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O TERCEIRO SETOR E A BUSCA PELA SUSTENTABILIDADE FINANCEIRA À LUZ DA TEORIA DO FRACASSO FILANTRÓPICO

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REPATS, Brasília, V.6, nº 2, p 279-316, Jul-Dez, 2019

O TERCEIRO SETOR E A BUSCA PELA

SUSTENTABILIDADE FINANCEIRA À LUZ DA TEORIA

DO FRACASSO FILANTRÓPICO

THE THIRD SECTOR AND THE SEARCH FOR

FINANCIAL SUSTAINABILITY IN THE LIGHT OF THE

THEORY OF PHILANTROPIC FAILURE

Deyvson José de Sena Alves

*

RESUMO: O presente artigo versa sobre o financiamento do Terceiro Setor, com o objetivo de descrever todos os instrumentos disponíveis para a distribuição dos recursos para o segmento, assim como averiguar qual sua principal fonte, tendo como referencial teórico a teoria do fracasso filantrópico. Para tal feitura, lançou-se mão de revisão bibliográfica acerca do tema, buscando em livros, artigos e legislações, a base conceitual para o conhecimento necessário do assunto. Ademais, delimitou-se como amostra local as associadas da Associação Brasileira de Organizações Não- Governamentais (ABONG) em Pernambuco, às quais foram aplicados questionários com a finalidade de identificar seu cenário quanto ao objeto desse estudo, assim como uma entrevista dirigida à representante estadual da entidade. Por meio dessas incursões, verificou-se o atual modelo de financiamento disposto pelo ordenamento jurídico ao Terceiro Setor, abrangendo o fomento público e o privado, e a significativa participação do Estado na sustentabilidade financeira das instituições.

Palavras-chave: Terceiro Setor; Teoria do Fracasso Filantrópico; ABONG

ABSTRACT: The present paper deals with the financing of the Third Sector, with the objective of describing all the available instruments for the distribution of resources for the segment, as well as ascertaining its main source, having as theoretical reference the theory of philanthropic failure. For this work, a bibliographical review was made on the subject, searching in books, articles and legislation, the conceptual basis for the necessary knowledge of the subject. In addition, the associates of the Brazilian Association of Nongovernmental Organizations (ABONG) in Pernambuco were delimited as local sample, to which questionnaires were applied in order to identify their scenario regarding the object of this study, as well as an interview addressed to the state representative of the entity. Through these incursions, the current model of financing provided by the

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legal system to the Third Sector, including public and private development, and the significant participation of the State in the financial sustainability of the institutions were verified.

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INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo conceituar as entidades que compõem o Terceiro Setor e debruçar-se sobre o seu processo de financiamento, com o fim de identificar suas fontes e qual delas possui papel mais significativo na sua sustentabilidade financeira. Diversas são as legislações que dispõem sobre esse segmento, inclusive a Constituição Federal, e cada uma traz um ou mais instrumentos de receita para as organizações. Desse modo, é mister que se investigue todas elas, a fim de se ter um vislumbre sobre o que ocorre no mundo fático, já que no mundo jurídico esses mecanismos estão bem delimitados.

Sob essa perspectiva, objetiva-se elucidar o modelo de financiamento do Terceiro Setor vigente, abordando a problemática do grau de autonomia que essas entidades possuem em relação à sua principal fonte, de modo a averiguar se existe sustentabilidade financeira sem a participação do principal provedor de recursos nesse processo. Ademais, o aporte teórico desse estudo se encontra na teoria do fracasso filantrópico, cuja análise também faz parte de seu objeto, que é o seu enfrentamento com os dados encontrados.

Já de forma mais específica, esse estudo visa cumprir a conceituação do Terceiro Setor; a descrição do seu processo de financiamento, com a indicação de suas fontes; a observação dos ditames da teoria do fracasso filantrópico e sua aplicação no que concerne ao objeto da pesquisa; a identificação e delimitação da amostra dessa investigação; o descobrimento de quem protagoniza o processo de sustentabilidade financeira das entidades sob análise; e, por fim, a contraposição dos dados coletados à tese aludida alhures.

Para a execução e cumprimento de cada objetivo deste trabalho, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, no que tange às conceituações e contextualizações, tanto em livros e artigos, como em legislações. Tal método permitiu a descrição do objeto em estudo e suas vicissitudes e a observação do cenário brasileiro no que toca ao tema em análise, trazendo também o estudo da obra do Dr.Lester Salamon, que se constitui como intelectual orgânico na medida em que dele parte a dedução da teoria do fracasso filantrópico.

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Uma incursão empírica também foi deflagrada para a coleta de dados através de aplicação de questionários às 26 organizações associadas à Abong em Pernambuco, assim como a realização de entrevista dirigida à representante estadual da Abong à época. Assim, foi possível entender o que acontece nesse segmento sob o enfoque da problemática deste trabalho: a sustentabilidade financeira do Terceiro Setor.

2. TERCEIRO SETOR: UMA BREVE ANÁLISE CONCEITUAL E CONTEXTUAL

O termo Terceiro Setor pressupõe a coexistência de um primeiro e de um segundo. De fato, para compreender este conjunto de que pertence a sociedade civil, faz-se necessária a explanação da divisão aludida.

O primeiro setor consiste no Estado, na máquina administrativa responsável pela concretização dos direitos sociais e individuais, e pela busca do bem comum. Por sua vez, o segundo setor diz respeito ao mercado privado, ao conjunto de empresas privadas, que possuem no lucro sua finalidade primordial.

Já o Terceiro Setor, da expressão “Third Sector” desenvolvida nos Estados Unidos, apresenta conceitos amplamente difusos. Trata-se, em uma acepção restrita, de um conjunto de entes privados, que não almejam o lucro e prestam serviços em áreas de relevante interesse social. (ROCHA, 2003). Um lato sentido, por seu turno, aborda-o como um conceito residual que abarca qualquer ente que não esteja no Estado ou no mercado. (FRANCO, 2001)

Rubem César Fernandes, por sua vez, amplia esse conceito, enfatizando a participação da sociedade civil em um âmbito não governamental, com a finalidade de dar continuidade às práticas da caridade, da filantropia, do mecenato e expandir o seu sentido para outros domínios, por meio da incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade civil. (FERNANDES apud Abong, 2000, p.50-51)

Entende-se, assim, que o Terceiro Setor está inserido em um contexto junto com o Primeiro e o Segundo Setor, isto é, Estado (público) e o mercado(privado), respectivamente, relacionando-se com eles, como ensina

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Paes(2010):

Portanto, terceiro setor é aquele que não é público e nem privado, no sentido convencional desses termos; porém guarda uma relação simbiótica com ambos, na medida em que ele deriva sua própria identidade da conjugação entre a metodologia deste com as finalidades daquele. Ou seja, o terceiro setor é composto por organizações de natureza “privada” (sem objetivo de lucro) dedicadas à consecução de objetivos sociais ou públicos, embora não seja integrante do governo (Administração Estatal).

Esse conjunto de organizações sem fins lucrativos surgiu da necessidade de suprir os déficits cometidos pelo Primeiro Setor, isto é, agir onde o Estado não deu a devida assistência, pois, conforme afirmam Paes (2010) apud Costa e Freitas (2012, p. 114) “o Estado, por si só, não tem capacidade de gerar o bem-estar social, fomentar o progresso econômico, resguardar o meio ambiente e melhorar a qualidade de vida da população”.

Contudo, o Segundo Setor não fica de fora quando se fala em insatisfação das necessidades da sociedade, pois como aponta Rubem César Fernandes, “o mercado não atende a totalidade das necessidades e dos interesses efetivamente manifestos, em meio aos quais se movimenta.(...) Uma parte substancial das condições que viabilizam o mercado precisa ser atendida por investimentos sem fins lucrativos.”(FERNANDES,1997)

Pode-se, assim, verificar que o Terceiro Setor exerce um papel de aliado do Estado, existindo um vínculo entre ambos. Tal relação justifica o emprego da expressão “paraestatal” empregada por alguns doutrinadores como Celso Antônio Bandeira de Mello, para caracterizar essas instituições privadas sem fins lucrativos que exercem típicas atividades da Potestade Pública que não possuem caráter de exclusividade.

Ademais, devido a tal caráter apresentado pelo Terceiro Setor, isto é, sua natureza privada e sua finalidade voltada ao interesse público, atribui-se a tal conjunto de entidades sem fins lucrativos um regime jurídico híbrido, disciplinado por normas de direito privado predominantemente, mas sujeito aos ônus do direito público. Exemplo disso é o controle exercido pelo Tribunal de Contas sobre essas instituições devido ao recebimento de recursos públicos.

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É válido ressaltar também que o Terceiro Setor encontra fundamento no princípio da subsidiariedade consagrado pela Constituição Federal. E, nas lições de Diogo Figueiredo Moreira Neto:

Atende-se ao princípio da subsidiariedade sempre que a decisão do Poder Público venha a ser tomada da forma mais próxima possível dos cidadãos a que se destinem. Tal proximidade visa a garantir que o órgão administrativo considerará sempre em suas decisões: primeiro, que sejam respeitados os direitos e iniciativas dos cidadãos e das entidades privadas; segundo, que qualquer intervenção administrativa só se produza em caso de inexistência ou insuficiência da iniciativa individual ou social; terceiro, que neste caso, a intervenção só se dará na medida indispensável para atender ao interesse público legal e legitimamente definido; e, quarto, que outros entes ou órgãos administrativos menores não tenham condições de agir com eficiência (MOREIRA NETO, 2003,p. 135)

O uso do adjetivo “subsidiário” indica auxílio, suporte. E, de fato, o Terceiro Setor, como já foi exposto, é auxiliar do Poder Público nas atividades de cunho social e de interesse público. A Carta Magna confirma esse caráter das entidades sem fins lucrativos e legitima sua participação nas mais diversas áreas, como sáude, educação e família, in verbis:

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. §1º . As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que: I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação; II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§1.º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, (...)

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entidades, faz-se necessário compreender quem são cada uma delas de acordo com suas nomenclaturas e particularidades. Vale ressaltar, todavia, que não é unânime o entendimento dos autores no que tange às categorias do Terceiro Setor Brasileiro.

O Código Civil brasileiro classifica como “associação” a pessoa jurídica de direito privado formada por um conjunto de indivíduos com finalidades outras que não sejam lucrativas (BRASIL, 2002). Contudo, salienta Maria Helena Diniz:

Não perde a categoria de associação mesmo que realize negócios para manter ou aumentar o patrimônio, sem, contudo, proporcionar ganhos aos associados, p.ex., associação esportiva que vende aos seus membros uniformes, alimentos, bolas, raquetes etc., embora isso traga, como consequência, lucro para a entidade.”(DINIZ, 2006,p.240) “Fundação” por sua vez se configura como um patrimônio dotado de personalidade jurídica destinado para fins não econômicos. Eduardo Szazi define satisfatoriamente tal entidade como “patrimônio destinado a servir, sem intuito de lucro, a uma causa de interesse público determinada, que adquire personalidade jurídica por iniciativa do seu instituidor” (SZAZI, 2006,p.37).

Essas associações e fundações, ao exercerem atividades de interesse público vinculadas a direitos humanos, saúde, educação, assistência social, entre outras, através da iniciativa privada sem a finalidade lucrativa, são conhecidas como Organizações Não-Governamentais (ONGs). Contudo, esse termo não existe na legislação brasileira, sendo adotado Organizações da Sociedade Civil (OSC) como forma mais recente trazida pela Lei 13.019/2014 para se designar essas entidades, que podem ser qualificadas juridicamente como Organizações Sociais (OS) ou Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público(OSCIP).

Dá-se o título de OS (Organização Social) à fundação ou associação que desempenha atividades voltadas à pesquisa científica, ao ensino, ao desenvolvimento tecnológico, ao meio ambiente, à cultura e à saúde, segundo os ditames da Lei 9.637/1998. Tal qualificação permite à entidade a possibilidade de celebrar contrato de gestão com o Poder Público. Tal negócio jurídico consiste no acordo que vincula o ente público ao financiamento da organização, e esta

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ao cumprimento da atividade contratada no prazo estipulado. Essa lógica de contratualização é trazida pelo PDRAE (Plano Diretor da Reforma Gerencial do Aparelho do Estado), na década de 90.

Saliente-se que, a partir desse contexto, a organização não passa a se dedicar somente ao objeto da parceria, mas também a participar da administração de políticas públicas, através de representantes da sociedade civil, promovendo o controle social e uma democratização de tais políticas, uma vez que o Terceiro Setor é parceiro das estruturas de poder e de coordenação (SANTOS,2002).

Ainda nesse contexto de diálogo com o Estado, surge uma nova legislação trazendo uma nova qualificação às fundações e associações: a Lei 9790/1999. De acordo com seu disciplinamento, as entidades que desempenham atividades sociais não exclusivas do Estado há no mínimo 3(três) anos regularmente, que se submetem aos princípios da Administração Pública, e que obedecem aos demais requisitos previstos na referida lei, podem receber o título de OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público). Essa atribuição ocorre “mediante solicitação formal e vinculada feita ao Poder Público, podendo a qualificação resultar em sua contratação pelo Estado, via termo de parceria.”(NÓBREGA, 2013)

As entidades que almejam o título de OSCIP devem exercer atividades voltadas para os objetivos dispostos no artigo 3º da Lei 9.790/199, que se resumem em assistência social, promoção da cultura em seus mais diversos âmbitos, da saúde, defesa do meio ambiente, fomento à educação, à produção científica, combate à pobreza e as desigualdades sociais, através da defesa dos direitos humanos e promoção da democracia, entre outros.

As relações entre Estado e Terceiro Setor enfrentaram alguns entraves: a corrupção. A observação de algumas brechas e negligências das legislações, sobretudo que iam de encontro ao princípio da Transparência, ensejou a criação de um novo corpo legislativo, que ficou conhecido como Marco Regulatório das Organizações Da Sociedade Civil (MROSC): a Lei 13.019/2014.

A legislação trouxe o conceito de Organização da Sociedade Civil para delimitar para quem se destinava sua disciplina, a saber:

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Art. 2o Para os fins desta Lei, considera-se:

I - organização da sociedade civil

a) entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva; b) as sociedades cooperativas previstas na Lei no 9.867, de 10 de

novembro de 1999; as integradas por pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade pessoal ou social; as alcançadas por programas e ações de combate à pobreza e de geração de trabalho e renda; as voltadas para fomento, educação e capacitação de trabalhadores rurais ou capacitação de agentes de assistência técnica e extensão rural; e as capacitadas para execução de atividades ou de projetos de interesse público e de cunho social.

c) as organizações religiosas que se dediquem a atividades ou a projetos de interesse público e de cunho social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos. (BRASIL,2014)

Ademais, trouxe ainda novas formas de parceria entre a organização da sociedade civil e o Poder Público: o Termo de Fomento, o Termo de Colaboração e o Acordo de Cooperação. O primeiro ocorre quando há “consecução de planos de trabalho propostos por organizações da sociedade civil que envolvam a transferência de recursos financeiros” (BRASIL, 2014). O segundo, por sua vez, deve ser adotado quando a iniciativa dos planos de trabalho é da Administração Pública, sendo esta a única distinção entre os dois instrumentos. Já no caso do Acordo de Cooperação, sua celebração deve ocorrer quando não estejam envolvidos repasses de recursos públicos. Assim, quanto ao regime das parcerias entre a Potestade Pública e o Terceiro Setor, serão as três leis federais que devem ser observadas, a depender da categoria à qual pertence a entidade.

3. O FINANCIAMENTO DO TERCEIRO SETOR À LUZ DO DIREITO BRASILEIRO

O ordenamento jurídico põe o Terceiro Setor diante de mecanismos de fomento público e privado. Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2003, p.514) conceitua fomento da forma seguinte:

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estimulam ou incentivam, direta, imediata e concretamente, a iniciativa dos administrados ou de outras entidades, públicas e privadas, para que estas desempenhem ou estimulem, por seu turno, as atividades que a lei haja considerado de interesse público para o desenvolvimento integral e harmonioso da sociedade.

Essa atividade do Estado encontra fundamento no princípio da subsidiariedade, como bem aponta Célia Cunha Mello (2003), pois cabe ao Estado intervir em atividades que se encontrem insuficientes no intuito de supri-las e estimulá-supri-las em prol do interesse público.

A autora salienta ainda que não há compulsoriedade no fomento realizado pelo Estado, ou seja, não há nenhuma ação coercitiva para que a entidade realize o projeto em conjunto com a máquina administrativa. Contudo, uma vez realizada a parceria, a entidade fomentada precisa se adequar aos propósitos do Estado, atendendo aos seus requisitos. (CHALUSNHAK,2011)

Ademais, Célia Mello aponta que o fomento do Estado deve ser transitório, com fins de evitar um certo grau de protecionismo. Acerca dessa questão, Maria Tereza Fonseca Dias (2008, p. 266) elucida que essa transitoriedade acontece de modo parcial na relação entre o Estado e o Terceiro Setor brasileiro. No tocante ao fomento direto, que será explicado adiante, observa-se um caráter temporário, visto que o repasse de recursos se encerra quando finalizado o projeto ou atividade a que se destinava. Já em relação ao financiamento indireto das instituições sem fins lucrativos, verifica-se um cenário diferente, visto que são prerrogativas concedidas pela legislação que apresentam um caráter permanente, como é o caso das imunidades tributárias.

Tal atividade de fomento ao Terceiro Setor realizada pelo Estado pode ocorrer de forma direta ou indireta. A primeira ocorre quando há transferência de recursos públicos, sejam bens ou até mesmo a cessão de servidores públicos, já a segunda diz respeito a exceções tributárias ou benefícios que promovam a desoneração do conjunto patrimonial das entidades não-lucrativas.

3.1 INSTRUMENTOS DE FOMENTO PÚBLICO DIRETO a) Subvenções sociais

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viu contemplado pelo ordenamento jurídico como destinatários de recursos públicos, através da Lei 4320/1964, que tem como fim disciplinar a elaboração e o controle orçamentário nos âmbitos da União, dos Estados e dos Municípios.

O artigo 12, § 3º, I, da referida Lei traz as subvenções sociais como mecanismo de custeio para as entidades sem fins lucrativos de caráter assistencial e cultural, que, por meio deles, terão suas despesas cobertas. Contudo, vale salientar que não é apenas pertencer à categoria mencionada que faz com que a instituição seja destinatária das transferências. O artigo 17 da mesma legislação esclarece que deve haver uma fiscalização por parte de órgãos oficiais para averiguar as condições de funcionamento das potenciais destinatárias.

Fora do âmbito da Lei 4.320/ 1964, existem outros requisitos para a destinação de subvenções sociais. O Decreto nº 93.872, de 23 de dezembro de 1986,por exemplo, traz em seu artigo 60, uma série de exigências a serem obedecidas pelas destinatárias, in verbis:

Art . 60. A subvenção social será concedida independentemente de legislação especial a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural sem finalidade lucrativa.

§ 3º A concessão de subvenção social só poderá ser feita se a instituição interessada satisfizer às seguintes condições, sem prejuízo de exigências próprias previstas na legislação específica:

a) ter sido fundada em ano anterior e organizada até o ano da elaboração da Lei de Orçamento;

b) não constituir patrimônio de indivíduo; c) dispor de patrimônio ou renda regular;

d) não dispor de recursos próprios suficientes à manutenção ou ampliação de seus serviços;

e) ter feito prova de seu regular funcionamento e de regularidade de mandato de sua diretoria;

f) ter sido considerada em condições de funcionamento satisfatório pelo órgão competente de fiscalização;

g) ter prestado contas da aplicação de subvenção ou auxílio anteriormente recebido, e não ter a prestação de contas apresentado vício insanável; h) não ter sofrido penalidade de suspensão de transferências da União, por determinação ministerial, em virtude de irregularidade verificada em exame de auditoria.

b) Auxílios e contribuições

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Lei 4320/1964 são os auxílios e contribuições. São conceituados pela referida lei como (Artigo 12, §6º, I)

(...) dotações para investimentos ou inversões financeiras que outras pessoas de direito público ou privado devam realizar, independentemente de contraprestação direta em bens ou serviços, segundo derivem diretamente da Lei de Orçamento ou de lei especialmente anterior, bem como as dotações para amortização da dívida pública.

Observe-se que os auxílios são derivados da lei orçamentária e as contribuições são oriundas de lei especial anterior, destinados a atender ônus ou encargos assumidos pela União (SZAZI,2000).

No tocante aos auxílios, a Lei 4320/1964 traz seu disciplinamento em seu artigo 21, vedando sua destinação aos fundos patrimoniais de empresas privadas (BRASIL, 1964). Mas as Leis de Diretrizes Orçamentárias pormenorizam anualmente esse disciplinamento, elencando critérios para a destinação dos auxílios às entidades privadas sem fins lucrativos, assim como das contribuições, visto que a distinção entre ambos instrumentos está na origem legal.

c) Contrato de gestão

No despontar de uma Reforma Gerencial do Estado, momento em que o Estado busca a atuação com eficiência e a satisfação do interesse público, surge o contrato de gestão como instrumento da publicização. Tal negócio jurídico vincula a entidade sem fim lucrativo qualificada com Organização Social ao Poder Público, em que este se compromete no seu fomento e aquela na execução de um projeto de interesse social, e essa relação é regida pela Lei 9.637/1998.

Nas palavras de Diógenes Gasparini, trata-se de um

ajuste celebrado pelo Poder Público com órgãos e entidades da Administração direta, indireta e entidades privadas qualificadas como organizações sociais, para lhes ampliar a autonomia gerencial, orçamentária e financeira ou para lhes prestar variados auxílios e lhes fixar metas de desempenho na consecução de seus objetivos.(GASPARINI, 2002,P.602)

No que tange às formalidades do contrato de gestão, a Organização Social e o Poder Público devem obedecer aos ditames da Lei 9.637/1998. O

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instrumento, para ser formalizado, precisa da aprovação do Conselho de Administração da entidade e do Ministro de Estado ou autoridade supervisora que corresponda à área de atuação da entidade, como bem determina o parágrafo único do artigo 6º da mencionada lei. (BRASIL,1998).

O contrato de gestão deve obedecer aos princípios que regem a Administração Pública e qualquer desobediência a tais orientações ou a qualquer de suas cláusulas está sujeita ao crivo da entidade supervisora e do Tribunal de Contas da União. Toda a execução do negócio jurídico é acompanhada através de relatórios a fim de se averiguar o atendimento ao interesse público.

Através desse instrumento, permite-se à organização social utilizar-se de bens públicos e, inclusive, de servidores, conforme elucida o artigo 12, da Lei 9.637/1998

Assim, observa-se que o fomento público não se trata apenas de destinação de verba pública, mas também de cessão de membros do seu próprio quadro de pessoal para auxiliar a entidade na concretização de suas atividades.

d) Termo de Parceria

O Termo de Parceria é o instrumento de que se vale a entidade qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) para o recebimento de recursos públicos. Através dele, cria-se um vínculo de cooperação entre a entidade e a Administração Pública para a realização de atividades de interesse público, que são listadas pela Lei 9790/1999, que rege as OSCIPs. Dessa forma, atividades relacionadas a saúde, pesquisa científica, educação, defesa de direitos, preservação do meio ambiente, entre outros, que são objeto da atuação das entidades são fomentadas pelo Poder Público através do Termo de Parceria.

Do artigo 9º ao 15º, a Lei 9790/1999 aborda a criação, a execução e a fiscalização do Termo de Parceria. Ponto relevante a ser observado é a questão da presença de cláusulas essenciais que devem ser contempladas no instrumento. Assim, não podem ser esquivados apontamentos acerca do programa a ser desempenhado pela OSCIP, da estipulação de metas, da previsão das receitas e despesas correspondentes, das obrigações da entidade,

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da publicação em imprensa oficial dos extratos do Termo de Parceria, etc. No que tange à fiscalização do Termo de Parceria, responsabilizam-se por ela, de acordo com o artigo 11 da Lei 9790/1999, os órgãos do Poder Público responsáveis pela área de atuação da atividade a que se destina o instrumento e os Conselhos de Políticas Públicas das áreas correspondentes de atuação existentes, em cada nível de governo. Esses fiscalizadores devem dar notícia de qualquer irregularidade ao Tribunal de Contas respectivo e ao Ministério Público. Os termos de parceria, segundo Maria Tereza Fonseca Dias(2008, p.300), são, em certo ponto, um aperfeiçoamento do modelo de contrato de gestão, visto que desvincula as ações das OSCIPs com o Poder Público até que o termo de parceria seja celebrado, o que gera uma certa autonomia para as entidades; e também porque permite a transferência do patrimônio para outra OSCIP em caso de extinção de alguma delas.

e) Convênios

Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2005, p. 189), convênio é o ato administrativo marcado pelo acordo entre uma entidade pública e outra entidade pública ou privada para o desempenho conjunto, de uma atividade da seara da primeira.

Já nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello(2011, p. 670-671), “os convênios administrativos são contratos em que as partes se compõem pela comunidade de interesses, pela finalidade comum que as impulsiona”.

Maria Sylvia Zanella di Pietro (2007, p. 298) coloca o convênio como instrumento do Poder Público que se destina a incentivar a iniciativa privada para o interesse público, auxiliando o particular a desempenhar atividades voltadas ao coletivo através de dotações financeiras e outros incentivos.

A legislação que disciplina os convênios é o Decreto nº 6170/2007. No que diz respeito ao Terceiro Setor, o decreto determina que para a celebração no negócio, as entidades sem fins lucrativos devem realizar cadastro no Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse - SICONV, conforme normas do órgão central do sistema. Outro requisito é a realização de chamamento público a ser realizado pelo órgão ou entidade concedente, a que deve ser dada

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ampla publicidade, tanto na realização quanto no resultado, com veiculação no sítio oficial do órgão ou entidade concedente, e no Portal dos Convênios.

f) Termo de Fomento e Termo de Colaboração

A Lei 13.019/2014 trouxe novos instrumentos jurídicos para firmar parcerias entre o Poder Público e o Terceiro Setor. E, desta vez, não se restringe às instituições que possuem algum tipo de qualificação ou certificado. Esses instrumentos são os Termos de Colaboração e de Fomento.

De acordo com os conceitos legais previstos nos artigos 16 e 17 do MROSC, o termo de colaboração é adotado pelo Poder Público quando se objetiva executar planos de trabalho de sua iniciativa, celebrando parcerias organizações da sociedade civil que envolvam transferência de recursos financeiros. A diferença desse instrumento para o Termo de fomento está tão somente em quem tem a iniciativa do plano de trabalho. Se naquele a Administração Pública foi a responsável pela elaboração do projeto, neste a propositura é de iniciativa da organização, havendo também transferência de recursos financeiros.

Dessa forma, o que ocorre é o reconhecimento de duas formas legítimas de relação entre Estado e sociedade civil em que, de um lado, há um processo indutivo do Estado de atuação complementar com as redes privadas e, de outro, o fomento e o fortalecimento às ações de interesse público desenvolvidas por OSCs. (LOPES, SANTOS, ROLNIK, 2015).

A Lei 13.019/2014 também trouxe o chamamento público como mecanismo de seleção da OSC. Ademais, existem alguns requisitos internos que a organização deve cumprir para a celebração do termo de fomento ou do termo de colaboração. A existência mínima de um, dois ou três anos para entidades municipais, distritais ou estaduais ou federais, respectivamente; a escrituração de acordo com os princípios e normas da Contabilidade; a experiência prévia e efetiva na área de atuação da parceria a ser celebrada; e a presença de uma estrutura técnica e operacional adequada para o desenvolvimento das atividades da parceria são alguns deles.

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organização da sociedade civil comprovar sua regularidade nos mais diversos âmbitos. Ter em mãos certidões de existência jurídica, de regularidade fiscal, previdenciária, tributária, de contribuições e de dívida ativa, assim como comprovação do endereço da entidade, e a apresentação de relação nominal dos dirigentes da entidade com seus respectivos dados documentais, são algumas medidas que devem ser tomadas para o cumprimento dessa etapa. (BRASIL, 2014)

O MROSC também contempla vedações para a celebração da parceria. Muitas delas estão relacionadas a questões de regularidade, ausência de pendências com órgãos de controle etc. Mas, o que vale ser ressaltado é o que dispõe o artigo 39, inciso III da legislação, visto que se trata da observância do princípio da impessoalidade:

Art. 39. Ficará impedida de celebrar qualquer modalidade de parceria prevista nesta Lei a organização da sociedade civil que:

(...)

III - tenha como dirigente membro de Poder ou do Ministério Público, ou dirigente de órgão ou entidade da administração pública da mesma esfera governamental na qual será celebrado o termo de colaboração ou de fomento, estendendo-se a vedação aos respectivos cônjuges ou companheiros, bem como parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o segundo grau; (BRASIL, 2014)

3.2 Instrumentos de fomento público indireto

Até aqui foi exposto o fomento público direto ao Terceiro Setor. Contudo, é válido discorrer sobre as formas indiretas de financiamento de que se vale o Poder Público. Isso ocorre por meio dos incentivos fiscais que são concedidos às entidades ou àqueles que realizam doações de recursos a tais instituições. Esses incentivos podem ser de imunidade tributária, isto é, a proibição de tributação prevista na Constituição Federal, ou isenção fiscal, que consiste na situação de não-tributação prevista em lei ordinária infraconstitucional (DIAS, 2008).

A Constituição Federal de 1988 assegura a imunização das instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos no que tange a tributação, conforme dispõe o seu seguinte dispositivo:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

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VI - instituir impostos sobre:

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

No entendimento de Paulo de Barros Carvalho (1999, p.178), a imunidade determina a incompetência tributária das pessoas políticas de direito constitucional interno, impedindo-as de instituir tributos por meio de leis que alcancem determinadas situações, que no caso em tela, se trata do Terceiro Setor.

O fundamento das imunidades, de acordo com Maria Tereza Fonseca Dias (2008) é a proteção de liberdades fundamentais, como o pluralismo ideológico, educacional, político, assistencial, ou seja, valores voltados para o interesse público.

Os requisitos legais para o gozo do benefício estão elencados no artigo 14, do Código Tributário Nacional, sendo eles: a não distribuição do patrimônio da entidade, a aplicação integral dos seus recursos em função da manutenção dos seus objetivos institucionais e a escrituração das receitas e despesas em livros revestidos de formalidades que assegurem sua exatidão(BRASIL, 1966).

Já no que toca à isenção fiscal, esta pode ser destinada tanto às instituições sem fins lucrativos, quanto às pessoas que contribuem para sua sustentabilidade por meio de doações, quando, nesse caso, chama-se de incentivo fiscal.

Quando uma instituição é isenta de um tributo, significa dizer que o crédito tributário foi extinto. O Poder Público, por meio de lei ordinária ou complementar, de forma espontânea, estipula que determinadas situações não serão objeto de tributação. Trata-se do não usufruto da sua competência. Esse caráter de espontaneidade do benefício confere uma revogabilidade à isenção fiscal, diferentemente do que acontece com a imunidade, que não pode ser revogada.(FISCHER, 2008)

A Lei nº 9.532/97, em seu artigo 15, por exemplo, atribui isenção às instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural, científico e associações civis que prestem os serviços para os quais foram instituídas aos seus

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associados sem fins lucrativos do pagamento do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o lucro líquido.

Ainda nesse âmbito de fomento público indireto, destacam-se, por fim, os incentivos fiscais, que se configuram como instrumentos do Estado para o estímulo do investimento privado em setores considerados relevantes economicamente. As entidades sem fins lucrativos, portanto, são contempladas por esses incentivos, haja vista sua relevância para a consecução do interesse público. E, no Brasil, são duas as maneiras endereçadas ao Terceiro Setor: a dedução do imposto de renda, em que parte do valor da doação é descontado, reduzindo a base de cálculo do mencionado tributo, ou o repasse do próprio imposto, que desconta não em sua base de cálculo, mas no cálculo final, o valor doado.

São diversas as legislações federais que disciplinam os incentivos fiscais, destinando-se cada qual, a uma determinada área, seja, cultural, social, assistencial, entre outros. Através dos dispositivos legais, esses benefícios são aplicados às pessoas físicas e jurídicas que se enquadrarem nas respectivas situações.

3.3 Recursos privados

O Poder Público não é a fonte única de financiamento do Terceiro Setor. As pessoas físicas e jurídicas de direito privado, seja no âmbito nacional ou internacional, também podem contribuir para o funcionamento das entidades sem fins lucrativos de forma direta através das doações e da cooperação internacional.

a) Doações

A doação é conceituada pelo Código Civil brasileiro, em seu artigo 538, como o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra (BRASIL, 2002). Contudo, é mister salientar que, no âmbito do Terceiro Setor, é comum a prática da doação modal ou com encargo, e não só a simples pura que é trazida pelo dispositivo mencionado. Tal modalidade se trata de uma liberalidade sujeita a uma contrapartida. Em outros termos, a instituição que recebe o donativo fica

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encarregada de cumprir determinada obrigação. E, inclusive, seu não cumprimento torna revogável a doação, como bem determina o artigo 555 da legislação citada.

Quando se fala em fundações e institutos empresariais, as doações ganham uma nova roupagem, pois, nesse âmbito, são chamadas de Investimento Social Privado. Consiste em “repasse voluntário de recursos privados, através de doações pura e simples ou com encargos, feitas de forma planejada, monitorada e sistemática para projetos sociais, ambientais e culturais de interesse público”. (GIFE - GRUPO DE INSTITUTOS, FUNDAÇÕES E EMPRESAS, 2011.) A partir desse conceito, pode-se observar que é comum a prática da doação com encargos, visto que há uma preocupação com o planejamento, monitoração e avaliação dos projetos, sendo exigidos, dessa forma, resultados por parte da instituição donatária.

b) Cooperação Internacional

Em meados da década de 1970 até os anos 1980, muitas instituições sem fins lucrativos cujas áreas de atuação estavam relacionadas à erradicação da pobreza, à promoção da democracia e dos direitos humanos, foram financiadas por pessoas jurídicas internacionais. Esse fenômeno marcou o despontar da cooperação internacional no Brasil, que perdurou até os anos 1990, tendo um certo “freio” nos anos 2000. A diminuição dos recursos estrangeiros no financiamento das OSCs se deu nesse período, por conta do cenário econômico de crescimento no país e de queda da desigualdade em função do fortalecimento de programas sociais, o que fez a cooperação internacional voltar-se para os países cujas situações socioeconômicas se encontravam mais deficientes. (LOPES, SANTOS, ROLNIK, 2015)

São duas as formas pelas quais se realiza a cooperação internacional: bilateral ou multilateralmente. A primeira, como se pode deduzir pelo prefixo do termo, envolve dois países, podendo ser entre governos ou entre entidades do Terceiro Setor. Já a segunda é realizada por organismos internacionais, como ONU, Bancos de Desenvolvimento, entre outros.

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Alianças estratégicas com fundações internacionais, por meio de doações e convênios para a disponibilização de recursos financeiros, técnicos ou materiais é uma maneira de se estabelecer uma cooperação bilateral entre organizações do Terceiro Setor. Já na multilateral, os organismos internacionais se utilizam de critérios próprios para selecionar as organizações beneficiadas, o que enseja uma adequação da entidade aos requisitos elencados pelo organismo que almeja ser financiada. (OAB,2011)

Até então foram abordados os recursos externos para o financiamento das entidades do Terceiro Setor. Contudo, é possível que elas gerem recursos próprios, por meio de suas atividades, como venda de produtos, contribuições de seus associados, permuta e até realização de concursos, sorteios, como bem permite a Lei 13.019/2014, em seu artigo 84-B, inciso III. Szazi e Campelo(2010) chamam essas ferramentas de que as entidades se utilizam para gerar suas receitas de “autofinanciamento”.

É relevante salientar ainda o que trazem Lopes, Santos e Rolnik (2015), no que toca que toca a esse último mecanismo de financiamento. Segundo eles, Organizações da Sociedade Civil que possuem prestígio, e, portanto, são conhecidas em suas áreas de atuação, podem ceder onerosamente sua marca para empresas privadas, que, em contrapartida, pagam royalties ou direitos autorais. É uma estratégia utilizada pelas empresas para terem seus produtos vinculados à imagem da OSC que beneficia a entidade no que tange ao seu financiamento e divulgação. O Greenpeace é um exemplo disso.

4.EXPLORANDO O CAMPO DO TERCEIRO SETOR

4.1 O cenário socioeconômico nacional e pernambucano

Importante pressuposto para entender o Terceiro Setor no campo do seu financiamento e a participação das respectivas fontes de recursos, é a feitura de uma análise conjunta de dados socioeconômicos do Brasil e do estado de Pernambuco, onde se encontra a amostra. A abordagem deste trabalho sobre o financiamento do Terceiro Setor tanto no âmbito público quanto no privado, torna relevante a verificação de como se encontram essas duas fontes de receita para

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as entidades sem fins lucrativos, a fim de se ter uma análise panorâmica do objeto.

No que toca à esfera privada, mais precisamente às pessoas físicas, foi demonstrado no capítulo anterior, que sua participação no funcionamento e manutenção das entidades do Terceiro Setor, ocorre através das doações. Nesta senda, dados como IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)1 e as rendas

auferidas pela população são relevantes para compreender como se encontra o cenário nacional e estadual no que tange à disponibilidade de recursos para a feitura dos donativos.

Quanto ao IDH, o Brasil em 2017 atingiu o índice de 0,759, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano publicado pelo Programa de Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2018). Trata-se de um referencial numérico variável de 0 a 1, que consiste em indicar, através da proximidade ou não do número 1, a qualidade de quesitos como saúde, economia e renda.(MOTA, 2018). É desejável, portanto, que um país tenha seu índice o mais próximo possível desse parâmetro. O Brasil, segundo o relatório do PNUD, está entre os países com alto desenvolvimento humano, ocupando a 79ª posição do ranking da ONU(Organizações das Nações Unidas). Contudo, este grupo não ocupa a categoria máxima de desenvolvimento, visto que esta se refere ao grupo de “muito alto desenvolvimento humano”.

O último censo realizado pelo IBGE que verificou a realidade dos estados no que toca ao desenvolvimento humano data de 2010, e Pernambuco, nessa época, alcançou o índice de 0,673, ocupando o 18º lugar no ranking entre os 27 estados (IBGE,2010). Já o IDH nacional, por sua vez, foi de 0,699 naquele ano.

Observa-se, assim, que houve uma melhoria nas condições socioeconômicas do país nos últimos 7 anos. E, apesar, de não dispormos dos dados atuais referentes aos estados, podemos deduzir que houve,

1 No ensinamento do professor Júlio César de Oliveira, “o índice de desenvolvimento humano

(IDH) busca mensurar as realizações médias de um país por meio de uma medida que permita quantificar o acesso a uma vida prolongada e saudável, à educação e aos recursos necessários para uma vida decente. O IDH resulta, portanto, da combinação de três dimensões básicas: saúde, educação e renda.”(OLIVEIRA, 2003)

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consequentemente, um aumento no índice pernambucano, apesar da ausência de exatidão pela indisponibilidade de dados.

No que tange à renda mensal das famílias pernambucanas, o IBGE averiguou em 2017, através da Pesquisa Nacional por amostra de domicílios (Pnad), que o montante de R$ 852,00(oitocentos e cinquenta e dois reais) é o que permite a subsistência de diversos grupos familiares no estado. Ressalte-se que é uma quantia inferior ao salário mínimo vigente na época, que consistia em R$ 937,00 (novecentos e trinta e sete reais), de acordo com o Decreto nº 8.9428/2016. Esse mesmo dado, em esfera nacional, foi de R$ 1.268,00 (mil duzentos e sessenta e oito reais), e, no ranking entre os estados, Pernambuco ocupou a 18ª posição.

Saindo da esfera de dados concernentes à esfera privada, no que toca às pessoas físicas, podemos adentrar para dados relativos ao erário, às receitas do país e do estado pernambucano. São dados como Produto Interno Bruto (PIB2),

que podem ilustrar esse cenário.

O Brasil obteve, em 2017, um PIB correspondente a R$ 6,6 trilhões de reais, em valores correntes, e nesse resultado, o setor da agropecuária participou com R$ 299,5 bilhões, a indústria com R$ 1.212 bilhões e os serviços com R$ 4.137,1 bilhões, segundo o IBGE (2017). Pernambuco, por sua vez, registrou um PIB de R$ 172,3 bilhões no mesmo ano, apresentando cenário semelhante quanto aos principais setores da economia, segundo pesquisa da Agência Estadual de Planejamento e Pesquisa (Condepe/Fidem), visto que a agropecuária foi um importante fator para o resultado atingido. (FONSECA, 2018)

4.2 Perspectiva nacional do Terceiro Setor

O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) realizou uma incursão acerca do Terceiro Setor brasileiro, no período de 2010 a 2017, e publicou tal

2 De acordo com Feijó (2001,p. 14) apud Bonecher (2006, p.19) o Produto Interno Bruto é “ a

medida de um país ou região representando a produção de todas as unidades produtoras da economia (empresas públicas e privadas produtoras de bens e prestadoras de serviços, trabalhadores autônomos, governo), num dado período, avaliadas a preço de mercado.”

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pesquisa com o título “O Perfil das Organizações da Sociedade Civil”. Através dessa investigação, observou-se que há820 mil organizações da sociedade civil (OSCs) com Cadastros Nacionais de Pessoas Jurídicas ativos no Brasil. Tal investigação é um prosseguimento da pesquisa intitulada “As entidades sem fins lucrativos e as políticas públicas federais: tipologia e análise de convênios e organizações (2003-2011)”. Segundo esta incursão, o governo federal dispendeu quase R$ 190 bilhões entre 2003 e 2011 em convênios com outros níveis de governo e com entidades sem fins lucrativos, as quais receberam perto de 15% do total de transferências, num valor de R$ 29 bilhões em mais de 36 mil convênios. Contudo, vale salientar que essas entidades analisadas consistem em ONGs, sindicatos, hospitais filantrópicos, fundações e institutos de pesquisa, centros culturais etc. Ao se debruçar apenas para os convênios que a pesquisa do IPEA coloca na categoria de “desenvolvimento e defesa de direitos” – descrição mais próxima da atuação das ONG’s – foram 4,3 mil convênios celebrados, totalizando R$ 4 bilhões, ou 2,1% do volume total de convênios no período. (ABONG,2014)

O estudo do IPEA ainda esmiúça que as transferências voluntárias do governo federal para os entes subnacionais são muito maiores do que para as entidades sem fins lucrativos. Enquanto as transferências para os primeiros tiveram um singelo aumento a partir de 2006, passando de 3% para 3,7%, para Estados, e de 5% para 6% para os municípios, aquelas destinadas para as segundas caíram de 0,60% para 0,48% entre 2002 e 2010. (ABONG, 2012)

Ademais, no ínterim de 2000 a 2010, metade das transferências do governo ao

Terceiro Setor está concentrada em três funções orçamentárias – ciência e tecnologia, com 21,57% saúde, com 20,17%, e educação, com 8,04%. Vale salientar que estas não se enquadram na categoria de ONG’s, ou seja, aquelas com perfil de defesa de direitos, mas sim são organizações ligadas a universidades, fundos de pesquisa científica, fundações acadêmicas e hospitais filantrópicos integrantes do SUS – Sistema Único de Saúde. Destaca-se ainda a concentração das transferências em poucas organizações (em 2006, 4.898 entidades sem fins lucrativos receberam recursos do governo federal; em 2010, foram 3.342).

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Já no que tange ao intervalo de tempo entre 2010 e 2017, o total de transferências do governo foi de R$ 75 bilhões. Todavia, a perspectiva ainda é de queda, pois com base nos novos valores globais, o percentual relativo do orçamento caiu de 0,86% para 0,51% do orçamento geral da União. Houve declínio também quanto ao número de OSCs que anualmente recebem recursos federais: de mais de 13.656, em 2010, para 7.080, em 2017. As figuras 1 e 2 abaixo revelam esse cenário.

Figura 1-Total e percentual de recursos públicos federais transferidos para OSCs no orçamento geral da União (2010-2017)

Fonte: Brasil (2018c) apud Ipea (2018, p.125)

Figura 2 - Evolução do número de OSCs recipientes de transferências federais no orçamento da União (2010-2017)

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No que toca, entretanto, ao âmbito estadual e municipal quanto às transferências para as entidades sem fins lucrativos (ESFLs) e OSCs, observou-se uma continuação do observou-seu crescimento como no período da pesquisa anterior. Saliente-se, contudo, que nesse ínterim da investigação, o aumento ocorreu de modo mais significativo, visto que nas transferências estaduais, foi de 140%, e nas municipais, de 555%. “Esta ampliação nas transferências municipais para ESFLs talvez se explique inteiramente pela crescente descentralização de recursos para execução de políticas federais pelos municípios, apontada por Golbetti e Orair (2010).”(IPEA, 2018).

Figura 3 – Transferências voluntárias da União, dos estados e dos municípios para ESFLs (2002-2016)

Fonte: Brasil (2018) apud Ipea (2018, p.125)

O estudo aponta ainda que saúde e educação permanecem como as áreas de maior destinação de recursos públicos, abrangendo quase 50% do total destinado nesses últimos oito anos. Contudo, isoladamente, as organizações de desenvolvimento e defesa de direitos e interesses recebem o maior montante: 38% dos recursos. Ademais, no tocante às localidades, a distribuição ocorreu da seguinte forma: 59.8% para a região Sudeste, 22.1% para o Centro-Oeste, 8.5%

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correspondeu à região Nordeste, 6,9% destinado ao Sul do Brasil, e ao Norte foi distribuído 2,7% das transferências.

Observou-se, outrossim, a natureza jurídica das OSCs destinatárias dos recursos, a fim de se averiguar quais são as mais beneficiadas de tal financiamento. Verificou-se, desse modo, que as associações e fundações privadas protagonizam a posição de principais receptoras, conforme figura 4.

Figura 4 – Percentual em relação ao total das transferências voluntárias de recursos para OSCs por natureza jurídica (2010-2017)

Fonte: Brasil (2018) apud IPEA (2018, p.136)

Michel Freller (2014, p.26) em sua dissertação de mestrado, intitulada “Mobilização de Recursos para Organizações sem Fins Lucrativos por meio da Geração de Renda Própria”, elaborou um gráfico que também traz um vislumbre acerca das fontes de financiamento das entidades do Terceiro Setor brasileiras.

Figura 5 – Distribuição percentual de recursos para o Terceiro Setor no Brasil por fonte

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A partir da figura 5, pode-se observar a diversidade das fontes e sua respectiva participação no orçamento das entidades. Em 2012, época da pesquisa, verificou-se uma participação do governo em 41%, pois são considerados os âmbitos federal, estadual e municipal, assim como os incentivos fiscais, que fazem parte do fomento público indireto.

Infere-se, assim, que o Terceiro Setor brasileiro, apesar da diversidade de fontes ofertadas, encontra no Poder Público uma principal fonte de receita, muito embora tal perspectiva não seja tão segura. A Associação Brasileira das Organizações Não Governamentais, por exemplo, tem como integrante de sua base principiológica a busca pela autonomia e desenvolvimento institucional e, por isso, utiliza-se de um diversificado esquema financeiro, abrangendo a Administração Pública, a cooperação internacional, a iniciativa privada e a obtenção de recursos próprios. Contudo, verificar-se-á no tópico seguinte que não é tão fácil se desligar significativamente dos cofres públicos.

4.3 A Abong

A Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong) se trata de uma sociedade civil sem fins lucrativos criada em 1991 que congrega cerca de 250 organizações de todo o Brasil com os mesmos objetivos. Defendem a promoção dos direitos humanos, a garantia da democracia, a não discriminação, entre outros valores. Sua forma de atuação articula e promove discussão acerca de políticas públicas, além de auxiliar no desenvolvimento institucional de suas associadas, promovendo entre elas um intercâmbio de ideias acerca de temáticas sociais relevantes (ABONG, 2013).

Entre os objetivos dessa associação, destaca-se a busca pela sustentabilidade financeira e política de suas associadas. A articulação com as mais diversas fontes de financiamento disponíveis e a promoção de diálogos, debates e palestras voltados para as instituições e a sociedade, com o fim de fomentar uma postura crítica diante da política da luta pela democracia, são seus principais mecanismos para a consecução do objetivo destacado. (ABONG,2013)

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Diante da atuação da Abong, no tocante ao desenvolvimento institucional e à democracia, tal associação foi tomada como amostra para essa incursão. Ademais, as entidades, para se associarem, precisam obedecer a alguns requisitos formais, como regularidade de CNPJ, dois anos de atuação com trabalhos comprovados em relatório, além de uma carta de recomendação de duas organizações associadas ou da Direção estadual.

Outrossim, associar-se à Abong significa também obedecer a uma série de princípios3, como autonomia da organização a igrejas, partidos políticos,

transparência no que tange a todas as informações públicas, e democracia, que deve ir além dos processos eleitorais. Todas essas exigências permitem a inferência de que as instituições que compõem a Abong possuem um certo grau de institucionalização e seriedade, o que facilita a confiabilidade dos dados coletados.

Dessa forma, com a Abong como referencial, a investigação debruça-se sobre as suas entidades associadas em Pernambuco, que consistem em 26(vinte e seis) instituições.

Partindo para uma análise numérica da Abong, no que toca ao financiamento, verificou-se que, nos anos de 2013 a 2015, verificou-se, através dos relatórios das auditorias, que a posição de principal fonte de recursos foi ocupada por diferentes agentes. Em entrevista com a Coordenadora regional da Associação em Pernambuco, Alessandra Nilo, foi revelado que isso se deu em função dos diferentes projetos que estavam em vigor na mencionada época, visto que ocorre uma relação de adequação e interesse do financiador quanto a temática do programa a ser implementado pela Associação.

O ano de 2013 ficou marcado pela cooperação internacional participando majoritariamente no fomento dos projetos da Abong, correspondendo a 67,6% da receita da associação. Em 2014, a Petrobrás, sociedade de economia mista, e, portanto, integrante da Administração Pública indireta, foi a principal fonte de

3 Na Carta de Princípios da Abong, estão elencados: a igualdade; a diversidade; a solidariedade;

pluralidade; autonomia; transparência; participação(atuação da sociedade civil nos espaços de decisão); liberdade; sustentabilidade; democracia; e a horizontalidade (relações horizontais de poder, respeitando as diferenças e as diversidades). (ABONG, 2013)

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recursos financeiros, participando de 44% da receita, assim como em 2015, que compôs 56%. A cooperação internacional se configurou como segunda maior fonte, consistindo em 33% da receita no primeiro ano, e 39% no último. Atualmente, segundo a coordenadora, os organismos estrangeiros estão participando mais ativamente do financiamento da Abong, nos projetos de implementação do MROSC na sociedade civil brasileira.

4.4 Teoria do Fracasso Filantrópico

O professor Dr. Lester Salamon4 propôs-se a realizar, na década de 80,

uma pesquisa internacional com a finalidade de colher as características presentes nas entidades sem fins lucrativos em diversos países. Segundo o ilustre pesquisador, a maioria dessas instituições apresentam um conjunto de falhas que obscurecem seu processo de funcionamento e, por conseguinte, a realização de suas atividades. Essa tese conhecida como “teoria do fracasso filantrópico”5 apresenta os seguintes pontos:

1) Insuficiência filantrópica: Diz respeito à incapacidade das instituições sem fins lucrativos de gerar recursos suficientes e capazes para realizar suas atividades;

2) Particularismo filantrópico: A inclinação do terceiro setor em direcionar suas atividades a uma área geográfica específica ou a um determinado grupo de pessoas, o que fomenta as desigualdades nas prestações de assistência;

3) Paternalismo filantrópico: aqueles que possuem mais recursos são os principais tomadores de decisões, indo de encontro à democracia e afetando as reais necessidades da coletividade;

4 Dr. Lester M. Salamon é professor da “John Hopkins University” e diretor da” Johns Hopkins

Center for Civil Society Studies”. Foi pioneiro em estudos empíricos acerca do Terceiro Setor, elaborando diversas obras sobre o tema.

5 SALAMON, Lester M. (1987): On Market Failure, Voluntary Failure and Third Party Government:

Toward a Theory of Government-Nonprofit Relations in the Modern Welfare State. In: Journal of Voluntary Action Research 16 (Spring), 29-49.

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4) Amadorismo filantrópico: o corpo de voluntários pode não ser eficaz o bastante para o exercício de atividades que requerem intervenção profissional.

Considerando a importância do Terceiro Setor para a promoção dos pressupostos da cidadania e, por conseguinte, da democracia, propõe-se verificar a possibilidade de imputação da teoria do fracasso filantrópico como pressuposto ou elemento determinante de caracterização das instituições sem fins lucrativos indicadas na amostra no que tange à insuficiência filantrópica e ao amadorismo filantrópico. Estas falhas dizem respeito ao processo de financiamento do Terceiro Setor, visto que a primeira se refere aos recursos financeiros e a segunda aos recursos humanos.

4.5 Amostra estadual: associadas à Abong em Pernambuco

As organizações associadas à Abong em Pernambuco, apresentam uma perspectiva diversa acerca do seu financiamento em relação à associação. Através de aplicação de questionários, foi possível averiguar que a grande maioria dessas instituições tem no Poder Público sua principal fonte de recursos. Em termos quantitativos, de um universo de 14 (catorze) instituições que participaram da pesquisa, onze estão intimamente ligadas à Potestade Pública no que tange ao financiamento. Duas delas encontram unicamente na cooperação internacional o seu principal incentivo, como o CENDHEC (Centro Dom Hélder Câmara de Estudos e Ação Social) e a Gestos, e uma única recebe quantias significativas dos seus associados, a Associação Beneficente O Pequeno Nazareno.

Quando questionadas acerca da possibilidade de sustentabilidade financeira sem a participação do Poder Público, respostas diversas foram obtidas. Uma delas, por exemplo, afirmou que seria possível essa independência se a estrutura da organização fosse menor.

A Escola PECIRCO, por sua vez, também afirma essa possibilidade devido à diversidade de fontes de recurso disponíveis, ainda trazendo ressalvas:

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Esta é uma questão bastante delicada, mas sim, pois existem outras fontes de financiamento além dos editais governamentais. Porém, existem duas questões: o fomento público deve existir como uma forma obrigatória de retorno, mas deve ser repensada a sua forma de distribuição e o montante a ser distribuído. (Escola PECIRCO, 2019) . Já metade das entidades que contemplam a amostra considera difícil ou até mesmo impossível garantir uma sustentabilidade financeira sem o fomento público.

Esse vínculo com o Poder Público como principal fonte tem razão em fatores culturais e jurídicos do país. Mesmo havendo leis de incentivo fiscal, ou seja, dispositivos que permitem a destinação de tributos, como o imposto de renda, tanto para pessoa física quanto jurídica a instituições filantrópicas, não é possível observar tal prática como costume na sociedade brasileira. Foi unânime entre as entidades situadas na amostra o não recebimento de destinações do imposto de renda. Mesmo sendo benéfico para ambas as partes, ou seja, para quem destina, que tem segurança da aplicação do seu tributo, e para quem se beneficia dele, esse mecanismo não é comum, mas tem um caráter de raridade, por ser uma prática pouco difundida no país.

O IDIS (Instituto de Desenvolvimento e Investimento Social) realizou uma pesquisa intitulada “Doação Brasil” publicada em 2016, e averiguou essa questão referente à destinação social do imposto de renda. Segundo os dados coletados, dos 2.230 entrevistados, cerca de 50% conhecem esse mecanismo, mas apenas 17% o utilizam, o que contribui para a conjuntura descrita. Esse mesmo estudo revelou que, em 2015, 77% da maior parte dos brasileiros fez algum tipo de doação. Dessa percentagem, 46% realizaram doações institucionais em dinheiro, visando ações sociais (IDIS, 2016).

As pessoas jurídicas também podem fazer essa destinação caso o resultado do cálculo do Imposto de Renda a pagar seja com base no lucro real, remetendo 1% dele aos fundos sociais, de acordo com a Lei 9249/95. (BRASIL,1995). Apesar dessa possibilidade, há nela pouca eficácia, visto que muitas empresas brasileiras se utilizam do lucro presumido nas suas bases de cálculo, como as situadas no estado de Pernambuco. Segundo dados mais recentes da Receita Federal, em 2013, 24.218 das empresas pernambucanas

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se baseiam no lucro presumido, enquanto 4.460 preenchem aquilo previsto pela lei mencionada. Isso, sem dúvida, dificulta a arrecadação de recursos pelas entidades do Terceiro Setor através desse mecanismo. Isso reflete o cenário das entidades situadas na amostra desta pesquisa.

Reflete também na configuração desse cenário, no que diz respeito à maior participação do Estado no provimento de recursos às organizações, a situação socioeconômica do estado. Como mencionado, Pernambuco se encontra em posição inferior a muitos estados quando se verifica indicadores como PIB e renda das famílias. Este último, principalmente, nos faz perceber que o pequeno rendimento adquirido em cada domicílio se restringe à subsistência dos indivíduos, o que não permite que seja destinado um percentual significante de doações às entidades do Terceiro Setor.

O IDIS também observou que a renda familiar está diretamente relacionada à prática da doação6. Cerca de 32% dos indivíduos com renda de

até dois salários mínimos realizaram algum tipo de doação a uma organização social no ano de 2015, e esse número cresce à medida que também aumenta a renda, estabilizando-se em 58% no que toca aos indivíduos com renda de 10 a 15 salários mínimos.

A renda familiar no estado de Pernambuco não alcança o valor de um salário mínimo, o que justifica a pequena participação em doações. Dessa forma, o Poder Público precisa agir mais ativamente para a garantia da sustentabilidade das instituições analisadas, tendo em vista que a esfera privada relacionada às pessoas físicas não se configura como um importante meio de obtenção de recursos dada à conjuntura em que se encontra o estado.

Outro ponto de análise desta investigação foi a averiguação da ocorrência do amadorismo filantrópico. Por isso, também foi contemplado no questionário os seguintes questionamentos: A entidade se utiliza do voluntariado na execução de suas atividades? Se existe voluntariado nessa instituição, existe algum

6 INSTITUTO PARA O DESENVOLVIMENTO DO INVESTIMENTO SOCIAL. Pesquisa Doação

Brasil. 2016. Disponível em: <http://idis.org.br/pesquisadoacaobrasil/publicacao/>. Acesso em: 25.10.2018

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processo de seleção para o exercício dessa atividade ou um processo de qualificação para o aprimoramento desse corpo de voluntários?

A utilização do voluntariado pela amostra não foi uma unanimidade. Para aquelas que se utilizam dessa categoria de trabalhadores, foi majoritária a presença de um processo de qualificação e seleção dos voluntários. Esse processo, mesmo não atribuindo um aspecto de profissionalismo a esses indivíduos, como defende a teoria de Lester, de certo, traz uma maior credibilidade ao trabalho deles.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através da incursão empírica, observou-se que as instituições situadas na amostra têm como principal provedor o Estado. De acordo com as ideias de Boaventura de Souza Santos (2002), o papel democrático dessas organizações estaria maculado, visto que o Poder Público exerceria grande influência no funcionamento dessas instituições, dificultando, desse modo, o exercício do controle social e da democracia participativa.

Entretanto, a Abong se contrapõe àquilo que acredita o autor, visto que sua estrutura de tomada de decisões, segundo a representante estadual da associação, Alessandra Nilo, é horizontal e prima pela participação de todas as associadas ou, pelo menos, da maioria delas, sem a influência dos financiadores. Ademais, a postura crítica e incisiva da associação em relação ao Estado não se altera em função deste participar do seu fomento. Dessa forma, verifica-se que não se encontra na Abong o paternalismo filantrópico trazido por Lester.

Contudo, no que toca à insuficiência filantrópica, foram encontradas algumas nuances. Lester Salamon (1987) afirmou que as instituições não recolhem recursos suficientes para a realização de suas atividades. E, de fato, sem a participação do Poder Público no financiamento das organizações, foi possível averiguar que tal tese se aplica à realidade da amostra, visto que muitas afirmam não haver sustentabilidade financeira sem o fomento do Estado.

Dessa forma, percebe-se que algumas associadas da Abong do estado de Pernambuco se encontram ligadas ao Poder Público no que tange à sua sustentabilidade. O problema desse cenário não está no financiamento do

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