela étambém
referência principal para as instituiçõesdo
Estadode
S._C.Como
resultado,não
éincomum,
observar nestas instituições,o
uso dasmesmas
estratégias,
procedimentos, metodologia e
fichas
de controle e avaliação, adotadas pelaFundação
Catarinense
de Educação
Especial. Para a elaboração deste trabalhoforam
utilizados
também
instrumentos
de
coleta de informações,como
entrevistas diretivascom
individuos deficientesmentais, conversas
com
os profissionais, observaçõesdo
cotidiano, procurando perceber atrajetória dos indivíduos, suas aspirações, suas representações, suas condutas
no
cotidianoinstitucional.
Os
programas de ensino, regimentos, regulamentos, fichas decontrole, avaliação, prontuários e tantos outros documentos,
que fazem
parteda
estruturaorganizacional
da
instituição, serviramcomo
ferramentasque
auxiliaram este estudo.Na
tentativa de os efeitos dos rótulos, a indicação atual é queao
referir-seaos indivíduos
com
atrasono
desenvolvimento, seusem
as expressões: indivíduo portadorde
necessidades especiais
ou
indivíduo portadorde
deficiência mental. Entretanto, parafins
deste estudo, será
também
a expressão "deficiente mental", por considerar que,na
prática, as expressões
podem
mudar,mas
asformas
de relação e as abordagensacabam
por
serem as
mesmas
seja qual for a expressão adotada7.7"Ciertos
eufemismos
buscan tenderuna
piadosa cortina verbal sobrerealidades duras:
son
los
eufemismos que
nacen de lamala
conciencia.Al
hacerlo,no ha
solucionado el
problema.
Tan
sólo seha
limitadoa
convertirloen
menos
apremiante para quien lopadece
-J
..
Se
a realidade ésempre
mais ricado que o
nosso alcance a níveldo
conhecimento, ateoria
fundamenta o
olhardo
sujeito sobreo
objeto estudado e as formulaçõesteóricas
orientam a percepção,
regem
a apreensão e a interpretação,fomecem
critériosque
relevamou
tomam
sem
importância determinados aspectos. Para problematizar e analisaro
objeto,parto de
um
corpo teóricoque
me
orienta edá
significação ao estudado, e que é muito maisque
um
"quadro de referência teórica" e revelauma
posicão,uma
escolha. Neste sentido aleitura das obras de
Michel
Foucault trouxe a possibilidade de elucidar mais satisfatoriamentealguns aspectos
do tema
em
questão. Certamentenão
fiz
usosomente de
suas análises, pois outros *autores estão
em
evidência neste estudo.De uma
certa forma, as preocupaçõesmetodológicas de Foucault
ao
"olhar"o
objetotomaram-se
minhas,embora
eu não
tenha apretensão de dar
cabo
desta tarefa tãobem
como
eleo
fez.Autor
deuma
obraque não
se ajustou aum
projeto unitário, Foucault, partindosempre
para algo novo, introduziu problemas concretos e freqüentemente inquietantes acercada
criminalidade,do
sexo,da
loucura eda
doença,na
discussão filosófica acadêmica,obrigando as pessoas a refletirem
de
maneiranova
sobre essas questões. Cético acerca das\
14
questionamento constante
da
'verdade' dos nossos pensamentos ede nós
mesmos"
(Raychman,
1987, p.106). Filósofoda
dispersão e da singularidade, opõe-se àsformas de
raciocinio unificadas e atemporais,
suspendendo
a narrativa Céticoem
relaçãoà existência de
uma
históriada
"sociedadecomo
um
todo", dizque
a luta especiflca foi"neutralizada"
na
esperançada
transformação global. Vigiar ePunir
de Foucaultpé
exemplo
de
uma
análise dispersade
uma
espéciede
preocupaçãocom
a sociedadecomo
um
todo, dizRaychman.
Em
vez
de se deixar enganar pelos conceitos "macroscópicos”, Foucault apresentaum
"microscópio" que nos fará penetrar até "o infinitamente
pequeno do
poder político eencontrar os inúmeros micropoderes e incontáveis minúsculos
mecanismos
disciplinares,no
interior das instituições e aparelhosdo
Estado". `.
Se Hegel
tratade
dar os devidos nexosàs pluralidades, que, sob sua ótica, são
entendidas
como
a articulação 'doTODO
atravésdo
pensamento, Foucault sepreocupa
com
a revelação
da
particularidade eda
contingência de nosso conhecimento e de nossas práticas,menosprezando, de
uma
certa forma, a razão universal.Preocupado
com
as minúciasdo
interiordo
conjunto social, Foucault dirige suasanálises para as relações de saber-poder inscritas
no
seio social.Adota
a tese deque
asrelações, as estratégias e as tecnologias
do poder que nos
constituem, nos atravessam enos
fazem,
vêm
acompanhadas,permitem
eproduzem
formaçõesde
saber ede
verdadeque
sãonecessárias para solidificar-se as evidências
como
naturais e tornar-se aomesmo
tempo
invisíveis.O
poder, sob a óticade
Foucault,põe
em
jogo
relações entre indivíduosou
entregrupos.
O
termo
"poder" designa relações entre indivíduos, através deum
conjuntode
açõesque induzem
e se encontramformando
uma
sucessão. Trata-se deum
modo
de
açãode
alguns sobre alguns outros.
Desde
logo Foucault dizque
não
existe algochamado
"O
Poder",que
é universal eque
existiria deforma
massivaou
difilsa, concentradoou
dist:n'buldo..Oâ liberdade
ou
transferência de direitos. Isto significaque não
devemos
buscaro
caráter
próprio das relações de poder
na
violência,que
atua sobreum
corpoou
coisas,que
força,submete, destrói, fecha possibilidades;
nem
na
passividade,no
consensoque
implicitamentese prorroga. Para Foucault
uma
relaçãode poder
se art:icula sobre elementos indispensáveispara
que
seja consideradauma
relaçãode
poder: "que 'o outro' (aquele sobreo
qualse
exerce) seja totalmente reconhecido e
que
semantenha
até0
finalcomo
um
sujeito de ação eque
se abra, fiente à relaçãode
poder, todoum
campo
de respostas, reações, efeitos e possíveis invenções" (Foucault, l988b, p.14).Aqui
se incluium
elementoimportante: a
liberdade.
"O
poder se exerce unicamente sobre sujeitos livres esomente na medida
em
que
são livres" (Foucault, l988b, p.l5) - declara Foucault, tantas vezes acusado deser
estruturalista, nos seus últimos textos.
Esta liberdade,
segundo
ele, pressupõeum
enfrentamento de sujeitos individuaisou
grupos, inscritos
num
campo
de possibilidades,onde
podem
ocorrer diversas reações,comportamentos
e condutas.No
âmago
da
relação de poder seencontram
a rebeldiada
liberdade e a obstinação
da
vontade. Para Foucault, as relações depoder
não
estão acimada
sociedade: elas estão inscritas e arraigadas
em
todoo
tecido social,não
querendo dizercom
isto
que
existeum
principio primeiro e fundamental de Poder,mas
que
existem formas distintas,onde
as formasde "govemo"
de uns sobre os outros,em
uma
sociedade dada, são múltiplas.Ainda
parao
referido autor,em
toda relação depoder
existem pontos deresistência, pois toda relação de
poder
implica, pelomenos
virtualmente,uma
estratégiade
luta,
onde mecanismos
são postos'em
H prática. Questionado quanto ao exercicio
da
resistência, Foucault diz tratar-se
de
uma
demarcação
de posições emeios
de ação de cadaum,
de possibilidades de resistir ede
contra-ataque de uns sobre os outros. 'Sobre quais são os sujeitos
que
seopõem,
Foucault responde:"O
que
vou
dizernão
passa de
uma
hipótese: todomundo
contra todomundo.
Não
há
dadosde forma
imediata, sujeitosque
seriamo
proletariado e a burguesia.Quem
luta contraquem?
Nós
lutamos todos16
Usando
o
microscópiocomo
uma
lentede
observação e as particularidadescomo
material de análise,
nasua
obra Microfísicado
Poder
(1982), Foucaultimpôs
asi
mesmo
alguns cuidados metodológicos: .
_
1) Captar
o poder
nas extremidades,onde
ele se ramifica ese toma
capilar, ultrapassando as regras
do
direitoque
o
organiza e delimita. .2)
Não
se preocuparcom
quem
tem o
poder,como
eporquê
quer dominar,mas
estudar
como
sedesenvolvem
os processosde
sujeiçãoque
sujeitam os corpos, dirigem osgestos,
regem
os comportamentos.3)
Não
tomar o
podercomo
exercício dedominação
de indivíduos sobre indivíduos,de grupos sobre grupos, pois o poder circula, funciona
em
cadeia e se exerceem
rede.Os
indivíduos estão
sempre
em
posição de exercero
poder esofier
sua ação, sãosempre
centrode transmissão.
H
4)
Não
tomaro
podercomo
uma
derivaçãodo
poderdo
Estado,onde
a suadisseminação se daria de
cima
para baixo, estruturando e determinando toda a sociedade.Partir para a análise
da
maneiracomo
os fenômenos, as técnicas e os procedimentos sedeslocam, se
expandem,
semodificam
ecomo
são investidos e anexadospor
fenômenos
mas
globais. instalação de
um
macropoder, para Foucault, só é possível medianteo
enraizamento nos corpos, nos comportamentos, nas relações de poder locais e
não
numa
simples projeção
do poder
central.5)
Não
usar anoção de
ideologiaem
oposição virtual aalguma
coisaque
seria a verdade. Foucault se preocupaem
ver os efeitosda
verdadeque
seproduzem no
interior dosdiscursos,
que não
sãoem
sinem
verdadeirosnem
falsos.O
poder
para se exercer é obrigado a circular, formar e organizarum
saberou
aparelhosde
saber.Em
suas análises sobreo
poder, Foucault introduziuo que
chamou
de
'Tier
~".
Segundo
ele,o
podertem
como
alvo 0 corpo,não
para supliciá-lo,muülá-lo,