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Literatura na escola: Conhecer, entender e potencializar o leitor autônomo - um estudo entre Brasil e Portugal.

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Academic year: 2021

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R. Letras, Curitiba, v. 20, n. 30, p. 54-65, set. 2018. Página | 54

https://periodicos.utfpr.edu.br/rl

Literatura na escola: Conhecer, entender e

potencializar o leitor autônomo - um estudo

entre Brasil e Portugal

RESUMO

José Carlos Santos Debus zecadebus@gmail.com

Unidade de Educação de Santa Catarina, Florianóplis, Brasil.

Renata Junqueira de Souza recellij@gmail.com

Universidade Estadual Paulista-Campus Presidente Prudente, São Paulo, Brasil.

Angela Maria Balça angelabalca@gmail.com

Universidade de Évora, Portugal.

Este texto busca apresentar pesquisas desenvolvidas e em desenvolvimento que envolve a literatura infantil e juvenil em cenários luso-brasileiros no contexto de pós-doutoramentos. A primeira pesquisa se interessou em saber qual o lugar da literatura na escola em contextos brasileiros e portugueses. A segunda pesquisa se propõe a investigar a literatura infantojuvenil como instrumento mobilizador de um aprendizado escolar empírico e autônomo por parte do estudante, apoiados em análises de textos literários produzidos por autores portugueses e brasileiros. No primeiro trabalho a perspectiva de análise foi organizada a partir das teorias de Jauss e Iser, que enfatizam o caráter comunicativo de uma obra literária. No segundo, o referencial se apoia em Freire, Rancière e Candido que entretecem educação e literatura. O comprometimento com o desenvolvimento da leitura e o seu papel no campo educacional tem estimulado e realizado pesquisas comparativas com investigadores brasileiros e portugueses ao longo das últimas duas décadas no sentido de contribuir no incremento do conhecimento mútuo de dois povos, Brasil e Portugal. E as ações de seus pesquisadores envolvem a temática da literatura nas relações de ensino e aprendizagem e comparam práticas de leitura literária e se interessam pela formação do leitor autônomo.

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INTRODUÇÃO

Este texto busca apresentar pesquisas desenvolvidas e em desenvolvimento que envolvem a literatura infantil e juvenil em cenários luso-brasileiros no contexto de pós-doutoramentos. A primeira se constitui por meio de investigações e ações do Centro de Estudos em Leitura, Literatura Infantil e Juvenil (CELLIJ) da UNESP de Presidente Prudente e o Centro de Estudos e Pesquisa em Leitura e Escrita (CEPLE) de Marília e da realização de uma investigação mais ampla envolvendo contextos brasileiros e portugueses durante o período de agosto de 2006 a setembro de 2009, intitulada “Literatura na escola: espaços e contextos. A realidade brasileira e portuguesa”. Que contou também coma a participação de professores do Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC) da Universidade do Minho (Portugal).

A segunda pesquisa, em andamento, busca dar continuidade aos estudos e investigações desenvolvidos a partir de um projeto de doutoramento junto a Universidade Federal de Santa Catarina que envolveu a atualidade do conceito de autonomia, a partir de um estudo entre crianças e que, neste momento, se propõe a investigar a literatura infantojuvenil como instrumento mobilizador de um aprendizado escolar empírico e autônomo por parte do estudante, apoiados em análises de textos literários produzidos por autores portugueses e brasileiros. Trata-se de uma pesquisa de pós-doutoramento que está sendo realizada junto ao Instituto de Investigação e Formação Avançada da Universidade de Évora.

1. OS LUGARES DA LITERATURA NA ESCOLA: DIÁLOGO ENTRE BRASIL E PORTUGAL

A primeira pesquisa que apresentamos é decorrente do grupo de investigação do Centro de Estudos em Leitura, Literatura Infantil e Juvenil (CELLIJ) da UNESP de Presidente Prudente. O grupo foi criado em 1996, com o objetivo principal de formar leitores. Com vários projetos financiados, nacional e internacionalmente, o CELLIJ tem atuado especificamente com políticas públicas de leitura, pesquisando e comparando índices de desempenho de estudantes dos anos iniciais e elaborando ações que possam diminuir os déficits de aprendizagem desses alunos.

Alguns projetos desenvolvidos para a Secretaria Estadual de Educação, entre os anos de 2005 a 2007, foram responsáveis por financiar a construção da sede do CELLIJ, que atualmente atende, com suas pesquisas e também atividades de extensão, cerca de 105 professores, 85 professores readaptados em bibliotecas escolares, 3.000 alunos, sobretudo dos anos iniciais, e 50 famílias. O prédio foi construído para promover a pesquisa e conta com uma sala de espelhos para observações, salas de aula para capacitação docente e espaço para intervenções com crianças, além de um sistema moderno de mídia (computadores, multimídia, televisores, gravadores, filmadoras, entre outros), que facilita as ações dos pesquisadores no Centro.

As contribuições da International Reading Association (IRA), através do financiamento da pesquisa “Reading and Children´s literature – the teacher´s role

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in Elementary Brazilian Schools”, em 2006, foram importantes para a aquisição de livros para crianças e jovens, destinados ao acervo do CELLIJ. Ainda em 2006, o Centro foi convidado, para que a coordenadora compusesse a equipe de avaliadores do Programa Nacional de Biblioteca na Escola (PNBE). Em 2009, a coordenação do CELLIJ assumiu o cargo de coordenador adjunto dos pareceristas do Programa, cujo objetivo foi avaliar e selecionar as obras literárias inscritas para constituir os acervos das escolas públicas do país. O CELLIJ permaneceu na coordenação de pareceristas até a última edição do PNBE em 2014.

Entre agosto de 2006 a setembro de 2011, o Centro de Estudos de Leitura e Literatura Infantil e Juvenil (CELLIJ – Presidente Prudente) e o Centro de Estudos e Pesquisas em Leitura e Escrita (CEPLE - Marília) participaram de uma pesquisa de políticas públicas em leitura, denominada “Literatura na escola: espaços e contextos. A realidade brasileira e portuguesa”. Esse estudo, além de ter sido financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP – processo n. 2006/51756-4) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq – processo n. 474481/2006-9), envolveu uma equipe de pesquisadores de três unidades da Universidade Estadual Paulista - UNESP (Presidente Prudente, Assis e Marília) e um outro grupo de docentes filiados ao Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC) - (antigo - LIBEC - Centro de Investigação em Promoção da Literacia e do Bem-Estar da Criança), da Universidade do Minho (Portugal).

A investigação em parceria com Portugal interessou-se em responder à seguinte pergunta: qual o lugar da literatura, na escola? Durante cinco anos, pesquisadores brasileiros e portugueses se debruçaram para examinar dados de questionários e entrevistas, tentando traçar o perfil das escolas públicas municipais e estaduais de Presidente Prudente, Assis e Marília, e de duas cidades portuguesas – Braga e Évora.

Os primeiros resultados da realidade do Oeste do Estado de São Paulo advindos de questionários aplicados a 901 (novecentos e um) professores e visitas às doze escolas selecionadas não apontaram um cenário desconhecido por outros pesquisadores. As análises evidenciaram dados como: (1) coleções do PNBE (Programa Nacional de Biblioteca na Escola) trancadas em estantes da biblioteca, ou, então, (2) “escolas cheias de livros” disponíveis aos alunos, com a justificativa de que basta ofertar, dar acesso e/ou enfatizar a importância da leitura, como condição para formar leitores – todavia, os livros não são ofertados; (3) despreparo da equipe docente e responsáveis, por exemplo, pela biblioteca escolar, em colocar em prática a orientação dos programas de formação da competência leitora; (4) ausência de um planejamento didático efetivo, tanto de cada professor, em particular, quanto do conjunto da escola, voltado ao letramento; (5) problemática da qualidade dos textos apresentados nos livros didáticos e a sua inter-relação com o letramento literário das crianças; (6) escolas que tomam para si a Literatura Infantil e escolarizam, “didatizam” e “pedagogizam” os livros de literatura para crianças, para atender a seus próprios fins, ou seja, “fazem dela uma literatura escolarizada”; dentre outros aspectos.

No conjunto, revelou-se um descompasso entre um discurso escolarizado e “nobre”, empenhado na valorização da leitura, já introjetado pelos alunos e professores, e a ausência de práticas efetivas de leitura, que revelam leitores, ainda muito pouco, “cultivados”. Entretanto, tais resultados enfatizaram desafios a serem enfrentados, na formação de crianças leitoras.

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Em Portugal, os resultados foram um pouco mais desanimadores, pois na época não havia ainda uma política que garantisse livros literários nas escolas. O Plano Nacional de Leitura – PNL, foi instituído, em 2007, pelo governo português (Ministério da Educação, em articulação com o Ministério da Cultura e o Gabinete do Ministro dos Assuntos Parlamentares). Tal plano foi criado como resposta à necessidade de elevar os níveis de letramento da população portuguesa, generalizando, segundo padrões europeus, as competências nos domínios da leitura e da escrita e o alargamento e aprofundamento dos hábitos de leitura. De acordo com a informação oficial, constante na respectiva Web Page (http://pnl2027.gov.pt/np4/home), o PNL é assumido como prioridade política e como desígnio nacional. Os pesquisadores portugueses também relataram a falta de formação tanto dos professores que atuavam com textos literários em sala de aula, como daqueles que cumpriam horas nas bibliotecas escolares. Assim como no Brasil, a equipe portuguesa sentiu falta de planejamentos didáticos com a Literatura e descreveram a pedagogização dos poucos momentos com o livro literário em sala de aula. Ou seja, países diferentes, extensões territoriais bastante distantes, mas os mesmos problemas no âmbito da formação docente, do acesso à livros de literatura e de práticas que efetivamente vislumbrassem a formação do leitor literário.

Os docentes envolvidos com o projeto no Brasil decidiram, para superar algumas dessas evidências, trabalharem com duas fases distintas: uma, que envolveu o oferecimento de livros para alunos dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental; e outra, que elegeu uma metodologia para o ensino da leitura e preparou professores das doze escolas participantes, para aplicá-la em suas respectivas salas de aula.

Durante oito meses, foram acompanhados alunos de quintos e sétimos anos, oferecendo-lhes literatura infantil e juvenil de boa qualidade. Para esse trabalho, os pesquisadores elegeram obras literárias nacionais e estrangeiras e elaboraram roteiros de discussão aos alunos. Importante ressaltar que todos os estudantes receberam os livros – corpus de discussão –, podendo assim ler em casa, com ou sem auxílio da família. As discussões sobre compreensão e recebimento dos textos aconteceram nas escolas, no período das aulas.

O roteiro da conversa ou discussão, sobre cada livro, foi organizado a partir das teorias de Jauss (1978) e Iser (1999), que enfatizam o caráter comunicativo de uma obra literária. Tomou-se como pressuposto que a recepção de um texto implica sempre a existência de certos horizontes de expectativas. E, embora os alunos pesquisados pudessem aderir ou rejeitar um livro, foi um desafio conjugar “literariedade” e condições de recepção.

Os resultados mostraram que, a partir da ênfase dada ao caráter comunicativo dos livros, houve uma grande adesão dos alunos à leitura. Contudo, falas do tipo “é tão fácil ler quando podemos discutir o que lemos”, ou “que bom que vocês (pesquisadores) conversam sobre o que lemos”, permitiram concluir que, quando os alunos têm uma interlocução, quando há um trabalho de discussão que os leva a compreender o que leram, e quando o livro é ofertado – os estudantes materializam a leitura, leem.

Em consequência dessa segunda fase da pesquisa, se, por um lado, foi tranquilizador, isto é, confirmou que os alunos leem, por outro, mostrou-se perturbador, no sentido de que revelou não haver um trabalho efetivo em sala

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de aula, que ensine os alunos a lerem. Assim, iniciou-se a última fase da pesquisa, a de eleger uma metodologia para o ensino da leitura, com base no texto literário, e a de capacitar professores para o uso de tal método, em sala de aula.

Escolheu-se trabalhar com estratégias de compreensão leitora, uma metodologia norte-americana que tem suas origens nos estudos da metacognição. Esta, de acordo com Pressley (2002), é definida como o conhecimento sobre o processo do pensar, que leva à compreensão do texto. O autor aponta duas maneiras para que o leitor entenda o que lê: a primeira, quando lê frase por frase, mas ao final não consegue compreender o que leu; e a segunda, conquistada a longo prazo, quando o leitor utiliza seu conhecimento para compreender as estratégias que o fizeram entender o texto.

Desse modo, de acordo com o autor, bons leitores percebem como construíram imagens para apreender uma descrição, ou, ainda, como sumarizaram as ideias principais de um conto ou como inferiram para descobrir o que iria acontecer em uma trama.

A partir desse pressuposto teórico, a equipe de pesquisadores da UNESP capacitou vinte docentes, em cada um dos municípios, para se familiarizarem com as estratégias de leitura. No curso, foi abordada sete estratégias (conexão, conhecimento prévio, visualização, inferência, perguntas ao texto, sumarização e síntese), com definições teóricas e atividades práticas que pudessem auxiliar esses docentes, no ensino da leitura em suas salas de aula.

Na última fase da pesquisa, já com subsídios das prefeituras municipais envolvidas – Presidente Prudente e Marília (Assis não assumiu a continuidade do projeto) – foi capacitado um número maior de professores e observadas as aulas de leitura, incluindo, nesse momento, o emprego da metodologia das estratégias de leitura, acompanhando como os alunos estavam reagindo a elas.

Além disso, docentes envolvidos na pesquisa e na propagação da metodologia que defende o ensino das estratégias de leitura em sala de aula, iniciaram orientações de mestrado e doutorado em seus programas de pós-graduação e puderam através dos resultados dessas pesquisas vislumbrar uma comunidade de leitores literários.

Outras evidências como as análises das aulas observadas indicaram que, ao conhecer, entender e utilizar as habilidades de compreensão, os alunos são capazes de processar e verbalizar seus conhecimentos a respeito do lido. Trata-se de ouvir o pensamento, monitorá-lo quando não se entende o texto e procurar estratégias para compreendê-lo. As crianças observadas tomavam decisões, enquanto liam, atitude salutar porque, para Israel (2007), ter a consciência dessa ação é realmente importante, no processo de formação do leitor autônomo.

Diante dessa perspectiva teórica, Zimmermann & Hutchins (2003) afirmam que leitores autônomos usam sete chaves para alcançar o entendimento, remetendo às estratégias acima elencadas: 1. Criam imagens mentais; 2. Usam seu conhecimento prévio; 3. Formulam questões; 4. Fazem inferência; 5. Determinam o que é mais importante; 6. Sintetizam a informação e 7. Usam elementos da sumarização em produções textuais, ou seja, ao dispor desses procedimentos, as crianças estão utilizando as estratégias de compreensão leitora.

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Leitores autônomos adotam essas estratégias tanto para ler uma revista como para ler um romance clássico, levando em consideração as suas especificidades. “A compreensão real se dá através do pensamento, da aprendizagem e da expansão do conhecimento prévio e o horizonte do leitor” (ZIMMERMANN; HUTCHINS, 2003, p.7).

Nesse sentido, as estratégias da metacognição empregadas como recurso para compreensão leitora, quando ensinadas, podem contribuir para o trabalho do professor, que perceberá “quando, onde e por que ensinar algumas habilidades, como reconhecimento de palavras, são importantes, pois os alunos podem começar, a partir de então a desenvolver as habilidades básicas do letramento” (ISRAEL, 2007, p. 2).

2. A LITERATURA COMO INSTRUMENTO MOBILIZADOR DE UM APRENDIZADO AUTÔNOMO

A segunda pesquisa, em andamento, busca examinar de que forma o texto literário pode contribuir para um aprendizado autônomo junto aos estudantes e nas relações destes com os professores. A presente proposta de investigação parte de alguns questionamentos que norteiam nossos pressupostos: até que ponto a utilização do texto literário na escola pode melhorar ou servir como estímulo no processo ensino-aprendizagem autônomo? A utilização do texto ficcional como uma ferramenta nas relações de ensino e aprendizagem pode contribuir, de fato, para uma leitura crítica do mundo, não apenas literário, mas comunicacional, enfim, empírico?

Acreditamos na hipótese das obras literárias recriarem um modelo empírico de construção do conhecimento baseado na autonomia, na independência e no protagonismo do estudante. Por isso, pretendemos direcionar nossa análise para o potencial comunicativo e também para o potencial de representatividade do mundo físico, político, social e cultural interligados no texto ficcional. Tomamos as produções literárias como uma fonte importante de conhecimento dessas representações e de suas realidades possíveis. Entre elas a de apresentar situações que contribuam para a reflexão sobre as práticas de ensino que permitam potencialisar a autonomia do estudante. Seguindo esta perspectiva, a pesquisa “A autonomia do estudante nas relações de ensino e aprendizagem: a literatura como instrumento mobilizador de um aprendizado escolar empírico e autônomo. Um estudo entre Brasil e Portugal”; se propõe a investigar, nesses tempos de reconfigurações didáticas e pedagógicas, como podemos empreender o conceito de autonomia do estudante no espaço e nas relações de ensino e de aprendizagem escolar a partir do texto literário. Partimos de uma reflexão que entende o espaço ensino/aprendizagem a partir de novas configurações geradas pelas transformações nas comunicações e por novas relações sustentadas no respeito mútuo e afetivo, entre estudantes e professores, que possibilitam outros movimentos na educação e nos processos de construção do saber, e, esses movimentos, indicam o princípio da autonomia como base à prática pedagógica.

Quando pensamos em autonomia do estudante devemos entender que não se trata de liberdade plena. Ela depende dos outros, depende do grau de ligação que o sujeito estudante estabelece com os outros em espaço de convivência.

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Conforme Dubet (2014), o princípio da autonomia está no sentimento e na convicção de se ter um valor próprio ameaçado pela falta dela nas relações do dia-a-dia. E para melhor compreender este princípio é preciso estar atento às pequenas coisas. Principalmente aquelas que estão à margem e permitem aos estudantes construírem perspectivas de independência e protagonismo.

Nosso referencial teórico sobre educação e autonomia buscará as reflexões/experiências produzidas por Jacques Rancière (2007) e Paulo Freire (2006; 2007). As produções desses autores formam um conjunto do/sobre o pensamento emancipador na educação e nos permitirá uma reflexão sobre a compreensão da experiência ensino/aprendizagem dentro do campo da autonomia. O primeiro é um filósofo francês, da escola marxista estruturalista, e desenvolve ideias sobre teorias da democracia e igualdade. O segundo, educador e filósofo brasileiro, destacou-se por seu trabalho na área da educação popular, sendo que sua práxis político-pedagógica influenciou várias gerações de educadores comprometidos com a emancipação do sujeito.

Para compreendermos os processos educativos preconizados por Freire e Rancière e a sua interdisciplinaridade estimulada pela literatura trazemos o pensamento de Antônio Candido (1988), que acredita que toda a criação de toque poético, ficcional ou dramático, em todos os tipos de cultura, das formas mais simples às formas mais complexas, possui um caráter de coisa organizada e “torna-se um fator que nos deixa mais capazes de ordenar a nossa própria mente e sentimentos; e em consequência mais capazes de organizar a visão de mundo que temos” (p. 177). Para ele, a produção ficcional tira as palavras do nada e as ordena como um todo articulado. Portanto, a literatura pode ser um instrumento “organizador e humanizador” (1988, p. 177).

No campo da literatura infantil e juvenil, que é a literatura que interessa para a pesquisa que ora propomos, nosso referencial buscará, nas reflexões de Ângela Balça (2010, 2013, 2015) e Eliane Debus (2010), o entendimento e a aproximação necessária para desenvolvermos este estudo na perspectiva luso-brasileira e na perspectiva do estudante autônomo. Balça tem buscado sistematizar a literatura infantil e juvenil portuguesa das últimas décadas e apresenta algumas técnicas que possibilitam aos educadores de forma geral que se deixem envolver pelos textos literários e mobilizem as crianças e os jovens de uma forma consciente e criativa num processo que pressupõe um estudante autônomo. Sua produção acadêmica traz contribuições importantes para o estudo da sociedade, da cultura e da História por meio do imaginário da literatura infantil.

Eliane Debus (2010), assim como Freire (2006), enfatiza que a criança traz consigo a leitura do mundo e aponta a contribuição da figura do mediador no processo de leitura e no processo de construção do conhecimento a partir da leitura de textos que não falam diretamente da realidade. De textos que tratam de um mundo que não é, mas que podem nos oferecer categorias de um mundo que é. Reforçando assim a singularidade do texto literário e sua relativa autonomia do real (DEBUS, 2010, p. 207). Neste contexto, e citando João Ceccantini (2009), a autora destaca a mediação e as estratégias de abordagem da literatura no campo do ensino e da aprendizagem e afirma “que o sucesso do trabalho com o texto literário se deve, fundamentalmente, à escolha das obras e às estratégias de abordagem” (2010, p. 219). Debus também reforça que o diálogo de estudiosos da educação e da teoria literária, como Vygotsky e Jauss, é

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importante para pensar o leitor como protagonista ativo e autônomo no processo de leitura (2010).

Nossa perspectiva metodológica parte de um corpus que abrange a produção literária – prosa – contemporânea do Brasil e de Portugal para a infância, especificamente para o final da segunda infância, entre 10 e 12 anos, e que projeta uma possibilidade de ensino e de aprendizado autônomo e empírico e a sua relação com o campo pedagógico e didático. Pretendemos analisar três obras de autores brasileiros e três obras de autores portugueses.

Dividimos este estudo em duas fases. Na primeira fase faremos um levantamento da produção literária para a segunda infância e selecionaremos seis livros para a análise; na segunda fase faremos a análise das obras selecionadas seguindo o referencial aqui exposto. Com o propósito de operacionalizar a análise das obras selecionadas e do percurso literários-educativo utilizaremos o conceito de configuração textual proposto por Rosangela Marquezi (2018), onde devemos considerar todos os aspectos e singularidades que compõe o texto literário. Marquezi (2018) propõe que é possível “unir o estético e o formativo, conciliando o lúdico, a busca da fantasia e da sensibilidade, passando sempre pela plurissignificação da linguagem – pressuposto importante para que o texto se qualifique esteticamente” (p. 117). Marquezi (2018) também chama a atenção para a dificuldade que podemos ter para encontrar o ponto de equilíbrio entre o estético e o formativo sem cair no “utilitarismo” (p. 120). Assim, na fase de seleção nosso olhar deve procurar obras que possibilitem uma combinação de texto e ilustração que não esteja condicionado por uma estrutura dogmática, mas que permita uma análise a partir de pressupostos da educação que considere a criatividade, a experimentação e a viabilidade de reelaboração do real que consiga responder as questões colocadas por este projeto.

Para não incorrermos no erro da concepção utilitarista, nossa análise também deve levar em conta o pensamento de Edmir Perrotti (1986), para quem a expressão estética não é pura, nela estão sempre presente as instâncias ideológicas que podem revelar um caráter mais instrumentalista da expressão literária. Este autor alerta para a inevitável questão do “discurso estético” em oposição ao “discurso utilitário” e reforça a ideia de que a literatura infantil deve ser útil e não utilitarista. Além do que, como vimos acima, buscamos em Candido (1988) alguns conceitos de realidade autônoma e de relevância da literatura como um instrumento organizador do mundo que cerca o estudante.

Pretendemos seguir o caminho da pesquisa qualitativa. Uma pesquisa empírica com o uso de análises estruturadas a partir do potencial comunicativo envolvidos na arte literária das obras estudadas.

O QUE AINDA ESTÁ POR DIZER

As pesquisas aqui relatadas tem como objeto central a literatura para infância e dialogam no que diz respeito à relação leitor e textos literários e a sua dinâmica na escola, na leitura escolar, na mediação e na capacidade desta literatura estimular um aprendizado autônomo conjugando estratégias de

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compreensão leitora e caráter comunicativo das obras literárias nas práticas de ensino e nas relações de ensino e aprendizagem.

O Instituto de Investigação e Formação Avançada da Universidade de Évora comprometido com o desenvolvimento da leitura e o seu papel no campo educacional tem estimulado e realizado pesquisas comparativas com investigadores brasileiros e portugueses ao longo das últimas duas décadas no sentido de contribuir no incremento do conhecimento mútuo de dois povos, Brasil e Portugal, que se interligam nas ações de seus pesquisadores que tem se aprofundado em encontros científicos e publicações que envolvem a temática da literatura nas relações de ensino e aprendizagem e que comparam práticas de leitura literária, analisam livros infantis brasileiros e portugueses e se interessam pela formação desse leitor literário autônomo, não importando a sua nacionalidade. Tais sonhos é que nos colocam – pesquisadores brasileiros e portugueses unidos e nesse sentido, o mar é apenas um detalhe.

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Literature

in

school:

Knowing,

understanding

and

potentializing

the

autonomous reader - a study between

Brazil and Portugal

ABSTRACT

This text seeks to present – finished and in progress – researches that involve children's and young-adult literature in Luso-Brazilian scenary in the context of postdoctoral studies. The first research was interested in knowing the place of literature in Brazilian and Portuguese school contexts. The second research investigates children's literature as a mobilizing tool for an empirical and autonomous learning at school by the student, supported by analyzes of literary texts produced by Portuguese and Brazilian authors. In the first book, the perspective of analysis was organized from the theories of Jauss and Iser, who emphasize the communicative characteristic of a literary work. In the second, the reference is based on Freire, Rancière and Candido, who discuss education and literature. The commitment to the development of the reading process and its role in education has stimulated and carried out comparative researches carried out by Brazilian and Portuguese researchers over the last two decades in order to contribute to the mutual knowledge of Brazil and Portugal. The actions of these researchers involve literature in relation to both teaching and learning processes, the comparison betweenliterary reading practices, and they have the formation of the autonomous reader as a common interest.

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Recebido: 30 jul. 2018

Aprovado: 30 ago. 2018

DOI: 10.3895/rl.v20n30.8695

Como citar: DEBUS, José Carlos Santos; SOUSA, Renata Junqueira de; BALÇA, Angela Maria. Literatura

na escola: Conhecendo, entendendo e potencializando o leitor autônomo - um estudo entre o Brasil e Portugal. R. Letras, Curitiba, v. 20, n. 30 p. 54-65, set. 2018. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/rl>. Acesso em: XXX.

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